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A mulher através das gerações
Em busca de igualdade social, com o passar dos anos, mulheres da mesma família enfrentam novos desafios dia após dia
Geane Godois
Aigualdade entre os sexos é polemizada e tem sido amplamente discutida ao longo dos anos, no Brasil, sobretudo após o crescimento do movimento feminista no final do século XIX. Nos anos que se seguiram, muitas conquistas foram creditadas às mulheres, tanto no âmbito social, quanto profissional, sem esquecer, inclusive, da liberação sexual (ou seja, do maior poder de escolha do momento em que se deseja ter filhos, impulsionada pelo crescimento dos métodos contraceptivos, por exemplo). Contudo, pode-se notar, nos últimos 50 anos, a evolução no que diz respeito à imagem que a sociedade tem do que é ser mulher, o que atualmente não se restringe mais a ser aquela em que detém apenas a função – e obrigação – de cuidar da prole, do marido e do lar.
Houve um momento na história em que os objetivos principais inseridos na educação feminina eram o de casar, ser uma boa esposa (que saiba lavar, passar, cozinhar e, se necessário, obedecer ao companheiro) e ter filhos. Caso os desejos fossem outros diferentes desses, a mulher seria considerada infeliz, rejeitada ou com algum problema. “Era algo colocado na nossa cabeça desde que nos conhecemos por gente. O marido é quem devia mandar. Afinal, quem colocava o sustento em casa era ele. A nós cabia apenas manter os filhos na linha e a residência em ordem”, explica Alaída Mayer, de 90 anos.
Tais aspectos, no entanto, tornam-se cada vez mais obsoletos na medida em que a sociedade brasileira se transforma. Em 1965, por exemplo, o país encontrava-se sob a ditadura militar, sendo que 49,9% da população, que equivalia a 84 milhões, era do sexo feminino. De cada cem mulheres, apenas 11 trabalhavam, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, os números se alteraram pouco na porcentagem, passando para 51,3%. No entanto, de cada cem mulheres, 38 estão empregadas.
Ser mãe é uma escolha
Até 50 anos atrás a maternidade ocupava a vida da mulher quase de maneira integral – e desde muito cedo –, tendo em vista que a estimativa de idade para se ter o primeiro filho era de 19 anos. “Não era raro o número de crianças passarem de meia dúzia. Eu quase cheguei lá, tive cinco. Nunca foi fácil educar filhos e passei por inúmeras dificuldades principalmente quando fiquei viúva”, comenta Alaída que até a morte do marido foi dona de casa e depois se tornou funcionária pública.
Após a popularização da pílula anticoncepcional, ainda na década de 60, ampliou-se a possibilidade de retardar ou até anular o desejo de ser mãe, como explica a cientista social Solange Fernandes: “Sem dúvida alguma, a maternidade deixou de ser um destino, para abrir a possibilidade da programação dos filhos em termos de quantidade e planejamento”.
É possível constatar os efeitos das
Alaída Mayer, Leni Stencel e Michelle Costa, três gerações de uma mesma família.
mudanças, das novas possibilidades e conquista em intervalo de tempo entre uma geração e outra. Leni Stencel, de 60 anos é filha de Alaída, e ao contrário da mãe, que não concluiu o ensino primário, chegou a iniciar o ensino superior e teve apenas dois filhos. “Casei-me, tive as crianças e me separei. Poderia me acomodar, mas decidi abrir meu próprio negócio e encontrei um novo companheiro. Já minha mãe passou a viver de verdade, depois que eu e meus irmãos crescemos e meu pai faleceu”, comentou. Alaída concorda e completa: “Permaneci sozinha, o casamento me consumiu e decidi me cuidar depois de cumprir tudo aquilo que achava importante”. Independência Sem dúvidas, a inserção no mercado de trabalho é algo que chama a atenção no que diz respeito à igualdade dos sexos, já que nos anos 90 a luta por mais espaço em áreas antes predominantemente masculinas ganhou força. “O que se quis e ainda se quer é, na verdade, o sentimento de pertencimento, utilidade e independência. A vida não para na ausência de um companheiro e, a partir dessa constatação, a mulher foi à luta”, enfatizou Solange Fernandes. Michelle Costa tem 38 anos, é neta de Alaída e filha de Leni. Casou-se uma vez e atualmente é divorciada. Formou-se em Jornalismo, mas não atua na área. É responsável pela criação integral dos dois filhos. “Na época da minha avó provavelmente eu seria considerada uma mulher que tinha alguma coisa errada por estar criando os meninos e vivendo sozinha por opção e não porque fiquei viúva. Felizmente, hoje as coisas são diferentes e tenho orgulho de dizer que trabalho e arco com a maior parte dos custos da criação deles”, pondera. Segundo o Censo, 48% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres e elas, inclusive, estudam em média oito anos a mais que os homens. Trabalham conquistando postos cada vez mais altos e de mais poder e prestigio. Porém, claro que tudo tem um preço e mulher moderna vem pagando isso. Ou seja, se por um lado a maioria das mulheres atuais espera até aproximadamente os 30 anos para ter filhos e se tornam cada vez mais independentes e seguras, por outro, a dupla jornada (trabalho + casa) as impedem de acompanhar mais de perto a educação da prole.
A convivëncia entre as diferentes gerações contribui para o aprendizado a respeito da vida .
Mudança alheia O ser humano está em constante mutação física e intelectual. Porém, a convivência em sociedade permite que as mudanças ocorram de forma grupal. Dessa forma, a mulher mudou, mas o homem “A vida não para na ausência de um companheiro e, a partir dessa constatação, a mulher foi à luta.”, Solange Fernandes, socióloga. também mudou e a sociedade acabou por seguir essas transformações. “A geração dos homens mais contemporâneos estão muito mais participativos, contudo, eles estão descobrindo um jeito próprio de estarem mais presentes. Eles estão ficando cansados de serem apenas ajudantes e querem mais”, explica a cientista social. Assim, cada vez mais as funções e responsabilidades tendem a se mesclar, aliando-se às técnicas de educação que se tornam a cada dia mais variadas e completas. Algumas coisas, porém, não precisam mudar. E isso nem sempre é ruim. “Creio que os conselhos dos mais experientes (aquela receitinha de avó, ou o truque da mãe) nunca sairão de moda e tem hoje muita utilização sim, como terá daqui 50 anos. Talvez o que tenha mudado é o modo menos rígido de educar, que é agora mais negociado”, completa.
