Editorial
Muitos dizem que o tempo é o melhor remédio para quase todas as coisas. De facto, do ponto de vista lógico, seria expectável que o tempo trouxesse uma evolução notável da Humanidade. No entanto, quanto mais atento tornamos o nosso olhar, mais reparamos que o mundo em que vivemos faz cada vez menos sentido: perdem-se os direitos, silenciam-se os gritos, exaltam-se as vitórias ocas. Neste lugar, onde parece que já não podemos tomar nada como garantido, surgem, também, as vozes certas que ambicionam um ponto de rutura. Vozes essas, com as quais tenho o enorme prazer de trabalhar neste projeto tão querido que é a revista aNEMia. Esta 62ª edição é, portanto, o retrato da Involução da Espécie. Deste modo, o nosso desejo é que o estimado leitor abrace o apelo à consciência que as nossas palavras refletem, para que todos consigamos “ Tirar da alma os bocados precisos, para com eles juntar os cubos ajusta dos que fazem gravuras certas na história”.
A coordenadora da aNEMia, Margarida Fonseca Simões
Nosso Mundo
Sara Gama, 4º ano
Março de 2020 marcou o início de um novo período na sociedade civil portuguesa. Gerou-se uma situação ímpar, com os meios de comunicação a ser consumidos (quase) na totalidade por notícias relacionadas com a Saúde. Esta tendência tem-se mantido, ainda que numa menor escala, mesmo após termos deixado para trás o auge da pandemia. E, infelizmente, a paisagem que marca a atu alidade da Saúde portuguesa não é bonita de se observar. Estamos agora em 2022. Passámos de palmas à janela e de ovações aos profissionais de Saúde pelo trabalho de sempenhado nas enfermarias COVID-19, para acusações em praça pública de falta de resiliência e de falta de boa von tade, pela boca da própria ministra da Saúde, Marta Temi do, e por parte de inúmeros administradores hospitalares. Como se mudou tão rapidamente de um extremo para o outro? Por esta altura talvez algumas vozes se façam ou vir, principalmente aquelas vindas dos confins das caixas de comentários do Facebook ou de threads do Twitter, prontas a apontar o dedo e a dizer sem rodeios que os médicos não passam de uns mercenários e que, por isso, fogem todos com o rabo entre as pernas para o priva do. Mas no cerne da questão não se encontra apenas a componente remuneratória - encontra-se, também, a falta de progressão na carreira, a falta de condições laborais existentes atualmente no Serviço Nacional de Saúde e a falta de noção da realidade por parte dos decisores políticos, quando estes teimam implementar algumas das medidas a que temos assistimos nos últimos meses.
O que está em causa são as horas extras efetuadas todas as semanas, que se vão acumulando e acumulando. Um dos casos mais gritantes foi o dos médicos internos de Ginecologia e Obstetrícia de um hospital público não identificado, que, entre janeiro e agosto deste ano, já tin ham realizado mais de 600 horas extraordinárias, quando o máximo previsto por lei é de 150 horas extraordinári as por ano. Isto equivale a, nada mais, nada menos, que 2h30 extra por dia, assumindo-se que estes médicos tra balhariam os 7 dias de cada semana, sem dias de pausa. Estas horas extra condicionam a qualidade dos serviços médicos prestados, já que, como é de fácil compreensão, um médico que esteja overworked terá mais probabilidade de deixar passar detalhes que noutras circunstâncias não escapariam à sua atenção. Condicionam, também, a for mação profissional destes médicos, uma vez que estão a ser desviados para fazerem serviço de urgência em detrimento de fazerem a sua formação em áreas espe cíficas da sua especialidade. Por último, mas não menos importante, estas condições laborais condicionam a vida pessoal dos profissionais (ou melhor, fazem com que esta passe a ser quase não existente) – formar uma família transforma-se numa ambição praticamente impensável. Por muitos murais que tenham sido feitos a retratar os profis sionais de Saúde como guerreiros ou heróis, (in)felizmente, estes são apenas Seres Humanos. Quem toma as decisões nesta área parece, muitas vezes, esquecer-se desse facto.
(des)Governo do SNS: Um triste retrato da Saúde Portuguesa
Nosso Mundo
Tudo isto leva a outra questão: quem toma as de cisões que têm impacto na Saúde? São médicos? São pessoas que, mesmo não sendo profission ais de Saúde, conhecem a realidade do nosso SNS? Esta última questão é particularmente relevante. Uma me dida que gerou polémica (e com razão), foi a de permitir que médicos indiferenciados assumissem listas de 1900 utentes em agrupamentos de centros de saúde onde a taxa de cobertura de médicos de MGF fosse inferior à média nacional. Trata-se de uma medida que representa um total desrespeito e desvalorização dos médicos de Medicina Geral e Familiar, ainda mais por ter sido defendida pelo Secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, que é méd ico de formação. As decisões tomadas no último ano, das quais esta é um dos piores exemplos, indiciam que os deci sores políticos não conhecem a realidade do nosso país (e também parecem não querer fazer o esforço de a conhecer). Urge reformar o SNS.
Urge dar voz aos sindicatos, às ordens profissionais, aos representantes dos estudantes. Urge perceber, de uma vez por todas, que não é aumentando o numerus clausus (o qual, aliás, quadruplicou nos últimos 25 anos) sem aumentar o número de vagas de formação específica que se vai resolver a falta de médicos especialistas no SNS. Urge criar estratégias a longo prazo, fixar profissionais, e não en veredar por caminhos fáceis, como o recurso a tarefeiros para “tapar buracos”. Urge realmente mudar o panorama da Saúde portuguesa. A mudança pode estar, finalmente, em curso. Em virtude da demissão (tardia) de Marta Temido, Manuel Pizarro foi nomeado para chefiar a pasta da Saúde. Neste momento, só o tempo dirá se algo mudará de forma substancial ou se as tendências de desvalorização e morte lenta do SNS verificadas nos últimos anos se manterão.
Nosso Mundo
Medicina na Católica: a ponta do iceberg
A Universidade Católica Portuguesa (UCP) apresen tou um pedido inicial de acreditação de um curso de Medicina, em outubro de 2018. A autoridade estatal que tem a responsabilidade de acreditar os cursos superiores (A3ES) opôs-se, tendo a proposta recebido um parecer negativo da Ordem dos Médicos (OM). Em 2020, um novo pedido apresentado pela instituição aca bou por ser autorizado. Tal decisão é histórica, visto ser o primeiro curso de medicina não estatal em Portugal. Na altura, a OM lamentou a acreditação, considerando que “a política prevaleceu na decisão”. O Conselho de Es colas Médicas Portuguesas, que agrega representantes de 8 instituições públicas, também criticou a decisão. Por sua vez, a então ministra da saúde, Dra. Marta Temido, considerou que a aprovação do curso permite que mui tos portugueses, que de outra forma estudariam no es trangeiro, tenham oportunidade de se formarem no país. Esta decisão de aprovação da A3ES surgiu poucos meses após o Ministério da Ciência e do Ensino Superior permitir que as universidades públicas aumentassem o número de vagas para a formação de médicos, aumento esse que não aconteceu. A realidade é que, no que toca ao aumento da possibilidade de formação médica, quer pelo aumento do número de vagas das escolas médicas públicas, quer pela criação de novos cursos de medicina, os pareceres das grandes instituições relacionadas com o ensino su perior e com a profissão médica nunca são, geralmente, positivos. De facto, em relação à posição manifestada pela OM, Isabel Capeloa Gil, reitora da UCP, afirmou que a OM “Nunca deu parecer positivo à criação de novas faculdades de medicina. Portanto, não o iria fazer agora”.
Mas então quais são as motivações que, num país com um SNS saturado e com falta de recur sos humanos, levam a este desdém relativamente à entrada de mais alunos em cursos de medicina? A verdade é que existe uma falta de planeamento que nos faz crer que é nos cursos de Medicina que há mudanças por fazer pela formação de médicos em Portugal. E é, também, essa falta de planeamento que já não consegue camuflar aquilo que é o panorama atual do acesso ao inter nato médico, onde há apenas 1938 vagas para 2849 candi datos (dados de 2022). Isto significa que, anualmente, dos 2849 alunos que completam o curso de medicina apenas a 1938 é dada a possibilidade de se tornarem médicos es pecialistas. Os que não conseguem acesso a vaga numa especialidade tornam-se médicos indiferenciados, conde nados a fazer urgências e a trabalhar a recibos verdes. Este absurdo, para além de perpetuar a falta de médicos especialistas em Portugal, é ainda uma desconsideração por todos os estudantes de medicina que, por muito es forço, entraram neste curso em busca de um sonho. Por isso, é que não é coerente abrir mais vagas em cursos de medicina nem tão pouco abrir novos cursos, como o da UCP que ambiciona receber 100 alunos anualmente: permite-se que mais alunos estudem medicina (com in fraestruturas, tutores e financiamentos já esgotados) sem, no entanto, lhes assegurar que consigam completar a sua formação médica, de forma a tornarem-se especialistas. No início, falava em decisões históricas. Agora, em oposição, constato que a desordem do sistema de saúde português não é, de todo, novidade. Há, real mente, uma infundada desconexão entre os setores da saúde e do ensino superior que evidencia uma gestão ineficiente da formação e posterior recrutamento de es pecialistas para os serviços de saúde em Portugal.
Margarida Fonseca Simões, 3º ano
Nosso Mundo
Roe v. Wade e o acesso ao aborto nos EUA
Rita Nunes, 4.º ano
No dia 24 de junho de 2022, a lei denominada de “Roe v. Wade”, em vigor desde 1973, foi revogada pelo Supremo Tribunal Norte-Americano. Este tribunal, dominado pelo Partido Republicano, de cariz conserva dor, eliminou a proteção constitucional do direito ao aborto, determinando que os governadores dos Es tados podem permitir ou restringir o procedimento.
O caso Roe v. Wade conferiu às mulheres, durante dé cadas, o direito de realizarem um aborto até às 23 se manas de gravidez. Este direito foi posto em causa em março de 2018, com a aprovação no estado do Mississippi de uma lei que proibiu a interrupção voluntária da gravidez a partir das 15 semanas, contrariando o que ditava a decisão de há 49 anos, com o argumento de que o aborto é “uma prática bárbara, perigosa para a pa ciente materna e humilhante para a profissão médica”.
A decisão do Mississippi foi alvo de um pedido de im pugnação, apresentado pela única clínica do Estado onde era possível interromper a gravidez, e que se so correu da jurisprudência de Roe v. Wade. A resposta do Supremo Tribunal, no entanto, não foi a esperada: “A Constituição não confere o direito ao aborto; .
Roe e Casey são anulados; e a autoridade para regular o aborto é devolvida ao povo e aos seus representantes eleitos”. “A Constituição não confere o direito ao aborto; Roe e Casey são anulados; e a autoridade para regular o aborto é devolvida ao povo e aos seus representantes eleitos”. Na sequência desta decisão, 21 Estados norte-americanos proibiram ou restringiram severamente o acesso ao aborto. Arkansas, Wisconsin, Oklahoma, Dakota do Sul, Alabama e Missouri decidiram nesse sentido menos de uma semana após a decisão do Supremo Tribunal. Destes, apenas o Oklahoma permite exceções para casos de vio lação e incesto. O Texas restaurou uma lei de 1925 que estabelece uma pena de até cinco anos de prisão para os médicos que ajudarem uma mulher a interromper a gravi dez, mesmo em casos de incesto ou violação – só pre vendo uma exceção se a vida da mãe estiver em perigo. Por outro lado, em 20 Estados o acesso ao aborto deverá continuar a ser legal, dos quais 14 codi ficaram legalmente o direito à interrupção da gravi dez: Califórnia, Nova Iorque, Nevada, Maine, Rhode Island, Connecticut, Delaware, Havai, Maryland, Nova Jérsia, Oregon, Vermont, Colorado e Washington.
Mundo de Todos
Uma questão científica e filosófica
Do ponto de vista científico, a fecundação é um processo contínuo, que dura entre 25 e 30 horas. A singamia – fusão do material genético masculino e feminino – é o momento crucial em que podemos falar de um novo organismo. Relativamente ao estatuto biológico do embrião, o Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere que “o médico deve guardar respeito pela vida humana desde o momen to do seu início”. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defende que “a vida humana merece respeito, qualquer que seja o seu estádio ou fase, devido à sua dignidade essencial”. Se é certo que a ciência sabe quando “começa” a vida humana, o“início” da pessoa humana é uma questão muito diferente do ponto de vista ético. Sobre esta questão filosófica e nada consensual a ciência não se pode pronunciar. De fac to, a vida humana tem início com a fecundação, mas nunca se chega rá a um acordo acerca da definição ontológi ca e ética do embrião. Levantam-se infinitas controvérsias quando até os mais respeitados pensadores procuram respostas a estas perguntas. Para os defensores do direito à interrupção voluntária da gravidez, este é um cuidado de saúde e o di reito aos cuidados de saúde é um direito humano.
O feto é parte do organismo materno e a mulher tem livre-arbítrio no que diz respeito ao seu corpo. Frases como “o meu corpo, a minha escolha”, são usa das repetidamente quando se discute este assunto. Por outro lado, quando temos em conta os múltiplos critérios sociais e económicos que podem levar uma mulher à decisão de abortar, é fácil depararmo-nos com um paradoxo: será o aborto mais condenável que a rejeição de uma criança fruto de uma gravidez indesejada, que será, possivelmente, mal tratada ou abandona da e sujeitada aos mais variados tipos de trauma? No final de contas, temos de conhecer e examinar os diversos argumentos à luz dos princípios da bioética e elaborar dentro de nós um entendimento, tendo con sciência de que cada um emite opiniões com base nas suas próprias crenças e em regras éticas e morais. A título pessoal, considero que a descriminalização do aborto não obriga as mulheres grávidas a realizá-lo; permite-lhes, sim, terem mais controlo sobre o que acontece no seu corpo e o impacto que terá nas suas vidas. Ao impedir-se o aces so a um aborto seguro, aumenta-se a mortalidade das pessoas com útero, uma vez que estas não vão deixar de abortar, mas terão de passar a fazê-lo de forma clan destina e insegura, com consequências devastadoras.
Mundo de Todos
Aviso: Pontes sobre Muros Precisam-se Mariana Martinho, 4º ano
Aviso: Pontes sobre Muros Precis am-se
“Acessibilidade é acesso. Pode ser entendida como o acesso de qualquer pessoa, incluin do as pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, ao meio físico da sociedade, ao transporte e à comunicação, garantindo a sua segurança e a sua autonomia.” (Unesco) Desigualdade. Barreiras ao acesso - ao meio físico, ao transporte, à comunicação. Pes soas com deficiência, que, depois de tantos anos de Humanidade e, portanto, de tantas pessoas com deficiência, ainda são alvo de tantas falhas no que toca à acessibilidade. 1/6 das pessoas na UE têm uma deficiência - seja ela motora, visual, auditiva, intelectual ou invisível (80% de pessoas com uma deficiência que não é visível pela população).
Mas quando é que a acessibili dade a pessoas com deficiência surgiu como um problema?
Mas quando é que a acessibilidade a pessoas com deficiência surgiu como um problema?
Remontamos à Idade Média. À época dos corpos majestosamente construídos. Se assim era, os corpos humanos que cumpriam os requisitos eram exaltados, mas os restantes… falhavam no paradigma. E, por isso, as pessoas com deficiência eram ignoradas na sociedade - até hoje. Este pensamento de valorização do corpo ideal conduziu a uma construção de um mundo cujos acessos não eram pensados para todos. A acessibilidade não era pensada e concretizada. As pessoas com deficiência a ser ignoradas - até hoje.
Então e agora?
Então e agora?
Capacitismo: define a discriminação contra a pessoa com deficiência. Ex periencia-se não só pela componente física, mas também pela linguagem ou pelas atitudes. (Catarina Oliveira, de “Espécie Rara sobre Rodas”) Vivemos numa sociedade que é capacitista. Algures, todos temos atitudes capa citistas - a infantilização (falar para alguém com deficiência como se falássemos para uma criança), tomar a condição como um elogio à pessoa com deficiência ou àqueles que a rodeiam (“és tão forte”, “deve ser um fardo cuidar dessa pes soa”), etc. Portanto, é urgente desconstruir certas ideias que vamos criando e atitudes que aprendemos por imitação. Sem culpa, porque nos foi ensinado assim e não tivemos outra escolha, mas com o senso de responsabilidade de que podemos reaprender e ser mais conscientes do que somos, fazemos e dizemos. Por isso, como quando refletimos sobre qualquer minoria e percebemos o nosso privilégio, a atitude certa é apercebermo-nos da responsabilidade que nos cabe.
Mundo de Todos
A estranheza associada a estar junto de alguém com uma condição com a qual não estamos habituados a li dar acontece - e é por isso que normalizar e falar mais sobre o assunto (principalmente, diretamente com quem lida com uma deficiência) é o caminho a seguir. Privilegiemos o diálogo. Quando conhecermos uma pessoa com diversidade funcional, questionemos como ela se sente melhor e sobre como podemos ser úteis (obviamente, sem ser invasivos). Como faríamos com qualquer pessoa - porque é que com uma pessoa com deficiência seria diferente? E, acima de tudo, mais do que a pergunta, preocu pemo-nos em ouvir a resposta. Os pedidos, as vonta des, os direitos de qualquer ser humano são válidos, e uma pessoa com deficiência merece usufruir deles. É a isto que se chama acessibilidade - é sobre podermos todosser independentes de terceiros e garantir a
Somos Futuros Médicos
A doença e o défice são realidades com as quais va mos lidar no quotidiano de um Hospital. Mais não seja porque vamos lidar com todo o tipo de pessoas. Neste contexto, iremos contactar, alguns pelas primeiras vezes, com quem tem necessidades diferentes das nossas, que sofre com os olhos de estranheza, com os comentári os de pudor, de uma sociedade marcada pelo ideal de perfeição. Por isso, somos agentes ativos, na tentativa de melhorar um mundo ainda tão preso a ideias do passado. Como vamos agir? Como será o nosso olhar, a nossa escuta, a nossa voz perante este tema?
todos igualdade nas oportunidades - o que, social mente, ainda estamos longe de alcançar. Felizmente, nos últimos tempos, temos assistido a cada vez mais sensibilização sobre o tema. Nas redes sociais, cada vez mais vídeos sobre o assunto têm sido partilhados. Cada vez mais, também esta “minoria” ganha voz. E, com a compreensão da existência do problema, acontece a mudança. Mais legendas, mais rampas, mais barreiras a ser abolidas e pontes a ser construídas. Mas ainda muito falta fazer. O estigma em relação a quem atravessa mais barreiras no seu dia a dia do que o próprio é uma realidade muito presente, pelo que a compreensão de que diferentes pessoas precisam de diferentes recursos, de que precisamos de uma atenção, não igual, mas igualitária, para que cada um tenha acesso ao que necessita, é crucial.
Não é um problema ultrapassado. Enquan to houver a quem seja impedida acessibili dade, é um problema do presente e do futuro. As pontes do diálogo são as pontes que unem o surdo a uma conversa, o senhor em cadeira de rodas ao bonito miradouro ou a senhora com défice motor à sua bebida preferida. São muros que precisam de ser der rubados e cujo conteúdo, de tanto interesse, não pode ser deixado de lado. Tomemos consciência de que somos pedras que vão sendo lapidadas, para que se construam pontes sobre os muros. Precisam-se.
“A responsabilidade é que gera a mudança, a culpa paralisa-te.” (Catarina Oliveira)
Mundo de Todos
ANEM: de portas abertas para ti.
Francisco Franco Pêgo Presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM)Em primeiro lugar, quero dar-te as boas-vindas a Medicina! Esta é a frase que mais te é repetida estes dias. Mas é de facto uma frase da maior justiça. Não é toda a gente que consegue estar onde estás hoje e deves sentir-te com muito orgulho nisso. Mas o melhor ainda está para vir. Vais passar cerca de 6 anos neste curso e isso é muito tempo. Vai pas sar muito depressa, não tenhas dúvida - diz-te quem se está agora a despedir da faculdade - mas no final vais olhar para trás e perceber a diferença avassalado ra entre a pessoa que entrou e a pessoa que saiu do curso. Vais viver aqui muitos dos momentos mais marcantes da tua vida e isso vai acompanhar-te sempre. Apesar de esta pintura de “time of our lives” ser justíssima e verdadeira, também não posso dourar a pílula. A ver dade é que nem tudo é um mar de rosas a partir daqui… E provavelmente a primeira coisa que deves saber é que este país ainda não decidiu se quer que tu sejas de facto um médico especialista, pronto a exercer uma profissão que beneficia a população através de cuidados de qualidade. Por mais estranho que pareça, assumiram con tigo e com os teus colegas o compromisso de vos deixar embarcar nesta primeira metade da viagem, mas quando chegarem a meio dela, daqui
a cerca de 6 anos, os botes que prosseguirão serão muito menores que os barcos em que agora estão. Esqueceram-se do compromisso que tinham assumido convosco no início deste curso e vão deixar-vos ficar a meio da formação. Mais ainda: apesar da grandeza desta viagem e das ótimas recordações que dela levarás, não irás certa mente esquecer o momento em que apenas puderes auscultar um dos pulmões ou uma das metades do tórax de uma pessoa doente por haver 10 colegas teus que precisavam de treinar essa mesma auscultação ao mesmo tempo. Ainda menos da vez que essas forem as condições para fazer um toque retal ou vaginal. Creio que assim percebeste o enredo deste romance que é ser estudante de Medicina:
Uma pessoa entra muito feliz num curso que a faz plena e com o qual se identifica
Felizmente, como em todos os enredos, também aqui há um desfecho positivo com a intervenção de uma personagem que arrebata a história. A única diferença é que aqui não há um herói de capa ou uma fada que espalha purpurinas para assumir esse papel. São mesmo pessoas como tu - de carne e osso; que também estudam anatomia e histologia e fisio logia; que também conciliam os estudos com a restante vida pessoal - a assumir este protagonismo de mudar o ensino médico e a forma como o ensino superior e a saúde são geridos em Portugal.
Depois é deparada com uma série de adver sidades que parecem impossibilitar qualquer sensação de concre tização
Mundo de Todos
Somos estudantes espalhados pelas várias Facul dades de Medicina deste país e pegamos diariamente em causas como aquelas que ali escrevi, decidindo ser os agentes de mudança dessas realidades: Seja na Saúde Pública, Educação Médica, Saúde Sexual e Reprodutiva, Formação, Tecnologia em Saúde, Direi tos Humanos ou programas de Mobilidade, somos uma equipa de cerca de 200 pessoas que anda pelo país a tentar melhorar o ensino e a saúde em Portugal - a As sociação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM)! Organizamos atividades, reunimos com ministérios, fazemos campanhas, vamos a eventos internacionais, entre muitas outras formas de atuação… tudo com o intuito de fazer algo mais por cada uma destas causas. Por fim, e acho que para já será o mais relevante, ten ho de te contar uma última coisa sobre estas pessoas…
•
TU PODES SER PARTE DA ANEM COM FACILIDADE!! COMO?
Participando nos eventos que a ANEM organiza
• Candidatando-te às Comissões Or ganizadoras das atividades da ANEM
• Integrando as delegações da ANEM aos seus eventos internacionais
• Eventualmente integrando o NEM/AAC e sendo Representante Local na ANEM
Hoje em dia é extremamente fácil saberes de todas es tas oportunidades através das nossas redes – Instagram ou Facebook – pelo que com um “follow” ou “like” tudo isto te passa a chegar à frente dos olhos com facilidade. Para já, esperamos ver-te no próximo Congresso Nacional de Estudantes de Medicina ou a candidatar-te a uma das próximas Comissões Organizadoras que vamos abrir. Qualquer questão, não hesites em contactar-nos. A ANEM é a casa dos 12 000 estudantes de Medicina em Portugal e tu acabas de entrar para ela. Desafio-te a aproveitá-la, para que também faça parte dessa diferença avassaladora que vais ver na tua vida em 6 anos!!
Educação Médica
Monkeypox: Nova ameaça?
Dr Pedro Silva, Alumnus FMUCEm maio deste ano, foi detetado o primeiro caso na Europa de Monkeypox ou Varíola dos Macacos num ci dadão britânico que tinha vindo da Nigéria. O país afri cano identificou ca sos em várias regiões desde o ano passado. Posteriormente ao primeiro caso no Velho Continente, foram detetados mais 18 843 em 29 países europeus (dados de 6 de setembro de 2022), em que muitas das pessoas não tinham saído do continente eu ropeu. A nível mundial, de acordo com o Center for Disease Control and Prevention (CDC), perto de 58 000 casos, a es magadora maioria em lo cais não endémicos, e 18 mortes foram reportadas em 103 países (a 12 de setembro de 2022). Já em Portu gal, segundo a Direção Geral da Saúde, foram diagnosticados 897 infetados, 99% em indivíduos do sexo masculino. Até junho deste ano, o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesu, de clarou a doença como Emergência de Saúde Pú blica de Interesse Internacional, atendendo ao aumento significativo do número de novos casos.
Mas o que é Monkeypox?
Esta patologia é uma zoonose identificada primeiramente em colónias de macacos em 1958. Contudo, os primatas não são considerados como reservatório do vírus, sendo apontado como origem mais provável os pequenos roe dores. A doença é endémica na África Central e Ocidental e foi identificada pela primeira vez em humanos em 1970. Tal como a Varíola, é da família dos Ortopoxvírus e, desde a década de 80 do século XX a incidência da doença aumentou cerca de 20 vezes. A principal razão apontada foi a sus pensão da vacinação contra a varíola, doença considerada como er radicada precisamente em 1980, depois do últi mo caso ter surgido três anos antes. As vacinas também são eficazes contra a Monkeypox. Fora da região endémi ca, os casos estão liga dos a viagens à África Central e Ocidental ou mesmo ao transporte de animais daquela área. Em 2003, nos Estados Unidos da América, ocorreu uma epidemia da Varíola dos Macacos através de roe dores infetados importados do continente Africano. Estes animais infetaram cães que transmitiram a doença às pes soas, mas longe de atingir o número de infetados em 2022.
Educação Médica
Caracterização da patologia
A Monkeypox tem, em geral, um período de incu bação de entre 1 a 2 semanas. O diagnóstico é feito através da técnica molecular PCR. A doença é trans mitida a partir do início dos sintomas depois de uma síndrome prodrómica com febre, cefaleias e mal estar. A sintomatologia é semelhante à da Varíola. Entre um e três dias depois do pródromo, aparece um exantema papulove sicular na face e nos membros e que evolui para crostas. Olhos, genitais e mucosa oral também podem ser atingidos. Normalmente só é necessário tratamento de suporte. No ano atual, foi aprovado um antivirusal para casos graves.
Segundo a OMS, a taxa de letalidade é estima da entre 3 a 6% nos países endémicos, com maior risco para pessoas com patologias crónicas. Importante, ainda, que a taxa de ataque (produto de 100 com o quociente entre número de pessoas afetadas pelo número de pessoas expostas) pode chegar a 50% entre coabitantes. Quanto à transmissão, é possível não só animal-pes soa, mas também por contacto interpessoal. Se a ali mentação ou proximidade com sangue ou carne de ani mais é a forma de contágio mais comum entre espécies diferentes, entre humanos é o contacto físico próximo com pessoas infetadas ou utensílios contaminados como lençóis da cama, roupas ou toalhas. Não há confirmação de que o vírus se espalhe pelos fluídos vagi nais ou através do esperma, como chegou a ser espe culado pelo aparecimento de casos na comunidade gay.
Estratégia e possível evolução
A Organização Mundial da Saúde recomendou aos países não endémicos com casos detetados que fizessem a vacinação com a vacina contra a Varíola dos contactos próximos dos infetados. Pessoas com exposição presencial, com contacto físico direto com os casos, com contacto com objetos contaminados, incluindo profissionais de saúde que não estavam, no momento, com o equipamento de proteção individual. O isolamento dos casos positivos é fundamental. Em Portugal, a Direção Geral de Saúde publicou uma norma para regulamentar a administração da vacina e recomenda a vacinação aos contactos próximos até 14 dias depois do último contacto de risco para a transmissão. Segundo o CDC, a disponibilidade das vacinas e de tes tes de diagnóstico vão ser fundamentais para o controlo e mesmo resolução desta Emergência em Saúde Públi ca. No entanto, há algo que parece certo. A pandemia por COVID-19, ainda por identificar a sua origem e o seu reservatório, e a Varíola dos Macacos despertaram as au toridades de Saúde Pública, os epidemiologistas e mes mo toda a comunidade científica mundial para os riscos de zoonoses constituírem ameaças importantes para os seres humanos e para o seu modo de vida em sociedade.
Educação Médica
Ana Beatriz Dias, 5º ano.
As Doenças Cardiovasculares (DCV) representam um conjunto de doenças que afetam os vasos sanguíneos e o coração, encontrando-se relacionadas com o proces so de aterosclerose que contribui para a ocorrência de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM). O processo da aterosclerose produz o estreitamento e a rigidez nas artéri as afetadas, através da formação de placas de gordura (colesterol) no interior das mesmas, que ao romperem levam à formação de coágulos, obstruindo o seu lúmen. O EAM é um evento cardíaco que se define por uma lesão do miocárdio com indícios de necrose e conse quente isquémia do mesmo. É a principal causa do óbi to em Portugal, atingindo cerca de 20 por 100 000 hab itantes. São mais frequentes na idade adulta, contudo cerca de 20% são jovens. Reconhecem-se diversos fa tores de risco cardiovasculares que ,comprovadamente, contribuem para o EAM como: a genética individual, a dislipidémia, hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus, pré-obesidade/obesidade, sedentarismo, hábitos alimentares desadequados, consumo de tabaco e dro
gas. Todos estes fatores se intrincam com o estilo de vida podendo ser potenciados ou atenuados consoante as boas ou más práticas do nosso dia a dia. O padrão alimentar mediterrânico tem sido relaciona do com a prevenção de DCV. Este baseia-se no con sumo Todos estes fatores se intrincam com o estilo de vida podendo ser potenciados ou atenuados consoante abundante de legumes, frutas, leguminosas, frutos oleaginosos, cereais pouco refinados e azeite; na ingestão moderada de peixe, carne (limitando a carne vermelha ou processada à menor quantidade possível), laticínios, vinho tinto e na ingestão reduzida de ovos e doces. A elevada ingestão de alimentos industrializados, em particular de carnes processadas, alimentos salgados e com baixo teor de fibra estão associados ao aumento do risco de DCV. A atividade física de rotina deve ser encorajada desde a infância, feita com regularidade e adaptada de acordo com a idade de modo a minimizar o risco de aterosclerose. O exercício físico aumenta o gasto calórico melhorando o transporte e captação de insulina e promove um aumen to do metabolismo basal ou de repouso, responsável por 60% a 70% do gasto energético total. Este processo con tribui para a perda de peso e diminuição do risco de de senvolver diabetes, HTA, por exemplo. Uma das principais adaptações que o exercício físico promove é a hipertrofia do tecido muscular. Esta é acompanhada pelo aumento do número e tamanho das miofibrilas, maior capacidade da via oxidativa, aumento da vascularização e capilarização. Estas adaptações reduzem a resistência vascular, melhoram o fluxo sanguíneo, proporcionando um maior trans porte de glicose e lípidos para os tecidos, e ainda poten cializam a ação da insulina devido o aumento da proteína quinase AMP-ativada (AMPK), mediadora da estimulação da captação de glicose induzida pela contração muscular.
Quem está mais vulnerável a sofrer um enfarte agudo do miocárdio?
EducaçãoMédica
A vulnerabilidade para um EAM aumenta nos homens acima dos 50 anos, mulheres acima dos 60 anos, dia béticos, hipertensos, pessoas com níveis de colesterol alto, particularmente se não estiverem bem controladas, fumadores e quem já teve anteriormente um EAM. O perímetro abdominal é um importante fator ligado ao risco de DCV, ou seja: um perímetro abdominal acima de 80cm nas mulheres e 94cm nos homens associa-se a um risco cardiovascular aumentado e um perímetro abdomi nal acima de 88cm nas mulheres e 102cm nos homens associa-se a um risco cardiovascular muito aumentado. A prevenção da DCV e dos fatores de risco deve ser abordada nos cuidados primários de saúde promovendo um estilo de vida saudável. De facto, verificam-se importantes lacunas no conhecimento es pecífico sobre as DCV na população portuguesa.
As estratégias e práticas de educação em saúde devem ser sensíveis às diferenças do nível de literacia nesta área, de forma a melhorar o conhecimento e a adesão da população às boas práticas de saúde. Só assim é possível percecionar onde e como se deve intervir de forma que o acesso à saúde seja maior e mais eficiente. É fundamental criar ferramentas de análise e de promoção da literacia em saúde, promovendo e reforçando compor tamentos cardiovasculares positivos focando-se numa nutrição adequada, promoção de exercício físico, controlo do peso e programas de cessação tabágica, o que obriga a uma maior e melhor comunicação entre os doentes e os profissionais de saúde. Um comportamento social saudável deve ser fomentado desde a infância, de forma a minimizar os fatores de risco que contribuem para a proliferação desta doença. De salientar que o fator genético inerente a cada indivíduo explica o motivo que leva uns a serem mais vulneráveis que outros para esta doença.
Educação Médica
Saúde Cardiovascular mãe-Feto
Ana Beatriz Dias, 5º ano.
A obesidade materna pode afetar a saúde metabólica na descendência a longo prazo como resultado de alterações epigenéticas induzidas pela exposição fetal, e durante o desenvolvimento intrauterino, a níveis aumen tados de glicose, insulina, lípidos e citocinas inflamatóri as. Está comprovado que o índice de massa corporal (IMC) durante a gravidez está associado ao aumento do risco de obesidade e fenótipos metabólicos associados à descendência. De facto, existe uma correlação entre diferentes padrões de metilação no DNA dos descendentes e das mães com défice ou excesso de peso mesmo antes da gravidez. Assim, níveis altos de metilação em certos locais do DNA dos filhos de mulheres obesas foram asso ciados a uma maior probabilidade de obesidade, enquanto o oposto foi observado em mulheres com défice de peso. Esta alteração do DNA pode também influenciar os rins, que ajudam a controlar a pressão arterial, alterando o seu desenvolvimento e a capacidade de filtração. Os nefrónios formam-se entre as 20 e 34 semanas de gestação. Após este período, o número de nefrónios é fixo. Algumas pesquisas em animais sugerem que a metilação genética pode afetar esse processo, diminuindo o funcionamento renal e, por sua vez, levando à hipertensão arterial (HTA).
As alterações da parede dos vasos sanguíneos, e espe cificamente, a rigidez arterial – elasticidade reduzida das paredes– são precursores de HTA em qualquer idade. Apesar desta condição em crianças estar mais associ ada a anomalias cardíacas congénitas, há evidências que ligam esta condição à obesidade, possivelmente mediada por toxinas inflamatórias e processos de in flamação. Para além disso, a rigidez arterial em crianças pode, também, resultar de prematuridade, exposição re duzida ao oxigénio no útero ou função renal deficiente. As mudanças epigenéticas podem afetar como e onde é armazenado o excesso de gordura tendo, as sim, impacto no risco de desenvolvimento de DCV na idade adulta. Os principais intervenientes neste processo são as mitocôndrias, que produzem energia a partir de hidratos de carbono e gorduras. Quando há um excesso de consumo de alimentos, há mais en rgia armazenada do que utilizada pelo organismo e, por
consequente, um aumento da gordura corporal. O exces so calórico aliado às mudanças epigenéticas condicionam o armazenamento de gordura em redor dos órgãos abdominais. A gordura localizada no abdómen é considerada um importante fator de risco para DCV , como o enfarte agudo do miocárdio (EAM) e o acidente vascular cerebral (AVC). Em geral, encontra-se associada a níveis altos de tri glicerídeos, baixos níveis do bom colesterol (HDL), re sistência à ação da insulina e consequente elevação dos níveis do açúcar no sangue (diabetes). A gordura abdominal é responsável, também, por causar o au mento da gordura no fígado, frequentemente associ ada com HTA e aumento da viscosidade do sangue. As grávidas fumadoras ativas/passivas têm risco acrescido de perdas embrionárias/fetais, parto pré-termo, recém-nascidos de baixo peso, rotura prematura de membranas pré-termo, placenta prévia, abruptio placen tae, restrição de crescimento fetal, mortalidade perinatal, dificuldade respiratória do recém-nascido e gravidez ec tópica- os quais podem ser explicados pela redução das trocas gasosas, toxicidade direta ou aumento da atividade simpática. Os cigarros contêm substâncias carcinogénicas (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, acetona, formol, naftalina, amoníaco, terebintina) com capacidade de alterar o conteúdo genético. Estes compostos podem originar deleções e translocações, muitas delas local izadas à região 11q23, podendo, assim, associar-se a doenças hematológicas malignas. Um estudo comparou a instabilidade cromossómica dos amniócitos de fumado ras e não fumadoras, tendo sido notado um aumento da incidência de anomalias cromossómicas estruturais entre as mulheres que fumam regularmente (12% vs 3,5%). Desta forma, um bom estado de saúde geral durante a gravidez - níveis ideais de tensão arterial, IMC, glicose, colesterol total aliados a uma dieta saudável (rica em vegetais, frutas, grãos integrais e pobre em açúcar, sal e carne processa da) e a hábitos sãos (não fumar ou não consumir bebidas alcoólicas ou drogas)- é determinante para uma boa saúde cardiovascular do bebé. Compreender esses fatores de influência possibilita intervir de forma mais eficaz de modo a reduzir o risco e aumentar a prevenção destas doenças.
Mito vs Verdade
Inês Serafim, 4º ano
Quando nasce uma criança, um vínculo afetivo é já sen tido, por norma, entre a mãe e o seu rebento, que foi carregado por 9 meses. Porém, esta relação pode fortalecer ainda mais aquando do ato da amamentação. Para além de ser a fonte primordial e essencial da alimentação do bebé nos primeiros tempos de vida, o leite materno con segue ser uma das pontes para a bolha de amor e carinho que é a relação entre mãe e filho. Por outro lado, se no passado já se ouviam algumas coi sas sobre este tema, quase como dizeres que se passa vam de boca em boca, atualmente a informação partilhada na internet e nas redes sociais desta vida é tanta que pode trazer alguma insegurança e confusão às futuras/ atuais mamãs… Apresentam-se, agora, algumas das ex pressões que se vão ouvindo por aí.
do número de gravidezes, porém o ato de amamentar não o vai potenciar.
A crença do leite fraco já vem de algum tempo, quando este era já comparado ao leite de vaca, com um aspeto mais denso. O leite materno pode ter uma consistência mais líquida, porém permanece como a fonte de nutrientes mais indicada para o bebé. O motivo por de trás do choro da criança poderá relacionar-se com a refeição não estar a ser suficiente ou a pega da mama não estar a ser feita da maneira mais eficiente, discussões que se devem ter com o médico e os enfermeiros que estejam a acompanhar o pós-parto.
Nas horas a seguir ao parto, a mãe pode, de facto, sentir algumas dores, uma vez que a hormona libertada aquan do do ato da sucção do bebé na hora de amamentar, a ocitocina, pode levar a contrações uterinas. No entanto, deve ser algo de curta duração e tido em conta durante a presença no hospital. Depois disso e em caso de per sistência, as dores não são normais e a mãe deve procu rar ajuda.
A imagem com que a mãe se vê será sempre fator de pre ocupação, o que é normal. Porém, a causa para o “des cair” das mamas deve-se ao aumento de tamanho que acontece durante a gravidez e posterior diminuição, o que, aliado a fatores genéticos, leva a uma perda da tensão do ligamento suspensor da mama, contribuindo para o seu decaimento. Tal pode acentuar-se mais quanto o aumento
Embora dependa da abordagem feita na colocação do implante, ter implante mamário não é condição suficiente para não pensar em amamentar.
“mãe nãO é mãe se nãO amamenta O filhO” – MITO
É importante ter noção de que nem todas as mães vão conseguir produzir enormes quantidades de leite, algumas nem o conseguirão. Todavia, tal discurso leva a que a mãe sinta que não é suficiente e gera um sentimento de culpa. Numa era em que o feminismo cada vez mais se faz sentir, é importante acabar com este tipo de discurso, visto que inferiorizar uma mãe por algo que é fisiológico só leva ao fracasso da tarefa.
“amamentar ajuda a perder O pesO da gravidez e reduz O riscO de cancrO na mama” –FACTO
Sim, se a alimentação não for hipercalórica e for equilibrada, amamentar pode ajudar a perder peso, para além de haver vários estudos que indicam que mulheres que amamentam podem ter uma redução de risco neste tipo de tumor, embora o risco nunca seja nulo. Assim sendo, amamentar deve ser uma escolha da mãe, orientada pelos profissionais de saúde e sempre tendo em vista o bem e a saúde do filho e da própria.
“Estás a amamentar? Olha que ouvi dizer que…”
“O leite é fracO, pOr issO ele chOra tantO” – MITO
“as mamas caem cOm a amamentaçãO” – MITO
“Quem tem implantes mamáriOs nãO deve amamentar” – MITO, porém…
“sentir dOres durante a ama mentaçãO é nOrmal” – MITO, porém…
Entrevista
Andreia Nossa (USC), 6º ano
Tempos delicados e conturbados é o mínimo que se pode adjetivar à dimensão a que os últimos anos encaminharam uma sociedade a um ponto de ruptura. Com ou sem volta, isso só os de amanhã saberão porque os de hoje estão, no momento, sem chão!
A ponta do iceberg emerge a ritmo acelerado e, infeliz mente, não se vê grande plano de salvamento antes da colisão.
Arriscariamos dizer que a distopia de 2022 é um conto de “fadas” mascarado de falhas? Talvez… o zé povinho tornou-se um dramaturgo queixoso que sofre de “ceguei ra” deliberada…, mas cuidado que “o pior cego é aquele que não quer ver” e isto nada tem de ensaio, isto é sim a realidade de um povo que mais uma vez se vê obrigado a navegar sobre uma névoa dantesca à procura de um novo e merecido lar.
Como plateia assídua e sem possibilidade de dublês, a maioria da parte médica socorre sem condições, e assiste de camarote com extrema inquietação e temor àquilo que de pior a um(a) Sr.(a) Doutor(a) pode acontecer: falta de apoio no tratamento de outro ser. Se há um momento sensível é o de hoje, este mesmo, o de agora, e por isso, perguntamo-nos: se assim estamos presentemente, o que será de nós futuramente? Neste sentido, procurámos quem nos pudesse agregar conhecimento na área da saúde mental entrevistando a Psicóloga Clínica Rita Ferreira, a quem muito agradecemos a excelente colaboração e partilha de conteúdo indispensável:
1cOmO psicólOga clínica cOnsulta uma grande diversidade de grupOs de utentes - Quais Os Que cOnsid era terem maiOr riscO de dOença mental?
De acordo com a minha prática profissional são, sem dúvida, os profissionais de saúde e pessoas que trabalham por turnos ou à noite.
2aO acOmpanhar pessOas da área da saúde, sente Que hOuve uma maiOr prOcura deste sectOr nOs últimOs anOs?
Sim, principalmente depois da pandemia, e em todos os sectores. Verificou-se uma valorização da saúde mental, apesar de ser assustador pensar no porquê, já que a per centagem de pessoas com perturbações mentais aumen tou drasticamente.
Quais Queixas identifica cOmO mais freQuentes e de Que mOdO esse maiOr riscO pOde influenciar a vida de cada um?
Primeiramente surge uma exaustão emocional que leva a uma sobrecarga que tem repercussões como a desper sonalização, e, consequentemente, uma culpabilização, que são mecanismos de defesa utilizados pelo profis sional. O resultado é uma atitude menos empática, mais robotizada, impactante a nível individual com descenso de autoestima e realização pessoal, ou seja, no caso de um profissional de saúde, se este se encontra mal interi ormente e não está a cuidar de si mesmo, isso certamente irá projetar-se no seu mundo externo e na sua profissão, o que facilmente origina perturbações mentais.
numa prOfissãO muitas vezes cOndenada aO fracassO, cOmO fica afetada a vida de alguém Que sOfre julgamentO e stress cOnstantes?
Infelizmente, os profissionais de saúde, sendo os da linha da frente, foram os mais afetados no âmbito geral pela
“O que será o amanhã dos de hoje?” - Entrevista com a Psicóloga Clínica Rita Ferreira
Entrevista
exposição a circunstâncias extremas que despoletaram inúmeras questões: morais/éticas, psicossociais e físicas. A palavra vida faz todo o sentido aliada à Medicina, o prob lema é quando vem a morte que é o oposto ao valor princi pal que um médico carrega. Deste modo, seria quase uma exigência que qualquer profissional que lide com situações tão perturbadoras deva fazer terapia ou psicoterapia, per mitindo-lhe trabalhar pilares da saúde mental - sono e descanso, nutrição, atividade física, relações saudáveis e autoconhecimento - todos eles essenciais para uma boa prática médica.
hOje a área da saúde parece aQue le pedinte Que tOdOs fingem nãO ver pOrQue é mais fácil ignOrar O prOblema! estará a sOciedade adOecida?
Apesar de ter havido um progresso na valorização da saúde mental, acredito que esta ainda não é valorizada por quem deve de facto ser, ou seja, esta falta de recon hecimento da saúde mental não serve de muito quando a maioria não tem acesso a terapia por défice monetário e por não encontrar alternativas por parte do SNS de modo a contornar a situação. Além disso, o SNS só teria ganhos criando uma rede de recursos para todos, já que além da criação de postos de trabalho, apostaria na prevenção an tes de qualquer tratamento, logo creio que, esta medida aplicada a grande escala iria ter um efeito muito promissor.
a partir da sua página de insta gram desenvOlveu um prOjetO Que prOpõe exercíciOs diariamentedesafiO dO Whatsapp! cOmO surgiu este prOjetO, Qual O ObjetivO, e em Que medida pOderia beneficiar a literacia em saúde?
Este desafio assenta nas diferentes dimensões do auto conhecimento, destina-se a toda a gente, e surgiu quando identifiquei duas carências gigantes na nossa sociedade: a falta de psicoeducação associada às emoções e a difi culdade do acesso logístico e financeiro à saúde mental.
Todas as emoções são essenciais, funcionais, voláteis e têm o seu propósito, logo, o ideal é lidar com elas e não as reprimir, retirando desse processo a melhor aprendizagem. Além disso, assustada com a quantidade de pedidos de socorro aos quais não conseguia dar resposta, decidi criar
um desafio com preço simbólico promovendo oportuni dade e acesso a dez dias de autoconhecimento profundo com acompanhamento diário, criando-se quase um grupo terapêutico de entreajuda que fomenta a sensação de que as pessoas não estão sozinhas e não são as únicas a sen tir-se daquela maneira, o que tem revelado resultados e feedbacks muito positivos. Em conclusão, o meu propósito com este desafio é no fundo deixar de querer tratar para passar a prevenir a doença mental.
na sua OpiniãO, O Que pOderia im plementar-se para melhOrar a sit uaçãO atual?
Seria fundamental introduzir uma disciplina de Psicoedu cação desde a mais tenra idade, de forma a atuar logo na prevenção de perturbações, algo que só iria beneficiar o Estado, já que com a prevenção não haveria necessi dade de gastar tanto dinheiro no tratamento. Em suma, estaríamos a prevenir uma sociedade doente e promover uma sociedade psicoeducada, com autoeficácia e amorpróprio.
Entrevista
Dar Voz à Língua Gestual Portuguesa –Com Marisa Maganinho
Quem é a marisa? O Que faz?
A minha área de formação é a Língua Gestual Portuguesa (LGP). Comecei pela licenciatura em ensino e, mais tarde, matriculei-me no ramo da interpretação. Levo também a Língua Gestual e a acessibilidade para um negócio que tenho, uma agência de viagens, que trabalha a área do turismo acessível, onde temos atendimento em Língua Gestual. Além da vida profissional, a LGP tem um papel a título pessoal: o meu marido é surdo profundo e, sendo ele utilizador da LGP como meio de comunicação, costumo dizer que estou 24/24h com a Língua Gestual junto de mim - só não digo porque há umas quantas em que vamos dormir [risos]. Sou uma sortuda por fazer aquilo que gosto, ainda que acabe por ter um dia a dia a mil, mas uma vida monótona não me agrada. Nota-se, por todos os projetos que abraça, que é muito proativa…
Acho que são pequenas coisas que fazem a diferença. Se estivermos à espera do momento em que vai ser dada voz à Língua Gestual, não existirá. Essencial mente em causas como estas, que vêm de preconceitos de há muitos anos, cada grãozinho que vamos deixando faz a diferença e, suces sivamente, isto traduz-se em disseminar conhecimento. O processo de sensibilização e formação enquanto cidadãos também passa por aí. Seria o expectável para todos e eu tento cumprir com a minha parte.
pOrQuê lpg?
A Língua Gestual nunca esteve nos meus planos. Queria Jornalismo e, ainda que a LGP esteja relacionada com
comunicação, não era a minha primeira opção. Há coisas que acontecem porque tem que ser e, mesmo antes de me candidatar à faculdade, vi um vídeo de publicidade à li cenciatura de LGP. Achei o máximo, aquele vídeo com voz e alguém a fazer a tradução! Então, meio ao acaso, disse aos meus pais que queria experimentar LGP. Deixei toda a gente chocada lá em casa, que nunca me tinham ouvi do falar naquilo. O primeiro ano, de adaptação, foi difícil, mas quando entrei no ritmo… aí pensei que não me veria a fazer outra coisa. Foi um mundo que me apareceu ao acaso, que, assim que o compreendi e que o senti, abracei e abraço diariamente.
Qual a sua OpiniãO acerca da acessiblilidade para pessOas surdas nO cOntextO da saúde?
Acho que temos ainda muito a fazer, principalmente na área da saúde, que não devia estar limitada por nada. Podemos falar de imensas situações que falham, desde filas de espera, etc., mas, no que toca à comunicação, isto nunca deveria ser um motivo para que alguém não tivesse acesso. Facilitaríamos o atendimento nos serviços, por exemplo, chamando o utente com um sistema de senhas e um LCD, em vez de usar só o microfone. Quanto ao atendimento médico, é importante começar por sensibilizar os profissionais de saúde para serem mais flexíveis. Isto não significa beneficiar a pessoa com deficiência, porque a pessoa surda deve ser tratada como qualquer utente, mas deverá ter as mesmas condições de acesso. Aconte ce muito dizerem: “Ah sim, nós depois ligamos”. E eu digo: “Mas não podia mandar um SMS, o meu marido é surdo”, ao que respon dem “Não, é assim que funciona”.
Está tudo muito formatado, por vezes não se tenta arranjar uma alternativa. A pessoa surda fica tão saturada das barreiras que vão existindo que, quan do chega ao pé do médico, já não tem energia. Além da dor física, ter a frustração de não conseguir comunicar é psico logicamente desgastante.
Mesmo que não tivéssemos médicos fluentes em LGP, o que é difícil, se pelo menos tivéssemos médicos a esforçar-se para entender que aquela pessoa precisa de uma
Mariana Martinho, 4º ano
forma diferente de comunicar, seria muito mais fácil. In clusive da parte da comunidade surda existiria uma maior abertura – porque, se sentem que são só eles que estão a fazer o esforço, é muito difícil.
Qual O seu cOnselhO para Os futurOs estudantes Que irãO ler a entrevita?
Seria essencial que os alunos de Medicina de Portugal, através das diferentes forças estudantis, o NEM/AAC e por aí fora, fizessem chegar por escrito a urgência do tema e talvez fosse possível existir uma unidade curricular, ainda que opcional, de LGP. Fico muito orgulhosa pelo percurso que tenho feito em colaboração com o NEM/AAC, já há 10 anos, e têm passado por mim pessoas que levam o curso de LGP tão a sério como se fosse uma unidade curricular.
Dar um maior peso ao tema talvez seja o melhor passo, ainda que difícil, que a comunidade estudantil deve dar. Tudo o resto pode passar por, como cidadãos, ir em bus ca de formação, procurar associações de surdos, procurar pessoas dentro da temática, conhecer páginas nas redes sociais que possam ser úteis.
Qual acha ser O mOtivO para ainda nãO terem sidO ultrapassadas tO das estas barreiras?
Acho que existem vários motivos. Na surdez, acontece porque a surdez não se vê - a não ser que a pessoa tenha
um aparelho auditivo ou um implante. Outra razão é a pior delas todas: ainda existe muito a ideia de que quem tem algum tipo de deficiência é que deverá fazer o esforço para se equiparar aos restantes. Ainda somos extrema mente preconceituosos e a diferença é vista como uma in felicidade, “mas pronto, problema teu”. Somos ainda muito egoístas, por isso é que demora a andar para a frente.
O Que falta fazer para tOrnar Os hOspitais e O mundO lugares Que facilitem a cOmunicaçãO?
É importante que se vão fazendo coisas, sim, mas, antes, é importante abrir a mente e aceitar a situação da outra pessoa, nunca como uma forma de estar em desvan tagem, mas como uma característica diferente. Porque a pessoa surda faz tudo aquilo que outra pessoa faz, mas comunica com as mãos. Não estamos a falar de pessoas incapazes, muito pelo contrário, falamos de pessoas ex tremamente capazes, até porque acabam por ter de se es forçar muito mais para mostrar que merecem aquele lugar, logo dão muito mais o corpo às balas do que nós. Pre cisamos de normalizar as coisas: é só mais uma pessoa, nada de anormal. Às vezes, preocupamo-nos com coisas tão mínimas e o que podia ser o mote para nos apoiarmos e movermos o mundo não fazemos.
Rubrica
Burnout nos Estudantes de Medicina
Ana Telma Pereira
Carolina Cabaços
Mário Carneiro
Podem. O burnout é um estado de exaustão física, emo cional e mental que resulta de um período de stresse as soberbante e prolongado relacionado com o trabalho e/ ou os estudos. Quando estamos em burnout sentimo-nos no limite dos nossos recursos psicológicos e físicos. Não aguentamos mais.
No caso dos estudantes, as tarefas e exigências que se lhes colocam – ir às aulas, fazer exames, trabalhos, relatórios - podem ser mais exigentes e gerar mais tensão do que muitas atividades profissionais.
Em medicina, o burnout académico atinge cerca de meta de dos estudantes (nos nossos estudos, realizados no últi mo ano lectivo, a prevalência foi de 45.6%), sendo um dos cursos em que o risco é mais elevado.
Os estudantes de medicina deparam-se com elevada carga horária, de avaliações e de matérias para memorizar e com a pressão e o caos do ambiente clínico; têm de enfrentar longas horas de estudo, falta de tempo para se envolverem em atividades sociais e de lazer, privação de sono, e, mais recentemente, preocupações acerca da car reira futura. Para além dos factores de stresse comuns a outros jovens universitários, como separação da família e amigos e tensões financeiras, os estudantes de medicina têm de lidar com outros mais específicos da sua área, como a exposição à doença, à dor, ao sofrimento e à morte. Apesar disto, nem todos os alunos todos desenvolvem burnout (felizmente!). É aqui que entram os factores in dividuais, principalmente os psicológicos, ligados à per sonalidade – a maneira típica de pensar, sentir e compor tar-se. Com a nossa investigação temos percebido que certos traços são mais prevalentes nos estudantes de medicina, como o neuroticismo e, principalmente, o perfeccionismo, e que estes são factores de risco para o sofrimento psicológico, pois não só diminuem as competências emocionais para lidar com o stresse, como aumentam e geram stresse.
...mas entãO O perfecciOnis mO nãO é bOm?
Para compreender porque é que os estudantes de me dicina têm risco mais elevado de burnout (do que a população geral e do que estudantes de outros cursos), importa conhecer as causas deste problema, que são externas e internas ou, por outras palavras, contextuais e individuais. As escolas médicas caracterizam-se por terem programas exigentes e culturas de competitividade, tornando-as um ambiente extremamente desafiador.
Podemos definir o perfeccionismo como a tendência para estabelecer padrões de exigência excessivamente elevados, autoavaliação demasiado crítica e medo de falhar. O medo de falhar é o componente cognitivo-emocional que vai motivar os componentes comportamentais, nomeada mente os esforços para alcançar os padrões irrazoáveis e a procrastinação. O adiamento ou evitamento de tarefas, para não se confrontarem com o medo de não ficarem per feitas e com o desconforto que advém da antecipação de que poderão não conseguir concretizar os seus objectivos, vai aumentar a percepção de fracasso e, portanto, o auto-criticismo, a culpa e a vergonha, acabando por reforçar o perfeccionismo dos estudantes. Entretanto, o burnout impede os processos cognitivos necessários para a aquisição, integração e aplicação de conhecimentos e competências (nomeadamente clínicas), tão requisitadas no curso de medicina. No entanto, para os futuros médicos, as consequências negativas do burn out ultrapassam o prejuízo do rendimento académico e da qualidade de vida. Ao longo da formação e carreira
(Docentes e Investigadores do Instituto de Psicologia Médica - FMUC)
Os estudantes pOdem ter burnOut?
pOrQue é Que O riscO de burnOut é tãO elevadO nOs estudantes de medicina?
Rubrica
médica, o burnout afecta a qualidade da prestação de cuidados aos doentes, pois diminui a empatia, a compaixão e o altruísmo.
todos os alunos interessados a participarem.
entretantO, deixamOs algu mas dicas e sugestões:
Quais sãO Os sinais e sintOmas de burnOut?
Em termos clínicos, há uma grande sobreposição com a ansiedade e depressão. Tal como se verifica nestas per turbações, o burnout caracteriza-se por sintomas cogniti vo-afectivos e somáticos. Assim, para além da sensação de esgotamento físico e emocional, podem surgir apatia, desânimo, isolamento, ansiedade, labilidade do humor (por exemplo, chorar ou perder o controlo emocional facilmente), irritabilidade, agressividade, mudanças bruscas no humor, baixa tolerância à frustração, dificuldade na to mada de decisão e resolução de problemas, dificuldades de memória, falta de motivação, pessimismo e sentimen tos de incapacidade, inferioridade e fracasso. Algumas das manifestações físicas são: cefaleias, insónia, fadiga constante, visão turva, palpitações, dores muscu lares e distúrbios gastrointestinais. Na tentativa de lidar com o stresse e com todo o sofrimento, os estudantes podem adoptar estratégias desadaptativas, como a auto medicação e o uso de substâncias como drogas e álcool, o que tende a aumentar o(s) problema(s).
cOmO é Que se pOde intervir nO burnOut?
Com a nossa investigação temos concluído não apenas que o perfeccionismo é um veneno, mas também que a auto-compaixão, uma competência emocional que pode ser aprendida e treinada, pode ser um poderoso antídoto. Os nossos trabalhos mais recentes fundamentaram a nos sa ideia de que os estudantes (de medicina) com elevado perfeccionismo devem ser ajudados a lidar com as suas cognições, emoções e comportamentos disfuncionais através de intervenções focadas na auto-compaixão. Depois de, durante o ano lectivo passado, termos desenvolvido e realizado uma edição piloto do programa de inter venção COMBURNOUT - COMpaixão para a diminuição do BURNOUT dos estudantes de medicina (e de medicina dentária), vamos este ano testar o seu impacto e eficácia (através da realização de um ensaio clínico) e convidar
Estabelecer objectivos razoáveis Cumprir os prazos
Evitar a procrastinação
Ter uma alimentação saudável e uma boa higiene do sono
Fomentar amizades com colegas do curso Fazer pausas ao longo do dia Fazer exercício físico (ao ar livre)
Diminuir o uso de redes sociais
Desenvolver a assertividade Praticar meditação
Rir, fazer coisas divertidas Entender que a perfeição não existe – é uma utopia
Casos Clínicos
Caso clínico A
Uma mulher de 49 anos é trazida ao serviço de urgência pelo marido por quadro de febre, fadiga e perda de apetite com cerca de 1 mês de evolução. Refere também ter no tado uma perda ponderal de cerca de 3,6 kg e queixa-se de uma tosse seca e incomodativa que dura já há 2 me ses, sem alívio após a toma de antitússico. Emigrou das Filipinas há cerca de 7 semanas, onde foi diagnosticada com diabetes mellitus tipo I há cerca de 15 anos. Relati vamente aos antecedentes familiares, apresenta história materna de LES. Não apresenta hábitos tabágicos ou alcoólicos. Como medicação habitual refere a toma diária de insulina do tipo glargina, no entanto alerta para alguns esquecimentos nos últimos meses. Tem 1,65m e pesa 49 kg (IMC de 18 kg/m2). Ao exame físico, a mulher apre senta-se letárgica, com temperatura axilar de 38.1°C, frequência cardíaca de 58/min, frequência respiratória de 14/min e pressão arterial de 90/60 mm Hg. À auscultação pulmonar detetam-se roncos predominantes no lobo su perior direito e a auscultação cardíaca é rítmica, com sopro II/VI sistólico, mais audível no foco aórtico. À palpação abdominal existe um desconforto abdominal generalizado, sem sinais de irritação peritoneal. No exame neurológico sumário destaca-se apenas uma diminuição da sensibi lidade ao toque e vibração em ambas as extremidades inferiores. Realizou um estudo analítico que revelou:
SORO:
122 mEq/L
100 mEq/L
5.8 mEq/L
Glicémia 172 mg/dL
Ureia 30 mg/dL
Creatinina 0.9 mg/dL Albumina 2.8 g/dL
Foi realizada uma TC abdominal com contraste que mostrou um aumento bilateral das glându las supra-renais.
PERGUNTA 1
Qual a causa mais provável para o quad ro que a doente apresenta?
A) Adrenalite auto-imune
B) Amiloidose
C) Enfarte da glândula supra-renal
D) Infeção por bacilos ácido-alcool resist entes.
E) Tumor da hipófise.
PERGUNTA 2
Qual dos seguintes achados poderá encontrar com maior probabilidade ao exame físico completo?
A) Áreas de pele despigmentadas.
B) Espasmos faciais com a percussão do nervo facial C) Hálito com odor frutado.
D) Hemianópsia bitemporal.
E) Queda dos pêlos púbicos e axilares. .
PERGUNTA 3
Qual o próximo passo mais importante na gestão desta doente?
A) Administrar bólus endovenoso de insulina.
B) Iniciar antibioterapia de largo especto por via endovenosa.
C) Iniciar fluidoterapia endovenosa.
D) Iniciar tratamento com hidrocortisona endovenosa.
E) Realizar uma TC do crânio.
Casos Clínicos
Caso clínico B
Uma equipa de emergência extra-hospitalar é convocada para socorrer uma mulher inconsciente na via pú blica. À observação encontra uma mulher de 20 anos, não reativa a estímulos e sem sinais visíveis de trauma. A doente respira superficialmente e tem pulso palpável mas fraco. Observam-se múltiplas lesões de picada em ambas as fossas cubitais e a doente tem um hálito etíli co. Tem a roupa manchada com um líquido pungente e restos de comida digerida. É administrada naloxona intranasal com consequente normalização da respiração e do pulso. Encontrava-se sonolenta, mas desperta com estímulos dolorosos. A doente é transportada para o hospital para cuidados mais avançados. Já no hospi tal, a doente fica progressivamente menos reativa, com pressão arterial 92/53 mmHg, frequência respiratória 11 cpm e saturação periférica de 96% em ar ambiente.
PERGUNTA 1
Qual dos seguintes é o próximo passo mais adequado?
A) Administrar naloxona
Pedir uma radiografia de tórax
Iniciar fluidoterapia endovenosa
Fazer uma gasimetria arterial
Pedir uma tomografia computadoriza da cranioencefálica
Consulta a resposta em: https://www.medapprentice.org/course/cc-46
Escrita livre
Dr. Rodrigo Alexandre Fortes, Alumnus FmucPermitam-me que a minha mente pinte em tão acriançado quadro uma árvore olhando-se ao espelho. Enraizada na ilha de Cós, uma árvore milenar, cuja sombra deu guarida a Hipócrates e seus discípulos, no local do nascimen to da Medicina racional e científica. A todo este cenário acrescento o espelho de Machado de Assis para analisar a farda da Medicina, que se renova a cada geração, as sim como as folhas da árvore de Hipócrates se renovam a cada Primavera. Machado de Assis expõe, em sua obra seminal “O Espelho”, que a nossa “alma externa”, ligada ao status e prestígio social, ao olhar alheio, tem precedên cia face à “alma interna”, tendo o título eliminado o homem numa identidade subsumida e subalterna de convenções e de jogos de poder.
Com o seu tronco lenhoso, ostenta uma cabeleira crespa e florida, fazendo-se estar pelas suas raízes pivotantes. Olha-se mais uma vez ao espelho, vira-se para mim com os olhos lassos e diz-me:
Sinto que a minha alma interior está engolfada pela minha alma exterior. Perfumada pelo prestígio, reconhecimen to, poder e savoir-faire, deixei de representar os Médicos para representar os Doutores.
Tenho conversado muito com aquelas plantas de pequeno porte e caule macio. Disseram-me ser da família das ervas daninhas. Não sei se me deram o nome falso (vou falar baixinho para que não me ouçam), chamam-se: orgulho, prepotência, vaidade. Permite-me mostrar-te os seis ra mais que sustentam o núcleo duro dessa arrogância:
1. Herança cultural científica – A promessa iluminista e positivista dada pela elucidação dos mecanismos da doença e pela intervenção material específica sobre eles entregou resultados sem explicações comezinhas. O grande grupo é incapaz de compreender os meandros da ciência, por isso tem uma fé absoluta em seus dizeres. Mesmo os que têm algum grau académico contestam a
postura médica e não a luz técnica. Não é por ser competente que não se pode dizer “asneiras no próprio campo de competência”. A arrogância, em sentido geral, pode não ser fruto de característica pessoal ou circunstancial da má prática médica.
2. Subcultura autoritária do ambiente laboral – A ex posição constante de si e as imagens que medeiam as relações tendem a instaurar uma propensão ao mimetis mo. Falo da ritualização e institucionalização de condutas, mediante as quais agimos para que seja robusto o senti mento de pertença. Um exemplo é o elogiar em privado e corrigir em público, amplamente praticado.
3. Processo pedagógico autoritário – É um processo historicamente cunctatório. O aprendizado da clínica, no hospital, pelos profissionais foi e continua a ser, provavel mente, ponto nevrálgico no processo pedagógico: vários anos de formação numa instituição autoritária são essen ciais para a introjeção da arrogância e do autoritarismo em muitos médicos. O estudante de medicina geralmente é parte de: um estudo extenuante, por vezes com privação de atividades que enriquecem a vivência social; um grupo,
O desabafo da árvore de Cós
na maior parte das vezes, de classe e condições económicas privilegiadas. Ou seja, um indivíduo, no umbral da idade adulta, totalmente protegido. Destarte, subitamente, depara-se com o sofrimento multifacetado (desigualdade social, falta de estrutura, dor, morte…) e vê a sua visão imediatista, idílica e romântica das coisas substituída por um modo de blindagem, amiúde, arrogante.
4. Relação externa com a sociedade – As práticas hos pitalares formadoras dos médicos, já discutidas, militam a favor de uma sensação de heroísmo atendendo a tão “decantado processo intelectual”. Também as dificuldades da cura não-hospitalar contribuem para materializar algo dessa sensação. A gratidão e o valor projetado fazem ar raigar essa moldura em meio a sociedade.
5. Valores e posturas que credenciam essas atitudes –Intervencionismo, pressa, controlo, desconfiança, tensão emocional, etc. não se furtam da oportunidade de tecer pré-conceitos e pareceres. A título de exemplo, quantos já julgaram o paciente pela vinheta clínica da triagem?
6. Concorrência – Trata-se de uma profissão que lida com a confiança das pessoas, embasada pela: integridade, ação, respeito e resultado. Este último elemento
tem sido sobrepujado, exagerado e hipersensibilizado, mormente quando posto em causa. Em quase todas as paragens, algum grau de competição é inescapável, só que há uma diferença entre a competição necessária (valoriza a capacidade de antecipação) e a competição com rivalidade (valoriza a capacidade de procurar situações antecipáveis). O termo “bajulação” tornou-se o salvo-con duto para a obtenção dessas situações antecipáveis. Theodore Adorno dizia que “a competição é um princípio, no fundo, contrário a uma educação humana”. Mas o ob jetivo das profissões não é educar seres humanos, é pôr a educação a serviço de um fim. Será esse o caminho certo? Não sei!
Há um lado solar e um lado obscuro. Peço desculpas aos meus frutos. Mas esta árvore, só por hoje, decidiu não abordar a virtude, a potência, a sabedoria, a dedicação, a vocação, a criatividade, a alegria e as experiências hu manas que fazem crescer e enriquecer as vidas de médi cos e pacientes, também presentes na prática médica. Sr. Machado de Assis, pode levar o seu espelho. Continuo a ser uma otimista inveterada!
Escrita livre
A poesia da medicina
Bernardo Monteiro, 2ºanoPoesia e Medicina, conceitos que, numa primei ra análise, mais leviana, não evidenciam, propriamente, uma relação íntima; porém, se cogitarmos um pouco, ir-nos-emos aperceber de que, afinal, são áreas comple mentares e, de certo modo, indissociáveis. Na realidade, atrevo-me a asseverar que, sem Poesia, não haveria Me dicina.
Talvez alguns julguem que estou ébrio pela afir mação que acabo de tecer … afinal, como ouso defender tamanho dislate? Então, qual é a relação entre os Poemas de Camões, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Anderson, Miguel Torga, Herberto Hélder (entre outros autores, que deixaram uma marca indelével no mundo através da sua escrita) e a Medicina, ramo puramente científico?
Ora, para responder a esta excelente questão, es timados leitores, teremos de encetar uma breve reflexão acerca do cerne da Poesia. Vamos a isso?
Infelizmente, por uma multiplicidade de fatores, entre os quais destaco a incúria do modelo de ensino hodierno, que se preocupa exacerbadamente em atribuir um «numerozinho» aos discentes, muitos ganham aversão à Poesia ou ficam com uma impressão errónea desta. Apesar de, ao longo de vários anos, sermos convidados a ler e analisar Poemas (e não obstante a diligência dos docentes empenhados), creio que uma percentagem rela tivamente elevada de indivíduos não nutre especial carin ho pela Lira, porquanto não apreendem a sua essência. Para amá-la, não basta «estudar» o programa lecionado … temos de a respirar, viver e sentir. E como se faz isso? - perguntam os meus sagazes leitores.
Temos de encarar um Poema como se de uma pessoa se tratasse. Cada um tem uma aparência (sub linho as imensuráveis formas de o organizar em versos e estrofes), um tom de voz (marcado mormente pela métrica e pelos venustos recursos expressivos que imprimem mu
sicalidade à obra-prima), uma opinião … uma vida! Sim, sou arauto da «idiossincrasia lírica»! No entanto, todos os (verdadeiros) Poemas se pautam pela excelência, apanágio das (verdadeiras) obras de arte.
Há, também, que ter em conta que a Poesia é ver dadeiramente multitasking. Basta pensarmos na miríade de assuntos abordados nos diferentes textos, bem como nos distintos efeitos que despoletam. Estou, enquanto es crevo, a lembrar-me de um Poema da autoria de Miguel Torga - Plateia -, o qual levou ao recrudescimento da minha paixão por esta arte. De facto, o Poeta, de forma trivial, mas cabal, retratou, na perfeição, o passivismo e a hipocrisia da sociedade, relevando a necessidade premente e imperiosa de nos insurgimos contra a «farsa do presente». A Plateia foi, efetivamente, um despertador que me levou a adotar uma postura mais crítica, assertiva e Humana! Inobstante, a Poesia não tem, exclusivamente, um papel moralizador; tantos são, a título de exemplo, os textos poéticos arreigados na temática amorosa, que tanto nos ajudam, por termos consciência de que não somos
os únicos numa situação platónica ou, por outro lado, por nos apercebermos de que não somos os únicos ditosos a emanar uma quantidade exorbitante de regozijo por onde quer que passemos, apenas por termos correspondência. E poderia continuar a lista de funções da Poesia, mas não só seria maçador para os meus ímpares leitores como também não se me afigura necessário, visto que todas os seus papéis convergem numa finalidade: ajudar a Huma nidade.
Costuma dizer-se que os melhores amigos do Homem são os cães, no entanto, e não querendo retirar qualquer mérito aos nossos companheiros de quatro patas, creio, com veemência, que o nosso verdadeiro melhor amigo é a Poesia. Quando estamos tristes, conforta-nos com as suas dóceis palavras; quando estamos felizes, amplifica o nosso sentimento; quando transgredimos as normas sociais, adverte-nos e desvela o caminho que de vemos seguir! Que insólito … parece que estou a falar de Medicina ….
Quando estamos doentes, a Medicina conforta-nos, ao nos facultar o tratamento devido; quando estamos salutares, regula a nossa estimada saúde com análises de rotina; quando transgredimos as normas que asseguram o nosso bem-estar, adverte-nos e desvela o caminho que deveremos seguir. Sem dúvida, a Poesia e a Medicina configuram sinónimos de bondade, altruísmo, filantropia, reflexão, compreensão, gratidão, sapiência e amor.
Amados leitores, espero não ter sido exaustivo! O meu fito, ao redigir esta pequena reflexão, é destacar a ignota relação entre a Medicina e a Poesia, duas áreas que, como referi no dealbar, são indissociáveis. A Poesia é muito mais do que aquilo que consta nos Manuais … é a ferramenta necessária para aprimorarmos a nossa per sonalidade e limarmos as arestas do «bom senso». Sem os seus valores, perspicazes leitores, questiono: será pos sível, mesmo detendo um leque eclético e completo de conhecimentos, desempenhar a função de Médico com zelo e profissionalismo?
Escrita livre Tempestade
Inês Pires, 6ºano
O gotejamento da água era infinito na cabine. O som da chuva era tão alto e rápido que pareciam milhares de fa cas sibilantes a cortar o ar e colidir numa enorme explosão contra o convés. Os cães uivantes e os gritos assombra dos de almas condenadas transportados pelo vento assus taram os tripulantes a barricar-se na cabine. No entanto, o Capitão mantinha-se firme, girando a roda do leme que gemia com a força da tempestade. Encharcado pela chuva e iluminado pela luz do bramido dos trovões, que estava num conflito contante com o mar selvagem espumante. E eu permanecia ao longe cantando uma melodia doce, atiçando o mar e o céu a aumentarem ainda mais a sua ira. E continuando a tentar futilmente encantar o solitário Capitão que se mantinha firme face aos desafios da fúria do Oceano.
LAR, AGRIDOCE LAR
Andreia Nossa, UCS - 6º ano
Voltas ao mundo dou e eternamente darei Por pensamentos e sonhos sempre viverei, Dei conta que as saudades lar agridoce são Raízes tatuadas num plangente e inocente coração, Ainda lacrimejo quando deixo de os ver Casal que amo e que me viu crescer, Agora não mais porque voo de asas soltas sem escolta Mas sim pelo receio de olhar para trás e não haver volta, Lar, agridoce lar Só quem é filha amada sai sabe o que é sacrificar, Sentir o aperto da saudade a esmagar Um músculo que só domina labutar em par,
Contudo, e quase nada, treinado e ferido, esse não se per mite jamais abalar Pelo contrário, descobriu que sozinho, muito mais sabe sobre amar,
E que ser cidadão do mundo é ser tudo apesar do pesar Ou não fosse ele, um lar, agridoce lar.
Review literária
Um mundo de palavras
Rita Freixo, 3º ano
Segundo um estudo da Universidade de Yale, as pessoas que dedicam pelo menos 30 minutos do seu dia a ler livros vivem mais tempo. Afinal, quem não quer viver um pou quinho mais? 30 minutos é apenas 2% do nosso dia. Por que não utilizar esses minutos a ler umas páginas de um bom livro? Vou falar das minhas áreas de especialidade (pelo menos aqui sei que tenho vaga!) que são a fantasia e o romance.
página vais querer saber mais e mais. Recomendo imenso este livro (e, se for do agrado do leitor, os restantes livros da série) a quem quer enveredar pelo mundo da fantasia, visto não ser um livro muito complexo no quesito do fantástico mas ainda assim estar cheio de ação e momentos emocionantes.
cOrte de espinhOs e rOsas, de sarah j. maas
Este é o primeiro livro da minha série favorita. A série é composta por cinco livros, sendo que os dois primeiros já foram publicados em Portugal e o terceiro está a caminho! Feyre é uma caçadora cujo talento com o arco é a única razão pela qual as suas duas irmãs mais velhas e o seu pai ainda estão vivos. Após uma má decisão, é capturada e levada para Prythian, o reino das fadas, pelo Grande Senhor da Corte da Primavera. Fascinante, sedutora e com muitas piadas internas, esta história deixa o leitor preso ao livro desde o início ao fim. Onde a escritora mais brilha, para além da construção de narrativas eletrizantes, é no desenvolvimento das per sonagens. Ao leres este livro posso te garantir que vais acabar por gerar um carinho especial por todas elas. Esta autora é espantosa a escrever pessoas com quem os leitores tanto se podem identificar ou se apaixonar. E a cada
istO acaba aQui, de cOlleen hOOver
O que nos resta quando o homem dos nossos sonhos nos magoa?
Lily é uma rapariga de 25 anos que acaba de se mudar para Boston. No terraço de um edifício, vai conhecer o homem perfeito para ela, Ryle, um neurocirurgião. Quando os dois se apaixonam, Lily vê-se no meio de um relacionamento turbulento que não era nada do que ela esperava. Será que ela conseguirá ver isso, por mais doloroso que seja? Esta é uma história única e muito comovente. Os persona gens vão te fazer sentir todo o tipo de emoções. Este livro fala sobre assuntos muito importantes e mostra a verdade nua e crua do que é a mente de uma pessoa que está num relacionamento abusivo e deveria ser lido por todos. É uma história que não te vais esquecer. É poderosa e intensa da melhor maneira possível.
Review literária
“This Is Going to Hurt” by Adam Kay
Madalina Birsanu, 6º ano
Comprei este livro depois de um exame particularmente stressante, e talvez não tenha sido a melhor escolha para desanuviar do universo da medicina, mas a verdade é que não me arrependo de o ter lido na altura em que li. Como refere o subtítulo “secret diaries of a junior doctor”, o livro é uma coleção de entradas do diário de um médico no NHS (National Health Service do Reino Unido), durante a sua formação geral e específica.
Adam Kay dá-nos a conhecer os vários aspetos da vida de um interno: das burocracias inerentes à formação médica, aos dilemas morais e decisões complicadas pelas quais é responsável. Serve-se do seu humor sardónico caraterísti co para retratar os turnos cansativos, as horas extra e a relegação da vida pessoal para segundo plano, divertindo o leitor ao mesmo tempo que dá a conhecer a realidade da carreira médica sem paninhos quentes.
Somos igualmente expostos à carga emocional inerente à prática da Obstetrícia, especialidade escolhida pelo autor, e confrontados com a realidade de que: por mais que se estude e se saiba, cada situação é diferente e nunca tão “preto no branco” como nos livros de texto.
Não somos, no entanto, privados dos momentos bonitos da profissão nem dos mais caricatos: deparamo-nos com uma história que nos comove num momento e nos faz rir à gargalhada no seguinte.
Enquanto estudante este livro mostrou-me que, mesmo passados todos os exames, é normal não saber sempre a melhor forma de atuar e, frente a frente com o doente, todos nos sentiremos perdidos e menos sábios em algum momento, pelo que considero que todos os alunos de medicina, do primeiro ao sexto ano, beneficiariam da sua leitura.
Mais importante ainda, apesar de retratar a realidade
britânica, os desabafos do autor poderiam facilmente ter sido escritos por um médico do nosso SNS, pelo que, à luz da situação que vivemos no ramo da saúde em Portu gal, recomendo os diários de Adam Kay não só aos meus colegas de curso, mas a todos, quer façam ou não parte da esfera médica.
Speed dates literários
Filipa Pereira da Silva, 3º ano
Quando toda a gente ficou fechada em casa, novos (ou velhos) hábitos foram iniciados, entre eles a leitura. Nas redes sociais parece ter ocorrido um fenómeno, em es pecial no tiktok, criando um grande clube de leitura denominado BookTok. Neste artigo, podes encontrar os livros mais famosos e ficar a saber o essencial sobre cada um. Fica atento ao instagram da aNEMia porque também lá vai surgir uma dinâmica de BookTok!
nOrmal peOple, de sally rOOney
Conta a história de Marianne e Connell, que vão desenvol vendo uma relação fora dos olhos de todos os seus cole gas. O livro retrata o desenvolvimento pessoal das perso nagens, realçando os seus defeitos e erros, mostrando a normalidade das mesmas.
the summer i turned pretty, de jenny han
O primeiro livro da trilogia segue a personagem Belly que passa todos os verões na casa de Cousins da melhor amiga da sua mãe. Passa todos estes verões com o seu irmão e outros dois rapazes, o Conrad e o Jeremiah. O livro retrata as aventuras de um verão em que a Belly já é adolescente e em que tudo muda.
verity, de cOlleen hOOver
Segue a história de Lowen, escritora sem grande suces so a quem Jeremy oferece a oportunidade de escrever os livros que restam de uma serie famosa escrita pela sua mulher, Verity, que é incapaz de a acabar por ter tido um acidente. A Lowen muda-se para casa da verity na espe rança de encontrar notas sobre o resto da serie no seu escritório, acabando por encontrar uma autobiografia que Verity não pretendia que ninguém lesse.
the inheritance games, de jennifer lynn barnes
A história viciante de Avery que tem uma vida complicada até a sua sorte mudar e aparecer na escola um homem que lhe diz que Tobias Hawthorne morreu e a mencionou na sua herança, sendo obrigada a ir para outro estado, para casa de alguém que não conhece para que a herança possa ser lida.
the seven hubands Of evelyn hugO, de taylOr jenkins reid
A icónica atriz de Hollywood pede especificamente que uma jornalista desconhecida, Monique, escreva o artigo sobre os vestidos que vai doar. Quando Monique chega a casa de Evelyn, esta pede-lhe que escreva a sua autobiografia, com toda a historia de vida desconhecida da atriz. Monique ouve todas as históri as do mundo de Hollywood, desconhecendo a razão pela qual foi escolhida para este trabalho.
the sOng Of achilles, de madeline miller
Retrata de uma forma lírica a história de Patroclus, um príncipe exilado e Achilles, filho da Deusa Thetis e des tinado a ser o melhor guerreiro, e a sua ligação magica ao crescerem juntos, sendo treinados por Chiron e sendo depois obrigados a partir para salvar Helen que juraram proteger.
Literárias
for Vendetta
TheBabadook
James McTeigue Bande à part
JenniferKent Shutter Island
Martin Scorsese
Jean-Luc Godard
Cinematográficas
Musicais
for
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The Constant Gardener Fernando Meirelles The NoraUnforgivable Fingscheidt
se Brinca Com Coisas Sérias- CELSO
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Age
Cartaz Cultural
Monólogos da Vacina
18 e 19 de novembro de 2022
Convento de São Francisco
Pinóquio, o musical Infantil
19 de novembro de 2022
Conservatório de Coimbra
declAMAR Poesia
23 de novembro de 2022
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