Edição Especial - Cobertura do X In4Med

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Keynote tantes de referir são as boas. Em qualquer crise humanitária em que já trabalhei vi exemplos de puro heroísmo e altruísmo extraordinário, de pessoas que estavam completamente desesperadas – até à garganta – e, mesmo assim, conseguiram por o bem-estar de outra pessoa à frente delas próprias; ter perdido tudo, até os membros da família, e salvar a vida a completos estranhos. Isso é inacreditável. E de que é que eu estou a falar? De, por exemplo, pessoas em Moçambique que passaram a noite toda a tirar água da casa para não morrerem afogadas com os filhos e logo no dia a seguir estavam a trabalhar, a ajudar outras pessoas. Houve um rapaz que perdeu tudo, mas sabia exatamente onde é que estava toda a gente na aldeia que precisava de assistência médica e levava-os em braços, se fosse preciso. A resiliência e o altruísmo que estas pessoas têm nestas situações? Eu não conseguia ter. Quais os sentimentos e as emoções que inspiraram “Moria” e “na Bissau”? Em “Moria” acho que é de tu estares noite após noite a atender pessoas desesperadas que têm os filhos a convulsionar com febre e teres de pedir para esperar, porque estão a entrar menores esfaqueados; ou teres de devolver ao campo um menor com um ataque de pânico, porque não tens tempo de o estabilizar - um menor que acabou de saber que a família tinha morrido no Afeganistão - não tens tempo porque estão a entrar outros casos. Nem sei, nem te consigo por uma palavra neste sentimento, tinhas de estar lá. Não sei como é que é com outras pessoas que compõem, mas para mim é como desabafar; depois transforma-se noutra coisa - e ainda bem - porque ajuda a passar uma mensagem que de outra maneira não daria para passar. A “Bissau” foi quase isso: trabalhámos em Pediatria Intensiva e Neonatologia Intensiva, portanto, muitas mortes por dia, de causas absolutamente desnecessárias noutro tipo de contexto, como aqui; um dia apercebi-me das percentagens de mutilação genital feminina e de tráfico de crianças e… (silêncio) o aperto que provocou saiu sob a forma dessa música. Considera-se um homem feliz? Sim! Quais os objetivos, projetos e expectativas para o futuro? Não sei… Uma coisa é continuar o trabalho humanitário, outra coisa é continuar a fazer música e tudo isso. O principal é arranjar formas mais eficazes de mudar as coisas no terreno e eu acho que neste momento é a mobilização da sociedade civil. Como é que nós conseguimos fazer ativismo mais eficaz? Por exemplo, só há campos de refugiados na Europa que não cumprem a legislação internacional, porque nós o permitimos.

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