Editorial
Na minha última edição como Coordenadora da aNEMia, fizemos a primeira cobertura do Congresso In4Med. Tal projeto resultou da vontade de inovar, de promover as sinergias entre departamentos do NEM/AAC e de levar até vós este que é um congresso de referência internacional, do qual nos devemos orgulhar. Foi um desafio enorme e o medo, por vezes, surgiu. Todavia, olhando para o resultado final, para o desenvolvimento da aNEMia, do NEM/AAC e para os vários papéis que conseguimos desempenhar enquanto órgão de comunicação deste núcleo, considero esta a viagem mais bonita que já fiz. Alcançamos o que sempre desejei para o departamento: uma aNEMia pluripotente, onde todos remam para o mesmo lado e com qualidade de excelência. Cordialmente,
Rita Gonçalves Rodrigues, 5º ano.
Ficha técnica
Propriedade do Núcleo de Estudantes de Medicina da AAC Pólo das Ciências da Saúde da Universidade de Coimbra Subunidade 1 da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Azinhaga de Santa Comba, Celas, 3000-548 Coimbra geral@nemaac.net www.nemaac.net anemia@nemaac.net revistanemia.blogspot.com
Departamento da aNEMia Direção: Rita Gonçalves Rodrigues
Redação: Ana C. Pastilha, Andreia Gi, Andreia Nossa, Francisca Medeiros, Gonçalo Sabrosa, Inês Serafim, Joana Mendes, Maria Ana Carreira, Mª Inês Ramalho, Mª Inês Teixeira, Rita.. G. Rodrigues, Rita Nunes, Sara Gama Revisão de texto: Maria Inês Ramalho Design e Grafismo: Madalina Birsanu e Rita G. Rodrigues Capa e contracapa: Maria João Santo Distribuição gratuita
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Índice
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Programa
34. Entrevista: Alexandre Rebelo-Marques
Stepping into the Future
4. Isabel Van Keere 5. Shafi Ahmed 6. Cláudia Azevedo 7.Entrevista: Cláudia Azevedo
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Keynote
Debate
40. Paulo Tavares 41. Maria Graça Campos 42. Bruno Maia 44. Manuel Gonçalves Pinho
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Spacial Keynote
(Re)Designing You
45. Shaun Desai 46. Michael J. Assayag 47. Hélder Ferreira
15. Thais Russomano
Facing the Invisible
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1-. Marie Roseline Bélizaire 19. Birgitta Evengard 20. Claire Guest
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Cultural Note
38. Entrevista: Ana Catarina Pastilha
10. Joaquim Alves da Silva 11. Entrevista: Joaquim Alves da Silva
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Doctor, Crack My Case!
Nobel Lecture
48. Randy Schekman
Keynote
Coordenação
49-. Entrevista: Ricardo Toipa Lopes e Cláudia Fernandes
21. Raúl Manarte 22. Entrevista: Raúl Manarte 26. Miguel Figueiredo 27. Entrevista: Miguel Figueiredo 30. José Pedro Sousa 31. Entrevista José Pedro Sousa
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CO e TF
Stepping into the Future
Isabel Van Keere Maria Ana Carreira, 2º ano
O congresso In4Med teve início com o painel “Stepping into the Future”, o qual começou com uma palestra ministrada pela Dra. Isabel Van De Keere, fundadora e CEO da Immersive Rehab, uma startup digital que pretende reformular a neuro reabilitação, utilizando programas personalizados e cativantes na área da realidade virtual. Nos dias de hoje, em que a busca pelos cuidados de neuro reabilitação é cada vez maior, torna- se fundamental a existência de um programa dinâmico e proativo, que passe por uma melhoria da recuperação dos doentes, acompanhado de uma redução dos tempos de espera no acesso à reabilitação e uma melhoria das avaliações feitas pelos profissionais de saúde. Nesse sentido, a oradora apresentou-nos um programa de exercícios de treino balanceado e funcional, que conjuga a mobilidade e o cognitivo. Destacou também que a reforma era necessária não só nas Clínicas e Hospitais, mas também em casa, oferecendo, por isso, um serviço de telemedicina e cuidado remoto continuado, capaz de fazer uma avaliação objetiva do paciente e uma análise preditiva para suporte à decisão sobre a saúde do paciente. Ao longo da apresentação, a palestrante sublinhou que a reabilitação não deve ser um privilégio, mas um direito standard de qualquer doente que dela precise: “os programas não têm de ser as horas exaustivas e dolorosas do dia do doente, podendo, ao invés, diverti-lo, ao mesmo tempo que trabalha a sua mobilidade e independência”. Para terminar, apelo à Humanização dos cuidados de saúde, salientada com pertinência inúmeras vezes pela Dra. Isabel Keere, capaz de olhar não só para o sucesso físico do doente após a terapia, mas também para o bem-estar do mesmo durante todo o seu moroso tratamento.
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Stepping into the Future
Shafi Ahmed Sara Gama, 2º ano
Nos dias que correm, ninguém estranha ouvir falar em “ensino à distância” ou em “realidade virtual”, muito por força da pandemia que estamos a atravessar. No entanto, tal não se verificava há cerca de 10 anos, altura em que estes conceitos ainda eram desconhecidos para a maioria da população. O último palestrante do módulo “Stepping into the Future”, o Dr. Shafi Ahmed, cirurgião britânico mundialmente reconhecido e premiado, esteve desde sempre na vanguarda no que toca à aplicação deste tipo de tecnologias na área médica. Não é um estranho nas redes sociais, até porque tira partido delas de uma forma constante, transmitindo cirurgias em direto, em plataformas como o Facebook, o Twitter e até o Snapchat. Em 2016, fundou a inovadora Medical Realities, uma plataforma que permite o ensino interativo de cirurgia, recorrendo a realidade virtual. Atualmente, está ligado a um ramo em constante evolução, o da Cirurgia Digital, que assenta em 5 pilares fundamentais: Robótica, Visualização Otimizada, Instrumentos Avançados, Conectividade, Análise de Dados & Aprendizagem Automática. Esta abordagem permite um melhor planeamento dos procedimentos, minimizando erros, e, associada a tecnologia 5G, já permitiu a realização de cirurgias à distância. A principal mensagem que o Dr. Shafi tentou transmitir ao longo da sua palestra foi a de que é preciso pensar fora da caixa para que seja possível reinventar o ensino médico. Revela-se cada vez mais urgente a necessidade de formar profissionais de saúde que tenham um leque variado de competências, capazes de acompanhar as constantes inovações da área, visando sempre melhorar a qualidade dos serviços prestados.
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Cláudia Azevedo Inês Serafim, 2º ano
Integrando o painel Stepping into the Future, Cláudia Azevedo falou-nos sobre o tema do doutoramento que está a terminar em Ciências Biomédicas no ICBAS. Neste, Cláudia procurou entender o potencial das nanopartículas para tratar a Diabetes Mellitus tipo I (DMI) na qual, devido à perda da capacidade por parte do pâncreas em produzir insulina, ocorre uma diminuição dos níveis de glucose. Durante a palestra foi-nos exposta uma alternativa ao atual tratamento da DMI com insulinoterapia, em que o fármaco é administrado via oral. Para isso torna-se necessário o uso de nanopartículas de maneira que o medicamento consiga chegar ao alvo específico e esteja protegido durante o seu trajeto. Descrevendo as escolhas e o percurso que foi tomando, integrando estudos in vitro, ex vivo e in vivo, Cláudia revelou-nos a eficácia que as nanopartículas têm ao encapsular o fármaco, comparativamente à ingestão na sua forma livre. Posteriormente, ficámos a conhecer o projeto desenvolvido em conjunto com a Agência Espacial Europeia com o objetivo de estudar o efeito da hipergravidade na absorção ao nível do intestino. Terminando a palestra, Cláudia deixou-nos com uma janela aberta para o que parece ser o futuro e para possíveis opções adicionais ao uso das nanopartículas, uma ideia “atrativa e bastante promissora”.
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Stepping into the Future
Entrevista: Cláudia Azevedo Maria Inês Teixeira, 4º ano
Stepping into the future dá início ao X In4Med neste ano tão atípico e especial para o mundo. O que a inspira a estar presente nesta edição a falar neste tema? Apesar de ser um ano atípico, há coisas que nós podemos aprender e das quais tirar partido, tirar vantagem e crescer; é sobretudo uma altura essencial para não desmotivarmos. Há muitos estudos e muita tecnologia a serem desenvolvidos. Temos muito valor no nosso país e é sempre uma mais valia usar este tipo de iniciativas para o divulgarmos e mostrar que nós também conseguimos fazer a diferença. Foi com muito prazer e muito gosto que aceitei o convite. Um dos meus objetivos é divulgar ciência, boa ciência. Dedicou os últimos anos à investigação, integrou publicações, escreveu artigos de revisão, recebeu prémios e participou em conferências internacionais. Qual a parte mais desafiante deste percurso? O doutoramento, por si só, é um percurso desafiante, não é? (risos) São 4 anos, com alguns momentos mais frustrantes, quando as coisas não resultam, mas é um caminho. Foi bom para mim para me desenvolver tanto profissional como pessoalmente: trabalhar a resiliência, a paciência, o trabalho em equipa… O que me deu mais prazer foram as colaborações e os desafios mais “outside the box”, tanto com o MIT como, especialmente, com a Agência Espacial. Concorremos a um concurso em que foram só selecionadas duas equipas a nível europeu, a nossa equipa portuguesa e uma equipa italiana. Por isso, eu tinha uma responsabilidade acrescida de representar bem o país neste projeto. Fui líder desta equipa. Naquela altura estava em Boston. Conseguir gerir as coisas, a equipa, os recursos, arranjar financiamento, cuidar de toda a logística, conseguir gerir à distância…; depois, com a pandemia, ter de fazer planos de contingência, prever possíveis problemas, possíveis soluções… Mas no fim tudo se conseguiu e correu linda-
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mente! Foi um projeto bastante interessante e gostei imenso. Não há oportunidades ou grandes reconhecimentos sem um grande desafio, sem as partes menos boas. Aliás, é isso que dá mais luz e brilho às conquistas! É verdade! (sorrindo) Onde e quando surgiu o interesse particular pelas nanopartículas? Sempre estive interessada na parte das biomédicas, das ciências ligadas à saúde. Na minha Licenciatura tirei Biociências, no Mestrado fui para Oncologia Molecular e depois tive uma Bolsa de Investigação no ITQB a trabalhar com exossomas. Foi aqui que comecei a conhecer as nanopartículas e o seu potencial, numa altura em que deu este “boom” de “as nanopartículas são o futuro”, “há muito que podemos fazer com elas”! Consegui a Bolsa de Doutoramento, integrei o grupo no I3S, especializado em Nanomedicina. Era uma área completamente nova para mim, que estava a explodir, a crescer muito rapidamente, pelo que foi um grande desafio. Gostei imenso. Quais os objetivos e expectativas para o futuro, em termos pessoais e profissionais? Em termos pessoais, posso dizer que tenho agora 30 anos, quase 31, e já com alguns cabelos brancos (risos); estou numa fase da minha vida em que quero estabilizar, quero formar a minha família, ter as minhas coisinhas. E, portanto, isto acaba um bocado por influenciar a minha vida profissional. Defendi a tese de doutoramento no dia 1 de abril, há uma semana atrás, e estou mais inclinada para a área da indústria, porque acho que a longo prazo é muito mais estável, o que me vai permitir, lá está, a nível pessoal, ter esta independência e estabilidade que procuro neste momento. E, sim, posso dizer que na 2ª feira [dia 12 de abril] vou começar a trabalhar no Centro de Nanotecnologia e Materiais Funcionais em Famalicão, conhecido pelo CENTI. Estou pronta para uma nova aventura! Vamos lá ver como é que corre! A defesa da tese correu bem? Sim! Acho que agora, comparado com aquilo, tudo o resto é finest, como se costuma dizer! Relativamente ao estudo que, com base em nanopartículas biodegradáveis, permite que a insulina seja administrada por via oral em doentes com diabetes tipo 1: Ultimamente tem havido novos avanços? Quais são as expectativas? Que outras doenças crónicas poderiam beneficiar deste sistema? Eu desenvolvi estas nanopartículas com a par-
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Stepping into the Future ticularidade de elas beneficiarem dos mecanismos do FCRM e, como eu disse [na palestra], dentro da nanopartícula nós podemos encapsular o fármaco que nós quisermos. No meu caso utilizei a insulina para aplicar na diabetes, mas podemos utilizar outro para outro tipo de doença, daí a versatilidade do transportador. Podemos “brincar” com estas caraterísticas da nanopartícula para elas terem o efeito que nós queremos e encapsular outro tipo de fármacos: tentar aplicar em patologias que estão relacionadas com a diabetes, mas também testar noutras doenças, porque o FCRM está expresso em vários órgãos do nosso corpo. Relativamente à nanopartícula propriamente dita, tem esta vantagem de ter uma libertação [do fármaco] de maneira controlada e prolongada. Podemos tirar partido disso para doenças mais crónicas. Como é que foi esta experiência de vir cá hoje? Foi engraçada, deu para mudar um bocadinho de ares, em tempo de pandemia. Correu tudo bem. Quero agradecer pelo convite, mais uma vez, e congratular-vos por toda esta organização e profissionalismo. Estou a gostar da experiência!
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Keynote
Joaquim Alves da Silva Rita Nunes, 2º ano
Tal como muitos da sua geração, foi o lendário Jacques Cousteau quem atraiu o Dr. Joaquim Alves da Silva para a investigação. Em vez de se tornar biólogo marinho, Joaquim ingressou na NOVA Medical School, onde se interessou pela Psiquiatria. Fez o internato num hospital em que contactou com investigadores, o que lhe facilitou a entrada na área. Mas nada é de graça... Começou pela base, com tarefas entediantes, para aprender. Investigação só faz nas tardes de sexta-feira! Vivenciou a sua própria revolução científica num programa de MD/ PhD na Fundação Gulbenkian, onde conheceu o neurocientista Rui Costa, que lhe explicou como as opsinas tornam os organismos unicelulares capazes de detetar e se mover em direção à luz. As ferramentas genéticas e estas proteínas sensíveis à luz revolucionaram o estudo do cérebro e permitiram aos cientistas estimular ou inibir neurónios específicos através da luz. Já na equipa de investigação do Dr. Rui Costa, na Fundação Champalimaud, abordou o caso de um doente de Parkinson com uma bradicinésia grave, mas que não tinha dificuldades em andar de bicicleta quando empurrado. Aplicaram a revolução optogenética aos neurónios dopaminérgicos da substância nigra, que são destruídos na doença de Parkinson. Quando inibidos pela luz, esses neurónios atrasavam o início do movimento, mas não influenciavam o seu desempenho depois de iniciado. A equipa demorou 7 anos a publicar este trabalho numa revista de grande impacto. Mas valeu a pena: recebeu um prémio Pfizer em 2017! Nesta altura, o Dr. Joaquim ainda fazia trabalho clínico e de pesquisa em simultâneo, mas a certa altura parou de ver pacientes para se concentrar na investigação, pois sentia que não poderia ser bom nas duas coisas – especialmente porque se dedica a investigação básica, e
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Keynote não clínica: “Era como um urso que sonhava ser um pássaro”. Sente que pode retribuir à Medicina ao ensinar estudantes de uma forma cientificamente mais informada. Ser investigador clínico em Portugal significa fazer o que os médicos fazem, mais trabalho extra para a investigação. É difícil para o cientista e para a sua família. Um grande problema é que o raciocínio científico não é o foco principal da educação médica, como se um muro separasse a medicina das leis do universo. No entanto, a sensação de descoberta e de fazer parte de algo maior fazem com que tudo valha a pena.
Entrevista: Joaquim Alves da Silva Inês Teixeira, 4º ano
Qual a importância de fazer parte desta X edição do In4Med num momento em que o mundo gira em torno de uma pandemia? Nem sei bem como responder! Para mim, mais do que por ser a situação atual, eu participaria sempre neste congresso. Se é um congresso de estudantes de Medicina, acho que é importante, acho que temos um certo dever com as gerações que vêm depois de nós, de tentarmos, pelo menos, passar a nossa experiência, nem que seja contar a nossa história, aquilo que nós vivemos, para que os outros saibam o que é que aconteceu. Como o tipo de percursos que existem? Sim, neste caso em particular foi o que vim fazer hoje, muitas vezes falo de outras coisas, às vezes falo mais da ciência que nós fazemos, mas eu acho que a minha principal motivação não teve nada a ver com a pandemia. É, de facto, refrescante poder vir a uma conferência nesta altura, mas, mais importante para mim, é poder contribuir e poder trabalhar com estudantes de Medicina que fazem coisas extraordinárias, como este congresso. Onde e quando nasceu a paixão pelas Neurociências e pela Neuropsiquiatria? Foram dois momentos diferentes. Pela Psiquiatria foi claramente na Faculdade e aí o Professor Miguel Xavier teve uma grande influência na maneira como ensinava; nas primeiras aulas em que ele nos deu Introdução à Psiquiatria eu fiquei logo…
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Encantado? Sim! (risos) De todas as doenças que ouvíamos falar, aquelas eram sem dúvida as que mais me intrigavam. Sempre gostei de desafios e achei que havia muito por fazer, muito por perceber e, de certa maneira, havia já aí uma ligação ao querer fazer investigação e essa seria uma boa área para poder fazer investigação. A parte da Neurociência Fundamental teve muito a ver com o meu programa doutoral, em que nos puseram em contacto com cientistas fundamentais, tiraram-nos do meio hospitalar e da clínica e puseram-nos num meio completamente científico. Nós muitas vezes temos esta sensação de que Medicina é ciência ou que é governada pelos princípios da ciência, mas não é bem assim. Muitas vezes, no dia a dia do médico, não se pode ser semelhante em termos de pensamento e de raciocínio ao de um cientista, porque o médico tem de resolver as coisas rapidamente, tem de ter soluções basicamente para tudo; mesmo quando não há uma solução, tem de tomar uma decisão. São realidades bastante diferentes, diria eu. Ao colocarem-nos nestas aulas durante o programa doutoral com cientistas básicos, abriu-se um mundo novo para mim. Claro que nós tivemos contacto com ciência ao longo do curso, mas aquela maneira de ver o mundo, de aprender coisas novas sobre o mundo, de fazer descobertas… era uma novidade! Depois, aí sim, quando conheci o Professor Rui Costa, que me deu aulas no módulo de Neurociência, fiquei fascinado com aquilo que se fazia e senti que era a melhor hipótese que teria de poder perceber alguma coisa relevante sobre o funcionamento do cérebro, mesmo que fosse em modelos animais. Às vezes é difícil explicar isto: como é que alguém que pode trabalhar com seres humanos vai trabalhar com modelos animais? A resposta é que há muitas mais limitações naquilo que nós podemos fazer com os seres humanos e naquilo que nós podemos concluir com o tipo de investigação que fazemos em seres humanos do que aquilo que podemos concluir e perceber com a investigação feita em modelos animais. Eu achei que, de facto, era aquilo que estava à procura, estava à procura de uma maneira de poder perceber melhor como é que o cérebro dá origem a comportamentos
Keynote e, mais lá à frente, como é que o cérebro avaria. Se eu conseguisse ter um melhor modelo de como é que o cérebro funciona para produzir o comportamento normal, isso seria uma maneira de contribuir melhor para termos um modelo neurobiológico útil para perceber como é que o comportamento se altera nas doenças psiquiátricas. Essa era a minha principal motivação. Entre a prática clínica, a investigação e o ensino, o que lhe proporciona mais felicidade? Acho que já sei a resposta a esta questão! A investigação, sem dúvida, de tal maneira que eu tomei a decisão drástica de deixar de fazer clínica. Aquilo que eu vos disse foi real! Eu não era mau clínico, atenção, às vezes as pessoas podem achar, do género, “ah, ele não era bom clínico” ou “não se conseguia conectar com os doentes”, não, pelo contrário, acho que era um bom clínico e estabelecia boa relação com os doentes, mas, a certa altura, tornou-se difícil estar com os doentes e pensar no laboratório e, sobretudo, sentia que não era justo para os doentes, aquela sensação de “não é justo eu estar com esta pessoa quando, na verdade, gostaria de estar a fazer outra coisa, não é justo para esta pessoa que merece ter alguém aqui que esteja a 100%”. Estava muito mais motivado para evoluir na parte da investigação e eu próprio sentia que nos dias em que tinha de fazer investigação acordava muito mais motivado e alegre do que nos dias em que ia fazer clínica. Por isso, foi uma decisão muito pessoal. Não é muito inteligente fazer uma especialidade e depois não exercê-la, mas foi este o resultado. Há coisas que nós não controlamos e acabou por ser assim… Se calhar teve de ser assim para depois chegar a essa conclusão! Talvez, sim! A Psiquiatria é útil naquilo que faço, há muitas vantagens em vários níveis e dá-me uma visão da Neurociência diferente, uma visão que os meus colegas da Neurociência Fundamental não têm, mas não posso dizer, em consciência, que tenha uma grande vantagem, pelo contrário. Enquanto estive a fazer a especialidade, eles estiveram a trabalhar na carreira científica deles. Tenho 42 anos, mas, em termos científicos, tenho o equivalente a 30 (risos)! Tive 10 anos dedicado a fazer o internato geral mais a especialidade, não acho que tenha sido uma decisão inteligente, mas foi o que aconteceu. Ao mesmo tempo, também acho que deve ser muito difícil nós acharmos que aos 18 anos vamos decidir exatamente aquilo que queremos e depois, no final do curso de Medicina, vamos acertar exatamente na especialidade que queremos exercer. Acho que são tudo momentos da nossa vida em que nós tomamos decisões que até podemos tentar que sejam o mais racionais
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possível, mas há coisas que nós nunca sabemos a não ser quando as experienciamos. Também costumo dizer - e digo isso aos meus filhos - que há poucas decisões que não se podem alterar, nada é definitivo. Um estudante de Medicina que termina o curso e considera fazer investigação e não tirar especialidade? É perfeitamente razoável! Precisamos de muitos médicos a fazer investigação, precisamos muito da ciência, sobretudo muito mais ciência no ensino da medicina. Isso é a minha convicção também. Porquê? Oh Inês, imagine a quantidade de informação que existe hoje em dia, mas também pense na velocidade a que nós acedemos a essa informação: antigamente era muito importante ensinar muita informação e que os alunos fossem capazes de ter muita informação e tomar decisões muito rápidas, porque era difícil aceder a informação, porque não havia propriamente um dispositivo à mão em que nós pudéssemos pesquisar rapidamente; hoje em dia isso já não é verdade, hoje em dia podemos pesquisar guidelines muito rapidamente. Talvez devamos começar a usar o nosso tempo melhor no ensino em vez de estarmos a passar factos e factos e factos aos nossos alunos, se calhar focarmos também, nem que seja parcialmente, em transmitir qual a melhor atitude quando os factos não são conhecidos, qual a melhor atitude quando a decisão não é clara, porque não existem dados, porque não nos dizem como é que as coisas funcionam e como é que podemos descobrir como é que as coisas funcionam, como é que podemos descobrir um novo tratamento, como é que as coisas resultam na fronteira da descoberta. Quais os objetivos e as expectativas para o futuro? A minha luta neste momento é ter uma posição independente. O que é que isto quer dizer? Que eu possa ser um chefe de laboratório, que eu decida que projetos é que vamos fazer, o que é que vamos investigar, que isso depen-
Keynote da de mim, e, de certa maneira, poder também ajudar outras pessoas a adquirirem expertises na Neurociência Fundamental. O problema é que eu próprio tenho algumas limitações que tornam complicado este percurso, não quero sair de Portugal, tenho três filhos, não quero estar a arrastá-los para outro mundo, porque tive a oportunidade de ir para outros sítios e gostava muito de ficar cá. No entanto, o tecido académico em Portugal não é muito rico e não se renova muito; para além disso, também não há muitas instituições de investigação, portanto não há muitas posições. Mesmo tendo um doutoramento bem sucedido, mesmo tendo uma especialidade médica, não é fácil encontrar soluções de carreira, embora haja várias saídas e, mesmo que uma pessoa decida fazer mais investigação, pode sempre depois seguir outras áreas. Numa resposta simples, o meu objetivo agora é obter uma posição independente, quer seja num instituto, quer seja numa faculdade, e poder desenvolver a minha investigação, poder continuar o meu trabalho. Por fim, o que gostaria de transmitir neste momento aos estudantes de Medicina? Isso é uma grande responsabilidade (risos)! O que é que eu gostava de transmitir aos estudantes de Medicina? (suspirando) O que eu gostava de dizer é que ser médico é de facto uma profissão especial, mas que eles [os estudantes] não deixem que esse facto se transforme num certo hermetismo em relação às outras áreas do conhecimento, que procurem ter uma visão mais geral da ciência e que desenvolvam competências para além da capacidade de memorização e obtenção de factos, que se concentrem na capacidade de terem pensamento crítico, capacidade de avaliar a qualidade da informação e capacidade de até, eventualmente, desenvolverem a sua própria pesquisa e ajudarem a descobrir coisas novas, que possam empurrar a Medicina, ajudar a Medicina a crescer como campo científico. Sim, eu diria que é isso. Basicamente eu acho mesmo que - não sei se vocês têm essa noção - os médicos são vistos muitas vezes como… - como é que eu vou dizer isto sem ser desagradável? – pedantes? As pessoas não têm muito boa opinião de nós, acham que somos vaidosos e que pensamos que a Medicina está sempre acima dos outros campos, em termos de conhecimento. Isso de facto não é verdade, não deve ser verdade, não sei se a nova geração é assim. Sei que conheci uma geração que era assim. Acho que, no fundo, nenhuma geração vai deixar de ser um bocadinho assim! Talvez tenha melhorado qualquer coisa, mas a própria sociedade tem isso muito enraizado. Sim, mas a própria sociedade já não nos vê assim, pelo contrário, até há um movimento contra cultural
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de “anti-Medicina” por causa disso também, não é? Aconselho [aos estudantes de Medicina] a serem humildes: nós não somos a última bolacha do pacote! Procurem conhecer pessoas, não tenham medo de falar com as pessoas e reconhecer que as pessoas são melhores do que vocês, porque é a única maneira de conseguirem evoluir e acrescentar conteúdo. Das pessoas mais fabulosas que conheci e que mais me deslumbraram em termos de conhecimento, algumas eram médicas, outras não eram. Muito obrigada por ter respondido a estas questões e por ter feito parte, como orador, deste Congresso. Eu é que agradeço o convite e o vosso esforço para organizarem isto uns para os outros! Como é que vocês arranjam tempo para isto? Não sei! (risos) Só de imaginar fico cansado! Pelo que sei, quando termina um In4Med começa a preparação do próximo!
Spacial Keynote
Thais Rossomano Gonçalo Sabrosa, 2º ano
Como reagirá o nosso corpo e a nossa mente quando em ambiente aerospacial? Nos primórdios das viagens espaciais, com a falta de informação sobre a microgravidade, eram temidos vários efeitos no nosso organismo, como anorexia e retenção urinária. Os aspetos que hoje sabemos afetados pertencem a quatro grandes domínios: a microgravidade, a radiação, a mente humana e os ritmos circadianos. A medicina espacial engloba três domínios: fisiologia espacial (duração da missão e sexo do viajante), medicina operacional (logísticas, como quando dormir) e medicina clínica (manifestações que ocorrem, como infeções). É certo que cada organismo reage de uma forma diferente às adversidades encontradas, mas é verificada maior propensão em determinadas circunstâncias para certas manifestações. Tendo em conta isto, podem verificar-se complicações associadas a pré e pós-missão, bem como ao longo da mesma. O sistema neuronal é o primeiro a ser afetado, gerando distúrbios de orientação. Quanto ao circulatório, a maior parte do sangue localiza-se abaixo do nível do coração, quando estamos na Terra, o que nos permite estar de pé e mover. Quando no espaço, esta proporção passa a verificar-se acima do nível do coração, conduzindo a edema nos membros superiores e na cabeça. Perdas de 1 a 2% de densidade óssea por mês, alterações na curvatura da coluna e atrofia muscular também são verificados. A nossa mente também pode ter alterações a nível cognitivo, por parte da radiação, e depressão provocada pelo isolamento. É importante haver atividades que combatam este último aspeto, como jogos, música e convívio. Para o futuro, são destacados obstáculos a enfrentar para viagens a Marte e o próprio turismo.
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Facing the Invisible
Marie Antoine Bélizaire Gonçalo Sabrosa, 2º ano
O tema da resposta ao surto em campo é-nos trazido pela professora Marie Rosaline Bélizaire. É epidemiologista, especialista de saúde pública e coordenadora do campo de emergência na WHO. Esteve na frontline de guerras e doenças, tendo tido um enfarte na sua resposta ao vírus Ébola na República Democrática do Congo. Embora isto se tenha verificado, continua a ajudar as comunidades a combater HIV, febre amarela e Ébola. Atualmente, está a ajudar no combate ao COVID-19 na República Centro-Africana. Um surto é um excesso de casos de patologia relativamente à expectativa normal. Os surtos zoonóticos são os que mais infetam os seres humanos. Um exemplo atual deste mesmo é o provocado pelo Coronavírus, que se crê ter sido transmitido por morcegos. O plano de combate a surtos depende de vários fatores: o tipo, os casos, o contexto local, a organização e os princípios. Será a primeira vez que contactamos com este patogénio? É um vírus ou bactéria? Iniciou-se num ambiente rural ou urbano? Com ou sem um bom sistema de saúde? Foi notificado para a WHO? São todas questões imprescindíveis para uma boa resposta. Para haver sucesso no combate é necessária colaboração, coordenação, solidariedade. Ter a evidência como base é muito importante. Tem sempre de se pensar na igualdade, todos têm de poder ter igual acesso. Um grande objetivo é fazer com que a comunidade sinta que importa!
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Facing the Invisible
Birgitta Evengård Maria Inês Ramalho, 5º ano
Numa palestra que apenas é possível graças às novas tecnologias, ministrada por Zoom da Suécia para o mundo, a Professora Birgitta Evengård começa a sua apresentação relembrando-nos que a história tem os olhos postos em nós. Qual é o impacto que as alterações climáticas (e consequentes alterações nos ecossistemas) tem na epidemiologia das doenças que nos afetam? À medida que o clima muda, os ecossistemas mudam com ele: na Sibéria, onde antes existia um glaciar, existe agora vegetação, o que por sua vez atrai diversas espécies de animais, implicando diferentes zoonoses. Entre outras, o antraz é umas das doenças afetadas por estas alterações: em 2015, na Sibéria, uma epidemia matou vários animais e uma criança de 12 anos. Uma epidemia que poderia não ter ocorrido se o estado dos glaciares não estivesse comprometido. Chegamos a uma importante conclusão: não existe saúde humana sem ecossistemas saudáveis, tornando-se imperativo, cada vez mais, almejar um desenvolvimento sustentável. A título de exemplo, observamos os povos Saami, nativos da Lapónia, que continuam a viver em constante equilíbrio com o seu meio envolvente, como fizeram durante milénios. Um equilíbrio que o resto da humanidade precisa de encontrar o mais rapidamente possível. O principal foco de estudo de Birgitta é este mesmo: quais as doenças afetadas pelas alterações climáticas, e como podemos precaver-nos para as epidemias que se seguem, e até mesmo prever onde e quando irão ocorrer. E, principalmente, o que podemos fazer para as evitar. A palestra acaba com uma exortação a todos os que assistem: o futuro está nas nossas mãos.
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Claire Guest Inês Serafim, 2º ano
A Dra. Claire Guest dirigiu em 2003 o primeiro programa de treino de cães para identificar o cancro a partir do odor e é cofundadora da organização Medical Detection Dogs (MDD). Escreveu também o livro “Daisy’s Gift”, onde conta a história em que a sua cadela detetou o seu cancro de mama. Integrando o painel Facing the Invisible, foi sobre este tema que Claire se debruçou, explicando em primeiro lugar os benefícios que o cão provoca na saúde do ser humano, chegando ao poder de olfato que os cães têm ao conseguirem detetar uma doença “através de uma única gota de urina”. Na urina estão contidos compostos orgânicos voláteis (VOCs) produzidos pelas células do corpo do doente que foram alteradas devido à presença de doenças metabólicas ou cancerígenas. Os VOCs podem assim ser comparados às impressões digitais das doenças e como o cão tem cerca de 350 milhões de recetores olfativos (quando os humanos têm apenas 6 milhões), é possível treiná-lo no âmbito de detetar uma só doença. Com isto, Claire mostrou-nos os projetos em que se tem ocupado, incluindo o treino de cães para detetar a malária, a COVID-19, o cancro e o Parkinson, o qual poderá ser detetado numa fase muito precoce através deste método, o que melhora em muito o prognóstico do doente. No final, foi-nos também apresentado a Bio-Nose, uma tecnologia que está a ser desenvolvida no objetivo de fazer o mesmo que o nariz do cão. De uma maneira bastante interessante, a Dra. Claire Guest conseguiu mostrar as possibilidades de diagnóstico quando se passa para uma dimensão que para nós é invisível, mas que existe e pode ser detetada com os recursos certos.
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Keynote
Raúl Manarte Joana Mendes, 4º ano
Sabias que podes contribuir para a ajuda humanitária nos países mais desfavorecidos se permaneceres na tua zona de conforto, esqueceres os teus sonhos e se fores um seguidor, em vez de um líder? Nesta palestra impressionante, o Dr. Raúl Manarte reverteu o lema do In4Med para nos dar a conhecer a realidade que se vive em muitos países carenciados e mostrar como todos podemos fazer a diferença. Muitos mitos e crenças foram deitados por terra. A pobreza e a fome mundiais aumentam a um ritmo alarmante, ao contrário dos dados das Nações Unidas, que nos mostram uma visão deturpada da realidade devido a sucessivas alterações das formas de medição. Seria expectável que os países desenvolvidos apoiassem os subdesenvolvidos, mas verifica-se o oposto – os países ricos enriquecem mais à custa dos países pobres e beneficiam desta desigualdade. É de destacar a importância da promoção da saúde mental em populações afetadas por crises humanitárias, tanto na redução dos níveis de stress psicológico, como no encurtamento da sua duração. Para tal, é essencial trabalhar com curandeiros locais, para que as informações transmitidas estejam inseridas no contexto cultural da comunidade. Mas afinal o que podemos fazer face às adversidades vividas em países subdesenvolvidos? Permanecer na nossa zona de conforto? – Podemos participar em iniciativas para dar maior visibilidade a estes problemas e pressionar o nosso governo a agir, sem sair do nosso país. Esquecer os nossos sonhos? – A forma mais eficiente de promover o desenvolvimento destes países seria impedir a exploração sistemática dos seus recursos. Assim, o ativismo e a divulgação de iniciativas podem ser tão eficazes como a ajuda humanitária direta.
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Entrevista: Raúl Manarte Maria Inês Teixeira, 4º ano
Antes de músico, compositor, fotógrafo e psicólogo, é um ser humano. Como descreve esse ser humano? Quais os valores e princípios que determinam a sua vida? Perguntas fáceis, não é? Não sei se determina a minha vida, mas o que determina a minha parte profissional é tentar ter o máximo impacto positivo em pessoas que estão em crises humanitárias. Por incrível que pareça, às vezes uma conversa tem um efeito borboleta que vai desencadear, por exemplo, estares no terreno para o ano ou algo assim do género. Porque tu também não sabes se vais encadear num grupo de ativismo, como nós formamos, e se isso não vai levar a que 500 menores do campo de Moria venham para Portugal. Ou seja, o que eu quero dizer é que nunca sabes as consequências positivas que podem sair de uma ação bem-intencionada, que busca ter um maior impacto possível no terreno. E como descreve a pessoa que é como ser humano? (repetindo a questão) (soltando uma gargalhada): Não sei… Não sei… Passa à frente! (risos) Na minha opinião, só um homem de força e coragem é capaz de mergulhar no desconhecido e viajar pelo mundo. Quais são as memórias mais marcantes das experiências humanitárias? Posso contrapor a tua opinião um bocadinho, antes de responder? É preciso muito mais coragem para seres cuidadora informal da tua mãe com alzheimer, muitíssimo mais, porque não são duas semanas ou três meses, pode ser o resto da tua vida. E também chega a um ponto em que, como tudo na vida, já te sentes contente por fazer uma coisa, em que o desafio ou o desconhecido já não é tão grande, apesar de ser um contexto diferente e uma equipa diferente. Não sei se é preciso assim tanta coragem quanto isso, porque nem sempre estás exposta a situações dramáticas, nem sempre ou raramente a tua segurança está em risco. (fazendo uma pausa) As memórias… Por incrível que pareça, acho que as mais impor-
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Keynote tantes de referir são as boas. Em qualquer crise humanitária em que já trabalhei vi exemplos de puro heroísmo e altruísmo extraordinário, de pessoas que estavam completamente desesperadas – até à garganta – e, mesmo assim, conseguiram por o bem-estar de outra pessoa à frente delas próprias; ter perdido tudo, até os membros da família, e salvar a vida a completos estranhos. Isso é inacreditável. E de que é que eu estou a falar? De, por exemplo, pessoas em Moçambique que passaram a noite toda a tirar água da casa para não morrerem afogadas com os filhos e logo no dia a seguir estavam a trabalhar, a ajudar outras pessoas. Houve um rapaz que perdeu tudo, mas sabia exatamente onde é que estava toda a gente na aldeia que precisava de assistência médica e levava-os em braços, se fosse preciso. A resiliência e o altruísmo que estas pessoas têm nestas situações? Eu não conseguia ter. Quais os sentimentos e as emoções que inspiraram “Moria” e “na Bissau”? Em “Moria” acho que é de tu estares noite após noite a atender pessoas desesperadas que têm os filhos a convulsionar com febre e teres de pedir para esperar, porque estão a entrar menores esfaqueados; ou teres de devolver ao campo um menor com um ataque de pânico, porque não tens tempo de o estabilizar - um menor que acabou de saber que a família tinha morrido no Afeganistão - não tens tempo porque estão a entrar outros casos. Nem sei, nem te consigo por uma palavra neste sentimento, tinhas de estar lá. Não sei como é que é com outras pessoas que compõem, mas para mim é como desabafar; depois transforma-se noutra coisa - e ainda bem - porque ajuda a passar uma mensagem que de outra maneira não daria para passar. A “Bissau” foi quase isso: trabalhámos em Pediatria Intensiva e Neonatologia Intensiva, portanto, muitas mortes por dia, de causas absolutamente desnecessárias noutro tipo de contexto, como aqui; um dia apercebi-me das percentagens de mutilação genital feminina e de tráfico de crianças e… (silêncio) o aperto que provocou saiu sob a forma dessa música. Considera-se um homem feliz? Sim! Quais os objetivos, projetos e expectativas para o futuro? Não sei… Uma coisa é continuar o trabalho humanitário, outra coisa é continuar a fazer música e tudo isso. O principal é arranjar formas mais eficazes de mudar as coisas no terreno e eu acho que neste momento é a mobilização da sociedade civil. Como é que nós conseguimos fazer ativismo mais eficaz? Por exemplo, só há campos de refugiados na Europa que não cumprem a legislação internacional, porque nós o permitimos.
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Em Cabo Delgado as questões são mais complicadas, a soberania não é nossa. Claro que temos um papel e podemos ajudar, mas há uma diferença gigantesca quando trabalhas na Europa, porque a Europa sou eu, eu é que sou europeu, certo? Portanto, este campo é meu. A prioridade é arranjar uma forma de transformar toda a gente que é contra as condições dos campos ou na busca e salva no Mediterrâneo, traduzir isso em ação concreta, porque há gente suficiente, há mais do que gente suficiente que não quer ver 4 mortes por dia no Mediterrâneo ou ideação suicida nas crianças em Moria a chegar aos 25%. Como é estar presente hoje no In4Med? É um privilégio. Às vezes vocês [médicos] têm uma fama um bocado má – esta resposta é que devias pôr (risos) – uma fama muito má, muitas vezes, de não terem tanta empatia como o resto da equipa hospitalar, de serem mais cerebrais, de quererem fazer mais, estarem mais preocupados no ganho monetário do que em ajudar a pessoa, estarem mais focados na parte biológica do que na psicossocial… Ouço muito isto! Mas já conheço muitos médicos que não são nada assim, como é óbvio, quer seja no Sistema Nacional de Saúde, quer seja no Cabo Delgado em Moçambique, e noto que este congresso teve essa preocupação, acho isso espetacular. Acho que cada vez mais a abordagem é mais holística, ou seja, vocês têm uma preocupação mais com o psicológico, com o social, e eu hoje vim tentar trazer outro ingrediente: a cidadania. Portanto, para resumir, sinto-me lisonjeado. Nós cada vez mais tentamos - pelo menos falo por mim, porque foi um pouco isso que me motivou a vir para este curso e seguir esta profissão – sentir que temos ali uma pessoa à nossa frente, um doente; não fazer uma abordagem pela doença, porque aquilo não é uma doença, é uma pessoa que tem uma doença, é um doente, e muitas vezes a progressão e a evolução da doença e as suas consequências têm um impacto muito maior ou muito menor dependendo do tipo de pessoa e das pessoas que a envolvem. Por isso, acho que o que
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Keynote disse faz todo o sentido. Espero que possamos ser futuros médicos assim! Sim! Um dos meus pontos hoje é [os médicos] não serem líderes, mas seguidores, que ainda é um bocado um tabu. Eu noto isso no trabalho humanitário: tu mal chegas queres mudar tudo. De três em três meses chega uma pessoa internacional nova e quer mudar o esquema todo e às vezes o plano foi todo feito sem ouvir a população do Cabo. Vais intervir na mortalidade infantil, quando se calhar o principal era segurança laboral, porque se tiveres trabalho garantido passas menos tempo a trabalhar, os teus recursos sobem, já acompanhas a tua gravidez, por exemplo. Entendes o que eu quero dizer? Sim. Ou seja, as estradas que vão dar a um problema de saúde são hiper mega amplas. Por isso, acho muito fixe. E não só o que tu disseste em relação ao doente, mas também por exemplo em relação à equipa, porque às vezes há a ideia de que o médico não joga bem com a equipa. Sim, o médico é uma coisa e a equipa é outra… Exato! Não. O médico é um membro da equipa. Tem de ser, senão não dá, não resulta! Era essencialmente isto que eu queria perguntar. Não sei se quer acrescentar alguma coisa… Queria desde já agradecer por ter vindo ao congresso e por nos ceder estas palavras! Obrigado eu! Depois envia-me, quando sair a entrevista! Vai ser transcrito e trabalhado o texto. Depois nós enviamos! Vais mudar tudo o que eu disse e ainda vais responder à pergunta que eu não respondi? (rindo) Muito obrigada mesmo! Obrigada pelo trabalho que faz! Não digas isso! Digo, digo, está gravado! Podemos tirar uma foto? Tem de ser com algum distanciamento social…
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Miguel Figueiredo Joana Mendes, 4º ano
Numa palestra cativante, Miguel Figueiredo convidou-nos a olhar para dentro de nós próprios e descobrir como podemos cultivar a nossa felicidade. Quando estamos felizes tornamo-nos mais produtivos, criativos, saudáveis e relacionamo-nos melhor com aqueles que nos rodeiam. E como se define a felicidade? Não é a ausência de emoções negativas nem a satisfação de todas as necessidades, mas sim uma sensação geral de satisfação com a vida, aliada a uma maior frequência de sentimentos positivos. Estima-se que cerca de 60% dos fatores que contribuem para a felicidade estão fora do nosso controlo, tais como o tipo de personalidade e as circunstâncias de vida. Os restantes 40% constituem as percepções e comportamentos que podemos alterar. Não obstante, esta proporção é a mais significativa pois representa o papel crucial que todos temos na construção da nossa felicidade. A “Metodologia HAPPY” é precisamente uma das formas de promover o nosso bem-estar pessoal, englobando 5 dimensões – Saúde, Atenção, Objetivos de vida, Pessoas, Eu. A dimensão “Saúde” consiste na adoção de hábitos que melhorem a qualidade de vida e a “Atenção” centra-se na importância de nos focarmos no momento presente. Os “Objetivos de vida” podem ser a carreira profissional ou uma vocação. Já o domínio “Pessoas”, exalta a importância das relações interpessoais. No entanto, talvez o mais importante seja o domínio “Eu”, que consiste na relação que cultivamos connosco mesmos. Assim, é fundamental combater padrões negativos de pensamento, como a autocrítica, perfeccionismo e a comparação com os outros. Uma boa estratégia pode ser escrever um diário de gratidão, que nos permite focar nas qualidades pessoais, inverter perspetivas negativas e apreciar as oportunidades que surgem no dia-a-dia.
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Keynote
Entrevista: Miguel Figueiredo Andreia Gi, 6º ano
Antes de mais, gostaríamos de agradecer a sua keynote e a oportunidade de o entrevistar. Sabemos que usa amplamente o mundo digital, mas como é que foi ser orador neste ano tão atípico em que o público está a assistir a partir de casa e não aqui presente? Eu confesso que tenho imensa pena. Eu gosto muito do contacto com as pessoas e, portanto, estar à frente da audiência e poder imediatamente sentir um bocadinho mais como é que estão a responder é uma coisa de que sinto imensa falta... Esse lado do contacto, para mim, é importante. Mas sente que não ter interagido com o público afetou de alguma forma a sua keynote? Teria sido diferente se pudesse? Pode ser uma coisa pequenina, mas tenho essa convicção - quando estamos mais frente-a-frente, sem a distância do virtual, acabamos por estabelecer uma ligação e haver mais facilidade no rapport, na empatia e isso ajuda. Saber se o resultado disso é melhor ou não já é uma coisa que é difícil de dizer, mas pelo menos traz-me mais satisfação. No início da keynote, falou-nos do seu percurso. O que o fez enveredar pelo mundo dos negócios e não pela medicina como percebemos? Medicina não, porque eu via a vida que o meu pai levava e disse logo, desde pequenino, que não queria uma vida daquelas. É necessária uma grande dedicação. O meu pai saía às 7h e tal da manhã e voltava normalmente por volta das 21h30 e depois, aos fins-de-semana, ainda o via a estudar (e agora que penso nisso, eu também trabalho muito e estudo), mas a parte de estudar aqueles “calhamaços” não era para mim. Na realidade, o que eu queria mesmo era ir para artes, só que nasci nos anos 70 e nesta altura, a perceção que se tinha era que quem vai para artes é para ser pobre, é para ser um pintor daqueles que vai para a rua tentar viver da caridade de outras pessoas. Era essa um bocadinho a
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ideia principalmente num país como Portugal. Portanto, quando chegou a altura de escolher a área, os estudos psicotécnicos disseram que eu que tinha jeito para uma série de coisas e a gestão era uma área que permitia combinar esses estilos diferentes e eu tinha acabado de ver o filme do Wall Street, que falava da bolsa e dos milhões e achei que era capaz de ser giro. Então, fui para gestão por causa de um filme. (Risos) Falou muita da felicidade na sua palestra e das dimensões HAPPY (Health, Attention, Purpose, People, You). Que conselhos daria às equipas médicas que estão neste momento cansadas e à procura de uma forma de voltarem a ser felizes no seu trabalho? É uma pergunta complexa. Mas há um aspeto que é muito importante e não está necessariamente na mão de cada médico ou de cada profissional de saúde, está mais na mão da equipa de gestão dos hospitais e tem a ver com criar um ambiente de segurança psicológica. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que quando estamos a trabalhar em situações de grande exigência, principalmente prolongadas, é muito importante nós sentirmos que trabalhamos numa organização que nos dá apoio, que compreende o que estamos a passar. E o que tenho infelizmente observado em alguns hospitais é que esse apoio não está lá e, portanto, os médicos sentem-se não só com o peso da responsabilidade, da dureza das horas consecutivas que tem de dar, como ainda por cima sentem-se sozinhos e isso é um peso que não precisava de estar em cima deles. Outro aspeto que também considero importante é o descanso. O que os médicos estão a fazer é stressante pela carga horária. Eles têm competências para o trabalho que desenvolvem, mas o stress vem pela exigência da quantidade de tempo e dedicação. Por outras palavras, estamos a pedir que os médicos e as equipas operem em alta performance durante muito tempo consecutivo. Para uma pessoa conseguir estar nesse estado, precisa de descansar a 3 níveis: - Descansar de uma forma regular, ou seja, ter um período máximo de trabalho de 2 horas e depois fazer uma
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Keynote pausa e uma pausa para mindfulness para recuperar (às vezes, só parar e ficar durante 2 minutos a respirar fundo já é uma forma de descanso e faz toda a diferença); - Dormir. É fundamental e eu sei que é difícil por causa dos “bancos”. Mas, tem que se encontrar um sistema diferente para se poder dar novas condições aos médicos. Esta coisa dos “bancos” e de estar muitas horas a funcionar sem sono é de uma violência para o organismo absolutamente gigantesca. - Férias. Pelo menos, 2 semanas para poder “desligar” e fazer coisas diferentes é importante. E este ano, principalmente com a pandemia, pensou-se em não dar férias, mas tem de se ter consciência do que se está a perder. Estamos a reduzir a produtividade brutalmente... até que ponto é que dando essas férias que permitem aumentar a produtividade não se teria ganho no tratamento dos doentes? Quando nós estamos muito cansados, tomamos piores decisões. Há uma coisa a que nós chamamos os preconceitos cognitivos, que é uma série de conexões mentais de causas e efeitos que nós assumimos como verdade e não fazem sentido nenhum. E quando nós estamos muito cansados, tendemos a ficar mais “reféns” desses preconceitos cognitivos e isso leva-nos a decisões erradas. Houve um estudo que foi feito com médicos em que a todos foi apresentado um quadro clínico de um paciente, e todos eles disseram que era evidente que o doente tinha de ser operado. Depois, foi introduzido um novo dado: - A uma metade do grupo foi dito que havia um novo medicamento para a situação clínica apresentada. Tendo esta informação, 95% dos médicos disseram que não levariam o doente à cirurgia, que era algo violenta, e preferiam experimentar o novo medicamento. - À outra metade do grupo, foi dito que havia, não um, mas dois novos medicamentos para a situação clínica apresentada. Neste caso, o médico tinha que decidir se continuava ou não para cirurgia, e não continuando para cirurgia, qual dos dois fármacos utilizaria. Tendo isto em consideração, 70% dos médicos disseram para continuar com a cirurgia. Ora, isto não é racional, é um preconceito cognitivo. Quando a decisão se torna demasiado complexa, eu tendo a ficar pela minha primeira opção. Quando nós estamos mais cansados, fica mais difícil de ver que nós estamos “reféns” deste tipo de preconceitos. E é um perigo, porque estamos a pôr médicos que lidam literalmente com a vida de pessoas
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em privação de sono. É uma perspetiva, de facto, interessante e pertinente. A última pergunta que temos para si é sobre o balanço que faz deste congresso. O que é que está a achar do In4Med? Confesso que só tive a oportunidade de ver um bocadinho da keynote a seguir à minha, que era a do Dr. José Pedro Sousa, e o tema que ele abordou é muito relevante, não só para a comunidade médica, mas para todos. Com a internet e com as redes sociais, para qualquer coisa, há um estudo, que muitas vezes não tem metodologia científica apropriada e que engana a sociedade, que fica só pelo headline. E como é que isto se resolve? Com duas medidas: a educação da população (cada vez mais, as pessoas têm de ser educadas sobre como ler um estudo) e a existência de uma versão completa dos estudos e uma versão simplificada, de “digestão do conteúdo” para o público em geral, de forma a ajudar as pessoas a consultem as fontes, em vez de ficarem só pela notícia sobre o estudo... Eu não sou médico, como vos disse, mas por causa disto da felicidade, quis procurar informação e ter a certeza da veracidade das coisas (até porque estou a escrever um livro) e é difícil. Eu percebo que o nível de detalhe e o cuidado com a linguagem é importante, mas devia haver uma página de sumário para leigos, em que eram obrigados a fazer uma súmula do que lá está para ser lido com maior facilidade. Fica a dica para o futuro. Agradecemos uma vez mais a sua disponibilidade e esperamos que os leitores que nos acompanham tenham gostado tanto desta entrevista como nós.
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Keynote
João Pedro Sousa Francisca Medeiros, 5º ano
“Conservadorismo” foi o tema que José Pedro Sousa começou por defender. O interno de cardiologia, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, explicou que os médicos que apoiam este método não devem ser vistos como céticos, haters, ou até niilistas. Em vez disso, devem ser tidos como alguém que para para se questionar se as práticas médicas são as mais corretas. Baseando-se no livro “Can Medicine Be Cured: The corruption of a profession” de Seamus O’Mahony, frisou que, nos dias que correm, a medicina tornou-se numa “indústria” focada em doenças degenerativas e de idade avançada, levando a que todos sejam chamados de “pacientes”, o que pode ter consequências catastróficas. O autor afirma que estamos na “idade da desilusão” em oposição da “idade de ouro”, devido ao sentido de impotência que os médicos sentem. Esta prática médica assenta em três pilares, que são a Medicina Baseada na Evidência, a Medicina Baseada no Valor, e a humildade. Para além dos seus pilares, também apresenta cinco “inimigos” principais, que são eles a “doença falsa”, a “inovação falsa”, o “marketing agressivo”, a “quantidade de dinheiro envolvido” e os “estudos enviesados”. Para nos elucidar melhor sobre estes temas, José Pedro Sousa apresentou diversos estudos para cada um deles. Destaco o estudo sobre a diabetes, que concluiu que pacientes considerados “pré-diabéticos”, tiveram uma maior percentagem de regressão da hiperglicemia, do que de progressão para diabetes, remetendo-nos assim para a “doença falsa” e para o facto de estes indivíduos não serem, de facto, “pacientes”. O cardiologista terminou a sua apresentação citando Bernard Lown: “Do as much as possible for the patient, and as little as possible to the patient”.
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Entrevista: João Pedro Sousa Andreia Gi, 6º ano
Antes de mais, gostaríamos de agradecer a sua keynote e a oportunidade de o entrevistar. O Doutor já é uma presença habitual no In4Med, mas como é que foi ser orador neste ano tão atípico e não ter o público à sua frente como normalmente acontecia em edições passadas? Nós temos muita atividade oratória fora do In4Med, e inclusive temos congressos internacionais em que temos de estar presentes e apresentar trabalhos, e esses congressos também tomaram esta realização virtual, como foi aqui. Por isso, não foi uma experiência nova. Eu prefiro o formato presencial, é diferente mesmo no contacto com as pessoas que colocam dúvidas. Mas atendendo à situação excecional que estamos a atravessar, eu percebo que esta seja a única maneira possível de o fazer. Contudo, senti-me confortável, porque já tive mais experiências prévias de apresentação em congressos tanto nacionais como internacionais. Tendo essas experiências, qual é o balanço que faz do In4Med? O In4Med é um congresso muito diverso e o tratamento que se dá aos palestrantes é ímpar, muito melhor do que em alguns congressos europeus de cardiologia. O nível de organização que os alunos de medicina demonstram é excecional. Este congresso começou mais ou menos quando eu estava a acabar o curso de medicina, portanto, não pude vivenciar isto pessoalmente no âmbito da organização, mas se eu fosse aluno agora, um dos meus objetivos seria participar neste congresso. A qualidade é muito grande! Houve congressos que foram até cancelados devido a esta questão da pandemia, mas o In4Med não. Os alunos de medicina mostraram resiliência e conseguiram apresentar um congresso alternativo e têm de ser parabenizados por isso. Que mensagens-chave gostaria de deixar para os alunos que não puderam assistir à sua keynote? Eu creio que a minha keynote introdu-
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Keynote ziu alguns conceitos importantes, é algo que nunca é falado no curso e que me custou muitos anos a interiorizar. Por isso, eu gostava de poupar este trabalho aos meus colegas mais novos e aos estudantes de medicina, para não terem de facto tanta dificuldade nesse aspeto que me diz tanto, que é o da translação da evidência. Os alunos e os internos, nesta fase produtiva do ponto de vista científico das suas vidas, vão ser forçados a fazer muitos tipos de publicações. Há mesmo números mínimos, que é uma abordagem que eu acho que é errada, mas enfim, é isso que está presente no momento. E a verdade é que essa ânsia de publicar trabalhos leva a que trabalhos feitos de modo errado acabem na literatura e possam ser encontrados, e inclusivamente até ser citados em guidelines. Isso perpetua uma prática médica errónea, que pode levar à perda de vida e diminuição de outcomes dos doentes. Uma mensagem-chave da minha palestra para quem não assistiu é focarem-se mais num tipo particular de investigação científica, que são os ensaios clínicos aleatorizados e controlados. Esse é o único tipo de publicação, o único tipo de estudo que permite levar a uma inferência causal, permitindo dizer que “A” melhora “B” e eventualmente até por causa de “C”. Esse tipo de inferências não pode nascer de estudos observacionais. Aquilo que se viu, por exemplo, nesta pandemia foi a proliferação de estudos observacionais que levou à codificação na prática clínica regular de intervenções claramente deletérias. Eu dei o exemplo da hidroxicloroquina, mas houve muito mais no contexto da abordagem à COVID-19, que nasceu pelo facto de não haver ensaios clínicos aleatorizados e controlados, talvez por as pessoas valorizarem pouco o papel dos RCTs (Randomized Controlled Trials), que são a base, o pináculo da evidência em medicina. Tendo em conta o seu percurso e sucesso profissional, que conselhos daria aos finalistas que vão agora integrar o mercado de trabalho? Os finalistas ao entrarem no mercado de trabalho são primeiro internos de formação geral e depois, serão internos de formação espe-
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cífica e a decisão que ocorre após a elaboração do exame de acesso à especialidade (PNA) é a decisão mais importante da vida de um médico, o que torna também a PNA o exame mais importante. E essa decisão da escolha da especialidade deve ser muito ponderada. Há muita gente que toma essa decisão com alguma leviandade, parece-me a mim, e isso é uma abordagem claramente errada, porque o internato demora entre 4 a 6 anos e se as pessoas não ficarem contentes com o sítio onde o vão exercer e com a especialidade, é uma eternidade... O grande conselho que eu dou é: quando entrarem numa especialidade, tornem-se bons naquilo que vão fazer. Muitas vezes, vão sentir a pressão dos diretores de serviço, dos orientadores de formação para, por exemplo, publicar, quando muitas vezes, no início de formação, nem tem as armas científicas certas para fazer uma boa publicação e isso é claramente deletério. Por isso, a grande prioridade é a formação na área da especialidade, eventualmente selecionar cedo uma área de sub-especialização, mas, de facto, a grande prioridade é a competência clínica. Isso nunca pode ser descurado e se há coisa em que os internatos falham em Portugal não é na competência clínica, a maioria dos internos sai muito bem preparado, pelo menos, na minha experiência pessoal, e isso é bom. Permitir-lhes-á enfrentar o mercado de trabalho depois da conclusão do internato com outras armas, com outra maturidade e com uma melhor seleção, por exemplo, entre público-privado, áreas invasivas-não invasivas,... mas tudo isso nasce do internato. O internato é o núcleo da formação, quer clínica, quer científica de uma pessoa. É uma área de alto investimento pessoal. A maioria da formação que um cardiologista tem aprendeu-a durante o internato e isto é válido para todas as especialidades. Portanto, é um período da vida que exige muito trabalho e muita abnegação, mas depois no fim será benéfico e as pessoas irão interpretar esse tempo todo despendido em formação como tempo bem empregue. Obrigado, Doutor. Este é o fim da nossa entrevista. Agradecemos uma vez mais a sua disponibilidade e esperamos que os leitores que nos acompanham tenham gostado tanto desta entrevista como nós.
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Doctor, Crack My Case!
Entrevista: Alexandre Rebelo Marques Maria Inês Teixeira, 4º ano
Onde e quando nasceu a decisão de estudar Medicina? Ui, isso é uma pergunta muito difícil (risos)! A Medicina nem sempre foi a única primeira opção, eu tinha duas grandes opções que eram a Medicina e a parte da informática, novas tecnologias e comunicação… Portanto, diria que a escolha foi no momento do 12º ano, caiu para o lado da Medicina. Os últimos 15 anos representam um longo percurso de estudo e aprendizagem. Qual o maior desafio vivido ao longo desse tempo? Ora bem, desde que entrei na Faculdade nunca mais saí! Comecei em 2004 e estou, desde então, inscrito na Faculdade: Porto, Coimbra e Lisboa. Os grandes desafios? Estes últimos 15 anos têm sido de grande aprendizagem, confesso que aprendo tanto com professores como com alunos; o facto de estar ligado à Faculdade de Medicina e dar aulas também é muito importante e interessante. O principal desafio é conseguir conciliar, conciliar a parte de estudo e de aprendizagem com a parte do trabalho, que chega a uma fase da vida em que é obrigatório, não é? Temos de viver para ter casa, para ter carro, para ter comida e, portanto, fazer a conciliação é que é desafiante, mas faria tudo igual outra vez. Uma vez que teve a oportunidade de estudar fora de Portugal, como considera ser o ensino da Medicina no nosso país? Eu acho que a Medicina em Portugal tem um alto nível científico. Tive a oportunidade de estar nos Estados Unidos, no Brasil e na Europa Central e, quando passei em todos os locais, nunca senti que estivesse inferior às pessoas de lá. Cientificamente somos muito competentes. Acho que as Faculdades em Portugal necessitam urgentemente de mudar, e aqui incluo-me a mim, porque faço parte de uma Universidade na qual sou docente. Precisamos de mudar muito a maneira como tentamos fazer chegar a mensagem aos alunos. A Medicina é ensinada da mesma forma há 20 anos, os conteúdos vão mudando, mas há 20 anos que é igual; pelo menos desde que entrei na Faculdade – não foi há 20 anos, mas quase – até
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agora, a Medicina é ensinada da mesma maneira e acho que é urgente as Faculdades começarem a adaptar-se, incluir cada vez mais as novas tecnologias, porque elas estão cá para nos ajudar e para atribuir valor, não é para substituir ninguém, é para tentar melhorar o ensino. A nível científico acho que estamos lá em cima, estamos muito bem, temos excelentes profissionais, nem sempre reconhecidos. As Faculdades em si têm de fazer o papel de acompanhar o desenvolvimento e a transformação, aliás, o último ano e meio de pandemia para as Universidades portuguesas… foi uma tragédia a sua adaptação, a qualidade de ensino e o tipo de ensino à distância. Portanto, temos um longo caminho a percorrer, mas não estamos atrás de ninguém. Na sua opinião, qual a importância do In4Med? Eu confesso que estou maravilhado. Conheci no ano passado o In4Med, já nos meus tempos de estudante do ICBAS nós tínhamos um congresso que organizávamos no 4º ano, que era “As Jornadas de Terapêutica”, mas a dimensão que vocês proporcionam num congresso organizado por estudantes de Medicina é fantástica. Veem-se poucos casos a nível mundial. Conheci melhor, agora que vim cá, a realidade do vosso congresso. Existem, obviamente, no Porto e em Lisboa, algumas iniciativas similares, mas vocês conseguiram trazer vencedores de Prémios Nobel, juntar aqui uma data de profissionais que são excelentes naquilo que fazem no seu dia a dia e, ao mesmo tempo, conciliar as vossas aulas, organizar concursos, conseguir apoios da indústria farmacêutica, que sabemos que são essenciais e andam lado a lado, não só no avanço tecnológico e no avanço da medicina, mas também na formação. Acho que vocês conseguem fazer a diferença! A importância do In4Med é poder fazer a diferença. O meu desejo é que todos os alunos sejam capazes de se envolver e participar de alguma maneira. Obviamente que isto é tudo voluntário, eu percebo, mas que consigam envolver-se. É através de conhecer mais pessoas e partilhar ideias que nós conseguimos
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Doctor, Crack My Case! chegar mais longe. Não vamos sozinhos a lado nenhum, precisamos de ajuda; portanto, quanto mais pessoas conhecermos mais fácil é chegar onde nós quisermos. Quais os objetivos e projetos para o futuro? Essa é uma pergunta que eu me faço a mim mesmo todos os dias. Só um maluco para estar a fazer o Doutoramento, o MBA, a dar aulas e a trabalhar ao mesmo tempo! Várias vezes em casa me perguntam quantas horas tem o meu dia. Eu costumo dizer que nós temos de ser organizados, fazer as nossas escolhas e, atenção, as escolhas que devem ser sempre prioritárias são a parte familiar, os amigos, o tempo de descanso - ele é essencial para que tudo o resto corra bem. Não existe o Alexandre do trabalho e o Alexandre da família, é o mesmo. O que temos de fazer é criar um balanço próprio. Tento fazer exercício físico três vezes por semana, também tenho tempo para isso! É preciso organização, gerir muito bem o tempo. Se me perguntarem qual foi o último programa de televisão que vi, sou capaz de dizer que não sei! Porque não sei mesmo. Não tenho tempo para ver televisão. Leio as notícias, ouço as notícias, mas ouço e vejo o que quero, aliás, a tendência da tecnologia é exatamente esta: nós acabamos por poder escolher os conteúdos que queremos, nós conseguimos ver tudo na internet. Vou partilhar convosco aquilo que escrevi numa nota há 3 anos atrás: chegar aos 35 anos de idade com duas especialidades médicas e um doutoramento. Se tudo correr bem, não vou chegar com duas, vou chegar com três, porque duas já tenho, vou ter o doutoramento e vou ter o MBA. Tudo porque trabalho muito, esforço-me muito, mantenho o foco. Manter o foco, ser autodeterminado, não parar e rodear-me de pessoas que são tão ambiciosas quanto eu. Quando entras numa sala e és a pessoa que te sentes totalmente diferenciada, estás
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na sala errada. Portanto, tens de partilhar ideias, partilhar experiências, estar com pessoas, conhecer novas pessoas que partilhem os mesmos gostos, podem ser gostos musicais… É inacreditável onde vocês vão conhecer os vossos futuros amigos, as pessoas com quem vão partilhar trabalho. Portanto, a ambição continua: aprender todos os dias, tentar ajudar o máximo de pessoas possível. Tenho uma máxima escrita, até está nas minhas redes sociais, que é “connecting hearts”; não consigo ajudar toda a gente, obviamente, mas a ambição continua lá: aprender o mais possível, conhecer o maior número de pessoas possível e não parar. Sente-se uma pessoa realizada? Sim, sinto-me uma pessoa extremamente realizada em tudo. Tenho uma família que me deu a base - tenho a sorte, nós temos de agradecer essa sorte -, base de valores e possibilidades, a consistência necessária para eu poder desenhar o meu caminho. Depois tive a sorte de encontrar amigos formidáveis, que me acompanharam, acompanham e que querem continuar a acompanhar-me. Tenho a parte familiar completamente realizada, a parte amorosa, os amigos, o trabalho… E as coisas complementam-se! Uns dias melhores, outros piores, somos todos humanos, mas, sim, considero-me [uma pessoa realizada].
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Cultural Note
Entrevista: Ana Catarina Pastilha (CMUC) Rita G. Rodrigues, 5º ano
Primeiro, como é que tu te sentes? Estou muito feliz, muito agradecida pelo convite que o In4Med nos fez para estar aqui presente e obrigada também a ti pela entrevista. É um prazer que a aNEMia... A aNEMia de que tu fazes parte... (Risos). É um prazer que a aNEMia esteja também a cobrir a parte jornalística. Acho que é muito importante nós, grupos da academia, podermos estar aqui presentes e por isso, é um orgulho estar aqui na minha faculdade a gravar um concerto para muita gente. E espero que gostem e se divirtam. Eu percebo que tu conheces as músicas, notas os erros... Mas, para mim, está a ser perfeito! A sério, eu até estou a ficar emocionada ao ouvir-vos. Obrigada! E as músicas? Foram vocês que escolheram? Normalmente, nós temos um conselho artístico, do qual faz parte o nosso maestro e alguns elementos de direção e os delegados de cada naipe. E somos nós que, em conjunto, definimos o reportório. Este reportório, nós achamos que deveria ser o mais variado, de modo a ter músicas mais calmas, mais mexidas, algumas novas, outras já vistas anteriormente... achámos que o Grândola se adequaria, para transmitir também um bocadinho da cultura portuguesa e o 25 de abril está aí à porta! Portanto, achámos que se poderia adequar muito bem. E depois, também houve um bocadinho de variedade, por exemplo, nós cantámos uma música que é tradicionalmente africana e que foi um arranjo de um compositor português e que achámos que era muito bom também trazer um bocadinho de outras culturas. Como é que se chama essa música? É o Tiku Funa. E realmente acabamos por trazer um reportório variado, de modo também a mostrar um pouco de tudo aquilo que nós fazemos, porque nós realmente cantamos um pouco de tudo.
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Eu sei que esta é uma pergunta difícil, mas se tivesses de dizer em poucas palavras o que é que fazer parte do coro te deu, quais escolherias, Senhora Presidente? Acima de tudo, em termos artísticos, ainda que eu já tivesse tido aulas de canto e etc, trouxe-me muita confiança, aprendi muito e cresci muito enquanto artista e mesmo pessoalmente. Em termos de coro, trouxe-me amizades, muitas amizades. Nós somos uma família. Eu sinto-me a mãe deles às vezes. Por acaso, eu fiquei surpreendida, porque pensei que o coro era constituído por pessoas mais ou menos da nossa idade e tem pessoas de todas as idades. Sim exatamente, porque nós temos alguns estudantes de doutoramento que são mais velhos e temos alguns mais novinhos que acabaram de entrar (caloiros). Digo isto porque eu já tinha visto online e aí não se tem essa perceção. Sim e o nosso maestro é mais velho, é profissional. E como é que vocês têm ensaiado? Nem sempre tem sido fácil, muitas vezes tem sido online e assim que possível, nós tentamos reunir para preparar os espetáculos que temos tido. Se as pessoas quiserem ver mais do vosso trabalho, onde é que podem ir? Nós temos a nossa página do facebook: Coro Misto Universidade de Coimbra; a nossa página do Instagram: coro_misto_uc e ainda o nosso youtube que está cheio de vídeos e músicas maravilhosas... E poemas. Também. Portanto, dêem uma vista de olhos e quem sabe se, em breve, também nos poderão ver ao vivo. Tenho certeza que quem estiver aqui a ouvir e a ler, vai estar ansioso para vos ver... Obrigada por esta entrevista!
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Debate
Paulo Tavares: Intervenções Gonçalo Sabrosa, 2º ano
O Dr. Paulo Tavares é especialista em hematologia e entomologia médica. Trabalha como responsável pela Unidade de tumores do aparelho locomotor do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC). Defende que a canábis não necessita de testagens de segurança e eficácia, por ambos os aspetos estarem comprovados há bastante tempo. A seu ver, esta não se trata de um medicamento, por não ser uma molécula simples, mas sim um conjunto de substâncias variável, e deve ter uma legislação diferente de outras plantas. A monoterapia de canabinóides é referida como sendo menos eficaz do que uma terapia em conjunto e o doutor sobrevaloriza a produção natural desta planta. Em Portugal, acredita que haja locais que permitam o seu bom desenvolvimento natural. É realizada uma analogia ao vinho, devido à existência de anos vintage, nos quais é feita uma colheita diferente e melhor. Ambos são produtos de composição variável de ano para ano. Opõe-se ao medicamento criado, por este apenas revelar a constituição de um dos canabinóides utilizados: 18% THC e menos de 0,01% de CBD. Ao longo da sua experiência, sempre contactou com percentagens iguais de THC e CBD, pelo que receia problemas de segurança. Na sua óptica, a canábis medicinal deve ser comparticipada e usada como auxiliar da quimioterapia. Administrando numa dose inferior à que provoca riso, combaterá náuseas características da quimioterapia e uma subsequente malnutrição.
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Maria da Graça Santos: Intervenções Francisca Medeiros, 5º ano
A oradora Maria Da Graça Santos explicou não só o mecanismo de ação dos canabinóides, como ainda fez algumas nuances aos opióides. Para além do mecanismo, que assenta na farmacologia, foi bastante esclarecedora no que toca à produção do próprio medicamento, que completou com um vídeo elucidador, que afirmou passar nas suas aulas. Quando referido que o controlo de qualidade seria uma questão crucial na produção destas plantas, a autora de diversas publicações esclareceu que no fabrico de qualquer medicamento, existem 3 pilares fundamentais: a eficácia, a segurança e a qualidade. Portanto, o uso de canábis medicinal não é uma exceção, e tal como todos os fármacos até aqui produzidos, é sujeito a inúmeros processos de controlo. Aproveitou a questão para referir que hoje, mais do que nunca, conseguimos observar estes processos através dos media, devido à situação pandémica e às vacinas que se estão a criar. Em relação aos efeitos secundários, referiu que os que devemos validar são os efeitos cardiovasculares, já sinalizados. Mais ainda, frisou que todos os fármacos são padronizados, portanto, quando já estão na fase de administração ao doente, a sua composição química é fixa. Já estão a ser realizados estudos sobre o papel dos canabinoides no combate ao cancro, verificando-se terem um papel no aumento da apoptose e na diminuição da angiogénese, dados importantes e promissores. Outra questão sobre a qual a professora se debruçou, foi a possível interação entre os canabinóides e outros fármacos. Informou que existem inúmeros grupos de investigação a trabalhar neste sentido, apesar das regras específicas para este tipo de trabalho científico.
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Debate
Bruno Maia: Intervenções Maria Ana Carreira, 2º ano
“A canábis é uma das substâncias mais consumidas no mundo”, iniciou o orador. No entanto, a proibição desta planta obriga a que a sua obtenção provenha obrigatoriamente do mercado negro. Ora, do ponto de vista do Dr. Bruno, é claro que este mercado ilegal manipula o canábis com vista a aumentar o potencial do THC, a consequente adição dos seus consumidores e aumento da procura deste produto. Sublinha que é esta manipulação que está na base do aumento dos casos de surtos psicóticos e efeitos secundários adversos registados, pelo seu consumo. Na verdade, tal não se sucederia se esta planta fosse consumida de forma natural. Na opinião do orador, a questão do tráfego está centrada na isenção de impostos do próprio produto; se fosse legal, a sua produção e distribuição poderia ser altamente regulada, evitando as consequências suprarreferidas do seu mau consumo, e os seus impostos poderiam mesmo contribuir para a riqueza nacional. Quando confrontado com os interesses lucrativos por negócio de cannabis, o orador relembra que, na realidade, o mesmo interesse rege a atual indústria farmacêutica. Reforça ainda que falar sobre redes de tráfego, no caso da canábis, seria desnecessário caso alterássemos o seu quadro legal, uma vez que, se não fosse ilegal, não haveria a necessidade de haver tráfego. Sustenta o seu argumento em evidências do Canadá e Uruguai, os únicos locais no mundo onde a canábis está verdadeiramente legalizada, com limites para a sua produção e distribuição. Na verdade, apesar de não ter eliminado o tráfico, a sua não proibição tornou- o residual, uma notável melhoria em relação a Portugal, cujo seu consumo é exclusivamente feito de forma ilegal. Por exemplo, no Colorado verificaram que a legalização desta planta contribuiu para uma diminuição do consumo, por eliminação da pressão social. Não obstante, diz que não é correto tirar uma conclusão absoluta do contexto social desta planta,
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uma vez que o seu consumo depende das questões culturais de cada região. Apontou também que, salvo os aditivados, o consumo de canábis é não problemático, isto é, é feito em baixas doses. Aliás, refere que as pessoas procuram esta planta de forma natural; no entanto, a sua proibição obriga a sua obtenção de modo manipulada. Salvaguarda que não há substância nenhuma que esteja isenta de risco, alertando que até a água pode levar à morte, se em excesso; sendo nós organismos bioquimicamente diferentes, há, na verdade, a potencialidade de reagirmos mal a uma dada substância. Em ponto algum o orador nega que a cannabis pode prejudicar o desenvolvimento neurológico, reconhecendo que há mesmo estudos que o comprovam; não obstante, pede para refletirmos nos efeitos do álcool e no porquê da sua não criminalização. Acrescentou ainda que, apesar da má informação que circula nos meios sociais, não há overdose de cannabis; existem sim, problemas mentais associados ao consumo exacerbado desta substância. Concluindo, o Dr. Bruno defende que a legalização do canábis estará por detrás do seu consumo de forma mais regulada, seja em quantidade, seja em qualidade, evitando, assim, as consequências associadas ao atual e obrigatório consumo de canábis com THC aumentado. Quando questionado sobre o nível de informação dos médicos e profissionais de saúde, em relação à Lei 33 de 2018, artigo 10º, que regula a utilização de cannabis para fins medicinais, o Dr. Bruno Maia respondeu assertivamente que muito pouco ou nada é sabido por estas entidades. De facto, do ponto de vista do governo e da lei, denuncia que nada tem sido feito a este respeito; outrora, alerta que as associações de doentes e a sociedade civil têm um papel preponderante no desenrolar desta falta de formação. Nesse sentido, apela para que o consumo de canábis não seja visto como um medicamento específico, mas como uma introdução ao estilo de vida do doente; “nem todos os doentes apresentam um quadro clínico específico”, recomendando mesmo o consumo de canábis, como quem prescreve a prática do exercício física e a melhoria alimentar ao doente. Termina lamentando a falta de informação em relação à eficácia e segurança desta planta e dos seus isolados; uma vez que, o quadro legal da mesma impede estudos que visam a sua avaliação para fins medicinais.
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Debate
Manuel Gonçalves Pinho: Intervenções Andreia Nossa Ferreira, Erasmus 20/21
O Orador Dr. Manuel Gonçalves Pinho, Psiquiatra, acautela para que na área da saúde mental se estude não a cannabis, mas sim os seus constituintes e o seu potencial terapêutico – o THC e o CBD – destacando que na área da psiquiatria se lida principalmente com as consequências do THC. O THC, como substância psicoativa, já foi testado no contexto das linhas depressivas, não havendo diferenciação estatística significativa nos outcomes, referindo ainda que nos indivíduos com perturbações familiares esquizofrénicas o THC aumenta o seu risco de desenvolvimento e de manutenção. O CBD tem mais efeitos terapêuticos na área da fobia social e stress pós-traumático. A sua utilização, juntamente com técnicas psicoterapêuticas parece demonstrar uma potenciação do tratamento psicoterapêutico. Estudos demonstram que cerca de 60-70% dos surtos psicóticos no Serviço de urgência, estão associados ao consumo de canabinoides. Tal não indica causalidade, mas sim uma possível bidirecionalidade entre consumo e episódio psicótico. O grande problema na psiquiatria é que não se consegue diferenciar os indivíduos que têm um risco de base muito elevado daqueles que não têm, a não ser, pela história familiar de esquizofrenia ou porque já tiveram um episodio psicótico. Isto é uma roleta russa: um episódio psicótico pode surgir num consumidor esporádico, como pode ou não surgir num consumidor regular, e por essa mesma questão não se pode falar numa inocuidade do consumo da cannabis.
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(Re)Designing You
Shaun Desai Ana Catarina Pastilha, 5º ano
O painel (Re)Designing You iniciou-se com a palestra de Dr. Shaun Desai, professor assistente de cirurgia plástica e reconstrutiva no Departamento de Otorrinolaringologia-Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Johns Hopkins em Baltimore, Maryland. O Dr. Desai começou por apresentar a extraordinária evolução da cirurgia plástica de rosto, cabeça e pescoço nas últimas décadas, salientando que, agora, ainda que a prioridade seja a recuperação do doente, também há preocupações funcionais e estéticas que contribuem para uma melhor qualidade de vida da pessoa. Assim, num tom claro e acolhedor, Dr. Shaun explanou algumas das técnicas atualmente utilizadas neste tipo de cirurgia, como por exemplo o uso de impressões 3D para fazer moldes para implantes e reconstruções, demonstrando que a arte, a tecnologia e a ciência se podem fundir com o principal objetivo de tratar o doente da melhor forma.
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(Re)Designing You
Michael Assayag Maria Ana Carreira, 2º ano
O palestrante apresentou-nos um conjunto de novas tecnologias de crescimento ósseo intramedular, cujo mecanismo de funcionamento se assemelha ao da osteogénese, embora com um diferente veículo: seja com um equipamento magnético, seja por correntes elétricas wireless, ou até mesmo pelo mecanismo “Ratchet”. O processo de alongamento não é linear, sendo indicado em casos de dismetria e dimorfismos dos membros, defeitos ósseos e contraturas dos tecidos moles, sendo contraindicado em caso de instabilidade das articulações. Durante a sua apresentação, o palestrante expôs um conjunto de casos clínicos, quer de doentes de trauma, quer de doentes congénitos, que já tivera de lidar no percurso da sua prática médica. Desde doentes com dismetria congénita dos membros inferiores, passando pela hipoplasia femoral congénita, Genu Varum e ainda a Doença de Legg-Calvé-Perthes, as imagens que projetou durante a sua apresentação foram, sem dúvida, um marco no rigor médico e científico deste congresso. O palestrante aponta estas intervenções como uma oportunidade de nos reinventarmos, falando mesmo de um futuro cosmético desta área de alongamento dos membros. Seja por problemas endócrinos, por displasia óssea, ou até mesmo somente para aqueles que tencionam ser mais altos, o Dr. Michael Assayag vê nesta área da medicina mais do que uma cirurgia, mas um método capaz de mudar a vida dos doentes e cujo limite é apenas o desenvolver de nova tecnologia. O sucesso do orador em melhorar a qualidade de vida dos doentes que acompanhou trouxeram, com certeza, a inspiração que todos precisávamos para continuar a saber mais sobre este mundo da reconstrução e alongamento de membros.
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Hélder Ferreira Rita Nunes, 2º ano
Quando pesquisamos a definição de vagina no Google, encontramos: “tubo muscular entre os genitais externos e o cérvix uterino nas mulheres e na maioria das fêmeas dos mamíferos”. Na literatura científica, surge “a porção músculo-elástica do trato genital feminino que permite as relações sexuais, o parto e a passagem do fluxo menstrual”. Mas a vagina também tem uma função essencial no suporte do pavimento pélvico, pois mantém a bexiga anterior e o reto posterior a ela, e fixa o útero na posição certa. A Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser é uma doença congénita e a principal causa de agenesia vaginal, que é acompanhada por graus variados de subdesenvolvimento uterino. Deve-se a uma hipoplasia das estruturas derivadas dos canais de Müller e tem uma incidência de 1/5000 mulheres. Os problemas urológicos concomitantes são a razão que levou a equipa do Dr. Hélder Ferreira a desenvolver uma técnica guiada por imagem, com recurso a fluorescência verde, para visualização das estruturas anatómicas. Atualmente, são usadas várias técnicas de criação de neovaginas e há controvérsia sobre qual será a melhor. A mais utilizada é a de McIndoe, que recorre à disseção do espaço entre a bexiga e o reto para formar uma cavidade, que é preenchida por um molde coberto por enxertos cutâneos autólogos. A técnica de Davydov e a Vaginoplastia Intestinal são também frequentes. A técnica laparoscópica de Vecchietti é simples, minimamente invasiva e tem sofrido melhoramentos nos últimos anos, pelo que é a preferida do Dr. Hélder Ferreira. Antes da palestra terminar, o orador apresentou vídeos explicativos do procedimento da sua equipa. A plateia mostrou ter estado muitíssimo atenta, como se verificou pela quantidade de perguntas! O Dr. Hélder explicou, por exemplo, que ainda não testou a sua técnica em cirurgias
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(Re)Designing You de mudança de sexo, mas que é uma área que pondera explorar. Não deixou de reforçar a ideia de que os médicos devem procurar incluir as tecnologias mais recentes na sua prática diária, pois há sempre espaço para a inovação.
Entrevista: Hélder Ferreira Andreia Gi, 6º ano
Antes de mais, gostaríamos de agradecer a sua lecture e a oportunidade de o entrevistar. Como é que foi ser orador neste ano tão atípico em que o público está a assistir a partir de casa e não aqui presente? Foi um desafio, mas, na verdade, não foi um desafio novo, porque desde há mais de um ano que estamos sob esta pandemia que nos tem limitado, de alguma forma, as reuniões e os eventos em grupo e dessa forma, obrigou-nos a uma adaptação, utilizando ferramentas digitais que já existiam, mas que foram otimizadas face às necessidades criadas, para mantermos a formação médica e científica e conseguirmos comunicar e partilhar conhecimento, partilhar experiência, que é fundamental. A ciência em geral, e a medicina em particular, está sempre em evolução, há sempre novos estudos, novos resultados e algo que se pode sempre melhorar. E, por isso, é obrigatório continuarmos a partilhar esses melhoramentos em prol dos doentes. O que é que o fez apaixonar por esta área da cirurgia ginecológica? Eu, desde muito novo, tive algumas dúvidas se iria para a área da medicina ou para a área da engenharia. Sempre gostei de mexer nas coisas, de obter resultados o mais rapidamente possível e, por motivos vários, apaixonei-me pela medicina e segui a carreira, no sentido de tentar melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas ao mesmo tempo, tinha esse bichinho, digamos assim, da engenharia, de mexer, de tentar conseguir resultados o mais imediatamente possível. E a cirurgia era uma área que permitia melhorar a qualidade de vida dos doentes e, ao mesmo tempo, pôr a mão, mexer, fazer e ter resultados mais imediatos. Tive dúvidas sobre qual a especialidade. Eu queria uma especialidade
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cirúrgica, mas que também tivesse uma parte médica, e optei pela ginecologia, porque achei que era uma área que incluía patologias muito interessantes e que integrava também a obstetrícia, que é uma especialidade espetacular, porque está relacionada com o brotar da vida humana. Mas a cirurgia era a minha paixão e dessa forma, foquei-me na abordagem cirúrgica e tentei sempre fazer um esforço e continuo hoje, e espero continuar por muitos anos, a tentar fazer o que de mais atualizado e mais recente existe no âmbito da cirurgia. A cirurgia minimamente invasiva é hoje completamente aceite entre os pares e pelos doentes. O antigo chavão de que “uma grande cirurgia é uma grande incisão” está completamente ultrapassado e isso implica um treino adequado, uma formação e uma disponibilidade de equipamentos, que permitam realizar essas abordagens minimamente invasivas. Hoje, sente-se realizado? Sinto-me realizado, mas é um caminho longo e muito exigente, apesar de o retorno ser muito interessante. Olhando para trás, qual foi o maior desafio ao longo da sua carreira? É difícil identificar apenas um, foram vários. Mas ter tido oportunidade de trabalhar, de estagiar com um dos melhores cirurgiões do mundo na área da ginecologia, o professor Arnaud Wattiez, foi determinante na minha carreira porque é uma pessoa que, além de me mostrar competências técnicas ímpares, me fez aprender muito e pôr em prática essas mesmas aprendizagens. Terminamos assim a nossa entrevista e agradecemos uma vez mais a sua disponibilidade. Esperamos que os leitores que nos acompanham tenham gostado tanto desta entrevista como nós.
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Nobel Lecture
Randy Schekman Sara Gama, 2º ano
Como costumam dizer os anglo-saxónicos, “last but not least”, a última palestra do X In4Med ficou a cargo do investigador e professor norte-americano Randy Schekman. Recebeu o Prémio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 2013 pela descoberta da maquinaria responsável pela regulação do tráfego de vesículas, um dos sistemas de transporte principais das nossas células. Atualmente, o seu trabalho foca-se na análise bioquímica deste tipo de tráfego em células de mamíferos e, em particular, na biogénese de exossomas e de que forma estes se tornam específicos, adquirindo um determinado tipo de miRNAs. Ao longo da apresentação, foram destacados alguns dos mais recentes resultados alcançados pelo laboratório que Randy Schekman lidera na Universidade da Califórnia e que se revelam bastante promissores. No entanto, este não foi o único tema apresentado. Sensivelmente a meio da palestra, os holofotes deixaram de estar sobre os exossomas e passaram incidir na doença de Parkinson. Infelizmente, ainda se desconhece muito acerca dos seus mecanismos concretos, daí que há 2 anos tenha sido formada a iniciativa ASAP (Alligning Science Across Parkinson’s), a qual Schekman integra. Constituída por cerca de 100 investigadores de todo o mundo, apresenta como principal objetivo perceber o puzzle extremamente complexo que é doença de Parkinson. A estratégia atual do grupo assenta na realização de estudos nas áreas de Genética e de Neuroimunologia, assim como em tentar compreender os vários circuitos corporais envolvidos na patologia. Para além disso, pretendem apostar na deteção precoce, através da compreensão dos sintomas que melhor parecem prever o aparecimento da doença 20 anos mais tarde. Espera-se que este grande esforço conjunto venha a melhorar o panorama atual nesta área.
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Coordenação
Ricardo Toipa Lopes e Cláudia Fernandes Rita G. Rodrigues, 5º ano
Rita: Lembram-se da primeira vez, que ouviram falar do In4Med? Toipa: Lembro-me bem. A primeira vez que ouvi falar do In4Med estava no 1ºano e foi num insta story do Cláudio Lopes, de quando ele foi ao In4Med no 1º ano. Mas, na altura, foi muito vagamente, não tinha ideia do que era, não sabia que era um congresso, que era uma atividade do NEM/AAC... ficou-me só mesmo o nome “In4Med”. Depois, no 2º ano, já não sei como foi, mas eu e os meus amigos decidimos inscrever-nos e foi aí que eu comecei a ver o que era realmente o In4Med. Cláudia: Eu lembro-me também perfeitamente. Estava no 1º ano como o Toipa e a minha madrinha disse-me que tinha ido a um congresso de medicina da nossa faculdade. E eu fiquei muito “chateada” porque não fazia a mínima ideia do que era, nem sabia que existia... e gostava de ter ido. No 2º ano, também me inscrevi como participante. Ainda era o congresso no hospital. Toipa: Foi a última edição que decorreu no hospital, aliás. Rita: E nesse primeiro ano, sentiram logo que queriam estar, um dia, na organização do In4Med? Toipa: Não, acho que foi só quando o In4Med deu o “pulo” para o Convento e ganhou uma maior dimensão, que eu me envolvi mais como participante, e senti isso. Cláudia: Eu não. Eu, nesse primeiro ano que participei, vi-os lá na receção e achei aquilo incrível. Nem sabia que era feito por alunos de medicina, pensei que era algo profissional. Depois, é que comecei a reconhecer imensas pessoas e fiquei interessada. Até pensei em inscrever-me na Comissão Organizadora logo no ano seguinte, só que perdi as vagas de inscrição. Não me apercebi que tinham aberto e quando soube, já tinham fechado... Por isso, só me inscrevi no ano seguinte.
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Coordenação Toipa: No meu caso, acho que também teve a ver com o meu crescimento, porque no 2º ano de faculdade, não me via de todo na organização do congresso. Sabia que eram alunos de medicina porque reconheci o Cláudio que estava na Comissão Organizadora e o discurso da Coordenadora Geral, mas na altura, não estava “crescido” o suficiente para querer fazer parte da organização de um evento destes. Só no 3º ano, quando me comecei a envolver mais neste tipo de coisas, é que surgiu essa vontade. Rita: Chegar ao cargo de Coordenadores Gerais era algo planeado, ou seja, era um objetivo quando se inscreveram na CO pela primeira vez? Ou foram apanhados de surpresa? Toipa: Eu gostei imenso de estar como colaborador, mas não vou mentir. Claro que queria um cargo no NG. Se me apanhou de surpresa, apanhou, mas por outro lado, eu também estava nas reuniões e pensava: “Um dia, gostava de estar no lugar da Joana.” E acho que foi isso, foi uma combinação: quando uma pessoa é convidada é uma concretização que não se está à espera, apesar de se pensar nisso quando se gosta desta atividade, mas é uma mistura. Cláudia: Eu não fiquei surpreendida de ter sido convidada para algo, mas pensei que era para Coordenadora de Relações Públicas, porque na altura tinha gostado muito de ser membro de RP e a Viki já tinha dito que podia vir a ter um cargo mais importante, mas Coordenadora Interna não, era muito diferente de RP... Rita: Mas quando vos convidaram para ser os “chefes”, pensaram: está maluco? Ou foi “yes!!!! Era mesmo isto que eu queria”? Toipa: Foi as duas coisas (Risos). No momento, eu disse: “ó Meu Deus, será que elas estão a pensar bem? Eu?” Mas, por outro lado, disse “sim!”, eu quero isto, quero agarrar neste projeto e torná-lo algo meu. Acho que foi uma mistura das duas. Cláudia: Quando me convidaram, fiquei muito feliz porque eu acho que é um cargo que tem muito a ver comigo. A Coordenadora Interna também tem que estar com as pessoas, falar, ouvir, ajudar e animar um bocadinho e acho que isso é muito a minha personalidade. E também já conhecia o Toipa, o que ajudou a aceitar. Rita: Já que tocaste no ponto de gostar de falar, ouvir, ajudar e animar as pessoas, sentes que esse foi um papel particularmente importante numa altura em que estávamos todos distantes?
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Cláudia: Eu acho que sim, porque eu não sou envergonhada e sou uma pessoa que manda piadas ou diz coisas engraçadas e eu acho que era preciso isso. Foi algo que eu vi que não existia na edição anterior ou, pelo menos, não passava tanto para nós, mas que era necessário a nível do núcleo de gestão porque foram muitos desafios e muitas coisas novas. Muitas pessoas também não se conheciam... e eu acho que uma boa base para tudo correr bem é as pessoas darem-se bem, estarem à vontade para ouvir, falar e escutar uns aos outros e passarem por momentos em que nos conhecemos (perdemos meia hora só para falar e nos divertirmos). E acho que isso foi importante. Sinto mesmo que fomos um grupo muito unido porque estávamos à vontade e rimo-nos. Levávamos o projeto a sério, mas não demasiado. Rita: A decisão de adiar o congresso, de certeza, que foi difícil de tomar, mas como é que arranjaram coragem e ânimo para tomar essa decisão que era necessária? Toipa: Esta decisão começou, (lembro-me perfeitamente, ainda hoje falei nisto), numa quarta-feira quando fomos ao Convento de São Francisco falar com o Engenheiro Paulo Silva e ele nos diz que o Convento vai fechar e que não teria previsões de abertura. Teria a ver com o desconfinamento. E eu e a Cláudia saímos dessa reunião, olhamos um para o outro e dissemos: “Nós vamos ter de adiar.” A decisão não foi fácil, mas era isso ou cancelar. E acho que era mais difícil cancelar. Obviamente que, a seguir, fomos auscultar todos os departamentos e colaboradores para ter em conta todas as opiniões e, no fim, tomarmos uma decisão consciente e acho que o que custou mais não foi adiar, foi o impacto da notícia. Cláudia: Sim, até porque foi na altura em que se voltou ao confinamento. Foi muita informação ao mesmo tempo em que nós tivemos de pensar. Mas acho que fomos muito objetivos porque, acima de tudo, era uma questão de saúde pública e nisto, não há volta a dar. O que importa, em primeiro lugar, são as regras que existem e tentar cumpri-las. Então, se não conseguíamos fazer, a única alternativa que nos parecia mais viável, porque queríamos todos continuar este projeto, era adiar. Rita: Quais as características que consideram fundamentais para alguém se candidatar à CO do In4Med? Cláudia: Eu acho que toda a gente é bem-vinda a participar, porque muitas pessoas desenvolvem características que nem conheciam, nem sabiam que eram capazes. E com a ajuda do resto do grupo e dos coor-
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Coordenação denadores, acabam por desenvolver capacidades muito boas e muito importantes. Eu acho que o fundamental é as pessoas quererem trabalhar, quererem dar ideias e sugestões e comprometerem-se a levar isto avante. O In4Med passa muito pelo trabalho de cada colaborador. Cada colaborador tem a sua função e vai ser um “pedacinho” do In4Med. Por isso, o que as pessoas precisam é de empenho, dedicação e compromisso. Não é preciso muito mais qualidades que isso, porque também se adquire. Eu também sinto que mudei muito desde que entrei no In4Med até agora. O In4Med muda as pessoas. Eu, pelo menos, sinto que tenho agora melhores capacidades do que o que tinha antes e algumas até achava que não era capaz. Por exemplo, não é o meu caso, mas há pessoas que não gostam de falar em público. Mas mesmo uma pessoa tímida pode vir para a Comissão Organizadora. As pessoas mudam e cada departamento tem as suas particularidades e adapta-se às qualidades das pessoas. Nós somos todos diferentes, cada departamento é diferente e tem uma qualidade certa para certas pessoas. E as pessoas, no final, acabam por perceber isso. Por isso, o básico é empenho, dedicação e compromisso. Se tivesse de dizer uma palavra só era: compromisso. Mas que, no final, vale a pena. Toipa: Estiveste tão bem que agora nem sei o que dizer. Concordo totalmente com a Cláudia. Não é a nível de trabalho que nós queremos as pessoas porque quando as pessoas entram para a CO e para o departamento, o departamento faz as capacitações necessárias e específicas para o trabalho que o colaborador irá desenvolver. Por exemplo: no departamento de Imagem, este ano, havia poucas pessoas que percebiam de imagem. Então, houve uma capacitação no início e as pessoas foram capacitadas para realizar o conteúdo de imagem; e no departamento de Fundraising, também houve capacitação para o envio de emails. Rita: Disseram-nos que este é o melhor congresso nacional, e dos melhores internacionais. Dito por médicos que foram oradores, o que é que isto vos faz sentir? Não vale dizer feliz. Toipa: (com as mãos no peito) Entusiasmado, estou que nem posso, enche-me o coração! É tão bom, ao fim de um ano com tantas adversidades, receber esse feedback, é mesmo importante não só para mim como para toda a comissão. É um sentimento de dever cumprido, de felicidade enorme, porque chegámos ao final e nos dizem isso! Eu hoje estou aqui e até estou sem palavras, porque compensa mesmo o trabalho que nós fizemos. Eu vou deixar a Cláudia falar.
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Cláudia: Em primeiro lugar, é uma sensação de alívio, alívio muito grande, porque quando estamos na organização de um congresso que já é tão bom, que tem dado tão bom nome aos estudantes de medicina, que tem trazido tanto conhecimento, que eu acho que o que devemos poder dizer no final é que mostrámos uma outra face do que é a medicina, do que é ciência, do que é a investigação… Isto é uma grande responsabilidade e chegar ao final e poder ouvir isso, é um alivio muito grande. Uma pessoa pensa sempre em tudo o que pode correr mal e queremos sempre que tudo corra pelo melhor. É também um orgulho enorme. Cada pedacinho do In4Med é feito por um membro da CO. Quando eu estava na CO, eu fiquei mesmo orgulhosa de mim quando fiz a minha parte. Eu pensei “este evento social aconteceu porque eu trabalhei para isto. Fiz a minha parte”. O que acho que temos de levar daqui é um orgulho enorme de nós próprios e de todas as pessoas que estiveram a trabalhar connosco quase 1 ano. Temos também de pensar nas pessoas que vieram antes de nós, que levaram o In4Med da 1ª à 9 edição, e nós à 10ª. Um orgulho muito grande por conseguirmos deixar a nossa marca. Darmos oportunidades que o curso de medicina não dá, como as competições, que por si levam à interação com outros congressos, o que também é algo muito bom. Rita: Como foi feita a escolha dos temas ? Toipa: É engraçado que eu estive a fazer isso ainda ontem no RA. A seleção dos painéis é feita com base nas sugestões do questionário de satisfação da edição passada, do núcleo de gestão e da comissão organizadora. Isso depois é tudo agrupado e vai a votação na comissão organizadora. Depois, obviamente, há discussão do que podemos agrupar, havendo uma discussão ao longo da reunião e vão-se construindo os painéis. No final ficam apenas algumas sugestões, que serão então votadas. Claudia: Também tentamos sempre trazer temas que não sejam repetidos, ou se algum tema for repetido , trazer uma nova perspetiva sobre ele. Por exemplo, este ano com a COVID-19, as doenças infeciosas estão na “moda” e permitem-nos trazer coisas novas aos estudantes. Rita: Qual foi o maior desafio na organização do In4Med? Toipa: Manter a qualidade de excelência a que estamos habituados. Não haver um decréscimo na qualidade e foi isto que a Cláudia disse
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Coordenação há bocado. Ao ver aquele feedback, o alívio que sentimos em dizer que continuamos a linha de crescimento do congresso e que não deixamos ninguém desiludido. Rita: Confirmas Cláudia? Claúdia: Sim, é mesmo continuar a dar um bom nome ao In4Med. O In4Med tem um excelente nome e eu acho que é mesmo uma responsabilidade muito grande assumir esta… responsabilidade. Darmos o nosso melhor para que continue a ser bom, tudo novo e diferente. Rita: Falando da minha experiência na aNEMia, por um lado não quero desiludir pelo nível alto em que estava, mas pelo outro não quero deixar de ser quem sou e ser consumida pelo desafio de ficar lá em cima. Claúdia: Estou a perceber o que queres dizer. Se tiver de dizer a 2º coisa que foi um desafio, foi mesmo a pressão de não me deixar vencer por achar que estou a desiludir os outros. Quando assumimos uma responsabilidade destas , nós vamos dar o nosso melhor e não podemos estar sempre a duvidar de nós mesmo. Isso é um desafio muito grande, mas também depende de como somos como pessoas e dos nossos valores. Mas temos de acreditar que o que estamos a fazer é o nosso melhor, que estamos com um grupo tão bom, estamos tão unidos, temos uma relação tão boa com as pessoas e elas gostam muito de nós, que eu acho que o sentimento de desilusão nos passa ao lado. Nós metemos coisas bonitas uns nos outros e não coisas feias, como a desilusão. Toipa: Acrescentando ao que a Cláudia disse - O sentimento de medo de desilusão é mais no início, em que estamos a construir a equipa , nos sentimos um pouco sozinhos e ainda estamos a duvidar de nós mesmos. Mas isso é algo que se vai aprendendo, e chegas ao final e dizes: eu consegui. O medo desapareceu completamente. Ao longo do ano vais cada vez mais acreditando que és capaz. O impacto do início da responsabilidade primeiro, depois vais construindo a equipa , vais ficando com pessoas próximo de ti que vão acreditando em ti e tu vais acreditando em ti mesmo. Eu acho que isso se vai construindo e no final já não tens medo. Claúdia: Acrescento ainda que foram difíceis as reuniões iniciais de CO por Zoom. Por vezes alguém pode estar a dar uma 2ª opinião para o lado, e não conseguimos ver isso… Toipa: Concordo com a Cláudia. Para além de ser online, este foi um
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modelo novo, tivemos de ir aprendendo a tornar as reuniões mais dinâmicas, com mais discussão. Rita: Quais as alterações que tiveram de fazer para se ajustarem à pandemia? Toipa: No início, em maio/junho de 2020, tínhamos pensado que podia ser presencial. Depois, no verão, é que percebemos que tínhamos de considerar outros cenários porque não havia condições para ser presencial. Equacionamos então duas possibilidades: palestras online e workshops presenciais ou tudo online. Mas com o decorrer da pandemia, vimos que ter algo presencial era mesmo inviável e tivemos de reinventar o In4Med, para que não fosse só uma reunião ZOOM com os oradores a dar uma aula teórica. Esforçámo-nos mesmo para manter a excelência do In4Med. Cláudia: Sim, a nossa grande preocupação na pandemia foi manter a qualidade. Não foi fácil. Havia sempre receio que a qualidade fosse inferior por ser online, mesmo muitos membros da CO pensaram que não ia ser possível porque era um congresso que costumava ter pré-cursos presenciais, workshops presenciais, competições presenciais, coffee-breaks presenciais... Aliás, a logística teve de pensar em várias alternativas para os participantes terem um bocadinho do coffee-break, mesmo não sendo presencial. O nosso maior objetivo era ter mais do que palestras e no final, acabamos por conseguir. Não deixámos que a pandemia tirasse mais do que o que já tinha tirado das nossas vidas. Toipa: Foi difícil, mas foi um trabalho de toda a CO que, no final, fez com que chegássemos a um resultado bonito e incrível. Os workshops não foram presenciais, mas foram dinâmicos; o programa social foi reinventado; o “Doctor Crack My Case!”, uma competição de que todos gostamos, foi adaptado; kits de participante foram enviados para casa; conseguimos, embora com dificuldade, patrocínios; ajustámos a imagem e encontrámos novas formas de divulgação... todos os departamentos foram incansáveis. Cláudia: Aproveitamos para deixar uma palavra de agradecimento a todos os coordenadores e colaboradores. São amigos que ganhámos e são pessoas que nos surpreenderam imenso pela capacidade de trabalho e de arranjar alternativas. Nunca desmotivaram! Sem os departamentos, não tínhamos conseguido fazer nada e 90% do trabalho também se deve a eles.
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Coordenação Toipa: No meu discurso, no final do In4Med, fiz questão de agradecer a cada um deles porque o que fizeram este ano foi incrível e inovador (era um trabalho sem precedentes). E o facto de termos trabalhado em conjunto uniu-nos muito também. Ver essa união foi gratificante! Rita: 3 adjetivos para descrever um e outro? Claudia: Tenho um: responsável. Toipa: Simpatia. A Cláudia foi sempre amorosa, esteve sempre lá para mim, esteve sempre com um sorriso na cara. Foi sempre muito amável. Claudia: o Toipa tem um coração muito bom, é mesmo boa pessoa e isto é meio caminho andado para tudo na vida. 90% de tudo o que fazemos depende da nossa personalidade e o Toipa é mesmo boa pessoa. Em terceiro lugar, o Toipa é mesmo humilde e para mim isto está no topo de tudo. Ele mostrou uma postura de humildade extrema, de saber ouvir as pessoas, de saber aceitar situações desagradáveis e não deixar que isso o afetasse. Eu acho que humildade é a base de tudo e o Toipa é humilde, boa pessoa e muito responsável. Toipa: Ai, que tu queres que eu chore aqui no final! Ia dizer responsável para a Claúdia, mas vou optar por apoio. A Claúdia sempre me apoiou, foi o meu porto de abrigo em algumas situações que ela sabe que aconteceram, e sem dúvida que também é muito boa amiga, porque para além de me apoiar como colega, coordenadora interna, apoiou me como uma amiga. Digo ainda divertida. Ela sempre foi divertida connosco, nas reuniões, nas mensagens (risos). No computador não tenho por hábito mandar emojis e ela ligava-me a perguntar : está tudo bem? E eu: Sim, estou no computador! Esta característica também dava para em algumas situações ir lá para cima, quando estávamos mais em baixo. Rita: Descrevam o In4Med em 1 palavra. Toipa: Assim é difícil! Uma pessoa está habituada a ir para as entrevistas com as respostas já preparadas… Claudia: Eu acho que já tenho a minha palavra: fundamental. o In4Med é fundamental. Toipa: Vou dizer a visão de colaborador e de coordenador geral: entrega. O que dás ao In4Med, ele dá a ti. Rita: Muito, muito obrigada por esta experiência e parabéns!
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Diogo Asseiro
Dara Mbanze
Ana Carolina Pereira
Ana Margarida Almeida Luís Cupido
Ana Santos
Maria Inês Fernandes
Patrícia Matias
Helena Pais
Ana Rita Ferreira Mariana Tapada
Isabel Araújo
Bruna Santos
Beatriz Mendes
Ana Branquinho
Joana Névoa
Nuno Chaves
DiogoAndré Ana Pessoa
Inês Serra
Maria Inês Rocha Maria João Santo
Zé Miguel Cabral
Maria Rosa Ferreira
O U R
T E A M
Iolanda Marques Joana Sobral Inês Lopes Ana Raquel Castro Martins
Ana Rita Silva
Beatriz Guerra Beatriz Simões
Cristiano Francisco Oliveira Marques Inês Antunes David Abegoaria Inês Henriques Sara João Freitas
Teresa Santos
Rita Castanheira Rodrigues
Ricardo Toipa Lopes
Catarina Costa
Ana Francisca Ramos
Ana Tomás
Mariana Flores
Diana Gonçalves
Aida Vieira
Mariana Afonso
Inês Taborda Ana Carolina Castanheira
Carolina Máxima Lago Beatriz Campos Sequeira Catarina Salgueiro Pedro Ferreira
Ana Rita Luís Nuno de Carvalho
Ana Luísa Arteiro
Cláudia Fernandes
Margarida Aguiar
Catarina Gomes
MarianaLourenço José Carrapato
Joana Silva
Cristiana Francisco
Task Force: Alcinda Peixoto, Ana Catarina Silva, Andreia Balbino, António Pinto, Catarina Costa Cardoso, Catarina Silva, Filipa Arvelos da Costa, Guilherme Lindeza, Inês Correia, Inês Sampaio, João Sequeira, Karyna Chornenka, Margarida Leão, Maria Loio, Mariana Saraiva, Mariana Ruão, Matilde Santana, Patrícia Almeida, Rita G. Rodrigues, Sara Soares, Sofia Pedreiras, Susana Torres
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