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Você come o que?

Retirar alimentos da dieta alimentar costuma ser uma das decisões mais impactantes na vida de uma pessoa, seja qual for a motivação

Reportagem: Evelise Muncinelli; Débora Dutra; Pedro Almeida e Victor Waiss Fotos: Evelise Muncinelli

Ohomem é aquilo que come. A afirmação, atribuída a Hipócrates, considerado “pai da medicina”, se encaixa perfeitamente no contexto daqueles que enfrentam alguma restrição na alimentação. Seja por saúde, preocupação com os animais, estilo de vida ou religião, eles estão crescendo em número.

Entenda melhor como funciona cada grupo e conheça a história de alguns curitibanos que decidiram mudar seus hábitos nutricionais:

Vegetarianos e veganos

Nenhum desses grupos representa mais uma novidade. De acordo com uma pesquisa feita pelo Ibope, cerca de 15 milhões de brasileiros declaram ser vegetarianos. Em Curitiba, foi constatado que 11% dos moradores são adeptos dessa dieta.

O motivo mais comum para a mudança alimentar é a preocupação com os animais, que costumam ser explorados para que sejam obtidos certos produtos, como carne e leite. Para o vegano Cristiano Costa de Oliveira, esse foi o principal motivo de sua mudança de hábito: “Quando eu era criança, eu via os animais sendo abatidos na nossa fazenda e chorava. Mas, à noite, comia carne, pois eu não tinha consciência daquilo. Foi quando eu fui crescendo que eu percebi o que acontecia. Desde então, nunca mais comi nada de origem animal”, diz.

Mas, para se convencer a ser vegetariano, e depois vegano, Oliveira chegou a assistir a vídeos de abatimentos de animais para se horrorizar e nunca mais sentir vontade de comer nada de origem animal. “Eu assistia a esses vídeos para ter certeza”, completa Cristiano.

Há duas variações mais restritas do veganismo, que são o crudivorismo e o frugivorismo. O primeiro é a ingestão de alimentos vegetarianos estritamente crus, já o segundo compreende apenas frutas, verduras e legumes.

Anna Krassusky começou pelo vegetarianismo nove anos atrás e migrou para o veganismo após 12 meses. Há cinco anos, em Buenos Aires, ela experimentou o frugivorismo: “Durante essa fase, eu ainda fazia refeições cozidas de vez em quando. Mas minha alimentação tinha base nas frutas”. Os motivos pelos quais ela fez essa opção foi para melhorar seu estilo de vida, por compaixão aos animais e ética. “Acho difícil qualquer pessoa que se dê conta do que realmente acontece com os bichos na indústria alimentícia, não sinta a necessidade de mudar”, conta Krassusky.

Anna diz que costumam perguntar com frequência se ela sente falta de algum alimento que ela comia anteriormente: “Acho que muita dessa falta, ou vontade de certos alimentos, é questão de apego emocional. Por exemplo: não sinto falta de sopa ou alimentos quentes no inverno porque, para mim, não os associo mais à alimentação”. “Em dias em que eu não comi suficientemente, me dá uma vontade de ingerir coisas cozidas. Mas normalmente eu como frutas e o desejo passa”, completa.

O apoio da família é algo importante nesse processo de adoção e adaptação, pois, geralmente, essas pessoas exercem influência que

Quem come o quê:

Vegetarianos

não comem nenhum tipo de carne.

Frugívoros

só comem frutas (base da alimentação), legumes, hortaliças e oleaginosas.

Veganos

não comem nada de origem animal: carne, laticínios, ovo e mel.

Crudívoros

comem somente alimentos crus sem origem animal.

Intolerantes

têm dificuldade em digerir certos alimentos pois não possuem as enzimas necessárias para isso.

Alérgicos

O corpo vê determinado alimento como uma substância perigosa, desencadeando reações desagradáveis ao tentar se defender.

“Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana. A ordem de vida vegetariana, por seus efeitos físicos, influenciará o temperamento dos homens de uma tal maneira que melhorará em muito o destino da Humanidade.”

Albert Einstein, físico e matemático.

pode ser determinante para que uma nova dieta seja continuada ou abandonada. Na história de Juliana Ferreira, foi o irmão que a convenceu das vantagens que a falta de carne faria para sua saúde, após ele ter participado de um seminário sobre o tema. Na época, ela tinha 5 anos; hoje, ela tem 19 anos. Adaptar o cardápio feito em casa foi o mais difícil, mas ela diz que a família admira a coragem de nunca ter mudado de ideia.

Para Lígia Maffessoni Penia, vegetariana desde os 7 anos, esse fator foi importante no processo, pois o fato de a carne não ser tão essencial no cardápio em casa ajudou nessa mudança: “Minha mãe e irmã sempre comeram pouca, então para mim foi fácil parar. Depois da minha decisão, o consumo na minha casa, em geral, diminuiu muito também”, comenta.

Infelizmente, não são todas as pessoas que recebem o apoio que gostariam de familiares e amigos. Cristiano conta que, por ser do interior do estado, ele cresceu rodeado por uma cultura em que todos comiam carne. “Foi apenas quando vim pra Curitiba que eu conheci amigos que pensavam do mesmo jeito que eu e um grupo em que todos nos apoiávamos”, continua Oliveira.

Intolerantes e alérgicos

Em março de 2013, a professora de natação Carolina Pijak começou a se sentir mal após comer certos alimentos: ela sofria com dores, distensões abdominais, diarreia e gases. Ao longo dos meses, a médica recomendou que ela eliminasse leite e glúten do cardápio, porém nenhum exame havia sido feito. No final daquele ano, ela fez exame e deu positivo para as duas intolerâncias.

Por ter um condicionamento digestivo diferente, resultado de uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) feita em 2010, o organismo dela não absorvia naturalmente os nutrientes dos alimentos e, por isso, ela precisava tomar suplementos vitamínicos. Isso já tornava ainda mais difícil a sua alimentação.

Nos primeiros meses, ela seguiu corretamente a nova dieta. Depois, começou a relaxar e até hoje ela assume que, às vezes, cai na tentação. “Você vai sair, vai a uma festa, você acaba comendo. Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.” Ela revela que sente muita falta de comer pudim, chocolate e outros doces, uma vez que a fraqueza dela é o açúcar. “Aí você pega os doces mais gostosos, tudo tem leite condensado”, lamenta Carolina.

A alergia é uma reação mais perigosa, pois coloca em risco a vida da pessoa. Ricardo Bernardi é alérgico a pimentão. Ele relata que as reações aparecem em menos de meia hora após o contato com esse tipo de alimento. Elas envolvem inchaço interno, podendo levar ao sufocamento,

Para os adeptos de práticas alimentares mais saudáveis, atualmente existem muitas opções de alimentos.

Enganam-se aquelas pessoas que pensam que dietas saudáveis são sinônimos de comida ruim.

Assim como os alimentos, os produtos de higiene também são adaptados. Pessoas com restrições alimentares encontram em medicamentos e suplementos um forte aliado.

Ingredientes veganos conseguem substituir até mesmo alimentos considerados de origem exclusivamente animal.

Você sabe o que é tofu? Um alimento deriado do leite de soja que pode substituir o queijo em pratos.

“Você vai sair, vai a uma

festa, você acaba comendo. Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.”

Carolina Pijak.

mas, também, externo, com descamação e coceiras na pele. Em duas situações, ele foi parar no hospital. Apesar disso, ele diz que evita esse tipo de alimento e que não toma nenhum tipo de medicamento para controlar o problema.

A namorada de Ricardo, Gabriela Sacom, tem alergia a leite. Por isso, nunca tomou nenhum tipo de leite, incluindo o materno. Ela relata que também sente coceiras e irritações na pele, porém nunca teve inchaço.

Quando tinha 10 anos, o fotografo Bruno Tomasoni, que sempre havia comido frutos do mar, teve uma reação alérgica ao comer camarão. Ele desenvolveu ictiose, uma doença de pele, e também foi parar no hospital. Lá, os médicos recomendaram que ele não ingerisse mais esse tipo de alimento, nem medicamentos que contivessem iodo na fórmula. “Hoje, não sei se exatamente posso ou não comer, não fiz nenhum teste atualizado. Mas prefiro não arriscar!”, diz.

Palavra de especialista

Em qualquer caso de uma dieta restritiva, é essencial consultar um nutricionista, que irá avaliar o caso e indicar qual deve ser a alimentação adequada especificamente para cada pessoa. A especialista em nutrição Yasmin Amorim concorda que qualquer pessoa pode fazer uma dieta sem carnes ou sem nenhum tipo de alimento de origem animal, desde que esteja com a saúde em dia e faça acompanhamentos com profissionais que possam ajudar nesse processo. “São feitos exames bioquímicos para determinar quais serão as vitaminas e minerais necessários para o paciente poder ter uma vida saudável”, orienta.

Para Yasmim, muitos casos de intolerância a algum alimento são confundidos com alergias. Para saber qual deles a pessoa tem, é feito um acompanhamento do paciente e observado como é o comportamento do seu corpo em relação a determinada comida. “Para esses casos, fazemos uma dieta de restrição, na qual a pessoa fica 30 dias, a princípio, sem comer aquele alimento. Após esse tempo, ela volta a comer, mas em quantidades reduzidas, para poder chegar ao diagnóstico do caso”, diz a nutricionista. Nesses casos, é uma intolerância.

Para aqueles que são vegetarianos, a nutricionista diz que não existe nenhuma perda de nutrientes, desde que a pessoa faça um acompanhamento regular. Podem-se obter os nutrientes provenientes da carne por meio do feijão azuki e de alimentos vegetais.

Nicho

Somente nos últimos anos é que o mercado gastronômico percebeu que havia um nicho sedento

por atenção. Últimos dados disponíveis sobre a quantidade de restaurantes vegetarianos no Brasil, publicado pelo Guia de Restaurantes 2014, da Revista dos Vegetarianos, indicavam 200. Atualmente, nas capitais, já é possível encontrar um grande número de estabelecimentos preocupados com esse grupo de pessoas.

Um desses lugares é a Veg Veg, das sócias Tatielle Jorge e Caroline Ferreira, que vende cerca de 300 produtos livres de ingredientes de origem animal, disponíveis nas lojas física e online. A ideia de criar a loja surgiu da necessidade de um lugar que reunisse produtos, novidades e informações do mundo vegano. As duas, cansadas do trabalho, resolveram fazer exatamente isso: “A minha ideia era abrir a loja em um ano, só que aconteceu muito rápido. Quando a gente viu, o local já estava alugado”, conta Tatie. “A gente trouxe produtos de Salvador, do Rio de Janeiro, de Rio Grande do Sul, e criou um mix de bem diverso, que não tinha no mercado, que não tinha em lugar nenhum. Nós provávamos. Se o produto era gostoso, ele continuava; se Porém, a questão não para por aí. Juliana Ferreira sente que os alimentos restritivos ainda são caros: “Acabo ficando com as opções básicas ou peço para retirar a carne do prato a ser feito, se possível”. Carolina Pijak concorda: “É questão de bolso: tudo é muito caro. O queijo, que eu pagava R$ 7, hoje pago R$ 12 na versão sem lactose. Eu compro com ‘dor no coração’”. Um desafio ainda permanece: o de tornar cada vez mais acessível os produtos destinados a eles.

Uma das iguarias vegetarianas é a famosa coxinha de brócolis, que promete agradar até mesmo os carnívoros. Preocupados com os animais, os veganos não consomem alimentos, nem produtos, que tenham origem na exploração de animais.

Estabelecimentos voltados a esse tipo de público encontraram um bom segmento de mercado para atuar. Muito mais do que uma parcela de mercado, o estabelecimento (Veg Veg) busca contribuir com os princípios dos adeptos a diferentes tipos de dietas e hábitos alimentares.

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