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Entrevista José Pedro Sousa
Entrevista: João Pedro Sousa
Andreia Gi, 6º ano
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Antes de mais, gostaríamos de agradecer a sua keynote e a oportunidade de o entrevistar.
O Doutor já é uma presença habitual no In4Med, mas como é que foi ser orador neste ano tão atípico e não ter o público à sua frente como normalmente acontecia em edições passadas? Nós temos muita atividade oratória fora do In4Med, e inclusive temos congressos internacionais em que temos de estar presentes e apresentar trabalhos, e esses congressos também tomaram esta realização virtual, como foi aqui. Por isso, não foi uma experiência nova. Eu prefiro o formato presencial, é diferente mesmo no contacto com as pessoas que colocam dúvidas. Mas atendendo à situação excecional que estamos a atravessar, eu percebo que esta seja a única maneira possível de o fazer. Contudo, senti-me confortável, porque já tive mais experiências prévias de apresentação em congressos tanto nacionais como internacionais.
Tendo essas experiências, qual é o balanço que faz do In4Med? O In4Med é um congresso muito diverso e o tratamento que se dá aos palestrantes é ímpar, muito melhor do que em alguns congressos europeus de cardiologia. O nível de organização que os alunos de medicina demonstram é excecional. Este congresso começou mais ou menos quando eu estava a acabar o curso de medicina, portanto, não pude vivenciar isto pessoalmente no âmbito da organização, mas se eu fosse aluno agora, um dos meus objetivos seria participar neste congresso. A qualidade é muito grande! Houve congressos que foram até cancelados devido a esta questão da pandemia, mas o In4Med não. Os alunos de medicina mostraram resiliência e conseguiram apresentar um congresso alternativo e têm de ser parabenizados por isso.
Que mensagens-chave gostaria de deixar para os alunos que não puderam assistir à sua keynote? Eu creio que a minha keynote introdu-
Keynote
ziu alguns conceitos importantes, é algo que nunca é falado no curso e que me custou muitos anos a interiorizar. Por isso, eu gostava de poupar este trabalho aos meus colegas mais novos e aos estudantes de medicina, para não terem de facto tanta dificuldade nesse aspeto que me diz tanto, que é o da translação da evidência. Os alunos e os internos, nesta fase produtiva do ponto de vista científico das suas vidas, vão ser forçados a fazer muitos tipos de publicações. Há mesmo números mínimos, que é uma abordagem que eu acho que é errada, mas enfim, é isso que está presente no momento. E a verdade é que essa ânsia de publicar trabalhos leva a que trabalhos feitos de modo errado acabem na literatura e possam ser encontrados, e inclusivamente até ser citados em guidelines. Isso perpetua uma prática médica errónea, que pode levar à perda de vida e diminuição de outcomes dos doentes. Uma mensagem-chave da minha palestra para quem não assistiu é focarem-se mais num tipo particular de investigação científica, que são os ensaios clínicos aleatorizados e controlados. Esse é o único tipo de publicação, o único tipo de estudo que permite levar a uma inferência causal, permitindo dizer que “A” melhora “B” e eventualmente até por causa de “C”. Esse tipo de inferências não pode nascer de estudos observacionais. Aquilo que se viu, por exemplo, nesta pandemia foi a proliferação de estudos observacionais que levou à codificação na prática clínica regular de intervenções claramente deletérias. Eu dei o exemplo da hidroxicloroquina, mas houve muito mais no contexto da abordagem à COVID-19, que nasceu pelo facto de não haver ensaios clínicos aleatorizados e controlados, talvez por as pessoas valorizarem pouco o papel dos RCTs (Randomized Controlled Trials), que são a base, o pináculo da evidência em medicina. Tendo em conta o seu percurso e sucesso profissional, que conselhos daria aos finalistas que vão agora integrar o mercado de trabalho? Os finalistas ao entrarem no mercado de trabalho são primeiro internos de formação geral e depois, serão internos de formação espe-


cífica e a decisão que ocorre após a elaboração do exame de acesso à especialidade (PNA) é a decisão mais importante da vida de um médico, o que torna também a PNA o exame mais importante. E essa decisão da escolha da especialidade deve ser muito ponderada. Há muita gente que toma essa decisão com alguma leviandade, parece-me a mim, e isso é uma abordagem claramente errada, porque o internato demora entre 4 a 6 anos e se as pessoas não ficarem contentes com o sítio onde o vão exercer e com a especialidade, é uma eternidade... O grande conselho que eu dou é: quando entrarem numa especialidade, tornem-se bons naquilo que vão fazer. Muitas vezes, vão sentir a pressão dos diretores de serviço, dos orientadores de formação para, por exemplo, publicar, quando muitas vezes, no início de formação, nem tem as armas científicas certas para fazer uma boa publicação e isso é claramente deletério. Por isso, a grande prioridade é a formação na área da especialidade, eventualmente selecionar cedo uma área de sub-especialização, mas, de facto, a grande prioridade é a competência clínica. Isso nunca pode ser descurado e se há coisa em que os internatos falham em Portugal não é na competência clínica, a maioria dos internos sai muito bem preparado, pelo menos, na minha experiência pessoal, e isso é bom. Permitir-lhes-á enfrentar o mercado de trabalho depois da conclusão do internato com outras armas, com outra maturidade e com uma melhor seleção, por exemplo, entre público-privado, áreas invasivas-não invasivas,... mas tudo isso nasce do internato. O internato é o núcleo da formação, quer clínica, quer científica de uma pessoa. É uma área de alto investimento pessoal. A maioria da formação que um cardiologista tem aprendeu-a durante o internato e isto é válido para todas as especialidades. Portanto, é um período da vida que exige muito trabalho e muita abnegação, mas depois no fim será benéfico e as pessoas irão interpretar esse tempo todo despendido em formação como tempo bem empregue.
Obrigado, Doutor. Este é o fim da nossa entrevista. Agradecemos uma vez mais a sua disponibilidade e esperamos que os leitores que nos acompanham tenham gostado tanto desta entrevista como nós.
