63ª Edição da aNEMia- Do outro lado da bata

Page 1

O sonho comanda a vida. Mas quem comanda os sonhos?

A 63ª edição da revista aNEMia apresenta-se como um espelho do frenesim que nos invade quando nos deixamos comandar pelos sonhos- essa indomável força motriz que nos leva a procurar e a querer mais. Que faz um médico não se contentar com a anatomia e demais verdades inquestionáveis para se deixar maravilhar pelas imensas outras áreas que acompanham e complementam a arte médica. É esta insatisfação constante, que me caracteriza a mim e aos brilhantes e exímios colaboradores da aNEMia, que permite descobrir um novo jardim assim que nos atrevemos a quebrar os limites da caixa que, por vezes, nos é imposta. Só assim é possível ver o que somos capazes de deixar florir fora dela. É neste mote primaveril que desafiamos o querido leitor a reparar no quão completa e incompleta a medicina se releva. Tal constatação só será possível de uma forma: ousar explorar o outro lado da bata branca.

Ficha técnica

63ª edição- maio de 2023

Propriedade do Núcleo de estudantes de Medicina da AAC Pólo das Ciências da Saúde da Universidade de Coimbra Subunidade 1 da Faculdade da Saúde da Universidade de Coimbra Azinhaga de Santa Coimba, Celas, 3000-548 Coimbra

geral@nemaac.net

www.nemaac.net

revistaanemia.blogspot.com

Departamento da aNEMia

Direção: Margarida Fonseca Simões

Redação: Andreia Nossa, Beatriz Dias, Beatriz Machado, Bernardo Monteiro, Ema Felgueiras, Filipa Silva, Guilherme Teles, Inês Pires, Margarida Fonseca Simões, Maria Miguel Costa, Mariana Martinho, Pedro Silva, Rita Freixo, Rita Nunes, Rodrigo Fortes, Sara Gama

Revisão: Bernardo Monteiro, Ema Felgueiras, Margarida Fonseca Simões, Maria Inês Ramalho

Design e Grafismo: Inês Maia, Laura Caetano, Maria Nogueira, Sofia Marques

Distribuição Gratuita

Editorial 2
A coordenadora da aNEMia: Margarida Fonseca Simões

Índice

Mundo de todos

Nosso Mundo

Entrevistas

Casos clínicos

História da Medicina

Mitos vs Verdades

Educação Médica

Escrita

Livre

Rúbrica

Sugestões

Speed dates

literários

Um Mundo de palavras

3

Mundo de todos

O amor e os seus três poderes

Abeiro-me da praça da República. Num firme olhar ao horizonte, encanto-me com um casal a ofertar o Estado da poesia do amor. É belo esse ardor dúlcido dos três poderes do amor: executivo, legislativo e judicial… com os seus freios e contrapesos.

O Estado de poesia do poder executivo é o contexto social que ele entrega. A sociedade apresenta-nos os projetos de lei do amor, faz-nos decidir se gastamos ou não a nossa fé pública no estrelar do companheirismo. De forma sub-reptícia, faz regulamentos técnicos para que as leis possam ser cumpridas, mediante os modos de estar. Fala sobre as suas vicissitudes e decide sobre as melhores soluções.

“Se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso” – relampeia o benefício de amoriscar-se de alguém: Humanização! Um facho a arder, um afeto! Afinal, o verbo “afetar” alude àquilo que move a alma e que nos alicia a ser deliciosamente humanos. O amor é social e político pois traz surpresas ao calculismo da indagação: “Como deixo o outro entrar na minha vida?” É a arte de ser anfitrião e de ser estrangeiro. O que nos leva a acreditar no amor? Um dos

elementos é a esperançosa exclamação: “vai dar certo!”. A construção paulatina como sujeito, numa apropriação das marcas que nos foram plantadas, obriga ao esquecimento da nossa própria exiguidade.

Shakespeare em Romeu e Julieta, ato 2 cena 2, faz luz ao escrever: “o que o amor pode fazer é exatamente o que o amor ousa tentar”. O desafio e o fantasmagórico cativam… afinal, “o que adianta ter a chave se a porta estiver aberta?” O estranhamento também é uma liga. Tem algo do enigma, do pedaço de alteridade radicada no outro. Segundo Bell Hooks, o amor mantém-nos fora de dois caminhos perigosos: a implosão afetiva e a explosão afetiva. Aparece como uma forma de redenção, numa dimensão política, como equilíbrio. Freud e Lacam advertiram que amor e ódio não são inversos, fazem parte da mesma energia pulsional. O medo é o inverso do amor, e que “amor” é assumir a nossa fragilidade.

Esse Estado, quando pulsa, é “tão nosso” que não consegue fingir de “não nosso”. Será um amo-te ou amo-nos? Será ele profundamente narcísico? Amamos o que desejamos, e desejamos o que não temos… será ele desencontro? Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor” … será só um ranger de carnes?

4

Mundo de todos

O Estado de poesia do poder legislativo é o contexto bioquímico que ele entrega. Este, pode derrubar o pod er executivo. É a linguagem do corpo. Aprova ou rejeita projetos e julga as inadvertências do socialmente imposto. “O coração tem razões que a razão não entende”… serão essas razões bioquímicas?

A surdez do amor, daqueles jovens da praça, canta a vida que a oxitocina e a vasopressina dão ao apego, à conexão, à preferência seletiva. Se me perguntarem o que neste momento vislumbro, responderei: dopamina! Neurotrans missor condenado a motivar e a engrenar o prazer que é amar. Coitada da serotonina! Diminuiu 40% só para opor tunizar ideias invasivas, ideias recorrentes sobre a pessoa amada. Incapaz de frear os nossos desejos e antecipar consequências, o córtex pré-frontal está no canto da sala do amor, tímido, ensimesmado, inibido! E quanto tempo dura? Responde-me Vinícios de Morais: “que seja eterno enquanto dure”.

O Estado de poesia do poder judicial é o contexto histórico que ele entrega. Seremos todos julgados pela história… até mesmo pela nossa forma de amar. A história é juíza inamovível.

Se os gestos daqueles jovens tivessem lugar no século XII, seria o mesmo amor? Verdade seja dita, o séc. XII é responsável pelo advento do conceito de “amor românti co”, mesmo que ábdito do seio matrimonial. Antes disso, “amar” só era vedado a Deus. No séc. XVIII, o amor passou a ser considerado quase que ridículo, pelo momento

da família e da disputa ideológica. Para ser mais preciso, na segunda metade do séc. XVIII opera-se a revolução cultural, também conhecida por “movimento sentimental”. O conceito de “sentimento” (afeto, simpatia, sensibilidade) introduz um novo estado anímico que medeia espírito e corpo. Ao amor é atribuída a nova tarefa de fundar o casamento. No séc. XX, o automóvel e o telefone permitiram que o encontro marcado passasse a ser uma realidade inédita. Nessa esteira, a pílula anticoncecional dissociou o sexo da gravidez e aliou o sexo ao prazer. Surgiram os movimentos de contracultura (movimento feminista, movimento gay, movimento hippie). Depreende-se que o amor romântico foi uma resistência no séc. XVIII e XIX à instrumentalização da vida, contudo, hodiernamente, a instrumentalização da vida talvez esteja a ponto de destruir a capacidade de desejo romântico das pessoas. Pedi à minha irmã de 8 anos que fizesse um desenho sobre o amor romântico. Ilustrou um coração e, no seu ventre, escreveu amor e paz. O que dizes Camões? “É fogo que arde sem se ver”? Ou é a serenidade vociferada pelas palavras deste desenho?

5

Mundo de todos

Doutor Osvaldo Scrapti

Bernardo Monteiro, 2º ano

Caros leitores, hoje escrevo com o propósito de vos apresentar o excelso Doutor Osvaldo Scrapti, o mais eminente médico que alguma vez conheci, e partilhar a sua história magnânima com vocês.

Osvaldo Scrapti nasceu e foi criado pelos seus eméritos pais, Rodrigo Scrapti, dirigente da «Ordem dos Médicos da Inépcia e Pecúnia», e Joana Scrapri, dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», outrora liderada por Mónica, tão bem descrita por Sophia de Mello Breyner Andresen. Osvaldo, desde cedo, almejava desempenhar o seu papel na sociedade enquanto médico, com o autêntico intuito de ajudar as pessoas que se encontravam numa fase nefária da sua vida. Na realidade, o nosso mini Dr. Osvaldo, já com 8 anos, demonstrou o amor que nutria pela venusta área da Medicina quando a sua avó, Dona Alzira, se lesionou e fez um «corte» na mão.

- Vovó, eu ajudo. Vou já buscar o creminho.

- Obrigada, meu anjo.

De facto, o Osvaldinho agiu de forma deveras intrépida, zelando pelo bem da sua querida avó. Após ces-

sar a sua minuciosa cirurgia, num gesto de puro altruísmo, afirmou:

- Como te adoro, apenas me tens de pagar 10 euros por esta operação!

Dona Alzira ficou, nesse dia, duplamente orgulhosa. Numa só ação, o seu netinho revelara não só o seu ímpar talento para Medicina como também a sua carreira promissora enquanto vindouro homem de negócios. Já estava a trilhar o caminho do sucesso!

O nosso protagonista, ao longo da sua juventude, operou inúmeras gestas, as quais são de tal eminência que não há espaço físico nem metafísico em que as consiga enumerar. Inobstante, afigura-se-me de mor relevância destacar que o nosso herói, Dr. Osvaldinho, com apenas 15 anos, já participava em ações de voluntariado. E que boa a sensação de dever cívico cumprido (e de receber os imensuráveis elogios dos amigos dos papás e da família). Era, sem dúvida, um menino de ouro (sim, no sentido denotativo!).

Com 18 anos, ingressou no tão cobiçado curso de Medicina, não malogrando as suas expectativas nem da sua família. Ao longo do curso, destacou-se pelos seus resultados perfeitos. Só para os meus adorados leitores terem uma noção clarividente da magnitude da idoneidade imaculada de Osvaldo, este foi o único a obter a classificação de 20 valores em Anatomia, a qual foi humildemente partilhada nas redes sociais, de modo a ser ovacionada por todos os «amigos» que nutriam tanto carinho (ou inveja …) pelo Osvaldinho!

Como os caros leitores poderão supor, Osvaldo formou-se com uma média de excelência e entrou na especialidade com que sempre sonhou – dermatologia. Aquando da sua prática profissional, como seria de esperar, salvou inúmeras vidas, ao efetuar operações

6

Mundo de todos

imprescindíveis, sem as quais os pacientes não conseguiriam sobreviver ... Porém, se, por um lado, assegurava o bem-estar dos seus estimados doentes ao efetuar procedimentos pretensamente exemplares, por outro lado, aniquilava a sua homeostasia financeira … mas sempre pelos motivos mais nobres e justificáveis, claro!

Em pouco tempo, Osvaldo entediou-se com a mera função de dermatologista e reinventou-se, furtando, gentilmente, o cargo do papá, passando a ser o dirigente da «Ordem dos Médicos da Inépcia e Pecúnia».

No seu período de liderança, incrementou, de forma exponencial, os santificados profits, debelando a precariedade dos seus colegas médicos, que passaram a ver o seu esforço devidamente recompensado! Destarte, foi-lhe atribuído o cognome «Arauto da Pecúnia», do qual se orgulhava bastante, porquanto espelhava o seu fito –combater a indigência (pelo menos a sua).

Entretanto, Dr. Scrapti casou com uma venusta e

íntegra dama da sociedade, Ana Almeida, defensora acérrima da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis» e das justas causas que esta defendia, e teve 2 filhos.

Hodiernamente, Osvaldo Scrapti encontra-se a desfrutar da sua reforma merecida após tantos anos de veemente labor, aos 48 anos, e dedica-se, como pai sublime, à educação dos filhos, estimulando, de forma ininterrupta, as suas capacidades cognitivas, para que, um dia, sejam como o papá. Certamente, a avó Alzira vislumbra o seu netinho do plano onírico com orgulho do homenzinho que criou!

7

Mundo nosso

Medicina de Urgência: uma emergência em Portugal?

15/02/2023, República Checa. Queda aparatosa a patinar no gelo que motiva ida ao SU. Não sabia o que esperar, já mal dizia a minha sorte por ter de ir passar uma noite (e, quem sabe, parte da manhã seguinte) em claro na urgência de um hospital, onde nem sequer falava a língua. Qual não foi o meu espanto quando em menos de 1h30 tinha realizado uma radiografia, tinha sido vista por um médico, diagnosticada uma fratura e saía do hospital com o braço engessado. O meu único pensamento naquele momento foi “ainda bem que esta situação não se passou em Portugal, só de pensar no tempo de espera e no atendimento que lá teria…”

Provavelmente, para quem se encontra desse lado a ler este relato, parece algo difícil de acreditar, tendo em conta a situação que se vive em Portugal. O caos nas urgências no nosso país parece ser algo tão constante e natural quanto a cor do céu ser azul. Horas de espera intermináveis para quem necessita de recorrer a estes serviços, que são, para muitos cidadãos, o único meio de contacto possível com os cuidados de saúde públicos. Ainda que esta questão dificilmente passe despercebida, o mesmo talvez não possa ser dito acerca do chumbo da criação da especialidade de Medicina de Urgência por parte da Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos. No passado dia 12 de dezembro, quando a maioria dos portugueses terminava as compras para a quadra natalícia, o manifesto assinado por 56 antigos e atuais diretores de serviços de urgência foi chumbado, com 51 votos contra, 21 a favor e 3 abstenções. Vários foram os argumentos usados por cada parte para sustentar a sua posição. Alguns destes passavam por questões como a dificuldade em organizar escalas que

garantam o adequado funcionamento das equipas, bem como a necessidade de os diretores de serviço de urgência assumirem o papel de mediadores de conflitos “glorificados” entre diferentes serviços e departamentos. Do ponto de vista técnico-científico, faria também sentido a existência de uma especialidade focada na abordagem do doente crítico como um todo, não só para que deixasse de ser necessária a presença de variados especialistas em regime permanente no SU, possibilitando, assim, que a sua atenção se focasse na consulta externa ou no internamento, como também para oferecer apoio diferenciado aos restantes profissionais que asseguram o funcionamento da urgência (muitas vezes, médicos internos, que deveriam usufruir de maior apoio no exercício da sua atividade, algo que nem sempre se verifica). Por último, mas não menos relevante, o facto de o serviço de urgência ser o único serviço em Portugal, onde atualmente é permitido exercer sem se ter uma especialidade. No outro lado da bancada, foi salientado que a criação de uma nova especialidade em nada adiantaria e que as reestruturações deveriam focar-se nos cuidados de saúde primários, com horário alargado e mais competências nos Centros de Saúde, por exemplo. Outro aspeto mencionado foi a disparidade de remuneração atualmente existente

8

Mundo nosso

entre médicos do quadro e os tarefeiros contratados – se o valor pago fosse o mesmo, não se verificariam tantos problemas em preencher as escalas de urgência com profissionais do quadro.

Mesmo depois de inúmeras entidades como a Secção de Medicina de Urgência da União Europeia de Médicos Especialistas (UEME), o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o CEO do SNS, Fernando Araújo, terem defendido a criação desta especialidade, a situação no nosso país mantém-se inalterada. De entre os 31 países que integram a UEME, Portugal faz parte da minoria de 9 países que continuam sem contemplar a Medicina de Urgência enquanto especialidade independente.

Nenhuma destas entidades via na criação desta especialidade uma solução milagrosa que permitisse resolver os problemas que assolam esta área, mas sim um passo na direção certa para o futuro do SNS.

Entretanto, à data da escrita deste artigo (meados de fevereiro), nada melhorou quanto ao funcionamento dos SU. Verificaram-se inclusivamente situações dramáticas, como mais de 5 horas de espera para doentes com pulseira laranja no Hospital de Portimão e fecho temporário

extraordinárias em contexto de urgência dos médicos do quadro deixará de se equiparar à dos tarefeiros, voltando a verificar-se aquilo que ocorria antes de julho de 2022: remuneração dos tarefeiros em valores 50-70 euros/hora, por oposição aos médicos do quadro, a 20-40 euros/hora. Repetem-se, assim, decisões que apenas se preocupam com resolução de problemas imediatos. Espero, sinceramente, que os próximos tempos tragam medidas concretas e que acautelem o futuro do nosso SNS. Pode não passar pela criação da especialidade de Medicina de Urgência, mas, se não forem implementadas novas políticas na Saúde urgentemente, este barco está destinado a naufragar de forma deveras trágica.

9

Mundo nosso

A medicina, o médico, e os Outros

“Precisamos urgentemente de ser vistos para além da bata, como alguém que no seu peito leva também um coração.”

Atualmente a Medicina é muito mais que aquela carreira profissional que exige do seu apóstolo, o médico, atualização constante na sua prática clínica. Tão pouco é apenas uma mera e única profissão, mas sim um conjunto de várias, assim como não se trata nunca de um estilo de vida, mas de uma doutrina abraçada de corpo e alma, aos dias de hoje, vendidos ao desbarato. Antes de ser-se médico é-se humano, depois é-se estudante, e só em ser-se estudante de medicina já se vive uma realidade diferente aos demais. Estudar medicina é uma “prisão” consentida pela pessoa que a pretende exercer para alcançar o que a vocação pede com tanta urgência. É uma constante doação, é estar mais vezes ausente que presente, para mais tarde, seja esse “mais tarde” quando tiver de ser, finalmente concretizar sonhos e almejar o que procura ser a sua verdadeira essência: o ganho em ajudar o outro… e desengane-se quem pensa que o ganho é monetário, esse já nem com lupa ou binóculos se vê, e infelizmente, vai mal de “saúde” e não se recomenda. Ao dia de hoje, sinceramente, não é recomendado que o estudante faça medicina com a ideia preconcebida de que vai ganhar muito dinheiro. Não queria ser eu a dizer, mas sabendo já dar más noticias, aconselho vivamente a escolher outra área, com justificação e argumentos válidos para qualquer dúvida ou questão neste sentido. Nesta doutrina, ou se gosta muito do que se faz e se encara de peito cheio o que com ela vem, ou o desgosto posterior pode ser muito maior que a cura. Obviamente que o médico, no exercício da medicina, assim como outros profissionais da mesma e outras áreas, merecem ser bem remunerados, de forma justa e de acordo com a responsabilidade e dedicação a que cada um lhe compete, mas aqui chegamos à parte em que falamos

de algo que apenas o Médico faz: tratar de outros Seres Humanos, com valores, sentimentos, vontades e necessidades como todos os outros, ou não fossemos desde sempre ensinados a ver o outro como nosso semelhante. Um ser humano nesta área tem de além de ser vocacionado, estar o menos frustrado e escravizado possível para tratar bem do outro ser humano que o procura. Poderia cingir este texto a uma única frase: “A vida de um médico não pode ser só medicina!”, mas como na alma também se nos grita o prazer da escrita, é perentório destrinçar cada peça de um puzzle irremediavelmente de nível complicado a severo.

Os médicos não são Deus na terra, são pessoas que tratam de outras, e têm nas mãos todos os dias a responsabilidade dessas vidas. São pessoas que têm de aprender e desenvolver habilidades comunicativas e sociais, entre outras, ao longo de toda a vida, porque nem para todos estas são inatas. É preciso desmistificar como nos veem e

10

Mundo nosso

como nós somos, no sentido em que também precisamos descansar, além de desempenhar uma série de funções adaptativas para lidar com um dia a dia, na sua grande maioria, frenético e de grande comprometimento. E a dicotomia entre ser apenas aquela pessoa, mas ao mesmo tempo médico? E desenvolver aptidões, como dar as piores noticias e lidar com as piores das frustrações quando o dia não corre assim tão bem? Depois de tudo isto, e com um puzzle que nem vai na metade, ainda será que se pensa que é fácil ser-se médico? Posso adiantar que não, não é nada fácil, mas que na verdade pode ser muito recompensador quando se é vitorioso nas guerras que se travam com as doenças, quando se consegue o inimaginável dentro do impossível, e quando se vai dormir com a sensação de dever cumprido e de coração cheio por acalmar uma ou dezenas de almas amarguradas.

Por isso, necessitam-se também cuidados ao “médico”, que às vezes também necessita de uma palavra de aconchego, além de TEMPO útil e merecido, seja não só com o doente, como consigo próprio, tanto para mimar-se, como para sentir-se capaz, dentro e fora da linha da frente. Alguns médicos têm a sorte de carregarem na sua mochila de aprendizagem várias outras competências, como a escrita, a música, a arte num todo, o desporto, a docência, o dom da palavra, a empatia no olhar, toque ou num só gesto, e isso nunca pode ser desmerecido ou cortado pela raiz, porque o que para OUTROS pode ser só uma distração, para os MÉDICOS certamente servirá de escape, e muitas vezes, ser a sua libertação.

11

Mundo nosso

A Medicina e a AlmaAntónimos ou uma coexistência necessária?

Desde que as primeiras civilizações se formaram, rapidamente se iniciou a procura por uma explicação para a experiência humana. Apesar de a tendência ser tentar compreender o que nos é externo, não demorou até o ser humano se virar para dentro. Religião, ciência, movimentos artísticos, literários e filosóficos debruçaram-se durante séculos sobre este tema, tentando encontrar uma resposta para a pergunta: “De que é feito o homem?”. Com a procura surgiu, assim, a dicotomia Corpo-Alma. Diferentes culturas e religiões atribuíram diferentes significados e características a este par. Etimologicamente, “alma” surge, por exemplo, como “nefesh” na língua hebraica, que significa “respiração/respirar”, ou como “animus” no Latim, que se traduz em “o que anima” ou “vida”. No Cristianismo, frequentemente a alma é vista como imortal, uma essência divina criada por Deus e que existe tanto antes como depois do corpo. Este último é visto como um meio físico, mortal, sujeito à degradação. No Hinduísmo o corpo é visto também como um meio físico enquanto que a alma constitui a fonte de conheci mento, sabedoria e libertação, sendo parte de uma maior consciência divina.

Surgiram, também, correntes filosóficas que se focaram em investigar e estudar esta dicotomia. Platão descreveu a existência de dois reinos, o das Ideias e o Físico, e considerou a alma como um intermediário que viaja en tre ambos. Assim, permitia ao indivíduo ter acesso ao mundo das Ideias, uma vez que o ser humano, na sua forma corpórea, se encontra preso ao mundo físico. Um dos argumentos utilizados pelo filósofo para justificar a existência deste intermediário foi precisamente a capaci dade do homem em conceber ideias abstratas e pura mente intelectuais.

Desta forma, a alma tornou-se rapidamente a responsável pelas características pessoais do ser humano: as suas emoções, comportamentos e pensamentos.

Durante séculos, a espiritualidade e o divino foram utilizados como base da compreensão do comportamento do indivíduo. Apenas com a evolução da Medicina, Neurociências e Psicologia, se começou a pôr de lado a ideia de uma entidade transcendente ao mundo físico, ao corpo humano. Avanços na Neurologia e no estudo de regiões específicas do cérebro humano vieram esclarecer, mesmo que ainda de forma incompleta, a origem deste comportamento. O lobo frontal, muito desenvolvido no homem, ao contrário dos restantes primatas, foi recentemente associado aos traços de personalidade, como impulsividade e autocontrolo, à inteligência e cognição, moralidade e julgamento. A divisão entre hemisférios cerebrais e as assimetrias funcionais vieram também explicar a existência de indivíduos com um raciocínio mais analítico e indivíduos com capacidade de pensamento mais abstrato. Ainda, a amígdala foi associada às reações fight-or-flight.

Por outro lado, a neurologia tem vindo a explorar o conceito de “Neuroplasticidade”, a forma como o cérebro se altera e adapta em resposta a novas experiências e informação e como estas alteram, posteriormente, as perceções, comportamentos e respostas dos indivíduos. Desta forma, esta teoria tem já em conta o impacto das experiências individuais e do ambiente na personalidade e resposta do indivíduo ao mundo.

Adicionalmente, estudos que exploraram o papel de neurotransmissores, hormonas e outros mensageiros químicos no cérebro e, consequentemente, na resposta emocional e comportamental do indivíduo vieram, também, ajudar à desmistificação da experiência humana.

Esta possibilidade de justificar empiricamente as carac-

12

Mundo nosso

a ideia de que existe algo inerente ao ser humano, algo que transcende o corpóreo e o palpável. Demonstrou-se que aquilo que compõe um indivíduo resulta não desta entidade transcendente, mas sim de muitas e complexas reações neuroquímicas. A morte deixou de ser uma passagem (para onde deixo ao critério do leitor) e tornou-se, aos olhos da medicina moderna, um processo fisiológico. A questão impõe-se: será que o progresso científico veio tornar a crença no transcendente e divino e a medicina mutuamente exclusivas?

Compatíveis ou não, é necessário reconhecer a simbiose entre ambas. Uma abordagem puramente científica ao doente fica aquém das expectativas do mesmo. Não é por acaso que, ao longo dos anos, quando a ciência começou

a falhar, muitos se viravam para abordagens mais holísticas. Um grande exemplo prende-se na procura de alternativas como a Medicina Tradicional Chinesa, com as suas várias técnicas, tal como a acupuntura, ou práticas como o Reiki, entre outras.

Talvez os conceitos de alma e vida após a morte tenham caído em desuso nos dias que correm, mas a visão orgânica e analítica de um doente mostra-se frequentemente insuficiente e redutora. Apesar dos avanços da ciência na compreensão dos mecanismos responsáveis pela formação do indivíduo e suas características, é fundamental não deixar que tal negligencie a complexidade do ser humano.

13

Mundo nosso

Um mundo para além (do curso) de Medicina

Ema Felgueiras, 4º ano

Numa sociedade em que somos formatados para traçar caminhos lineares e unívocos, ter a coragem de seguir vários percursos e dar resposta a múltiplas paixões nem sempre é fácil.

No segundo ano do curso de Medicina decidi abraçar, simultaneamente, um outro caminho e enveredei na Licenciatura em Filosofia, mais tarde optando pela vertente com menor em Estudos Europeus, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

“Porquê Letras?”, “Não queres ser médica?”, “Não achas que estás a perder o foco do que realmente importa: estudar Medicina?”. À questão “Não queres ser médica?” costumo responder igualmente com uma pergunta, o que é “ser médica”? Uma verdadeira questão filosófica, claro! A meu ver, o exercício da Medicina precisa, urgentemente, de se dissociar da imagem da bata branca a segurar um estetoscópio e precisa de se focar mais no pensamento, na comunicação e na interação com o ser humano. Não me permitirá o caminho das Letras, e em particular o da Filosofia, explorar mais intensamente esta componente humanística? Não será esta escolha também uma procura pela aproximação à verdadeira Medicina, ao invés de um afastamento? A realidade é que sim! Quero ser médica, mas não acho que o caminho para atingir esse fim não possa passar pelo investimento nas Humanidades, até porque, para mim, ser médica nunca será só sobre estudar Medicina.

De facto, à primeira vista, Medicina e Filosofia podem parecer disciplinas diametralmente opostas. Enquanto que a Medicina, tipicamente, se ocupa do concreto, do que

é físico, a Filosofia é conhecida pelas suas (frustres) tentativas de compreender questões mais abstratas. Porém, a história prova-nos que as pontes de contacto entre estas áreas existem e são vastas. Desde a Antiguidade, filósofos como Platão e Aristóteles mostraram preocupação com temas relacionados com a saúde. Outros como Galeno e a sua teoria dos quatro humores, Hipócrates, o “Pai da Medicina”, ou Descartes e o famoso dualismo mente-corpo, marcaram a História da Medicina e contribuíram para a construção da mesma como hoje a conhecemos. Além do impacto histórico, a Filosofia continua a contribuir ativamente para a reflexão em saúde, nomeadamente, através da bioética. Não se trata, contudo, de uma relação unidirecional e a Medicina tem igualmente contribuído para o desenvolvimento da Filosofia, oferecendo novos desafios e um vasto leque de questões para reflexão. Estou certa de que não será necessário argumentar relativamente às potenciais vantagens que o contacto com as Humanidades poderá ter para a construção dos médicos do amanhã. Parece-me que, felizmente, estão a ser dados passos importantes e a ser feitos investimentos justificáveis na formação de profissionais de saúde mais

14

Mundo nosso

completos. A introdução de cadeiras de Humanidades nas diferentes Escolas Médicas do país começa, cada vez mais, a ser uma realidade, porque é urgente apostar numa educação humanística e humanista dos estudantes de Medicina. É urgente estimular e desenvolver o sentido crítico dos futuros Médicos. As pontes que conectam a Medicina à Filosofia são muitas, como vimos, mas muitas mais são os rios que separam o ensino nestes dois cursos da Universidade de Coimbra: desde logo, na sua estrutura e organização, contrapondo a liberdade de escolha de unidades curriculares,dada pela FLUC, ao currículo estruturado e pré-definido com que nos deparamos, na FMUC.

Assim, partilho que um dos desafios que surgiu, ao dar os primeiros passos neste caminho com duas (ou múltiplas)

saídas, foi, portanto, a adaptação às realidades distintas de ensino e avaliação das duas Faculdades. Porém, a maior exigência continua a ser encontrar o balanço ideal entre o tempo dedicado a cada uma das Ca(u)sas. É, sem dúvida, uma experiência que exige dedicação, esforço e disciplina, mas que tem para nos oferecer de volta algo valioso: conhecimento, um mundo de leituras infindáveis, o contacto com experiências e culturas de ensino distintas e, sobretudo, abre-nos portas à ousadia diária de sonhar ser e aprender mais.

Não obstante todos os constrangimentos, tenho, dia após dia, certezas redobradas de que, dividida, porém coesa, é este o caminho - o meu.

Que nunca nos esqueçamos que “o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe” (Abel Salazar).

15

Mundo nosso

Preparem os Passaportes!

Viajar é uma experiência transformadora, que enriquece as nossas vidas de múltiplas maneiras. Desde explorar novos destinos e culturas, até obter diferentes perspetivas e criar ligações significativas, as viagens oferecem um leque de benefícios que impactam positivamente o bem-estar mental, físico e emocional daqueles que escolhem sair do ninho.

Um dos principais benefícios das viagens é a oportunidade de alargarmos horizontes e obtermos uma nova visão do mundo. Ao sairmos da nossa zona de conforto e conhecermos ideias, pessoas e culturas diferentes, obtemos uma compreensão mais profunda do mundo e de como nos encaixamos nele. Esta nova perspetiva pode ajudar a derrubar barreiras culturais, reduzir o preconceito e promover a empatia e a compaixão pelo outro. Viajar constitui uma fonte de inspiração para muitos profissionais, dos quais os médicos não são exceção. A exposição a novas culturas, estilos de vida e sistemas de saúde oferece o potencial de ajudar a ampliar os seus horizontes na área da Saúde, podendo, até, quem sabe, estimular novas ideias e inovações no campo da Medicina.

O estudante de Medicina que nunca idealizou a participação em congressos em diferentes países que atire a primeira pedra. A verdade é que estes eventos permitem aos profissionais aprender sobre os progressos mais recentes no seu campo, enquanto trocam ideias e estabelecem contactos com colegas de outras nacionalidades. Ao visitarem diferentes países, os profissionais de Saúde podem também testemunhar em primeira mão as diferentes abordagens à prestação de cuidados e aprender com os seus pontos fortes e fracos. Além disso, viajar expõe os médicos a diferentes padrões e contextos epidemiológicos, o que se traduz numa melhor compreensão da carga global das doenças. Este conhecimento pode então ser trazido de volta para o seu país de origem e, eventualmente, contribuir para prevenir e tratar doenças e melhorar o sistema de saúde vigente. Mas os benefícios das viagens para os médicos não se ficam por aí! Outro exemplo é que é inegável que, ao compreendermos os determinantes culturais e sociais da

Saúde, podemos fornecer cuidados mais holísticos e culturalmente adequados aos nossos doentes. Conhecer o mundo também potencia o nosso crescimento pessoal e autodescoberta. Ao sairmos da zona de conforto e experimentarmos coisas novas, podemos até descobrir talentos, interesses e paixões ocultos.

Concluindo, as viagens são experiências valiosas que podem ter um impacto profundo no bem-estar de uma pessoa. Acima de tudo, viajar oferece uma oportunidade única de criar memórias que ficarão marcadas na nossa mente para sempre. Portanto, seja uma escapadela breve de fim de semana ou uma aventura há muito aguardada, abracemos tudo o que o mundo tem para nos oferecer e aproveitemos ao máximo todas as oportunidades para o explorar. Se sentem que, ao lerem este texto, ressurgiu em vocês uma paixão que tinham posto de lado, convido-vos a espreitarem os perfis de Instagram da Dr.ª Andreia Castro (@andreia.scastro), da Dr.ª Rita Cunha (@anaritaecunha) e da Dr.ª Maria Castro (@castromaryf). São as páginas de três seres humanos verdadeiramente inspiradores, que mostram que a Medicina e as viagens não são atividades dificilmente compatíveis, mas sim peças de um puzzle entusiasmante, que encaixam perfeitamente e nos permitem ter uma visão mais global do mundo que nos rodeia.

16

Mundo nosso

A Arte na Psiquiatria

Beatriz Machado, 3ºano

No século XV, época do renascentismo, estando o mundo das artes e ciências em período de grande comoção e tumulto, Leonardo da Vinci – nosso conhecido – cria o objeto de fascínio de uma festa do seu patrono Ludovico Sforza. Consiste num robot, o cavaleiro mecânico – “L’Automa Cavaliere”.

Magicamente articulado, o robot terá deixado os eruditos convidados extasiados com os seus movimentos humanoides, sendo capaz de se levantar, sentar, andar e, até mesmo, levantar a viseira do elmo de cavaleiro. É certo que existe alguma especulação quanto à veracidade desta história. Para o efeito, vou optar por acreditar nela, piamente. Efetivamente, à modernidade, chegaram apenas os esboços das peças constituintes do robot, encontrados nos valiosos cadernos de anotações de da Vinci.

Naturalmente, o robot – que já me decidi, foi, de facto, construído e exibido nesta festa – implicou um importante trabalho do artista. Implicou um exercício de desconstrução. Conhecedor da anatomia humana, Leonardo da Vinci não terá pensado no movimento do braço como um todo. Tendo desvendado os mecanismos subjacentes ao simples fletir de um braço, foi capaz de o transpor para a sua arte. O mesmo se aplica a outras formas de arte, como é o caso do desenho. Porque percecionamos uma caixa como um objeto tridimensional? Serão as sombras? Como sabemos que olhamos para uma bola de futebol e não um recorte de jornal em forma circular? As noções preconcebidas em pouco auxiliam o artista que, necessariamente, passa por um processo de infantilização que lhe restitui o seu mais aguçado sentido inquisitório. Os porquês. Qual o meu objetivo ao invocar a psiquiatria, numa tentativa rebuscada de estabelecer um paralelismo? Será, certamente, unânime afirmar que a doença psiquiátrica ainda tem uma conotação francamente perversa na socie-

dade, carregando um forte estigma consigo, pese embora os esforços da comunidade científica em sentido contrário. Aliás, os próprios doentes, amiúde, materializam a sua doença num monstro. O que me leva ao desfecho da minha ideia. A arte tem vindo a ser utilizada como uma alternativa terapêutica na doença mental. Porquê? Deste modo, transforma-se o doente em artista, e, todo o trabalho de desconstrução passa para as suas mãos. Capacita-se o doente ao dar-lhe o meio para observar a sua doença, como quem olha para um alienista. E a criança, bem escondidinha no doente, questiona o porquê de ver a doença daquela forma. O porquê de nela pensar como uma besta feroz, indomável e multirresistente aos mais diversos antídotos. E, como para dar corpo à arte é necessário fazer perguntas desconfortáveis, à semelhança de da Vinci que teve de perceber a anatomia antes de construir “L’Automa Cavalieire”, também o doente, agora artista, se vê obrigado a desmontar o turbilhão, o monstro, em que a sua doença se tornou.

Penso que este será um exercício catártico para o doente, levando a uma melhor compreensão da sua doença mental, o que, consequentemente, poderá culminar num melhor controlo da mesma. E, até que ponto não seria útil, para nós, também, – com as nossas ansiedades, a “quase promessa” de um eventual burnout, e as atribulações do quotidiano – transformarmos os nossos problemas em arte, e, a nós, no artista?

De futuro, podemos experimentar ver nas nossas preocupações a remota possibilidade de um cavaleiro mecânico, e, quem sabe, deslumbrarmo-nos com o resultado, da mesma forma que Leonardo da Vinci deslumbrou os convivas do seu patrono.

17

Entrevistas

QUEM ÉS, O QUE FAZES?

O meu nome é Ricardo Almeida, sou médico, especialista em Pediatria e, atualmente, encontro-me no ciclo de estudos de Cuidados Intensivos Neonatais, no Centro Materno-Infantil do Norte. Sou natural de Braga, onde vivi até aos 18 anos, altura em que ingressei na FMUC para tirar o curso, entre outras coisas. Coimbra permitiu-me perceber que, durante a Faculdade, conseguimos fazer muito mais do que tirar um curso. Desde pequeno que gosto de música, por influência do meu pai. Comecei a tocar guitarra com 12 anos, vieram as bandas de garagem no secundário e, em Coimbra, abriu-se um novo mundo para mim, com a descoberta da Canção de Coimbra. Em 2013, com amigos em comum dos grupos académicos (TMUC, Quantuna e TAUC), criámos os “Quatro e Meia”. Começou como um mero acaso, para tocar no sarau, mas correu bem e seguimos, de convite em convite. Passado 3/4 anos, uma agência do Porto, a Primeira Linha, entrou em contacto connosco e um ano depois estávamos a assinar um contrato com a Sony Music. Um cachorrinho que, de repente, se transformou num São Bernardo.

COMO É TER DUAS PROFISSÕES?

Aconteceu em diferentes estadios. Desde muito cedo, estou habituado a ter de me organizar. Em pequeno, a minha mãe incentivou-me a estar em muitas atividades e não tinha muito tempo livre. Não quer dizer que estivesse sempre a estudar, porque acho importante os jovens terem momentos para brincar e desfrutar, mas a música sempre foi algo que me deu prazer. Durante a faculdade, tinha ensaios todas as noites, da Tuna e da Secção.

À medida que a banda foi ganhando notoriedade, passou a ser uma segunda profissão. A partir do momento em que trabalhas com profissionais da área, como a nossa equipa técnica, ganhas uma responsabilidade que antes não tinhas - apesar de, para nós os 6, ter sido um hobbie no

início. Tenho muita sorte, faço duas coisas que adoro. Cansa, é inevitável, mas não me queixo; adoro ser médico e, se puder, não largaria pela música.

COMO É QUE A MEDICINA E A MÚSICA SE COMPLEMENTAM?

Sinto que os médicos têm a sorte de poder trazer bem-estar às pessoas, o nosso papel é cuidar e tentar trazer saúde. A música também tem um efeito terapêutico, pela melodia e pela letra. Apercebo-me disso por haver músicas que me tocam, em que me identifico com o autor. E é muito bom sentir que podemos ter esse impacto duplamente na vida das pessoas, como médico e a partir da música. Acabam por ser duas panaceias.

DIZ-SE ATÉ QUE “A MEDICINA É UMA ARTE“

E é mesmo! A Medicina não é uma ciência exata e a clínica é mesmo uma arte. Dois médicos com os mesmos conhecimentos têm uma ação diferente, porque não passa só por ser-se bom tecnicamente, mas perceber se aquela pessoa vai responder melhor a determinada abordagem. Li há pouco tempo que um terço da população dos EUA não cumpria a posologia prescrita pelo médico, porque não confiava. Uma parte difícil da Medicina é conseguir passar a mensagem. Acredito que algumas cadeiras possam ajudar, mas as atividades fora do plano curricular ainda mais – e vê-se isso nas pessoas que têm essa prática, têm o horizonte mais expandido e compreendem que não chega só o conhecimento.

“Medicina e Músic a? - Pôr os Pontos nos Is” com Ricardo Liz Almeida
18

Entrevistas

QUAIS OS DESAFIOS DE TER DUAS PROFISSÕES?

Há sempre alguma coisa que se perde pelo caminho. Se calhar, não consigo estar com amigos, namorada e familiares como gostaria. No final, é a família que paga as contas, são quem mais te percebe e é aí que vais cortar. Outro grande desafio é lidar com o cansaço. Nomeadamente, se sais de um turno de 24h no Hospital e a seguir queres dormir, mas tens ensaio. Ainda não tenho anos suficientes para ter dados concretos, mas, inevitavelmente, tira alguma saúde física.

SENTES QUE ESSE CANSEÇO AFETA A TUA PERFORMANCE?

Há essa dificuldade. Acima de tudo, a ter de escolher, vou sempre descansar antes de um turno, porque pode ocorrer um erro grande. Na música também pode, mas, apesar de importante, é só música. Na Medicina, tens uma responsabilidade que te obriga a ter outro tipo de cuidados antes de trabalhar.

A SOCIEDADE DIZ-NOS QUE SÓ PODEMOS TER UMA PROFISSÃO. O QUE ACHAS SOBRE ISTO?

Não sou caso único, há cada vez mais pessoas que tentam fazer várias coisas. A sociedade está a mudar nesse sentido: tem-se uma visão mais holística da vida, fruto de termos pessoas que se dedicaram exclusivamente ao seu trabalho e que, no final da vida, percebem que fariam diferente. Temos uma profissão extremamente absorvente, lidamos com problemas, logo, precisamos de algo que nos permita ter alguma saúde mental. No meu caso, é a música, mas há desporto, família, ler, tanta coisa! Para tratar os outros, também temos de estar bem. A forma de estar tem vindo a mudar com a mudança de geração, não sei se está mais certa ou mais errada. Quando formos velhinhos talvez tenhamos dados mais fiáveis.

O FACTO DE SERES UM MÚSICO CONHECIDO AFETA A TUA RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE?

A verdade é que as máscaras vieram trazer um benefício (risos). Mas, até agora, só tive boas experiências, nunca me puseram em causa, até porque, para já, as coisas nunca correram mal.

Uma dificuldade que sinto é ter de trocar uma urgência para poder estar num concerto e tive sorte, houve sempre flexibilidade, o que seria impossível sem a camaradagem por parte dos meus colegas Fica aqui um agradecimento público; se não fosse a sua compreensão, não seria possível gerir as duas coisas.

QUE CONSELHOS FINAIS DEIXARIAS AOS ESTUDANTES DE MEDICINA?

Não quero cair em clichés, mas, acima de tudo, temos de gostar do que fazemos.

Surgem agora novas variantes que dificultam ainda mais a Medicina, por vertentes políticas e sociais. É muito importante estarmos satisfeitos com o que fazemos e lutar para que as condições sejam oferecidas. Sabermos para onde queremos ir, qual o papel do médico e não permitirmos que nos mudem, apesar de haver pressões externas para isso. Só assim vamos poder ser bons e, inevitavelmente, os doentes vão cumprir com o proposto, vêm ter connosco e são mais saudáveis.

19

A Medicina e a Igr eja: entrevista ao Padre Filipe D iniz

Margarida Fonseca Simões, 3º ano

QUEM É?

Sou o Filipe Diniz, natural de Cantanhede, tenho 41 anos e, neste mesmo dia, há 15 anos, fui ordenado padre, na Sé Nova. E é bonito fazer esta entrevista, logo neste dia especial

ESSA PROXIMIDADE AOS JOVENS ACONTECEU AO ACASO OU FOI INTENCIONAL?

Sempre gostei muito de servir a juventude. É interessante que o meu dia de nascimento, 31 de janeiro, é o dia de S. João Bosco- Pai da juventude.

E QUE FUNÇÕES TEM VINDO A EXERCER NA IGREJA CATÓLICA?

Eu terminei a minha formação em 2007 e, nesse ano, fui enviado, em missão, para Ferreira do Zêzere, onde estive 3 anos. Depois, vim para Coimbra, onde, em 2010, fiquei com a responsabilidade do Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil, função que integro até hoje. Também nesse ano, e até 2012, assumi um projeto de formação e acompanhamento vocacional de jovens. A partir de 2012, por nomeação do Bispo D. Virgílio, fui nomeado Capelão do CHUC, integrando, assim, uma equipa de assistência religiosa, até 2015. Posteriormente, fui ordenado assistente regional de escutas de Coimbra, função essa que, também, ainda assumo. Em 2017, e até agora, cabe-me, também, a responsabilidade de coordenar o Departamento Nacional da Pastoral Juvenil. Para além disto, estou envolvido no movimento dos Convívios Fraternos.

Simultaneamente a todos estes compromissos fui, também, acompanhando paroquias da diocese de Coimbra.

Em 2019, com a novidade de que as JMJ seriam em Lisboa, a Conferência Episcopal lançou-me o desafio de coordenar a Peregrinação dos Símbolos da JMJ e os Dias das Dioceses.

Reconheço que esta é uma etapa importantíssima de amadurecimento e descoberta da personalidade e sempre me fascinou trabalhar com jovens e compreender a forma como esta fase se vai alterando, ao longo das gerações.

REFERIU TER SIDO CAPELÃO DO CHUC. EM QUE É QUE CONSISTE ESSA FUNÇÃO E QUAL A ROTINA INERENTE?

O capelão é alguém que presta assistência no acompanhamento. Nos 3 anos em que tive o prazer de exercer esta função, o meu dia-a-dia consistia em visitar as enfermarias. Ou seja, é um trabalho de proximidade. Um capelão hospitalar é aquele que está e que vive o sofrimento do outro. E quem está na área da saúde lida muito com a dor, aliás, lida com a pessoa, acima de tudo. O capelão não é aquele que receita um medicamento, mas sim o especialista em acompanhar. Durante esse tempo, tive formação para conseguir exercer esta tarefa e o próprio contacto com doentes ajudou-me a saber como estar ao lado, quando é preciso dar a mão e quando é que a pessoa se deixa olhar. Acompanhei muitos adultos e jovens que estavam a viver a doença e pessoas que, hoje, e permitam-me que use esta linguagem da fé: estão na Eternidade. Tive oportunidade de viver com elas até ao seu último suspiro e tal deume uma estrutura que me faz agradecer muito a Deus, por elas terem feito parte da minha vida e me terem ajudado a compreender aquilo que é o Dom da vida humana, entendendo o que é o seu princípio e fim.

Entrevistas
20

Entrevistas

E, NESSAS SITUAÇÕES, A FÉ FICA ABALADA? FALO POR MIM: AGORA, JÁ VOU CONTACTANDO COM ALGUNS DOENTES E DOU POR MIM A PENSAR “COMO É QUE É POSSÍVEL EXISTIR DEUS, NESTA VIDA QUE TENHO À MINHA FRENTE, SE TANTO NELA PARECE CORRER MAL?“

Deus não é senão aquele que nos conhece no nosso sofrimento mais profundo. No entanto, nós vemo-lo, muitas vezes, como uma máquina que vai resolver um certo problema. Primeiro que tudo, nós temos de aceitar a fragilidade humana. O nosso organismo é frágil. E, aqui, Deus é aquele que nos dá o abraço da ternura. Mas a verdade é que, quando falas com essas pessoas, a quem parece que corre tudo mal, elas têm uma aceitação diferente daquela que esperávamos. Pensamos: “Como é que esta pessoa tem tanta qualidade de vida?” Porque está a aprender a viver com a fragilidade. Tenhamos isto em mente: a pessoa padece de determinada doença. A doença não é o todo da pessoa. E acredita que, a partir do momento em que ela aceita a sua condição e se deixa abrir ao acompanhamento de Deus, consegue lidar melhor com aquilo que está a viver. Porque Deus, numa linguagem de fé, é aquele que está.

É MAIS FÁCIL ASSUMIRMO-NOS COMO CATÓLICOS, COMPARATIVAMENTE A OUTROS CONTEXTOS, ONDE SERÍAMOS VISTOS COMO UM BICHO RARO: VÁRIOS

ESTUDANTES A INTEGRAM O SDPJ, O CUMN, O ESCUTISMO, TEMOS A NOSSA PRÓPRIA MISSÃO PAÍS. QUE RAZÃO ENCONTRA PARA ISTO?

Primeiramente, o médico lida com a pessoa. E, para quem crê, se descobre a pessoa na sua integridade, reconhece mais facilmente que há aqui um Alguém.

Vocês, ao contrário de outros contextos, contactam muito com o meio real e isso implica sentir. Um médico, quer queira, quer não, tem de se relacionar com o outro e lidar com a sua fragilidade. Portanto, não tenhamos medo de perceber a dimensão do outro- de nos relacionarmos. Quando trabalhei no hospital, notei que os profissionais nem tinham tempo para estarem uns com os outros, logo, também não havia tempo para estarem com os doentes. Não nos podemos esquecer que quem está internado vive momentos de solidão e que, para além da dor física, existem outras dores. Comecem por cumprimentar a pessoa, tratem-na pelo nome. O doente não é o número de uma cama. Tem uma história de vida.

ACHO QUE ESSE É UM DOS MAIORES DESAFIOS QUE NÓS, FUTUROS MÉDICOS, TEMOS PARA MANTER A FÉ. POR OUTRO LADO, A MEU VER, HÁ MUITAS COISAS, NA MEDICINA, QUE ME FAZEM ACREDITAR AINDA MAIS EM DEUS: NÓS ESTUDAMOS O ORGANISMO AO DETALHE E DEPARAMO-NOS COM, POR EXEMPLO, MECANISMOS A NÍVEL MOLECULAR SURPREENDENTES E QUE ME FAZEM DUVIDAR DE UMA ORIGEM MERAMENTE EVOLUTIVA.

É TUDO TÃO PERFEITO QUE ME LEVA A

ACREDITAR QUE TEM DE HAVER MAIS

QUE UMA SELEÇÃO NATURAL, TEM DE HAVER ALGUÉM, POR DETRÁS DISTO. E A VERDADE É QUE SINTO QUE, NA FMUC,

NO CUIDAR E ACOMPANHAR, A MEDICINA E A IGREJA UNEM-SE. MAS ONDE É QUE SE SEPARAM?

Igreja é comunidade. Se eu não cuido do outro, não estou a ser Igreja. Acho que só há separação entre as duas se quisermos. Jesus também curou muita gente. Como? Aproximando-se.

Claro que a Medicina usa a ciência, mas a igreja não é contra ela. Louvemos a ciência! S. João Paulo II dizia que a razão e a fé são as duas asas de uma pomba.

QUE MENSAGEM FINAL GOSTARIA DE DEIXAR?

Enquanto quisermos olhar para o humano só numa perspetiva física, vamos estar sempre enganados. Nós somos muito mais e a dimensão espiritual faz parte do todo da pessoa. E aí vem Deus: o equilíbrio.

21

Educação Médica

Diversificação alimentar: método tradicional VS baby-led weaning

Beatriz Dias, 5º ano

A diversificação alimentar inicia-se com a introdução de outros alimentos, para além do leite (materno e/ou fórmula infantil) entre os 4 e os 6 meses. A amamentação deve manter-se a par da diversificação alimentar e da introdução na dieta familiar, ou seja, até aos 12-24 meses ou até que a mãe e o bebé o desejem. Não existe nenhuma regra definida quanto à sequência da introdução dos diferentes grupos de alimentos ou dos próprios alimentos, contudo há várias condutas e métodos diferentes. É importante que o esquema de diversificação alimentar respeite a segurança, bem-estar e a identidade cultural do bebé. Até aos 6 meses de idade, é recomendado pela OMS que o lactente seja exclusivamente amamentado. Caso o leite materno se torne insuficiente, a amamentação deve ser complementada com leite adaptado para lactentes. Importa referir que o aleitamento materno, mesmo que parcial ou em período menor que o desejável, mantém um efeito benéfico quando comparado com a alimentação exclusivamente à base de fórmula infantil para lactentes. Depois dos 6 meses de idade, uma alimentação exclusivamente láctea não supre, por si só, as necessidades energéticas e de alguns micronutrientes (ferro, zinco, vitaminas do complexo B, etc), tornando-se necessária a introdução de outros alimentos. A par da introdução de novos alimentos, deverá ocorrer uma redução progressiva do volume de leite. No 2º semestre de vida, o somatório de todos os lácteos (leite, iogurte e queijo) não deve exceder 500 – 700 ml/dia.

Os alimentos devem ser progressivamente menos moídos, de forma a permitir aos 7 meses o treino da báscula e aos 8 a mastigação de alimentos moles.

Esta fase corresponde à janela motora que, juntamente com a janela sensitiva, para treino de paladares e texturas, devem ser fortemente exploradas, garantindo a plena aceitação de todos os alimentos.

Na forma tradicional de diversificação alimentar, recomendada pela DGS, o bebé é alimentado à colher com alimentos esmagados/passados, sendo o adulto a guiar a introdução de alimentos de uma forma faseada consoante a idade da criança. A textura dos alimentos deve ser progressivamente menos homogénea, até à inserção na dieta familiar, que deverá ocorrer a partir dos 12 meses de idade.

22

Educação Médica

Recomenda-se, ainda, que a refeição seja realizada num ambiente agradável e com poucas distrações. Os pais e/ ou cuidadores também devem ter em atenção os sinais de fome e saciedade da criança.

O baby-led weaning (BLW) é um método de introdução alimentar complementar guiada pelo bebé. Esta abordagem está enraizada no desenvolvimento físico, mental e emocional do bebé, tendo por base a forma como os mesmos se desenvolvem e as capacidades que surgem naturalmente no primeiro ano de vida. Os principais princípios do BLW são a amamentação, o “baby-led” e as refeições em família.

Assim, o BLW promove a introdução alimentar de forma autónoma, através da oferta de pedaços inteiros de alimentos (preferencialmente da refeição familiar ), que a criança ingere com as suas mãos , já que começa a adquirir movimentos de motricidade fina como a preensão palmar aos 6 meses e o movimento de pinça aos 8/9 . A criança é encorajada a provar qualquer alimento, logo desde início, e sem ordem específica, incluindo, pelo menos, um alimento de elevada densidade energética em cada refeição. Os alimentos oferecidos à criança são iguais aos alimentos da família. Assim, a exposição a uma variedade de alimentos pouco saudáveis, provenientes das refeições familiares, pode ter um impacto negativo nos comportamentos alimentares e de saúde da criança. Como tal, é fundamental que os pais e/ou cuidadores recebam conceitos de educação alimentar, particularmente relacionados com a idade pediátrica. Não devem ser oferecidos alimentos processados (ex: bolachas) nem com adição de açúcar (ex: sumos, sobremesas, bolos, doces) ou sal, sendo estes dois aditivos (sal e açúcar) proibidos durante o 1º ano de vida.

É essencial a educação alimentar dirigida a pais e cuidadores sobre como minimizar o risco de asfixia, bem como sobre a utilização dos alimentos de risco, de modo a torná-los mais seguros. Para evitar um possível engasgamento, basta cumprir os critérios básicos de segurança, como oferecer as refeições com o bebé sentado e direito, sempre com supervisão e adequar a consistência dos alimentos para que não constituam perigo de engasgamento. Esta abordagem apresenta excelentes resultados na aprendizagem e recetividade dos alimentos por parte dos bebés, tornando a sua introdução num processo natural e bem-sucedido. Por dar maior controlo ao bebé e encorajar formas de parentalidade responsiva, sabe-se que o BLW pode levar a um melhor padrão alimentar e reduzir o risco de obesidade no futuro. Está associado a menor agitação durante a refeição e constitui uma resposta mais eficaz à saciedade, quando comparado com bebés e crianças pequenas alimentados à colher, pela abordagem tradicional.

23

Mito vs Verdade

Depressão? Isso é mito...

Guilherme Teles, 1º ano

Desde os primeiros resquícios de Humanidade que a teoria da evolução se comprovou uma das maiores questões da nossa espécie, muitas das vezes, cingindo-se, meramente, às suas evidências físicas, menosprezando todo o teor transcendente que nos caracteriza, como seres dotados de pensamento. A consciencialização do saber associada à reflexão da importância da saúde mental não são realidades recentes, todavia, é irrefutável que se tem vindo a tornar um tema cada vez mais fraturante e amplamente debatido nos dias que correm. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, como mesmo depois de tantos anos, este tópico continua a ser abordado com certo receio por algumas pessoas, decidimos desmistificar determinadas ideias erradas, que são correntes pelos meios digitais, tentando tornar o mundo em que vivemos mais sensível e longânime a esta incomensurável temática que é a saúde mental.

“SÓ ACONTECE AOS OUTROS, EU NÃO SOU FRACO”

Seria impossível iniciar este assunto sem, primeiramente, tratar do mito mais comum que circula na nossa sociedade, maioritariamente, dentro dos meios mais tradicionais. Uma forte percentagem da população em geral tem a ideia fixa que problemas, tanto psicológicos como neurológicos, são bastante incomuns e que, por consequência, a probabilidade de qualquer um de nós passar por alguma destas condições é bastante baixa – tal afirmação não podia ser mais falaciosa. Depois de diversos estudos realizados por todo o mundo, inclusive, pela própria Organização Mundial de Saúde, foi confirmado que cerca de 1 em 4 pessoas acaba por experienciar, em algum ponto da sua vida, no mínimo, uma perturbação dentro deste espectro, tendo, recentemente, sido comprovado que tais números, nos passados 5 anos, têm aumentado exponencialmente.

PESSOAS SEM

QUE

Pese embora esteja comprovado cientificamente que, numa vasta diversidade de doenças mentais, as interações sociais e o contacto com diferentes pessoas seja extremamente importante e benéfico para a recuperação, infelizmente, não é capaz de fazer todo o trabalho por si só. Acompanhamento profissional e especializado trilha caminhos que, para qualquer amigo, se revelariam impossíveis, unidireccionalmente conduzindo a terapia, de forma adaptada para cada doente, limando cada aresta com atenção redobrada, tudo em prol de um objetivo final – o bem-estar de quem procurou aquela ajuda. De qualquer das formas, a busca pela “luz ao fundo do túnel”, aquando deste tipo de diagnósticos, pode acabar por se traduzir num carreiro sinuoso, sem uma fórmula perfeita, sendo imprescindível o apoio de ambos os lados, tanto do terapeuta, como de quem nos é mais próximo.

“DISTURBIOS ALIMENTARES SÓ AFE

TAM MULHERES E SÃO

UMA ESCOLHA”

Infelizmente, este estereótipo sempre existiu, tendo se tor nado ainda mais evidente com a disseminação das redes sociais. Na realidade, isto não poderia estar mais longe da realidade. Na última década, os casos de distúrbios alimentares em homens têm disparado e perspetiva-se que se mantenha desta forma, mudando, drasticamente, o panorama dos dias de hoje. Esta condição deve ser encarada com a seriedade do risco que representa e não menosprezada como outrora outras foram, pois, em casos extremos, pode até levar à morte.

24
“APENAS
AMIGOS É
PRECIS AM DE IR AO PSICÓLO GO E PSIQUIÁTRA.”

Mito vs Verdade

“A ORIGEM DAS DOENÇAS MENTAIS ESTÁ NA FAMÍLIA”

Evidentemente, excetuando todos os casos apensados a predisposições genéticas, é possível afirmar que não existe uma “raiz”, um “motivo” e, muito menos, uma única “origem” de qualquer problema de saúde mental. Comummente, a forte maioria surge associada a uma panóplia de situações e acontecimentos que, em conjunto, originam aquilo a que podemos chamar de “doença mental”. A família pode, sim, desempenhar um papel crucial no apoio e amparo ao longo de toda a recuperação, mas o afeto, amor e carinho – aspetos essenciais para este processo – não precisam obrigatoriamente de vir do círculo familiar, pois estes sentimentos estão presentes em cada um de nós e podemos dirigi-los a qualquer pessoa.

“MEDICAMENTOS PSIQUIÁTRICOS CAUSAM DEPENDÊNCIA.”

Possivelmente, uma das maiores controvérsias relativas a doenças mentais, passa pela dependência que surge, habitualmente, associada aos fármacos prescritos nestas condições, muitas das vezes desincentivando quem efetivamente precisa, a procurar este tipo de auxílio terapêutico. Tirando pontuais casos em particular, felizmente, na atualidade, a maioria dos medicamentos direcionados para o tratamento de doenças mentais não causam propriamente dependência, não sendo possível dizer o mesmo no que toca a determinados fármacos de venda livre disponíveis no mercado à mercê do consumidor. Por este mesmo motivo, um correto seguimento médico reforçado por uma boa relação médico-doente são fulcrais, evitando, no futuro, problemas associados a medicação descontrolada, que se poderiam facilmente agravar na falta de acompanhamento profissional.

Para terminar, relembro que, seja qual for o meio no qual estamos inseridos, as doenças mentais não escolhem etnia, género, grupo social ou faixa etária e nunca sabemos quem é que à nossa volta pode estar nesta situação, sendo importante, mais do que nunca, ter atenção a cada atitude que tomamos ou palavra que dirigimos, porque o que para nós se traduz apenas numa pequena ação, pode, na verdade, em muito afetar a vida de outra pessoa.

25

História da Medicina

Os Sanatórios e a Luta contra a Tuberculose

Os Sanatórios foram locais em que pessoas com doenças crónicas e respiratórias, como no caso da tuberculose, eram internadas. Estes estabelecimentos eram construídos em sítios localizados em altas altitudes e onde a natureza dominava. Apesar dos sanatórios terem uma finalidade de restabelecimento e de cura, também serviam para afastar os doentes da sociedade.

FUNDAÇÃO

No século XIX, o conhecimento sobre a tuberculose, também chamada comumente de tísica, subiu exponencialmente. Primeiro, na segunda década, foi identificada como uma entidade nosológica porque até então pensava-se como sendo várias doenças. Depois, a comunidade científica começou a verificar que a recuperação dos doentes seria facilitada em locais de repouso, arejados e com uma alimentação bem constituída. Estas ideias, em conjunto com a constatação já desde o Antigo Egipto de que climas de alta altitude seriam facilitadores da cura deste tipo de maleitas, deram origem à criação dos sanatórios.

O primeiro foi construído na ilha da Madeira em 1853. A sua construção foi decidida pela Princesa Dª. Amélia, depois de a sua irmã ter morrido de tuberculose. Por existirem muitos casos dentro da mesma família, supunha-se que a patologia fosse de transmissão hereditária. Apesar de se existir também nas classes mais favorecidas, era no povo onde abundava a falta de higiene e a desnutrição que a Mycobacterium Tuberculosis proliferava mais. Em Portugal, o final do século XIX levou a uma explosão da propagação da também chamada de “Peste Branca”.

Na Monarquia Constitucional vigente então, as primeiras vozes públicas de preocupação terão vindo da

Assembleia Parlamentar e a rainha Dª. Maria II acaba por sentir a necessidade de tomar medidas.

Em 1899, há a criação da Assistência Nacional aos Tuberculosos com um conjunto de medidas como a existência de um hospital em cada capital de distrito e a construção de vários sanatórios em clima de alta altitude. Já na década anterior, o bacilo M. Tuberculosis tinha sido identificado por Robert Koch. A comunidade científica também não ficou parada e a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa criou a Liga Nacional contra Tuberculose. Já em 1901, o Inspetor Geral da Saúde Ricardo Jorge fez publicar o Regulamento dos serviços de profilaxia da tuberculose, em 1902. Trata-se do primeiro documento legal e de alcance nacional e que obrigava os médicos a identificarem os casos conhecidos de tuberculose aos órgãos próprios, dependendo da área do país. Este facto gerou discórdia na população e mesmo na comunidade médica.

Por outro lado, o médico Miguel Bombarda foi um dos impulsionadores desta instituição que se distribuía por várias comissões nos principais concelhos do país. O objetivo era o estudo da doença e consensualizar estratégias terapêuticas e sobretudo profiláticas, com o apoio à formação especializada de clínicos no estrangeiro e a organização de congressos.

26
Miguel Bombarda

História da Medicina

EXPANSÃO DOS SANATÓRIOS

O número de sanatórios nacionais proliferou assim para algumas dezenas pelo país no final do século XIX e início do século XX. Inicialmente, os espaços seriam uma espécie de hotéis com jardins amplos para o tratamento ao ar livre. Um dos mais complexos era o Sanatório Sousa Martins, na Guarda, onde existia por exemplo um posto de telégrafo, uma estação de rádio e chalés.

Já no Caramulo, por exemplo, onde chegaram a existir 19 pavilhões, havia até uma sala de cinema. Em Coimbra, foi aproveitado o “Asilo de Cegos e Desajeitados” do Convento de Celas para Hospital Sanatório Feminino de Celas, também para crianças, e que foi inaugurado em 1932 e o Hospital Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil para homens, três anos depois, localizado numa pequena localidade chamada de Covões. O projeto foi idealizado pelo médico Bissaya Barreto, que justificava o sítio da construção por estar a “pequena distância da cidade e cercado por uma extensa área de terreno ajardinado e cultivado”.

Nos locais, havia ainda dispensários, onde se fazia a observação e os tratamentos aos doentes. Estes tinham horas específicas para se tratar, onde o silêncio e a concentração reinavam para que a cura se tentasse, por mais difícil que fosse. Em cada sanatório havia vários pavilhões para diferentes grupos de pessoas.

A descoberta da vacina BCG em 1921, introduzida no Programa Nacional de Vacinação em 1965, mais o aparecimento dos tuberculostáticos (estreptomicina e rifampicina) nos anos 40 do século passado iniciaram uma importante resposta à doença e os sanatórios acabaram por entrar em declínio.

Este decréscimo levou à reestruturação dos sanatórios. Por exemplo, em Coimbra, o Hospital Sanatório Feminino de Celas acabou por se converter, em 1977, no antigo Hospital Pediátrico e o sanatório masculino nos Covões acabou por ser reconvertido num Hospital Geral. Uma parte acabou reconvertida em hotéis como no Caramulo. Porém, atualmente alguns destes espaços pelo país estão em abandono.

TIME LINE 27
Hospital Sanatório Feminino de Celas Aspeto exterior do Sanatório Masculino na Quinta dos Valles, nos Covões

Caso clínico A

em colaboração com

Uma mulher de 32 anos é trazida ao serviço de urgência por prostração. Os bombeiros relatam que foram chamados à instituição de acolhimento de pessoas vulneráveis, onde a mulher reside, por alegada suspeita de intoxicação medicamentosa. Junto à doente encontravam-se vários blisters vazios de medicamentos diferentes, cujos nomes são desconhecidos. Apresenta como antecedentes: obesidade, diabetes mellitus tipo 2, perturbação depressiva e perturbação de personalidade do tipo borderline, medicada com metformina, amitriptilina, diazepam e risperidona. À entrada na sala de emergência, a doente encontra-se prostrada e incapaz de fornecer história. Por apresentar respiração ruidosa, é colocado um tubo orofaríngeo, de modo a garantir a permeabilidade da via aérea, e oxigénio por máscara de Venturi a 4 L/min (28%). A expansão torácica é simétrica, a doente não apresenta sinais de má perfusão periférica e as pupilas encontram-se midriáticas. A doente é, de imediato, monitorizada e são colocados 2 acessos venosos periféricos de grande calibre. Os sinais vitais são os seguintes: TA 96/62 mmHg, FC 125 bpm, SpO2 92% e TT 37,8ºC. O traçado eletrocardiográfico no monitor revela taquicardia sinusal. É realizada uma gasimetria de sangue arterial que revela:

pH 7,11

pCO2 17 mmHg

pO2 110 mmHg

SatO2 96%

HCO3- 5,4 mmol/L

Na+ 139 mmol/L

K+ 3,0 mmol/L

Ca2+ 1,26 mmol/L

Glicose 217 mg/dL

Lactatos 7,0 mmol/L

Hemoglobina 16,8 g/dL

Hematócrito 51,0%

Qual o fármaco que seria prioritário administrar nesta situação?

A. Insulina

B. Adenosina

C. Bicarbonato

D. Naloxona

E. Flumazenil

Descobre a resposta aqui:

28

Caso clínico B

em colaboração com

Homem, 55 anos, é trazido pela esposa à consulta de medicina geral e familiar por alterações de comportamento nos últimos dois anos. A senhora refere que o marido “passou a falar muito alto” e que foi recentemente despedido do banco em que trabalhava por comentários inapropriados direcionados a colegas de trabalho. A esposa menciona ainda que, nos últimos tempos, os valores da glicemia capilar do marido se têm apresentado mal controlados, apesar da boa adesão à terapêutica.

De antecedentes pessoais destaca-se: diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e fibrilhação auricular, medicada com metformina, enalapril e hidroclorotiazida e rivaroxabano. Os antecedentes familiares incluem doença de Alzheimer (pai e tio paterno) e de perturbação bipolar (mãe).

Os sinais vitais encontram-se dentro dos valores normais. Ao exame físico, destaca-se apenas excesso de peso (aumento de 10kg relativamente à última consulta). Durante o exame do estado mental e neurológico, o doente apresenta-se pouco colaborante e com uma postura querelante, respondendo com vários palavrões às questões que lhe são colocadas. O reflexo de Babinski apresenta-se positivo bilateralmente. Sem alterações na força muscular, sensibilidade ou pares cranianos.

Qual dos seguintes é o diagnóstico mais provável?

A. Doença de Alzheimer

B. Demência Frontotemporal

C. Doença de Corpos de Lewy

D. Episódio Depressivo Major

E. Demência Vascular

Descobre a resposta aqui:

29

Escrita Criativa

Empatia

Não sei o que sentes, Não sei o que pensas, Nem sei o que fazes. Só sei que tenho de tratar

A dor que te traz mal estar.

Entre perguntas e exploração

Há qualquer coisa que chama a atenção.

A cor do fundo ocular? A dor a palpar?

Inês Pires, 6ºano

Voar para longe

Desprender-me das correntes; As correntes que me prendem. Nestas prisões de aço incertas e imprevisíveis, Que me rebaixam e me suspendem.

Inseguranças que me sustêm Numa queda abrasadora, Que me esfriam os sonhos E me queimam a alma.

Palavras manipuladoras

Que cobrem grossas falhas Com saliva ensanguentada.

Das correntes, libertem-me…

Antes que as minhas asas, Sejam cortadas por línguas de fogo.

Nota-se um certo mal estar, Por isso é preciso escutar.

O pai está mal

Da mãe é preciso tratar

Afinal aqui também está o anormal “Obrigada Doutor por acalmar”

Fica o conselho informal.

30

De onde vens mesmo?

Andreia Nossa, Graduada em Medicina (USC).

Esse alguém: Peço perdão, mas desculpa a intromissão...

Esse alguém: Sim, tu mesma! – enquanto vem ao meu encontro.

Esse alguém: Por acaso não serás de cá, pois não? – pergunta.

Esse alguém: É que assim que olhei para ti não pude deixar de te falar – enruga a testa enquanto faz uma pausa desacreditada –desculpa, mas não sei nem explicar.

Esse alguém: Será que sequer me entendes? Não sei que língua falas, mas com certeza deve soar entre uma balada mordaz e suave. Olhas com tal profundidade e pareces falar a lingua da

verdade. Só te prendes ao que é importante na realidade, observas com tempo que não pede agenda nem alarmes cadenciados. Aliás, até parece que és mais de atrasos que de pontualidade. Será que de onde vens se tem o poder de parar o tempo?

Esse alguém: Digo isto não apenas pela forma como observas tudo ao teu redor, mas também pela forma como ouves e te doas. É como se o tempo não te fosse uma prisão, mas sim momento de doação… e sem pedir nada em troca, pois nota-se, que o fazes de coração. Como se a tua presença abraçasse sem querer, mas a querer tanto, e reconfortasse sem mesmo tocar, no entanto. Se soubesses como pareces uma flor, neste deserto sem encanto - diz para si, quase sem voz - Como se fosses mais que humana, mas… será isso possível? Pelo menos, é o que de ti emana.

Esse alguém: Nem sei porque estou a falar tanto, logo eu… com uma desconhecida, ainda por cima. Isto é estranho… logo nós, os humanos, que já quase nem falamos, nem sequer, em algo acreditamos. É como se, apenas e só(s), vivêssemos num compasso de espera, enquanto teclamos.

Esse alguém: Terás saudades de casa? Acredito que sim. Há tempos que não vejo alguém como tu por aqui…, mas sinto, [eu disse “sinto”, que estranho] que tu serás casa por cada porta que entres, de tal forma que o teu conforto torne desconfortável saudades. Parece que não há, no mundo, quem sinta mais falta do que sempre foi seu do que tu. És intensa, como manda a lei de onde vens. É como se vindas de ti experimentasse as labaredas - TU SENTES DEMAIS - e eu nunca vi algo assim nestas redondezas. Não sei o que estará a acontecer comigo, mas é reconfortante ter-te aqui, neste instante… Tu de onde vens mesmo?

Esse alguém: Espera! Deves vir de onde há rio e mar, serra a perder de vista, almas puras e abundância de afetos… E coração na boca, de onde verdades são flechadas como amarras, que nem mesmo o tempo, mas só a compreensão, pode adoçar, e assim, com elas, curar o que, há muito, está a ponto de se exterminar. Vens de onde só importa a cor por dentro, mas fazes questão de colorear também por fora. Vens de onde tudo importa. Ao menos, vais ficar por cá? –pergunta a medo.

Esse alguém: Já sei!!! Fica para sempre! Peço-te, fica. Poderás ficar?

Esse alguém: Não sei de onde vens, mas isso já nem é importante, apenas fica. Sinto [não entendo, mas parece que agora sinto] que precisamos de mais gente como tu: alguém que dê corda à pedra que está no lugar do coração e lhe devolva a melodia certa do “tum tum tum” – diz enquanto, ao sentir uma tênue lágrima a cair levemente pelo seu rosto, se aterroriza com tal gesto e começa a correr desalmadamente com tal susto.

Eu: [afinal talvez fique, talvez ainda haja salvação…mesmo que nem eu mesma, nesta minha missão, acredite!]

31

Rubrica

Um mundo de palavras

O Canto de Aquiles de Madeline Miller

“Aquiles, o melhor dos gregos, filho da cruel deusa Tétis e do lendário rei Peleu, é forte, veloz e belo - irresistível a todos aqueles que o conhecem. Pátroclo é um jovem príncipe desajeitado, exilado na sequência de um ato de grande violência. Criados juntos por uma questão de circunstâncias, formam uma ligação inseparável, mas arriscam a ira divina.”

Se gostas de mitologia grega, este livro é para ti!

O Canto de Aquiles fala sobre a história de um dos maiores heróis da Grécia, Aquiles, através do ponto de vista do seu amigo e companheiro Pátroclo. Ler este livro é como preencher os espaços que estão em branco nas histórias da mitologia grega, é como imaginar o que poderia ter acontecido por trás de todas as guerras e feitos destes heróis. No livro, a autora explora a amizade e um possível romance entre os dois amigos, assim como mitos e profecias que acompanharam a guerra de Tróia.

Em muitos livros sobre mitologia grega, Aquiles é retratado como uma verdadeira arma, um assassino natural. Em “O Canto de Aquiles”, como a perspetiva é de Pátroclo, podemos ver também a parte mais vulnerável e não apenas o seu “eu” do campo de batalha.

Escrito numa narrativa lindíssima, por vezes, parece que estamos a ler um poema. Este livro é o que se pode chamar um “page turner”, onde a emoção flui entre as páginas, e queremos sempre saber o que vai acontecer a seguir. E para quem gosta de um romance (slowburn) lento, ainda melhor!

Série Trono de Vidro de Sarah J. Maas

“Numa terra em que a magia foi banida e em que o rei governa com mão de ferro, uma assassina é chamada ao castelo. Ela vai, não para matar o rei, mas para conquistar a sua própria liberdade.”

Nesta história vamos acompanhar Celeana, uma assassina de 18 anos, que passou o último ano como uma escrava nas minas de sal, a pagar pelos crimes que cometeu. Este livro é o primeiro da série Trono de Vidro, que tem no seu total 8 livros. Sendo este o primeiro, é como uma introdução ao mundo, sempre muito bem construído, como já é hábito da Sarah J. Maas. Posso dizer que é das minhas séries favoritas. Às vezes o facto serem 8 livros pode assustar alguns leitores, mas prometo que vão ficar tão apaixonados pela história que vão ser capazes de os ler a todos em pouco tempo. A leitura é fluída e muito viciante! Aliás, eu li esta série durante uma época de exames, por isso, garanto que os consegues ler, mesmo em momentos em que tens pouco tempo.

Aqui vamos ter uma protagonista forte e corajosa, com quem muitos se podem identificar (mesmo sendo uma assassina!) e deixar um lugar guardado para ela no coração. A série é dramática e cheia de aventuras e romance! Oh, o romance que esta saga te vai entregar! Com um triângulo amoroso daqueles de baixar o livro e dar uns gritinhos de emoção!

Acima de tudo, existem duas coisas muito importantes que um livro tem de fazer: dar-te uma lição, um propósito para continuar a ler, e ajudar-te a fugir da realidade e entrar num mundo em que não existem exames, aulas em atraso e preocupações. Se estás a precisar disso, estes livros são para ti.

32

Speed dates literários

Filipa Pereira da Silva, 3º ano

De volta com o clube de livros da aNEMia, nesta segunda edição dos speed dates trazemos 4 livros de ficção histórica, fantasia, thriller e romance que esperemos que gostem.

Carrie Soto Is Back, Taylor Jenkins Reid

O mais recente livro da autora e vencedor do prémio da goodreads 2022 é uma ficção histórica sobre uma tenista que volta à competição aos 37 anos, depois de o seu record ser ameaçado por Nicki Chan. Depois de muitos anos na bancada a ver jogar, decide que voltará, durante um ano apenas, com o seu pai como treinador, para defender a sua honra e estatuto de melhor jogadora de ténis. Acompanhamos a jogadora nos anos em que treinou para ser a melhor e, no seu último ano, acompanhamos as suas tentativas para superar as dificuldades de treinar na sua idade e, também, as expectativas baixas que toda a gente tem dela.

These

Estamos no século XX, em Xangai. A cidade está dividida em dois: os Escarletes e os Flores Brancas. São eternos rivais e nada os poderá unir, especialmente depois da desastrosa relação entre os herdeiros Juliette e Roma. Ou será que pode? Quando uma epidemia desce sobre a cidade e membros de ambos os gangues começam a cortar as próprias gargantas, Juliette e Roma tratam de perceber o que se passa. Como é que podem parar esta epidemia e deter o caos que se forma na cidade? Será que só conseguem desvendar este mistério se trabalharem em conjunto?

The House Across The Lake, Riley Sager

Casey Fletcher encontra-se na sua casa junto a um lago, com a companhia de todo o álcool que encontrar, para superar a recente morte do marido. Um dia, apercebe-se que do outro lado do lago vive Katherine e Tom Royce, um casal famoso, e começa a observá-los com os seus binóculos até ao dia em que Katherine quase se afoga no lago e Casey acaba por a salvar, iniciando-se, assim, uma amizade entre ambas. Com o passar dos dias, Casey convence-se que o casal não é tão perfeito como aparenta e, de um dia para o outro, Katherine desaparece...

The

Com a nova temporada da série da Netflix a sair em breve, é a altura perfeita para começar a ler esta série de romance. Acompanhamos os oito irmãos da família nos seus romances e peripécias de alta sociedade do século XIX. Tudo enquanto Lady Whistledown forma a sua reputação espalhando rumores, alguns verdadeiros, sobre as diversas personagens da nobreza de Londres. “Quem será esta Lady whistledown e como sabe ela tudo?” é a maior pergunta nos primeiros livros da série, investigada especialmente pela Eloise Bridgerton.

violent delights, Chloe Gong Bridgertons, Julia Quinn
33

Sugestões

“Do Amor e Outros Demônios” - Gabriel García Márquez

“Uma Casa na Areia” - Pablo Neruda

“A boneca de Kokoschka” - Afonso Cruz

“Cadernos do Subterrâneo” - Fiódor Dostoiévski

“O médico de Ispahan” ou “O físico” - Noah Gordon

Cinematográficas

“Argentina, 1985”

“Todo o dia a mesma noite” - Documentário da Tragédia Boate Kiss

“Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez”

- Tatiana Issa e Guto Barra

“The Whale” - Darren Aronofsky

“Os Gatos Não Têm Vertigens” - António Pedro Vasconcelos

Musicais

Hospital - Madison Cunningham

Ouvi Dizer - Maro

“El médico”- musical de Iván Macías e Félix Amador, baseado no livro “O médico de Ispahan” ou “O físico” de Noah Gordon (foi uma tour, que já acabou!)

Blue Coloured Mountain - Szymon

Edge of Seventeen - Stevie Nicks

Literárias
34

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.