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A emoção que vai para as ruas

Diante do panorama histórico, cultural e social brasileiro, parte da população vai às ruas por diferentes causas e auxiliada pela tecnologia

Texto: Manuella Pires Fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição: Isabella Lanave e Thiago Vilas Boas

O Brasil está passando por uma onda de protestos e manifestações que se generalizaram de forma mais intensa depois de 2013. Diversos grupos sociais tomaram força e levaram milhares de pessoas para as ruas. A população tem se mostrado crítica e atuante, e vai até à rua com diferentes formas de se manifestar.

“A nossa atual conjuntura nos indica uma tendência de insatisfação geral: nós estamos insatisfeitos com o prefeito, com o governador, com o presidente, insatisfeitos com os partidos políticos, com o Judiciário, com tudo. Portanto, isso vai se manifestar de diferentes formas, uma delas é na rua”, explica o cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Cervi.

Além disso, essa onda de manifestações populares tem ocorrido das mais diferentes formas. “A rede também proporciona que um grande número de pessoas estejam interligadas, e, que quando conectadas, recebam e troquem mensagens instantaneamente. Tudo isso tem influenciado na forma das pessoas se manifestarem”, complementa a mestre em Educação Dulce Eliane Mourão de Andrade.

DIÁLOGO

O ativista por direitos humanos e educação política Luan de Rosa E. Souza acredita que o objetivo a ser alcançado com qualquer manifestação é o diálogo com a opinião pública e o ganho do apoio das massas de uma forma

Professores e servidores públicos do estado do Paraná, protestam contra o governo estadual. Movimento que levaria ao confronto ocorrido em 29 de abril defronte à Assembleia Legislativa do Paraná.

Tropa de choque se aproxima da Assembleia Legislativa do Paraná para o cercamento proposto pelo governo, durante manifestação dos professores em 29 de abril.

geral. “Não me embaso pelo princípio da legalidade, eu acho que a lei pode ser injusta da mesma forma que o nazismo era algo aprovado por lei, o Holocausto, a escravidão. Então, a desobediência civil nesse caso é compreensível”, explica.

Watena Ferreira, representante do movimento negro, participa das manifestações munido de argumentos e bem informado sobre as pautas que está reivindicando. “Busco construir coletivamente as soluções para resolver problemas da sociedade. Ações de dentro de casa não são suficientes para gerar mudança”, conclui.

Já a organizadora da Marcha das Vadias, Jussara Cardoso, fala a respeito da resistência à violência durante os protestos que já participou: “Resistir à violência, se for possível resistir. A polícia mede o tamanho da violência pelo local onde está acontecendo a manifestação e o poder aquisitivo dos manifestantes. Nas periferias, a polícia não usa bala de borracha, é bala de verdade”, ressalta. AQUI

No dia 29 de abril de 2015, houve confronto entre a Polícia Militar do Paraná e os professores, que estavam em greve, protestando contra o projeto de lei que promove mudanças no custeio do Regime Próprio da Previdência Social dos servidores estaduais. O episódio deixou cerca de 200 professores feridos. “Foi um massacre anunciado. Orquestrado desde domingo, quando o Centro Cívico começou a ser isolado. Foi uma demonstração da postura ditatorial do governador e da Assembleia, omissa e subalterna ao Executivo”, relata a professora Cleusa Fuckner, ativista na causa dos professores paranaenses.

Ao comentar sobre a intensa participação de outros movimentos populares dentro da manifestação, o professor de História do Colégio Estadual do Paraná Elias Rigoni afirma que as atuais prá“Tiro de borracha dói, cassetete dói e a polícia não é nada amiga da população.” — Watena

Ferreira, representante do movimento negro.

ticas sindicais são um elemento muito positivo para as reivindicações. “A imprensa também tem sido positiva, embora por motivos distintos, ela sempre nos deixa angustiados”, complementa.

Em relação à situação de violência por parte do Estado, o ativista de movimentos negros Watena Ferreira relata que não há uma resposta que a população possa dar. “O Estado é uma estrutura preparada para reagir com violência. As pessoas que frequentam as manifestações, não. Elas não são treinadas para derrotar um inimigo, a resposta por parte dos manifestantes, infelizmente, deve ser correr”, lastima. Ele ainda alerta: “Tiro de borracha dói, cassetete dói e a polícia não é nada amiga da população”.

Vandalismo

Movimentos, como os black blocs, incitam ao vandalismo dentro dos protestos. Fato, que, muitas vezes, resulta em ação violenta por parte dos policiais e dos manifestantes.

“Vandalismo depende de quem vê, ‘Ah, os caras foram lá e quebraram os vidros do palácio’, ok, agora olha a situação que está um prédio público na periferia, as escolas dessas regiões; perceba, não estão na mesma situação? Então, quem fez o primeiro vandalismo? Foi o sujeito que veio quebrar o palácio ou o governador que deixou depredarem o prédio público na periferia e nunca fez nada para recuperá-lo?”, reflete o professor Emerson Cervi.

O cientista político ainda afirma que toda forma de manifestação é válida, desde que não imponha ódio ou a segregação como base: “Isso não é liberdade de expressão, isso é crime”, explica. Já a professora Dulce Andrade é totalmente contra qualquer forma de violência. “Não corroboro com ações que prejudicam a integridade moral e física do outro”, ressalta.

Conectados

A partir das novas tecnologias, é possível se expressar de maneira mais rápida e as redes sociais possibilitam a demonstração da insatisfação também de forma

online. Hoje, por conta das novas ferramentas, o processo de mobilização é acelerado. Porém, o cientista político Cervi relembra: “A gente não pode cair no equívoco de achar que as ferramentas estão mudando a cultura das pessoas. A cultura não é moldada pela ferramenta. É ao contrário, nós usamos as ferramentas em função da nossa cultura”, conclui.

Para que essas demandas do mundo virtual cheguem até as instituições tradicionais e tenham efeito, se exige um caminho longo e demorado, que perpassa, também, pelas manifestações na rua. “As instituições tradicionais oferecem respostas que elas entendem atender àquelas demandas mais difusas das manifestações de massa”, ressalta Emerson Cervi ao explicar sobre a velocidade como principal fator transformador trazido pelas novas mídias à forma de se manifestar.

Ao falar sobre os ativistas digitais – pessoas que se manifestam pela internet, o historiador Elias Rigoni destaca como pontos positivos as formações de grupos de

discussões e aplicações positivas desses diálogos. Ademais, ele realça a facilidade na organização, planejamento e execução de eventos sociais públicos. Entretanto, lamenta: “Tem atividades que recebem um enorme apoio nas redes sociais, mas na hora de se implementar a ação muitos nem aparecem. As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissipando ideias falsas”, conclui.

As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissipando ideias

falsas.” — Elias Rigoni, historiador.

Emocional

Nos anos 1980, as pessoas saíram às ruas, também para se manifestar contra o governo. De maneira mais organizada, por exemplo, no movimento das Diretas Já. “Se

você pegar qualquer descrição do Brasil, do final do século XIX, início do século XX, sobre o perfil do cidadão comum, você vai ver uma descrição de alguém pouco tolerante, de alguém bastante radical e muito emocional. Aliás, esse é o perfil do latino”, ressalta o cientista político Emerson Cervi.

A professora Dulce, que é funcionária aposentada pelo estado do Paraná e hoje dá aulas em cursos de pós-graduação, acompanhou as manifestações dos professores no Paraná, tanto na época de Álvaro Dias, nos anos 80, como agora, com Beto Richa. Ela narra: “Foi mais um massacre contra a cidadania. Feriram a sociedade paranaense, brasileira e mundial. Esse evento me fez lembrar dos momentos de transição da ditadura para a democracia, quando tínhamos medo de nossos pensamentos e de falar certos assuntos em sala de aula”.

Reconhecendo a importância da liberdade de expressão, e relembrando do que acontece com a falta desse direito, Dulce ainda afirma: “Lembro quando meus professores na universidade davam aulas com as portas abertas, temendo que atrás delas alguém estivesse ouvindo o que falavam e que saíssem presos para dar depoimentos sobre suas palavras”. O fotógrafo e estudante de Design Walter Thoms critica a maneira com que as pessoas se envolvem em manifestações no Brasil e acredita que é preciso se organizar e não “ir de cabeça vazia às ruas”.

Jussara, da Marcha da Vadias, tem esperança na mudança: “O que me motiva é saber que a luta vale a pena. Me manifestar é uma das maneiras que tenho de dizer para o Estado e para sociedade que não estou contente com algo, é a maneira que vejo de ser ouvida, fazendo coro com aqueles que também estão descontentes com algo”, destaca.

Junho de 2013: Praça Santos Andrade tomada de gente por todos os lados. Os gritos pediam por mais educação, saúde e atenção por parte do governo. “Essa Copa não me representa”, “Saímos do Facebook”, eram os cartazes mais avistados.

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