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Entre o medo e a agressão

Paraná está entre os três estados brasileiros mais perigosos para as mulheres quando se trata de violência doméstica. Burocracia no atendimento às vítimas é um fator que agrava o quadro

Texto: Fernanda Bertonha e Mônica Seolim Fotos: Fernanda Bertonha

Em Curitiba, a cada 100 mil mulheres, 10,4 são agredidas no ambiente doméstico.

“O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção.”

De acordo com o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil, de junho de 2013, o Paraná é o terceiro do país na quantidade de morte de mulheres vítimas de violência doméstica. São 6,4 homicídios femininos a cada 100 mil mulheres. Apesar das iniciativas públicas nesse setor, vítimas reclamam da falta de suporte oferecido.

Curitiba é a quarta capital nacional nesse tipo de violência, de cada 100 mil mulheres, 10,4 são vítimas de violência.

Segundo Roseli Isidoro, secretária municipal de Políticas para as Mulheres de Curitiba, a secretaria tem trabalhado no sentido de dar maior visibilidade ao assunto, denunciando os casos. “Temos a Patrulha Maria da Penha, implantada há mais de um ano e que já atendeu mais de 3,8 mil mulheres com medidas protetivas de urgência”, relata.

A Patrulha Maria da Penha é um trabalho feito em conjunto entre a prefeitura de Curitiba e a guarda municipal da cidade. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas. “No período noturno e nos finais de semana, a Patrulha atua em escala de plantão para atendimentos emergenciais”, explica Roseli.

Ainda de acordo com a secretária, o objetivo da patrulha é monitorar os casos em que as vítimas estão sob medida protetiva, fazendo visitas regulares e atendendo as ligações. Porém, ela só atua depois que os procedimentos legais já foram realizados. “A mulher faz o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher, solicita a medida protetiva se assim desejar, a denúncia é encaminhada para o Ministério Público e depois para o Juizado da Violência Doméstica e Familiar que expedirá essa medida. A partir daí, a mulher entra no relatório da Patrulha”, detalha.

De acordo com a jornalista e consultora da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR, Vanessa Fogaça Prateano, a burocracia é um fator que agrava a violência. O juiz tem dois dias para deferir a medida protetiva, mas nem sempre é o que acontece na prática. “Pela lei, o prazo é de 48 horas, mas pode demorar mais, sim, pela ineficiência do judiciário ou da delegacia”. Ela diz, ainda, que isso pode gerar na mulher a desconfiança em relação à Justiça e outros problemas. “O agressor pode agir nesse ínterim, acreditando que ficará impune diante do pedido de socorro da vítima à Justiça”, comenta.

Vanessa ressalta que o suporte oferecido às vítimas pelo Estado é precário. “O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção, da educação e da recuperação. Não há qualquer projeto que vise a oferecer uma reeducação de gênero ao agressor, por exemplo”, diz.

Sobre as medidas protetivas, Vanessa acredita que só são eficientes quando combinadas com outras atitudes tomadas pelo Estado. “Alguns homens não se inimidam diante da comunicação de que não podem se aproximar da vítima, e aí o Estado precisa agir para que isso não ocorra, porque só um comunicado em papel não basta”, conclui a jornalista.

Campanha do Laço Branco

Uma das vítimas que será retratada a seguir encontrou uma forma de lidar com a violência doméstica. O Movimento do Laço Branco, no qual Neuza Antunes é engajada, surgiu no Canadá, após um massacre em que um estudante entrou em uma Escola Politécnica e, dentro de uma sala de aula, pediu que os homens se retirassem. Depois, assassinou as 14 mulheres que ficaram. Isso aconteceu em 1989 e mobilizou um grupo de homens canadenses para lutar contra a violência contra as mulheres.

Esse movimento está hoje em mais de 50 países e acontece entre 25 de novembro e 6 de dezembro. De acordo com a ONU, essa é a maior campanha de caráter mundial envolvendo homens na luta contra a violência de gênero.

Olinda Pereira* é vendedora, tem 52 anos e no fim do ano passado conseguiu se livrar da violência que sofria. Ela apanhou do companheiro, Roberto*, durante 14 anos, sofrendo calada. “Eu sempre senti vergonha de dizer que o meu marido me batia e não sabia a quem recorrer”, desabafa.

A vítima se preocupava em como sustentar os dois filhos caso saísse de casa. “A família sempre foi sustentada pelo Roberto, eu não tinha um emprego e não queria voltar para a casa dos meus pais.”

“No início, o Roberto começou a me xingar. Depois, quando discutíamos, ele me chacoalhava pelos braços e isso começou a acontecer sempre, todo final de semana”.

A atual vendedora lembra da primeira vez em que sentiu medo do marido. “Enquanto estava só nos gritos e empurrões, eu achava normal. Um ano depois da primeira vez em que ele me xingou, chegou em casa bêbado e tivemos uma briga, foi quando ele deu um soco no meu rosto”, lembra.

Depois disso, Olinda apanhava todas as semanas e mal conseguia esconder as marcas. “Não saía mais de casa, para evitar as perguntas das pessoas.”

Em setembro do ano passado, sua vizinha escutou os gritos e, na ausência do marido, foi até a casa de Olinda prestar seu apoio. “Quando me informei sobre como podia fazer meu marido ficar longe de mim, soube que tinha que fazer o B.O. (Boletim de Ocorrência) na Delegacia e depois esperar os encaminhamentos e só então me sentiria protegida. Mas quanto tempo isso pode levar?”, justifica.

Olinda foi viver na casa de uma amiga e por indicação dela, conseguiu o atual emprego. “Soube que meu marido foi para o Norte e conto com a sorte para que isso seja verdade. Senti falta de um apoio maior do Estado sim, eu achava que assim que denunciasse, automaticamente alguma coisa já seria feita. Para quem sofre violência, um dia já é muito tempo”.

*Nome da personagem foi modificado para preservar sua imagem e as fotos não retratam uma vítima real.

Quando criança, Neuza Antunes viu a mãe ser agredida pelo pai várias vezes, até fugir de casa. Já adulta, virou ativista contra a violência doméstica e foi uma das responsáveis por trazer a Campanha do Laço Branco para o Paraná, um movimento internacional de combate a esse tipo de agressão.

Neuza começa contando um pouco sobre a história da mãe, Tereza Ossowski. “Ela é filha de uma família de origem ucraniana muito tradicionalista. Moravam todos na zona rural, até que quando minha mãe tinha 17 anos, apareceu por lá um homem mais velho, da cidade grande, que a roubou da família”.

A ativista conta que de acordo com relatos da mãe, no início a união foi bem tranquila e eles tiveram três filhos, sendo Neuza a mais velha. Quando ela tinha cerca de 4 anos de idade, viu as primeiras agressões. “Meu pai costumava chegar bêbado em casa e agia violentamente. Como eu era nova, as lembranças se misturam, mas eu sei que nunca tive uma figura paterna”. Ao contar um dos episódios mais marcantes, Neuza se emociona. “Certa vez, meu pai afiou uma série de facas e colocou todas em cima do guarda-roupa, com as pontas viradas para fora, disse que era uma para cada um, ou seja, para minha mãe, meus dois irmãos e eu. Foi a última noite que dormimos naquela casa”. Com medo, no dia seguinte a mãe de Neuza saiu com os filhos e procurou ajuda dos vizinhos, mas isso demorou cerca de cinco anos, considerando o momento em que as agressões começaram.

Neuza conta que naquela época, não havia um trabalho feito por órgãos especializados em atender a mulher vítima de violência doméstica, e havia outro problema. “A família da minha mãe era muito tradicional, jamais aceitaria que ela voltasse depois de ter praticamente fugido de casa anos antes. Essa foi uma das razões pelas quais o sofrimento durou tanto tempo”, explica.

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