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Miguel Figueiredo

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Randy Schekman

Randy Schekman

Keynote

Entrevista: Miguel Figueiredo

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Andreia Gi, 6º ano

Antes de mais, gostaríamos de agradecer a sua keynote e a oportunidade de o entrevistar.

Sabemos que usa amplamente o mundo digital, mas como é que foi ser orador neste ano tão atípico em que o público está a assistir a partir de casa e não aqui presente? Eu confesso que tenho imensa pena. Eu gosto muito do contacto com as pessoas e, portanto, estar à frente da audiência e poder imediatamente sentir um bocadinho mais como é que estão a responder é uma coisa de que sinto imensa falta... Esse lado do contacto, para mim, é importante.

Mas sente que não ter interagido com o público afetou de alguma forma a sua keynote? Teria sido diferente se pudesse? Pode ser uma coisa pequenina, mas tenho essa convicção - quando estamos mais frente-a-frente, sem a distância do virtual, acabamos por estabelecer uma ligação e haver mais facilidade no rapport, na empatia e isso ajuda. Saber se o resultado disso é melhor ou não já é uma coisa que é difícil de dizer, mas pelo menos traz-me mais satisfação.

No início da keynote, falou-nos do seu percurso. O que o fez enveredar pelo mundo dos negócios e não pela medicina como percebemos? Medicina não, porque eu via a vida que o meu pai levava e disse logo, desde pequenino, que não queria uma vida daquelas. É necessária uma grande dedicação. O meu pai saía às 7h e tal da manhã e voltava normalmente por volta das 21h30 e depois, aos fins-de-semana, ainda o via a estudar (e agora que penso nisso, eu também trabalho muito e estudo), mas a parte de estudar aqueles “calhamaços” não era para mim. Na realidade, o que eu queria mesmo era ir para artes, só que nasci nos anos 70 e nesta altura, a perceção que se tinha era que quem vai para artes é para ser pobre, é para ser um pintor daqueles que vai para a rua tentar viver da caridade de outras pessoas. Era essa um bocadinho a

ideia principalmente num país como Portugal. Portanto, quando chegou a altura de escolher a área, os estudos psicotécnicos disseram que eu que tinha jeito para uma série de coisas e a gestão era uma área que permitia combinar esses estilos diferentes e eu tinha acabado de ver o filme do Wall Street, que falava da bolsa e dos milhões e achei que era capaz de ser giro. Então, fui para gestão por causa de um filme. (Risos)

Falou muita da felicidade na sua palestra e das dimensões HAPPY (Health, Attention, Purpose, People, You). Que conselhos daria às equipas médicas que estão neste momento cansadas e à procura de uma forma de voltarem a ser felizes no seu trabalho? É uma pergunta complexa. Mas há um aspeto que é muito importante e não está necessariamente na mão de cada médico ou de cada profissional de saúde, está mais na mão da equipa de gestão dos hospitais e tem a ver com criar um ambiente de segurança psicológica. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que quando estamos a trabalhar em situações de grande exigência, principalmente prolongadas, é muito importante nós sentirmos que trabalhamos numa organização que nos dá apoio, que compreende o que estamos a passar. E o que tenho infelizmente observado em alguns hospitais é que esse apoio não está lá e, portanto, os médicos sentem-se não só com o peso da responsabilidade, da dureza das horas consecutivas que tem de dar, como ainda por cima sentem-se sozinhos e isso é um peso que não precisava de estar em cima deles.

Outro aspeto que também considero importante é o descanso. O que os médicos estão a fazer é stressante pela carga horária. Eles têm competências para o trabalho que desenvolvem, mas o stress vem pela exigência da quantidade de tempo e dedicação. Por outras palavras, estamos a pedir que os médicos e as equipas operem em alta performance durante muito tempo consecutivo. Para uma pessoa conseguir estar nesse estado, precisa de descansar a 3 níveis: - Descansar de uma forma regular, ou seja, ter um período máximo de trabalho de 2 horas e depois fazer uma

Keynote

pausa e uma pausa para mindfulness para recuperar (às vezes, só parar e ficar durante 2 minutos a respirar fundo já é uma forma de descanso e faz toda a diferença); - Dormir. É fundamental e eu sei que é difícil por causa dos “bancos”. Mas, tem que se encontrar um sistema diferente para se poder dar novas condições aos médicos. Esta coisa dos “bancos” e de estar muitas horas a funcionar sem sono é de uma violência para o organismo absolutamente gigantesca. - Férias. Pelo menos, 2 semanas para poder “desligar” e fazer coisas diferentes é importante. E este ano, principalmente com a pandemia, pensou-se em não dar férias, mas tem de se ter consciência do que se está a perder. Estamos a reduzir a produtividade brutalmente... até que ponto é que dando essas férias que permitem aumentar a produtividade não se teria ganho no tratamento dos doentes? Quando nós estamos muito cansados, tomamos piores decisões. Há uma coisa a que nós chamamos os preconceitos cognitivos, que é uma série de conexões mentais de causas e efeitos que nós assumimos como verdade e não fazem sentido nenhum. E quando nós estamos muito cansados, tendemos a ficar mais “reféns” desses preconceitos cognitivos e isso leva-nos a decisões erradas. Houve um estudo que foi feito com médicos em que a todos foi apresentado um quadro clínico de um paciente, e todos eles disseram que era evidente que o doente tinha de ser operado.

Depois, foi introduzido um novo dado: - A uma metade do grupo foi dito que havia um novo medicamento para a situação clínica apresentada. Tendo esta informação, 95% dos médicos disseram que não levariam o doente à cirurgia, que era algo violenta, e preferiam experimentar o novo medicamento. - À outra metade do grupo, foi dito que havia, não um, mas dois novos medicamentos para a situação clínica apresentada. Neste caso, o médico tinha que decidir se continuava ou não para cirurgia, e não continuando para cirurgia, qual dos dois fármacos utilizaria. Tendo isto em consideração, 70% dos médicos disseram para continuar com a cirurgia.

Ora, isto não é racional, é um preconceito cognitivo. Quando a decisão se torna demasiado complexa, eu tendo a ficar pela minha primeira opção. Quando nós estamos mais cansados, fica mais difícil de ver que nós estamos “reféns” deste tipo de preconceitos. E é um perigo, porque estamos a pôr médicos que lidam literalmente com a vida de pessoas

em privação de sono.

É uma perspetiva, de facto, interessante e pertinente.

A última pergunta que temos para si é sobre o balanço que faz deste congresso. O que é que está a achar do In4Med? Confesso que só tive a oportunidade de ver um bocadinho da keynote a seguir à minha, que era a do Dr. José Pedro Sousa, e o tema que ele abordou é muito relevante, não só para a comunidade médica, mas para todos. Com a internet e com as redes sociais, para qualquer coisa, há um estudo, que muitas vezes não tem metodologia científica apropriada e que engana a sociedade, que fica só pelo headline. E como é que isto se resolve? Com duas medidas: a educação da população (cada vez mais, as pessoas têm de ser educadas sobre como ler um estudo) e a existência de uma versão completa dos estudos e uma versão simplificada, de “digestão do conteúdo” para o público em geral, de forma a ajudar as pessoas a consultem as fontes, em vez de ficarem só pela notícia sobre o estudo... Eu não sou médico, como vos disse, mas por causa disto da felicidade, quis procurar informação e ter a certeza da veracidade das coisas (até porque estou a escrever um livro) e é difícil. Eu percebo que o nível de detalhe e o cuidado com a linguagem é importante, mas devia haver uma página de sumário para leigos, em que eram obrigados a fazer uma súmula do que lá está para ser lido com maior facilidade.

Fica a dica para o futuro. Agradecemos uma vez mais a sua disponibilidade e esperamos que os leitores que nos acompanham tenham gostado tanto desta entrevista como nós.

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