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Casa 274
2 + 7 + 4 = 13, 274 é o número do endereço no qual se localiza a Sociedade Beneficente 13 de Maio, que completou 127 anos de resistência negra em 2015
Texto e fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição Manuella Costa Pires
Uma caixa retangular com isolamento acústico. Assim poderíamos, de forma simples, definir a área do palco principal da Sociedade Beneficente 13 de Maio. Pelo salão, pequenas mesas de madeira espalhadas estrategicamente para os dançantes também terem o seu espaço. No teto, uma estrela de Salomão, com cinco pontas, branca e iluminada, disposta bem no meio do ambiente. O antigo Clube dos Negros parece não ter nada de diferente de um clube de dança tradicional, se não fosse pelas histórias que as paredes guardam.
Formado em maio de 1888 por ex-escravos que tinham como objetivo reunir os homens recém-libertos, a Sociedade 13 de Maio foi por muito tempo restrita a negros. A partir do Manifesto da Confederação Abolicionista de 17 de abril de 1888, no Rio de Janeiro, que excluía o Brasil de um regime escravocrata antes mesmo do famoso 13 de Maio, deu-se a formação do clube, em Curitiba. Frequentado, hoje, majoritariamente, por brancos.
O objetivo da sociedade era também ajudá-los em casos de doença, de problemas financeiros, os encaminhando a escolas e faculdades, e até providenciando funerais. A casa garantia, por meio das contribuições dos associados, um caixa que manteria uma assistência e segurança mínima aos associados, estendida também aos familiares.
BELEZA PURA
Quem não conhece Álvaro da Silva, atual presidente da 13 de Maio, pode ter uma impressão equivocada. Devido a problemas em um olho, para reconhecer quem está falando do outro lado, Silva precisa, antes, se aproximar. E se não reconhece a sua voz, o semblante não é dos melhores.
Entretanto, menos de cinco minutos de conversa são suficientes para tirar o primeiro sorriso do presidente. “Beleza Pura!” é como ele termina a conversa e confirma a primeira entrevista para o dia seguinte. O homem que, quando jovem, não tinha muito interesse pelo clube, já está há 21 anos na presidência. Desde que seu pai, Euclides da Silva, através de uma manobra política interna, passou para o filho o mandato.
Segundo Silva, foi de uns dez anos pra cá que a casa ficou conhecida pela sua história na cidade. Devido, principalmente, “a ajuda de pessoas que chegam aqui e jogam capoeira, tocam maracatu, dançam forró”. Algumas dessas atividades com dias marcados e intransferíveis: “O dia do maracatu é no sábado, tem oficina e ensaio. Forró já é tradicional de domingo e a capoeira tem ensaio toda segunda e quarta”, afirma o presidente.
Para Paulo Portes, frequentador do clube há cinco anos por meio do maracatu, o clube é mais do que um espaço para realizar as atividades. “A Treze é nossa casa. Seria muito difícil ter outro espaço em Curitiba”, afirma Portes. “O grupo lá de Joinville, por exemplo, não tem lugar para ficar. Então a gente aqui agradece muito por poder usar esse espaço, que, há uns sete anos, começou a ser usado por alguns dos primeiros grupos de maracatu de Curitiba.”
Além do maracatu, muitas pessoas envolvidas com outras manifestações de resistência vinculadas à cultura popular brasileira e africana se aproximam do clube. Fábio Fernando Tavares de Macedo é um exemplo disso. Músico, arte-educador, produtor cultural e frequentador do espaço como público e como artista, foi um dos que organizaram a última oficina de dança e percussão africana dentro do clube.
“Essas atividades servem para ‘engrossar o caldo’, no bom sentido da luta pela afirmação, divulgação e reconhecimento destas práticas de cosmovisão diferenciada”, completa Fábio. Ele, atualmente,
-Paulo Portes, integrante do Maracatu Aroeira.


Em cima, parte da diretoria do clube: Domingos de Souza Barbosa, Marcelo Dias Alves e o presidente Álvaro da Silva. Abaixo, o grupo Maracatu Aroeira, que utiliza o espaço para oficinas e ensaios.
faz parte de uma banda de música cubana, que também busca inserção na Sociedade 13 de Maio, “por compartilhar da visão de que trata-se de um local de resistência das culturas ancestrais latinoamericanas que são praticadas e difundidas”, conclui.
O NEGRO É RACISTA
“Uma das três ainda permanentes instituições formadas por escravos em atividade no Brasil” foi como a Sociedade 13 de Maio foi conhecida por Jailton Santos, pernambucano e morador de Curitiba há quatro anos. “Antes de vir pra cá, eu já conhecia o clube. E quando cheguei, minha integração acabou sendo natural, já que eu venho da participação de outros movimentos negros”, afirma Santos, que hoje é o braço direito do presidente.
Historicamente, Curitiba é uma cidade, como toda capital brasileira, formada pelas três matrizes básicas fundadoras do país: o indígena nativo, o europeu branco português e o africano. Para Santos, com o passar do tempo, a cidade estratificou a relação entre esses grupos formadores com a presença maciça de alemães, poloneses, italianos e ucranianos, tornando-os majoritários tanto economicamente, como socialmente.
“Eu percebo que, culturalmente, é marcante como se dá a divisão social hoje. Num ambiente onde predomina samba e pagode, predominam negros. No forró, será o branco, assim como no sertanejo”, diz o pernambucano. E na 13, não poderia ser diferente. Mas com uma diferença: quase não há negros nem no samba. “Os negros que frequentavam aqui foram envelhecendo”, afirma Santos. Além das mudanças nas tradições e nas atividades do clube, que, por algum motivo, não fez com que os filhos desses antigos frequentadores se interessassem. Para Domingos Barbosa, diretor do clube há 28 anos, “o negro é racista” e vai se afastando de suas próprias origens, muitas vezes por não querer tomar para si essa identificação, como ocorreu na década de 50 com o clube. Depois do grande auge dos anos 30 e 40, nos quais ocorriam bailes lotadíssimos, onde a entrada só era permitida de terno e gravata, e os brancos apenas entravam acompanhados de negros.

A sala de retratos. Detalhe para a sombra do presidente, que conta cada detalhe da história do clube.
OS BAILES
“Sempre vinha um negão lindo lá de baixo, de calça branca com tecido frisado, paletó e chapéu, que eu tinha até inveja! E, para entrar, deixava o chapéu na portaria. Meu pai, também, só andava fino, diferente de mim”, dispara Álvaro da Silva, o atual presidente. Os bailes da década de 1970 no clube fizeram sucesso.
No baile tradicional de aniversário da casa, realizado todo dia 13 de maio, se nota a presença de convidados que, geralmente, não estão nas festas do clube. São negros mais velhos, bem vestidos, com o samba e a simpatia na ponta da língua e dos pés. Will Santos, 53 anos, frequentadora da sociedade desde pequena com a mãe, é uma dessas que ainda diz

Mesa oficial do dia 13 de maio. Da esquerda para a direita: Pep Bonet, João Carlos de Freitas, Brenda dos Santos, Isidoro Diniz, Mesael Santos, Marcelo Dias Alves, Álvaro da Silva, Jailton Santos, Professor Denis, Thiago Oshino e Domingos Barbosa.
ter saudade dos grandes bailes da época.
“Vínhamos com a família inteira, adultos e crianças, e sabíamos que a sociedade nos representava. Hoje, muita gente nem sabe”, afirma Will, que apesar disso, reconhece a força de um clube, que já existe há 127 anos. “E somos nós que repassamos essa resistência de geração a geração”, finaliza. Já Darci Batista Rosa, de 61 anos, só vai à 13 de Maio no dia do baile de aniversário: “Não tem mais bailes como antigamente e eu não gosto de vir nessas outras festas”.
RESISTÊNCIA
A Sociedade 13 de Maio hoje é composta por 13 cargos administrativos, ocupados em sua maioria por negros, filhos de antigos presidentes ou antigos frequentadores. Destes, poucos participam efetivamente de todo o processo administrativo e cultural da casa. São raros os jovens. Entretanto, a sociedade caminha mais com a ajuda de voluntários apaixonados pela causa do que por outra coisa.
Em Curitiba, o Centro Cultural Humaitá, entidade dedicada ao estudo e pesquisa da arte e da cultura afro-brasileira, vê a sociedade como um símbolo maior da resistência negra em Curitiba. Entretanto, “não existe parceria entre a Sociedade 13 de Maio e o Humaitá. Nesta trajetória centenária em algum momento o clube perdeu sua razão de ser. Razão esta que há algum tempo algumas pessoas, negros e não negros, começaram a lutar para que este clube não seja apenas um bar, mas um forte símbolo de resistência negra”.
Para tentar adequá-lo aos novos tempos, percebe-se que, gradativamente, o clube começa a ter uma função social, a abrir espaço para cursos, palestras e projetos, “o que é de grande importância para a cidade de Curitiba, uma cidade que sempre negou seus negros.”, finaliza o “Zelador cultural Candiero”, como prefere ser identificado o responsável pelo Humaitá. Jailton da Silva acredita que um dos grandes problemas “é que a 13 não está inserida no contexto do século XXI”, pelo simples detalhe de ela não possuir um endereço na web, até pelo fato de não estar inserida nas políticas públicas que surgiram nesses últimos 13 anos.
No último aniversário da casa, comemorado no dia 13 de maio, o presidente organizou um baile oficial, no qual diversos convidados estavam presentes. Estavam lá vereadores, professores, pesquisadores, advogados e alguns integrantes da diretoria do clube. O aniversário teve uma comemoração de cinco dias. Segundo o dirigente da casa, os seus convidados oficiais só apareceram no último dia, com discursos longos e elaborados sobre a importância

O presidente, Álvaro da Silva, contando sobre as dificuldades do clube.
de se ter, possuir e frequentar um clube de resistência como a 13 de Maio.
Apesar das dificuldades para manter a casa em pé, Álvaro não perde o entusiasmo. O sentimento de quem estava lá, no dia 13, é de esperança. De que existem pessoas lutando pela causa negra, negros ou não, pensando em um bem comum para todos. Entretanto, o dirigente da sociedade conta que se sente sozinho no barco, pois a própria diretoria não o auxilia. Hoje, o espaço de 127 anos de resistência é mantido com a ajuda de pessoas interessadas pela causa, não ligadas diretamente ao clube. “Sou do tipo de cara que, às vezes, uma vez por ano, acredita no horóscopo”, nos outros dias do ano Álvaro deixa de lado a sorte e trabalha duro: “Eu não vou fazer por fazer, vou fazer para dar certo”, conclui. Mãe Orminda ecoando o melhor do samba brasileiro nas comemorações do aniversário da Sociedade 13 de Maio.
