Jornal Barão de Mauá/novembro 2022

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Operação nacional e venezuelanos põem Ribeirão Preto na rota de imigrantes

Ribeirão Preto entrou na rota de imigrantes que buscam melhores condições de vida fora de seus países de origem, após a chegada de indígenas venezuelanos e da adesão a um programa federal. A Operação Acolhida é coordenada pelo Exército, em parceria com a Associação Comercial e a USP.

Um grupo de 70 venezuelanos da etnia indígena Warao desembarcou na cidade em 2021, com a reabertura das fronteiras na pandemia da Covid-19. Mas a adaptação com a nova realidade tem sido complexa. Entre as dificuldades estão a barreira da língua, já que o grupo tem dialeto prórpio, e a falta de emprego.

A faculdade de Direito da USP passou a realizar periodicamente mutirões para regularização de documentos de estrangeiros.

Bandidos furtam mais celulares na zona norte durante a madrugada em RP

Levantamento feito no portal da transparência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revela que os furtos de celular em Ribei-

MEIO AMBIENTE

rão Preto ocorrem com mais frequência durante a madrugada. A zona norte também é a região onde os ladrões mais atuam.

Ribeirão Preto fica no topo de cidades mais poluídas de SP, durante mês de estiagem

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Donas

do próprio negócio: cresce empreendedorismo entre mulheres

A necessidade de gerar renda e a busca por independência financeira ligam as histórias de três mulheres de Ribeirão Preto.

PATRIMÔNIO

Após 30 anos sem manutenção, restauro do Palácio Rio Branco deve sair em 2023

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Sem qualquer experiência em adminsitração, elas se tornaram microempreendedoras individuais. E buscam expandir seus negócios.

COTIDIANO

Violência marca retorno de torcidas aos estádios de Ribeirão, no clássico regional Come-Fogo

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Produzido pelos alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitário Barão de Mauá de Ribeirão Preto (SP) - 4º semestre/2022 Pág. 03 Pág. 14 Pág. 04 Foto: Maristela Fortunato Venezuelana indígena, acompanhada de criança pequena, pede dinheiro no centro de Ribeirão Preto

O Jornal da Barão é uma publicação produzida pelo curso de Jornalismo do Centro Universitário Barão de Mauá.

REITORA

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VICE-REITOR

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PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO

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COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

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PROFESSORES RESPONSÁVEIS

EDIÇÃO, COORDENAÇÃO E REVISÃO DE TEXTOS

Prof. Me. Guilherme Campos

EDIÇÃO DE ARTE

Prof. Me. Márcio Huertas

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

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PRODUÇÃO

REPORTAGEM, DIAGRAMAÇÃO E FOTOJORNALISMO

Alunos do curso de Jornalismo

ARTIGO

EM TEMPOS DE ÓDIO

GUILHERME CAMPOS

Agressões graves contra jornalistas aumentaram 69,2% no Brasil em 2022, de acordo com último relatório da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

De janeiro a setembro, o programa de monitoramento da violência da entidade registrou 66 casos, sendo que em 2021 foram 39 ataques, envolvendo violência física, destruição de equipamentos, ameaças e assassinatos.

No cenário geral, as ocorrências de discursos de ódio, processos na justiça, restrições de acesso à informação, além de abuso do poder estatal contra jornalistas também aumentaram. O número saltou de 253 nos primeiros sete meses do ano passado, para 291 no mesmo período deste ano, um aumento de 15%.

Apesar de vivermos momentos sombrios com a ascensão de grupos extremistas de direita, ataques à imprensa e à liberdade de expressão são históricos.

Durante o reinado de Dom João VI só era permitida no país a circulação da imprensa oficial. Dom Hipólito da Costa, fundador do Correio Braziliense, era obrigado a rodar as edições no exterior.

Informação (LAI), que obriga a gestão pública a ter transparência de contas e fornecer dados ao cidadão, só foi criada em 2011.

Quando a imprensa livre retomou o fôlego, as transformações tecnológicas deram voz e protagonismo à população. Hoje qualquer pessoa pode publicar conteúdo com apenas um celular. Mas isso abriu espaço para a desinformação e manipulação dos fatos.

A ferramenta que veio para democratizar os meios de comunicação se tornou veículo para ação de milícias digitais, que têm objetivo de confundir a sociedade e enfraquecer as instituições. Atacar o trabalho dos jornalistas é uma das estratégias. Usar a liberdade de expressão como desculpa para atentar contra a democracia também.

A imprensa livre é um dos pilares da democracia. Sem ela não há denúncia, investigação, transparência, independência e debate público dos mais variados problemas que o mundo enfrenta, como o racismo estrutural, a homofobia e a desigualdade social.

Unidade de Comunicação, Negócios e Tecnologia

R. José Curvelo da Silveira Jr., 110, Jd. Califórnia, Ribeirão Preto (SP) Tel.: (16) 3602-8200

Jornal da Barão na internet: jornalismo.baraodemaua.br

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Instagram: @comunicacaobaraodemaua

Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante o Estado Novo em 1939, para controlar e perseguir jornais clandestinos de oposição ao regime e propagar a ideologia política do governo.

O golpe militar de 1964 montou um aparato de censura aos jornais e institucionalizou o uso da violência como forma de controle. Muitos jornalistas, como Vladimir Herzog, foram perseguidos, presos, torturados, calados e dados como desaparecidos.

A liberdade de imprensa só foi garantida pela constituição em 1988, com a reabertura democrática. A Lei de Acesso à

Mas em tempos da cultura do ódio e do ressurgimento de movimentos neonazistas e fascistas, a imprensa livre resiste. É notória a evolução das técnicas de checagem de notícias, do uso de tecnologia para o levantamento de dados e o surgimento de um jornalismo independente, voltado para combater a desinformação.

Portanto, aos futuros colegas que estão hoje nas cadeiras da faculdade de jornalismo, nós professores dizemos: resistam. Municiem-se de espírito crítico e questionador, para fazer frente aos que tentam descredibilizar nosso trabalho. Pesquisem, leiam mais e debatam mais.

Fato é que novos ataques virão. E para isso temos que estar preparados para fazer um bom trabalho e contribuir com a transformação dessa realidade.

2 4º semestre/2022
OPINIÃO

Maioria dos furtos de celular em Ribeirão Preto ocorre

na região norte, durante a madrugada

De 263 casos registrados em junho, 87 aconteceram após a meia noite

Dados do Portal da Transparência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) revelam que a maioria dos furtos de celular em Ribeirão Preto ocorre no período da madrugada. A zona norte da cidade é a região que os bandidos fazem mais vítimas.

Levantamento feito no mês de junho de 2022 aponta que a cidade registrou 263 boletins de ocorrência por furto de celular. Destes, 87 ocorreram no período da madrugada, entre meia-noite e 6h, o que corresponde a 33% do total. O segundo período com maior frequência de furtos de celular é o da noite, entre 18h e meia-noite, com 31% do total de boletins de ocorrência registrados em julho.

Segundo o Consultor em Segurança Marco Aurélio Gritti, o motivo desses horários serem os que mais possuem registros de roubo é porque têm menos circulação de pessoas na rua, fato que impede a vítima de ser ajudada de imediato.

“Nesses horários as pessoas estão saindo ou voltando do trabalho. Em regra, isso significa menos gente nas ruas, o que dificulta o meio de a vítima pedir ajuda a alguém para acionar o 190. Essa soma de fotares possibilita mais tempo de fuga aos criminosos’’, disse Gritti.

A Jornalista Ana Laura Siqueira, 23, é uma das vítimas que teve o celular furtado em Ribeirão Preto durante a madrugada. Ela aguardava a chegada do ônibus em um ponto no centro, na Rua Prudente de Morais, às 5h40, horário que costuma sair para trabalhar. Siqueira conta que percebeu o atraso da linha e pegou o aparelho para confirmar o horário. “Olhei a hora e logo voltei o celular para o bolso. Uns três

minutos depois um homem de bicicleta chegou. Ele desceu a rua e percebi que iria se aproximar de mim”, relatou.

De acordo com a jornalista, minutos depois ela foi abordada por um segundo suspeito. “Dei dois passos para trás e no mesmo instante apareceu o outro assaltante, armado com um revólver. Eu fiquei encurralada.”

Já rendida, a dupla sabia exatemente o que queria. “O homem armado me pediu o celular e ficou insistindo para eu entregar dinheiro também, mas eu não tinha nada. Disse que iria mostrar a carteira quando ele tomou ela de mim”, afirmou Siqueira.

Na fuga, os ladrões ainda deixaram os documentos e a carteira de Siqueira metros a frente. Segundo ela, um trauma que será difícil de esquecer. “Estava meio atordoada. Só depois de alguns minutos segui os passos deles e consegui recuperar a carteira”, contou Siqueira.

Mas foi na zona norte que a maioria dos crimes ocorreu no mês de junho. Foram 55 furtos, o que corresponde a 38% do total. A zona oeste fica em segundo lugar com 39 furtos (27,4%). Na sequência está a zona sul, com 23 casos (16,1%). O centro aparece na lista com 14 furtos (9,8%) e a zona leste, por fim, com 11 boletins de ocorrência registrados (7,7%).

Guelfo Pescuma Júnior, especialista em segurança pública, diz que o celular é hoje o objeto mais atraente para os criminosos, já que é mais fácil de ser roubado e transportado. Além disso, possui maior valor de troca, já que vai parar nas mãos de receptadores. De acordo com o Código Penal, a receptação é crime, como prevê o artigo 180, com pena de até quatro anos de cadeia.

“O celular pode ser colocado em uma mochila ou no bolso da calça e ser transportado até mesmo de bicicleta. É o objeto que chama mais a atenção dos ladrões, por ter maior

valor agregado. Um aparelho é algo fácil de ser trocado ou vendio’’, diz Pescuma Júnior.

A estudante universitária Patrícia de Souza, 36, aguardava o ônibus no ponto quando foi surpreendida pelo ladrão. “Eu estava sozinha quando dois homens de moto tentaram puxar a minha bolsa’’, disse a estudante.

Souza contou ainda que não havia nenhum policial no local e que um homem desconhecido, que estava do outro lado da rua, a ajudou a se recuperar do susto. “Não sabemos como reagir na hora. A gente fica com medo, porque não sabe qual vai ser o segundo passo da pessoa que está ali nos assaltando. Isso causa muita apreensão. A gente se sente sem ação”, afirmou.

Para Guelfo Pescuma Júnior, a falta de policiamento nas ruas contribui para o número de crimes contra o patrimônio na cidade. Segundo ele, a polícia não tem efetivo suficiente para que a prevenção de furtos. O especialista em segurança explica também que a população deve sempre se prevenir quando estiver fora de casa. “Ao sair na rua, a recomendação é que a pessoa ande sempre com a bolsa para à frente do corpo. Também é fundamental estar atento ao lugar em que você está e nas pessoas que estão ao seu redor”, disse.

Pescuma também enfatiza a importância de registrar o boletim de ocorrência caso o morador seja vítima de um crime. Segundo ele, o documento ajuda a polícia a conduzir investigações.

“É a partir dele que as autoridades elaboram as estatísticas. Isso permite mapear o crime na cidade e descobrir quais são as regiões que mais necessitam de ações de segurança, como o patrulhamento diário em determinado bairro”, afirmou.

Procurada pela reportagem do Jornal da Barão, a Secretaria de Segurança Pública não respondeu aos questionamentos sobre os casos de furtos de celular na cidade até o fechamento desta edição.

3 4º semestre/2022 CIDADES
Passageiros checam celular em ponto de ônibus em Ribeirão Preto Foto: Júlia Tornai

Programa federal e grupo de venezuelanos colocam Ribeirão Preto na rota da imigração

Indígenas desembarcam na cidade como ponte para EUA e Europa; USP e Biblioteca Sinhá Junqueira realizam mutirão de documentação e aulas de português para estrangeiros

MARISTELA FORTUNATO

Avenida Jerônimo Gonçalves, centro de Ribeirão Preto. Em frente ao terminal rodoviário, uma cena se repete diariamente. Imigrantes venezuelanos pedem dinheiro aos motoristas no semáforo.

Entre eles está uma mulher, com traje típico indígena, aparentando ter menos de 40 anos. Ela carrega em uma das mãos uma placa escrita em português, implorando pela ajuda de quem passa. Na outra mão está um bebê de colo agitado, que a todo segundo levanta sua blusa pedindo para mamar.

A mulher integra um grupo de 70 pessoas da etnia Warao, tribo indígena que habita o nordeste da Venezuela ao longo das margens do rio Orinoco. Todos eles, entre adultos, idosos e crianças, desembarcaram na cidade em 2021 por conta própria, durante período de reabertura das fronteiras na pandemia da Covid-19.

Apesar disso, Ribeirão já recebia imigrantes de outros países com a adesão a um programa nacional de acolhimento, financiado pelos Estados Unidos. Hoje o município se tornou uma espécie de dormitório e sala de espera, já que muitos estrangeiros buscam outros países da América e da Europa como destino final.

A Operação Acolhida, com sede em Pacaraima (RO) na divisa com a Venezuela, é coordenada pelo Exército e conta com apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) e outras cem entidades da sociedade civil.

De acordo com o Ministério da Cidadania, desde abril de 2018 o Brasil recebe venezuelanos em situação de vulnerabilidade, que deixaram o

país de origem em busca de melhores condições de vida.

Até julho de 2022, de acordo com o governo federal, foram interiorizadas pelo programa no país 12.510 pessoas, divididas em 844 municípios. Depois da região sul, São Paulo é o 4º estado a receber mais imigrantes.

Dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra) mostram que Ribeirão Preto contabilizou de janeiro a setembro deste ano 119 estrangeiros. Já no ano passado todo, 231 passaram pela cidade.

Segundo a PF (Polícia Federal), Franca e Barretos também são polos de refugiados na região. As três cidades juntas receberam 319 pessoas no ano passado. Sertãozinho e Cravinhos também acolheram imigrantes, mas não entraram na contagem oficial.

Segundo a professora do curso de direito da USP de Ribeirão Preto, Cynthia Soares Carneiro, a expansão da Operação Acolhida para além das capitais se deu diante da grande quantidade de imigrantes que chegaram de uma

vez ao estado de Roraima. Ao mesmo tempo, Carneiro afirma que o alto fluxo migratório mundial diante de conflitos e crises econômicas fez diversos países restringirem a política de acolhimento humanitário.

“Na verdade, é uma política de exteriorização de responsabilidade. Os Estados Unidos querem evitar a entrada de venezuelanos. Os haitianos querem ir para a Europa, mas as fronteiras de países como a França se fecharam. E o Brasil sempre foi, para eles, um Estado intermediário. As pessoas não querem vir para o Brasil, mas eles acabam ficando aqui”, explica. De acordo com Carneiro, Ribeirão Preto aderiu ao projeto de interiorização dos imigrantes depois de um acordo feito entre representantes do Exército e da Associação Comercial e Industrial (Acirp) em 2020.

“Desde então, o Exército escolhe os imigrantes que virão pra cá e a cidade se compromete a fazer contato com empresários para que eles tenham emprego”, afirma.

Mas a adaptação cultural do grupo indígena, que não fala português e tem hábitos diferentes dos brasileiros, tem sido complexa. Segundo a professora, eles enfrentam problemas de estabilidade em emprego formal e passam a viver em situação de vulnerabilidade. “Eles vivem praticamente de coleta, pedindo dinheiro no semáforo. Eles pagam tudo com moedinhas de um real, desde aluguel, água e comida. E agora estão com problema de moradia”, afirma Carneiro.

A Secretaria de Assistência Social de Ribeirão, desde que os imigrantes chegaram na cidade, oferece abrigo. O grupo Warao passou algumas semanas na Casa de Passagem, criada para acolher pessoas em situação de rua, desabrigados por abandono, migrantes e pessoas em trânsito, sem condições de se sustentar. A permanência máxima é de três meses e a capacidade de até 50 pessoas.

Atualmente não há nenhum estrangeiros no local. De acordo com a prefeitura, os venezuelanos estão sendo acompanhados por uma equipe técnica do Departamento de Proteção Social Especial.

Segundo a professora Cinthia Carneiro, os indígenas decidiram sair da Casa de Passagem por dificuldade de adaptação. Dez venezuelanos decidiram sair de Ribeirão Preto e tiveram os custos da viagem pagos pela prefeitura. Os que continuam na cidade, 59, vivem em casa alugada, com despesas custeadas do próprio bolso. Um grupo de voluntários entrou como fiador dos imóveis.

“As coisas estão se encaminhando, mas a nossa luta

4 4º semestre/2022 CIDADES
Venezuelana indígena Warao pede dinheiro no centro de Ribeirão Foto: Maristela Fortunato

é para que a prefeitura arque com estes alugueis e um lugar melhor, porque a situação que eles estão, é muito precária”, afirma Carneiro.

DOCUMENTAÇÃO

No dia três de setembro deste ano, a Faculdade de Direito da Usp de Ribeirão inaugurou um escritório permanente para regularização de refugiados. Segundo Carneiro, o curso possui desde 2012 um projeto de extensão que estuda movimentos migratórios e de apoio ao trabalhador imigrante no Brasil. Recentemente pasou a atuar em conjunto com a PF e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em mutirão para solicitação e renovação de autorização de residência.

Entre os dias três e dez de setembro, foram atendidos 40 estrangeiros, entre eles venezuelanos, tanto da tribo indígena Warao quanto de outras etnias, um homem originário da síria e outro da Bolívia.

O estudante da República do Congo Noélvy Faniol Ndouniama, 24, é um dos integrantes da equipe do mutirão. Ele é beneficiário de um programa do Congo com o Brasil. Antes de chegar na USP de Ribeirão passou pela Bahia para estudar a língua portuguesa. Hoje auxilia outros estrangeiros a terem documentação regularizada.

De acordo com o estudante, o acolhimento da faculdade foi fundamental para sua adapta-

ção. “Teve uma senhora que é responsável pelo recebimento dos estudantes estrangeiros. E também teve alguns veteranos que me receberam bem”, diz.

AULAS DE PORTUGUÊS

A Biblioteca Sinhá Junqueira, localizada na rua Duque Caxias, 547, centro de Ribeirão, oferece de graça curso de aprimoramento da língua portuguesa e expressões cotidianas para estrangeiros. Em pouco menos de dois anos, a instituição atendeu 40 pessoas de diversas nacionalidades.

Entre os inscritos estão imigrantes da Índia, Peru, Bolívia, Chile, Estados Unidos, Colômbia, Japão, Haiti e Guiné-Bissau. Atualmente o curso está na segunda turma, com 18 participantes.

O projeto foi elaborado pela professora Maria Helena da Nóbrega, que ensina português para estrangeiros há 20 anos. Segundo ela, o aprendizado é baseado na troca de experiências e conversação. “Por serem poucos alunos, a gente consegue um ensino bem próximo. Um aprende vendo o outro falar, entre erros e acertos”, afirma.

Nóbrega diz que um dos motivos para a procura pelo curso está no mercado de trabalho, já que a língua portu-

guesa é falada por 250 milhões de pessoas no mundo. Além de Brasil e Portugal outros nove países africanos são lusófonos. “A quinta língua mais usada na internet é o português. Por isso tem valor de mercado. Apesar de nos últimos anos o país ter se tornado pária no âmbito internacional, por conta de posicionamentos políticos, o brasileiro abre portas onde chega”, afirma.

Para o colombiano Esteban

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Paternina, 24, um dos alunos do curso, a amabilidade do brasileiro é parecida com a dos moradores de seu país de origem. Esteban está em Ribeirão Preto há dois meses e faz estágio no centro de biologia da Faculdade de Medicina da USP. Ele diz que se sentiu frustrado ao chegar aqui e não compreender o idioma falado pelos colegas de sala. “Não entendia direito o que as pessoas conversavam. Como estou no laboratório, eu preciso entender o que se diz para realizar o serviço. Um mês depois que cheguei comecei as aulas na biblioteca e foi ótimo”, afirma. Além do curso de português na biblioteca, Paternina recorreu a aplicativos para estudar o idioma. Ele decidiu se mudar da casa onde morava com outros estrangeiros, que também trabalham e estudam na USP, para casa de brasileiros. Hoje ela já sente facilidade ao fazer pedidos de comida pelo celular e usar transporte por aplicativo. Sem visto definitivo, o estudante já pensa em prorrogar a permanência na cidade. “Na USP, no centro de ajuda aos estrangeiros, eles oferecem auxílio para essa documentação. Se eu precisar ficar mais tempo aqui, sei que posso contar com eles”, diz Paternina.

5 4º semestre/2022 CIDADES
Eles vivem praticamente de coleta, pedindo dinheiro no semáforo. Eles pagam tudo com moedinhas de um real, desde aluguel a água e comida
Cinthia Carneiro - profa. da USP de Ribeirão Preto Cynthia Carneiro reunida com alunos da USP durante mutirão Maria Helena da Nóbrega na Biblioteca Sinhá Junqueira Foto: Maristela Fortunato Foto: Felipe Gondo

Evasão no ensino superior presencial é quase duas vezes

maior do que em cursos à distância na região de RP

Pesquisa do SEMESP leva em conta o número de matrículas trancadas até o começo da pandemia

pode facilitar a vida financeira do aluno. Segundo ele, alguns cursos à distância custam a metade do preço dos cursos presenciais.

“O ensino digital consegue alcançar um número bem maior de alunos do que em sala de aula, que é limitada a 20 ou 30 pessoas. No EAD é possível ter centenas de pessoas simultaneamente assistindo a mesma aula”, afirma.

Gabriel Ferreira Garcia Lorenzato, 21, ex-aluno de jornalismo é um dos milhares de estudantes que abandonaram a graduação no ensino superior. Ele começou o curso em uma faculdade particular de Ribeirão Preto em 2019.

A evasão escolar no ensino superior particular na modalidade presencial supera em quase duas vezes o abandono de estudantes em cursos do ensino à distância na região de Ribeirão Preto. Os dados são da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação de são Paulo (Semesp), no último levantamento realizado no começo da pandemia da Covid-19.

O número de matrículas trancadas em cursos presenciais de graduação entre 2019 e 2020 foi de 201.203 em faculdades particulares da região. Isso enquanto que, no mesmo período, a evasão de alunos do ensino à distância (EAD) bateu a marca de 110.205. Uma diferença de 82,5% entre um e outro.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-contínua) realizada pelo IBGE paralelamente ao estudo do Semesp, indica que a perda de fonte de renda e insegurança alimentar foram os principais motivos da desistência dos estudantes universitários durante os períodos mais críticos da pandemia.

Ainda de acordo de com o

Semesp, o número de trancamento de matrículas na modalidade presencial em universidades públicas supera em 35,5% a evasão nas faculdades particulares entre 2019 e 2020. Já os cursos EAD registraram um aumento de 28,2% matrículas trancadas no período, em faculdades paulistas e federais.

A demora das instituições na adequação das aulas para o ensino remoto, com o fechamento das salas de aula na pandemia, é apontada como o principal motivo do índice de evasão. De acordo com a pesquisa, tal realidade nas instituições públicas contrasta com a estrutura das instituições particulares, que tiveram rapidez e recursos para a adaptação.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou no início de novembro de 2022 o Censo da Educação Superior 2021. Os dados mostram um aumento de 23,8% na procura por cursos EAD, em compração com o ano anterior. Já as vagas oferecidas presencialmente caíram 2,8%.

O vice-reitor do Centro Universitário Barão de Mauá, João Alberto Velloso, diz que os

números comprovam um movimento de migração de cursos presenciais para os EAD. Entrentanto, Velloso acredita que a retomada da economia possa fazer com que os alunos regressem aos bancos universidades e consigam concluir o sonhado curso superior.

“O sonho de consumo de todas classes é ter seus filhos em escolas particulares, dentro de uma faculdade. Mas a instituição pública ainda é a preferência do alunado”, afirma Velloso.

O preço das mensalidade dos cursos presenciais também é um dos motivos para a evasão de faculdades presenciais, já que muitos estudantes foram demitidos ou tiveram sua renda familiar financeira reduzida durante o período pandêmico.

De acordo com o Semesp, as taxas de inadimplência em 2020 e 2021 foram as maiores registradas desde 2014, quando o governo estadual passou a tabular os indicadores de evasão. Em 2020, ficaram devendo mensalidade 9,9% dos estudantes. Em 2021 o índice foi praticamente o mesmo, com a marca de 9,4%.

O vice-reitor acredita que, diante deste contexto, o EAD

O estudante Conseguiu frequentar as aulas até 2021, quando teve dificuldades financeiras por conta da pandemia e precisou parar. Ele afirma que não desistiu do sonho, apesar de não saber quando voltará a estudar. Mas a única certeza é que não será de forma presencial “Ainda pretendo me formar, mas em outra modalidade”, afirma.

Para o sociólogo Wlaumir Souza, a ausência de um diploma interfere diretamente no futuro profissional do indivíduo e na sua colocação no mercado de trabalho, diante da falta de qualificação.

“O estudante que abandona a graduação é colocado em segundo plano e sua vida é podada nas melhores oportunidades”, afirma Souza.

O empresário Washington Fernandes, 44, que abandonou o curso de engenharia mecânica, diz que sentiu na pele as restrições de oportunidade de trabalho por não ter graduação. “O ensino superior é o avanço para o profissional. O conhecimento e respeito são maiores quando você tem diploma. Mas hoje, mesmo com ensino à distância, depois da crise da Covid-19, será difícil arcar com os custos”, afirma.

6 4º semestre/2022 EDUCAÇÃO
WELTON GARCIA Foto: Welton Garcia Estudantes do curso de jornalismo em sala de aula do Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto

USP de Ribeirão Preto aposta na produção de podcast para combater desinformação científica e boatos na internet

Fake News Não Pod soma 520 ouvintes e 1.500 inicializações em agregador, em quase dois anos

MARÍLIA CAMPOS

Em um ano e dez meses de existência, o podcast Fake News Não Pod, criado por estudantes de Ciências Biomédicas da USP de Ribeirão Preto para combater informações falsas sobre a Covid-19, conquistou centenas de seguidores. O projeto, que começou focado nas vacinas contra a Covid-19, ampliou as pautas. E hoje busca facilitar para o público a compreensão de pesquisas científicas.

O canal conta com mais de 520 seguidores, 63 episódios e 1.500 inicializações no Spotify, até o fechamento desta reportagem. As publicações ocorrem às quartas-feiras na plataforma de áudio e no portal do Jornal da USP (jornal.usp.br/ series/fake-news-nao-pod).

Os capítulos são de curta duração, variam de dois a três minutos, e abordam temas como Covid-19, homeopatia, reiki e curas quânticas.

A pesquisadora Laura Colete é redatora e locutora do Fake News Não Pod. Segundo ela, as pautas são escolhidas pelo alcance da circulação de notícias falsas em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Um exemplo é episódio 58, que aborda a varíola dos macacos. Postagens que circularam nas redes sociais, depois do aumento de casos no país, apontavam que a doença seria transmitida por vacina, o que não é verdade. “O objetivo do episódio era demonstrar que a transmissão da doença ocorre por meio do contato entre pessoas, secreções respiratórias ou troca de objetos pessoais contaminados”, disse.

Para comprovar o argumento, a equipe de produção fez a checagem em sites especializados, artigos científicos publicados em revistas e livros especializados. Ainda assim, segundo a pesquisadora, há que se ter cuidado com infor-

mações que podem . “Normalmente eu me guio pelos sites de verificação de fatos e alguns outros confiáveis, como o da OMS (Organização Mundial da Saúde). A gente fica atenta também aos artigos que propagam notícias falsas, que usam dados de forma manipulada ou são de baixa qualidade científica”, explica.

De acordo com Colete, a produção dos episódios exige esforço. O desafio é transmitir conhecimento científico em linguagem simples, que seja de fácil entendimento para quem é leigo, em curto espaço de tempo. “Hoje em dia estou mais acostumada, mas no começo foi difícil, ainda mais pela duração dos episódios”, diz a pesquisadora.

A criação do podcast foi inspirada em outro projeto criado por estudantes de farmácia da USP de Ribeirão em 2018, o Vidya Academics. O conteúdo foi lançado em um portal e também nas redes sociais. Atualmente, a página está desativada, sem previsão para volta.

O pesquisador Wasim Syed é fundador do Vidya Academics. Ele auxiliou a pesquisadora Laura Colete nos primeiros episódios do podcast Fake News Não Pod. Segundo Syed, aproximar a população de pesquisas científicas de forma didática é a tarefa mais difícil do processo. “A gente buscava informar em canais especializados, porque o conteúdo é mais facilmente absorvido em grupos do mesmo universo do comunicador. Agora fazemos conteúdo para o público em geral, mas é difícil furar a bolha organicamente”, diz.

Syed sabe bem o que é ser vítima de desinformação. Ele diz que já teve suas pesquisas colocadas em xeque por pessoas conhecidas, sem qualquer embasamento científico.

“Uma amiga apresentou meu trabalho para a mãe dela, ex-

plicando que eu era pesquisador, trabalhava com vacina e que estava negando a presença de chip 5G nas vacinas contra a Covid-19. A mulher começou a me xingar muito, me chamou de estúpido entre outras coisas”, afirmou.

Para o pesquisador, a maior dificuldade de produzir conteúdo científico que busque o combate à desinformação é acompanhar o ritmo do aparecimento das fake news.

“Felizmente hoje em dia temos agências com inteligência artificial e ferramentas de ponta para identificação de notícias falsas. Agora, no nosso caso, que era algo independente, sem verba e sem financiamento, era super difícil”, disse.

Mais do que combater as fake news, Syed explica ainda que o trabalho mais desafiador no processo de criação dos conteúdos foi explicar o básico da ciência para o público.

“Tínhamos que explorar e definir os conceitos para cada público alvo. A gente precisava explicar o que era um vírus e uma bactéria, em alguns casos. Em outros, podíamos pular essas questões fundamentais, para conseguir explicar o erro de uma mensagem.”

Syed acredita que é dever do poder público investir em

projetos educacionais voltados para a formação e combate à desinformação científica. “No final, isso tudo vira uma questão de política pública de educação. Não tem como lutar contra a desinformação em um país que a população não teve uma base de ciência, por exemplo. Meu sonho mesmo é lançar um projeto de educação de ciência para as escolas”, informou o cientista.

Farmacêutico formado pela Usp de Ribeirão Preto, Syed agora produz conteúdo para o União Pró-Vacina, projeto focado em conteúdos informativos e educacionais sobre a importância das vacinas para a saúde pública. Atualmente, o foco de seu trabalho está na campanha de vacinação contra a poliomielite.

A doença, provocada por um vírus que ataca o sistema nervoso, também é conhecida como paralisia infantil. Em 1994 a polio foi erradicada do país. Entretanto, 28 anos depois, a baixa cobertura vacinal verificada na campanha de 2022 acendeu um alerta sobre o risco da volta de sua circulação. “Por lá não falo de outras doenças, da Covid-19, nem de ciência em geral. Estamos focando a produção de conteúdo na conscientização contra a pólio”, diz Syed.

7 4º semestre/2022 EDUCAÇÃO
Estúdio da rádio USP em RP, onde é gravado o Fake News Não Pod

Alta demanda na saúde mental provoca fila de espera por vagas em curso de psicologia de RP

Procura por atendimento psicológico cresceu 23% nos postos de saúde da rede muncipal em 2021

fez a viagem. Foi uma decepção muito grande para mim, que gerou vários problemas”, afirma.

Mica diz ainda que, além de constantes crises de ansiedade, desenvolveu transtornos alimentares, o que exigiu acompanhamento especializado com psicólogo. “Eu tinha anseios naturais, como qualquer ser humano. Mas depois eu me tornei uma pessoa ansiosa. Além disso, eu já tinha um quadro de anorexia. Mas com a pandemia eu desenvolvi anorexia e bulimia pra valer. Eu sofri bastante”, afirma.

A alta demanda por atendimentos de saúde mental em Ribeirão Preto, especialmente nos dois últimos anos de pandemia da Covid-19, mexeu com o mercado de trabalho. O curso de psicologia do Centro Universitário Barão de Mauá tem alunos em fila de espera. De acordo com a instituição, Todas as vagas ofertadas este ano foram preenchidas. A procura por profissionais da área é tanta, que muitos estudantes já saem da faculdade com emprego garantido.

De acordo com a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto, em 2020, os serviços especializados de saúde mental atenderam 45.076 pacientes. Em 2021 este número saltou para 55.609, o que representa um aumento de 23%.

O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, referência de saúde no estado de São Paulo, registrou 48.426 pacientes atendidos nas clínicas de psicologia da ala multidisciplinar em 2021. Isso significa que 132 pessoas passaram pela unida-

de diariamente, à procura do serviço especializado de saúde mental.

Ana Laura Mica, 17, está no último ano do ensino médio. Ela é um dos milhares de pacientes que procuraram ajuda psicológica quando a pandemia começou em 2020.

Casos de pacientes parecidos com o da estudante lotaram os postos de saúde. A crescente demanda por atendimento especializado provocou uma corrida em massa para a graduação em psicologia, de a cordo com a coordenadora do curso do Centro Universitário Barão de Mauá, Caroline Zago.

Ela diz que curso sempre foi muito concorrido, mas que nunca tinha visto um aumento tão expressivo como em 2022. “Eu estou na coordenação há 13 anos. Desde que eu comecei sempre foram duas turmas, o que dá uma média de 80 a 100 alunos por ano. Este ano nós percebemos que houve um esgotamento de vagas. Teve aluno querendo se matricular, mas a faculdade atingiu seu limite”, destaca Zago.

Isso faz com que o mercado não se sature”, afirma.

Além do medo da doença, a estudante teve que lidar com desilusões por conta do isolamento social.

“Teve a questão da minha viagem de 15 anos, que eu já vinha programando há mais de um ano. Faltando um mês para acontecer, ela foi cancelada. Fechou tudo e a gente não

Diante do aumento da demanda por psicólogos na cidade, a cooordenadora acredita que em breve irá faltar mão de obra qualificada no mercado, mesmo com maior número de estudantes em formação. Isso porque os pacientes de psicoterapia podem levar meses e até anos para ter alta. “Quando os pacientes procuram os psicólogos, é como se eles ocupassem uma vaga. E eles ficam por um tempo significativo usufruindo dessa vaga.

Mirela Sandoval, 21, é estudante do quarto ano de psicologia no Centro Universitário Barão de Mauá. Apesar de ter boas expectativas para a vida profissional, diz se sentir insegura para encarar os pacientes. “Fica esse medo. Será que eu consegui absorver [o conteúdo] da forma que deveria ser absorvido?”, questiona. Sandoval afirma que o atual contexto exige melhor qualificação dos estudantes. “Existe uma grande expectativa de bons resultados da nossa parte. Com a rotina puxada no dia-a-dia, junto com os estudos, a gente acaba não ‘entregando’ tanto quanto gostaríamos”, afirma.

Segundo a estudante, todas essas aflições também refletem na saúde mental dos futuros psicólogos. “Isso gera ansiedade, muitos questionamentos e medo sobre como vai ser lá na frente. Essas questões de apoio psicológico aos estudantes precisam ser mais faladas, mais reforçadas”, conclui Sandoval.

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A estudante Ana Laura Mica, 17 ANA LUÍSA ROSÁRIO Unidade do Centro Universitário Barão de Mauá A coordenadora Caroline Zago Foto: Divulgação/ Barão de Mauá Foto: Arquivo pessoal
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Ribeirão Preto fica no topo do ranking de cidades do interior com pior qualidade do ar na estiagem

ERIK SCHUTZ BIENIEK

Dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) revelam que Ribeirão Preto ficou no topo da lista de cidades do interior com maior índice de concentração de poluentes durante a estiagem em 2022.

Em contrapartida, houve queda expressiva no número de focos de incêndio no período, de acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O boletim mensal publicado pela companhia no mês de agosto deste ano, mês que marcou o período de estiagem pela baixa umidade do ar e pouco chuva, mostra que Ribeirão Preto teve a mesma concentração de poluentes do que Cubatão, na baixada santista, conhecida por ser polo industrial químico, petroquímico, agrícola e siderúrgico.

As duas cidades ficaram em segundo lugar na lista, perdendo o posto para Santa Gertrudes, região de Rio Claro, que tem 67% de sua base econômica pautada na indústria de pisos e azulejos, materiais plásticos e fabricação de embalagens.

Em 2021 não foi diferente. No mês de agosto, a cidade ficou em 2º lugar no ranking, também atrás de Santa Gertrudes. Mas naquele ano ficou à frente de Cubatão.

Na mesma medida, o número de incêndios caiu 60% de um ano para o outro, de acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especais). Enquanto em agosto de 2021 os satélites do instituto registraram 147 focos, no mesmo mês deste ano foram 58 registros.

Para especialistas em saúde e meio ambiente, uma das explicações para tal fenômeno está na poluição gerada pela

grande circulação de carros e motos no perímetro urbano.

De acordo com o último levantamento feito em 2021 pelo IBGE, Ribeirão Preto atingiu marca 306.842 veículos emplacados. Isso significa que um em cada dois habitantes tem um carro na cidade.

De acordo com o professor de políticas ambientais da USP (Universidade de São Paulo), Marcelo Pereira, a poluição gerada por veículos é crônica, de longa permanência, enquanto a poluição gerada por queimadas de matas e canaviais é sazonal. Segundo ele, o pouco incentivo para o uso do transporte público na cidade explica o tamanho da frota de trnasportes individuais.

“Isso ocorre pela falta de investimento nos ônibus, tarifa cara, lotação, pontos sem cobertura. A população é obrigada a procurar outros meios de locomoção”, afirma Pereira.

O valor da tarifa de ônibus em Ribeirão Preto, que teve população estimada de 720 mil pessoas em 2021 de acordo com o IBGE, é de R$ 5. Em

São José dos Campos, cidade do mesmo porte de Ribeirão, que 737 mil habitantes, o valor do bilhete é de R$ 4,50.

O consórcio Pró-Urbano, empresa que explora o serviço de transporte público na cidade por contrato, diz que a passagem chegou a esse valor diante queda no número de passageiros agravada pela pandemia da Covid-19. Além disso, os constantes reajustes no valor dos combustíveis, manutenção da frota e na folha de pagamento dos trabalhadores são outros fatores que aumentaram os custos operacionais.

A prefeitura de Ribeirão tenta passar na Câmara Municipal um projeto de lei de repasse de R$ 70 milhões para o Pró-Urbano. O primeiro projeto de lei (PL) foi recusado pelos vereadores. Uma segunda proposta nem chegou a passar pelo plenário, por conta de uma liminar da justiça que suspendeu a votação por irregularidades regimentais. No mês de novembro, o Executivo protocolou no legislativo um terceiro PL. A expectativa

é que entre na pauta ainda em 2022, antes do recesso.

A prefeitura justifica o aporte por um desequilíbrio financeiro de R$ 278 milhões das empresas, acumulado nos últimos dez anos.

Como forma de melhorar a circulação dos ônibus nas avenidas e aumentar o número de passageiros, a prefeitura faz obras para a criação de corredores de ônibus. O projeto de mobilidade deve dar mais fluidez ao trânsito, evitar atrasos e melhorar o embarque e desembarque nas novas plataformas.

QUEIMADAS

Apesar da queda no número de queimadas este ano, o professor Marcelo Pereira diz que os incêndios também prejudicam a qualidade do ar. Por isso, segundo ele, é necessário que o poder público invista em medidas de prevenção. “Formação de aceiros [barreiras naturais], organização de brigadistas e uso de tecnologia são exemplos. Os aviões também podem ser usados no combate ao fogo, mas existem

10 4º semestre/2022 MEIO AMBIENTE
Poluição dos carros é principal motivo apontado por especialistas, para concentração de partículas Foto: Acervo digital/Freepik Dados da Cetesb mostram concentração de poluentes maior ou igual à Cubatão, polo industrial

limitações de recursos.”

O Ministério Público, por meio do GAEMA (Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente), adota desde 2020 medidas de prevenção a queimadas em conjunto com Polícia Ambiental, Defesa Civil, concessionárias de rodovias e usinas.

No mês de agosto deste ano, o MP lançou uma campanha de conscientização sobre os riscos de incêndios, que veiculou nos meios de comunicação. O alerta foi para que a população pare de queimar lixo em terrenos baldios, jogar bitucas de cigarro nas ruas e embeiras de rodovias e acender velas em matas. Segundo a promotoria, este comportamento é o principal gerador de queimadas.

QUALIDADE DO AR

A medição mensal de qualidade do ar da Cetesb é feita por 42 estações automatizadas, sendo 27 delas instaladas em cidades do interior e do litoral.

Os aparelhos medem partículas inaláveis na atmosfera finas e grossas, chamadas respectivamente de MP2 e MP10, além de outras substâncias como monóxido de carbono (CO). Quanto maior o nível de concentração dessas partículas pior é a qualidade.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), define cinco parâmetros de impacto na saúde humana: boa (N1), moderada (N2), ruim (N3), muito ruim (N4) e péssima (N5).

De acordo com tabela da Cetesb, o nível classificado como bom de qualidade do ar não traz prejuízos à saúde. Já o moderado já pode trazer riscos em exposição de curto prazo. Essa condição da atmosfera pode provocar quadros de tosse seca e cansaço em crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias.

Já quando a classificação é ruim, a população em geral pode ter tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta. A muito ruim, além de ter todos os sintomas anteriores agravados, pode provocar

falta de ar e respiração ofegante. Por fim, a péssima pode aumentar o risco de morte prematura em grupos sensíveis.

CUIDADOS COM A SAÚDE

O médico pneumologista Luis Renato Alves explica que as partículas de poluição contém diversas substâncias químicas que podem desencader a piora de doenças respiratórias e doenças mais graves, como o câncer. “Esse material, em contato com nosso sistema respiratório, pode gerar irritação nas vias aéreas, fechamento dos brônquios e impedir as trocas gasosas, levando a pessoa a ter doenças pulmonares. A gravidade do problema depende do grau e do tempo de exposição ao ambiente poluído”, diz Alves.

De acordo com o médico, algumas medidas podem ser tomadas par diminuir os efeitos da poluição no organismo. “Em primeiro lugar é tentar evitar exposição em locais em que há grande quantidade de poluentes, perto de queimadas e fumaças dos carros. Além disso, é fundamental lavar o nariz com soro fisiológico várias vezes ao dia, principalmente no caso de de crianças”, afirma.

Alvez diz ainda que a hidratação nos dias mais quentes e secos é requisito básico. “O uso de máscaras também é indicado em ambientes poluídos” afirmou.

Outro ponto é a umidificação do ambiente onde a pessoa passa a maior parte do dia ou da noite. “Uma das funções do nosso sistema respiratório é umedecer o ar que entra na via aérea. Logo, quanto mais seco o ar e mais desidratada a nossa mucosa, pior serão os sintomas.”

O uso de umidificadores durante os meses de estiagem também é recomendado. “Também é fundamental evitar a prática de exercícios físicos especialmente nos horários mais quentes do dia quando a umidade é ainda menor. (A reportagem foi escrita com apoio e supervisão do prof. Guilherme Campos).

11 4º semestre/2022 MEIO AMBIENTE

Hemocentro RP aposta em campanhas itinerantes de doação de sangue, para equilibrar estoque de bolsas

Queda de 50% na coleta fez instituição partir em busca de doadores em empresa e até outras cidades

VITÓRIA ANDRADE

A busca por doadores de sangue em empresas e instituições de Ribeirão Preto tem sido a principal estratégia usada pelo Hemocentro de Ribeirão Preto, para contornar a escassez de coleta de bolsas de sangue.

O projeto de campanhas itinerantes começou de forma temporária no ano de 2020, com o agravamento da pandemia da COVID-19. A instituição ainda avalia o resultado da medida, mas diz que o risco de desabastecimento aos hospitais já diminuiu.

Os estoques de sangue caíram pela metade ao longo dos últimos dois anos. Com as restrições impostas pela disseminação do coronavírus, as salas de coleta ficaram vazias. A assistente social do Hemocentro, Marina Braga, diz que a pandemia provocou mudanças drásticas na distribuição de sangue aos hospitais.

“Neste período, os grandes hospitais cancelaram as cirurgias eletivas, para que o sangue que estivesse em estoque fosse direcionado para urgências e emergências. Tivemos que fazer várias campanhas direcionadas nas redes sociais e meios de comunicação, para que a população doasse”, afirma Braga.

Só que mesmo depois da flexibilização e da queda no número de casos de Covid-19, as doações não voltaram à mesma frequência de 2019. Ao mesmo tempo, a retomada das atividades dos hospitais em 2022 fez a demanda por sangue aumentar. “Vem sendo uma luta, já que os hospitais retornaram com as rotinas de cirurgias. Por isso, cada gota conta. Não exisre substituto para o sangue. Só um ser humano pode salvar a vida do outro”, afirma Braga.

Em novembro deste ano, o estoque de bolsas O negativo e AB positivo Hemocentro zerou. O mínimo necessário para a manutenção do fornecimento aos hospitais é de 63 bolsas do primeiro tipo.

Para contornar o risco de desabastecimento total dos estoques, o Hemocentro decidiu no fim de 2020 realizar coletas móveis, em ambientes fora da instituição. De acordo com a assistente social, a ideia foi reunir em um só lugar uma quantidade maior de doadores. “A intenção é aumentar o número de bolsas durante a semana, já que o número de doadores é maior aos finais de semana.”

As coletas itinerantes são feitas em empresas, universidades, entidades e departamentos públicos com data e local agendados. Para que seja viável, segundo a instituição, é necessário um grupo mínimo de 30 pessoas. O local da doação é avaliado previamente por uma equipe técnica, que verifica o tamanho do espaço disponível e se há salas fechadas para a realização da entrevista individual que antecede a doação.

a suprir a baixa no estoque emergencial. Braga diz ainda que apesar de satisfatória, as adesões ainda seguem baixas.

O projeto de coleta itinerante ainda deve passar por verificação dos resultados obtidos. A intenção do Hemocentro é que eventos continuem com maior frequência e alcance. “Para dar continuidade, precisaremos fazer uma avaliação e comparar com os outros anos. A intenção é continuar e estimular empresas e instituições, que viveram a experiência da mini coleta, a realizarem de duas a três ações durante o ano”, afirma.

menos uma vez por semestre, a faculdade promove eventos para incentivar alunos e funcionários doarem sangue. por meio de parcerias do Núcleo de Atendimento ao Estudante e ao Egresso (NAEE), e dos Diretórios Acadêmicos.

De acordo com a assistente social do Hemocentro, todos os dias falta algum tipo sanguíneo. As bolsas coletadas nas campanhas, que variam de 20 a 25 por semana, ajudam

VOLUNTÁRIOS

O Centro Universitário

Barão de Mauá é uma das instituições que aderiram à iniciativa do Hemocentro. Pelo

Segundo Meire Aparecida Pedersolli, diretora institucional, a iniciativa de colaborar com os bancos de sangue partiu da faculdade, com o objetivo de mudar a concepção do trote dos calouros. “Em 2017 os alunos eram transportados até os bancos de sangue. Com com a participação do diretório acadêmico da medicina, o projeto passou a atuar em conjunto do Hemocentro nas campanhas itinerantes”, afirma Pedersolli.

Hoje as campanhas tam-

12 4º semestre/2022 SAÚDE
Não existe substituto para o sangue. Só um ser humano pode salvar a vida do outro
Ambiente destinado à alimentação dos doadores após a coleta de sangue, em ação realizada no Centro Universitário Barão de Mauá Foto: Divulgação/Barão de Mauá

bém são extendidas aos funcionários. De acordo com Simone de Souza Belluzzo, diretora institucional da unidade de Comunicação, Negócios e Tecnologia, a Covid-19 contribuiu para a mudança de estratégia. “As ações, até então voltadas para um público específico, foram suspensas no período de pandemia, retornam no segundo semestre de 2021 e em 2022 passaram a integrar as atividades do Projeto de Acolhimento.”

A ação realizada no segundo semestre deste ano reuniu 126 doadores, sendo 110 deles atendidos na unidade central e 16 durante a semana da enfermagem.

Cerca de 100 mil bolsas são coletadas anualmente e abastecem cinco hospitais de Ribeirão Preto e 130 em outras cidades. Ao todo, 5,5 milhões de pacientes são assistidos, o equivalente a um terço da população de São Paulo.

Os tipos sanguíneos são divididos em A, B, AB e O, positivos ou negativos, fatores que determinam a compatibilidade de cada indivíduo.

No Brasil, os tipos mais comuns de sangue são A e O positivo. Os que mais estão em falta nos estoques são os tipos O positivo e O negativo, chamados de doadores universais, por serem compatíveis com a maioria das pessoas.

do para doação é de 50 quilos para homens e 51 quilos para mulheres.

Até que o sangue seja coletado, o voluntário passa por algumas etapas. A primeira é uma série de orientações preliminares sobre a retirada do sangue e sobre a doação de medula óssea, que é utilizada no tratamento de doenças do sangue, como leucemias e linfomas.

Em seguida o doador é pesado e mede a altura, pressão arterial, pulsação, temperatura e faz um teste de anemia. A entrevista clínica é a próxima etapa. O voluntário responde questões sobre hábitos de vida.

Não podem doar pessoas que têm ou tiveram hepatite após os 11 anos de idade, diabetes dos tipo 1 ou 2 (e fazem uso de insulina), hanseníase, doença de Chagas, malária, HIV e câncer. Usuários de drogas ilícitas e pessoas que mantêm relações sexuais com parceiros desconhecidos ou relações casuais também estão

restritos.Pessoas com diagnóstico ou suspeita de Covid-19 devem aguardar dez dias após a recuperação para doar.

Segundo o Ministério da Saúde, a frequência anual de doações varia. Para homens, o indicado é uma a cada 60 dias, sendo, no máximo, quatro vezes ao ano. Já para as mulheres, essa recomendação é de um espaço de 90 dias entre uma doação e outra, sendo, no máximo, três anuais.

Em Ribeirão Preto, as salas de doação do Hemocentro ficam em dois endereços.Uma delas está na rua Quintino Bocaiúva, 470, no centro. O funcionamento é de segunda, terça, quinta e sábado, das 7h30 às 12h30. As quartas e sextas-feiras, o horário de funcionamento é de 7h30 às 17h30.

O outro ponto de coleta fica dentro do campus da USP, na rua Tenente Catão Roxo, 2501, no bairro Monte Alegre. É aberto ao público de segunda à sexta, das 7h às 13h e aos sábados, domingos e feriados das 7h às 12h30.

Marina Braga - assistente social do Hemocentro

O HEMOCENTRO

O Hemocentro de Ribeirão

Preto é referência nacional entre os centros de assistência hematológica, responsáveis pela mediação, doação e o recebimento de sangue no país.

Cada bolsa coletada contém 450 ml de sangue e pode atender até quatro pacientes. O material é dividido em três partes: hemácias, responsáveis pelo transporte de oxigênio (O2) e gás carbônico (CO2) no corpo; plasma, entendido como a parte líquida do sangue, tendo como principal função facilitar a circulação das células sanguíneas pelos vasos; e plaquetas, que têm função importante na coagulação.

COMO DOAR

As doações têm como público-alvo indivíduos entre 18 e 69 anos, em bom estado de saúde. O peso mínimo exigi-

13 4º semestre/2022 SAÚDE
Os estoques ainda não estão em um nível de segurança confortável
Sala de aula adaptada para realização de campanha itinerante de coleta de sangue, no Centro Universitário Barão de Mauá Doação de sangue realizada na Barão de Mauá em campanha Foto: Divulgação/Barão de Mauá Foto: Divulgação/Barão de Mauá

Mulheres superam desafios e alcançam sucesso como microempreendedoras em RP

Empreendedorismo por necessidade motivou três moradoras a montarem pequenos negócios

Independência financeira e aumento da renda familiar são os elos entre Fernanda dos Santos, 25, Isabel Santana, 51, e Isabella Mengelle, 28.

As três microempreendedoras de Ribeirão Preto nunca trocaram uma palavra entre si, mas tiveram suas vidas transformadas ao se tornarem microempreendedoras individuais (MEI). Hoje buscam profissionalização para expandir as vendas e incentivar outras mulheres no empreendedorismo, mesmo entre dificuldades.

O chamado empreendedorismo por necessidade surge como forma de sobrevivência, na maioria das vezes sem planejamento, recursos ou reserva financeira. Entretanto, quando se torna viável, o próprio negócio possibilita estabilidade financeira, complemento de renda e um recomeço na vida profissional.

Levantamento do Sebrae-SP aponta que o Brasil possui atualmente 30 milhões de empreendedoras. Entre os principais ramos de atuação estão comércio de produtos (33%), alimentação (20%) e indústria

(12%). A necessidade e a oportunidade são os dois motivos que movem 55% delas a montar uma microempresa.

“Elas iniciam suas atividades comerciais pela necessidade de gerar renda, enfrentando ainda o desafio de conciliar os negócios com as exigências da maternidade”, afirma o analista do Sebrae de Ribeirão Preto, Eduardo Gomide.

É o caso de Fernanda dos Santos, 25, que montou um negócio de donuts gourmets. “Eu tinha saído do meu emprego e precisava de dinheiro para pagar a mensalidade da faculdade. Passou pela minha cabeça começar a vender algum tipo de doce”, afirma.

Santos vendia os donuts para os colegas de faculdade e também pelas ruas de Ribeirão. “Fui a primeira no ramo aqui na cidade. No começo foi bem difícil, porque o produto era novidade e os clientes não sabiam o que era donuts. Eu tinha sempre que explicar usando algumas referências [como filmes]. Só aí eu conseguia vender o produto”, afirma.

Com a perda do poder de compra diante do aumento da inflação, a cozinheira Isabel

Santana, 51, se viu na obrigação de ajudar nas despesas de casa. Ela precisava encontrar uma saída para gerar renda complementar. Depois que o marido e a filha começaram a ser acompanhados por uma nutricionista, Santana teve a ideia que faltava e montou uma marmitaria de comida saudável e de baixa caloria. “Eu quis que outras pessoas que não têm tempo de cozinhar também tivessem bons resultados”, afirma.

Isabella Mengelle, 28, virou empreendedora diante de uma oportunidade. Mãe de um bebê de um ano e três meses, ela revisava trabalhos de amigos de sala entre as obrigações da maternidade e da faculdade de Direito para fazer uma renda extra. “Eu comecei em 2016. Na época eu estava naquela fase de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Eu tinha alguns amigos que estavam encontrando dificuldades em redação acadêmica. Então, eu comecei a ajudá-los com revisão de texto e formatação”, afirma.

Mengelle seguiu com o negócio até 2019, quando começou a ser procurada por

agências de publicidade, para trabalhar como redatora freelancer. Desde então sentiu necessidade de abrir um cnpj como MEI.

Em 2021, ela formalizou a atividade. “No ano passado, eu já tinha um fluxo de clientes bem legal, que me procuravam. Aí surgiu a necessidade de abrir o MEI, porque a maioria das oportunidades eram mais corporativas, então abri a empresa e virou um negócio”, relata.

14 4º semestre/2022 ECONOMIA
MEI trouxe independência financeira para Isabel Santana (esquerda), Fernanda dos Santos (direita) e Isabella Mengelle (abaixo) Foto: Arquivo Pessoal Foto: Arquivo Pessoal Foto: Juliana Martins ANA CLARA ROCHA

PASSANDO PERRENGUE

Por ser iniciante nos mundo dos negócios, o maior desafio que Isabel Santana encontrou foi na administração da empresa. “A dificuldade em gerir a empresa está em manter a qualidade das preparações, pesar todos os alimentos e poder dar a certeza de que meu cliente terá resultados com esta alimentação”, explica.

Como forma de se manter no mercado e buscar crescimento profissional como microempreendedora, ela buscou se especializar. “De primeira, já fui procurar cursos para me qualificar e tive ajuda de profissionais da área da saúde e gastronomia. Assim eu pude me aprofundar e conhecer mais sobre o congelamento e preparo dos alimentos”, diz.

Para Fernanda dos Santos, a dificuldade esteve presente também na falta de informação ao abrir a empresa. “Para quem não tem experiência nenhuma sobre empreendedorismo e nem no ramo de confeitaria, isso dificulta muito. Mas sempre busquei estudar, fazer alguns cursos gratuitos pela internet e receitas novas.”

Com a formalização do

negócio, novos desafios surgiram no caminho de Santos. “Atualmente a maior dificuldade está sendo em saber gerir pessoas, em repassar um pouco do meu conhecimento para os funcionários. Além disso, tem a parte mais burocrática da administração da loja”, diz.

As dificuldades em lidar com um negócio do zero também dificultam as atividades de Isabela Mengelle, enquanto empreendedora. “Para quem trabalha com criação, fazer com que as pessoas respeitem o valor do seu trabalho e aceitem o quanto você cobra é um desafio muito grande”, afirma.

Outro desafio vivenciado pela redatora no cotidiano da profissão é lidar com o fluxo de serviço. “Eu preciso ter um fluxo mínimo de trabalho por mês, mas ao mesmo tempo eu não posso pegar muita demanda, porque a qualidade vai cair e aí eu prejudico o meu negócio”, relata Mengelle.

DONAS DE NEGÓCIO

Para essas três mulheres, o empreendedorismo também significou empoderamento feminino e conquista da confiança pessoal e

profissional. Para Mengelle, a abertura da empresa é uma resposta para si mesma. “Eu comecei a trabalhar sem pretensão e as coisas foram crescendo. Isso mostrou que eu tenho a capacidade para fazer as coisas andarem. E eu tenho um filho e saber que tenho condições de cuidar dele, que nunca vai faltar nada para ele por conta desse trabalho, é gratificante.”

A redatora afirma ainda que ser microempreendedora traz clareza para o futuro. “É o meu negócio que me ajuda a manter a casa onde eu moro, que me proporciona momentos de lazer para o meu filho e para mim. Agora, por eu estar me formando em jornalismo neste ano, isso me mostra um caminho muito claro para onde eu posso ir e do que eu posso continuar fazendo”, afirma. Para ela, ainda há preconceito quando o assunto é a ascenção feminina no mundo corporativo. “As pessoas tentam atribuir o sucesso ao homem. Mas quem faz o meu negócio crescer sou eu mesma.”

Santana diz que a venda das marmitas congeladas deu a ela novo significado para a própria vida. “A maior

realização para mim foi a independência financeira e não me sentir inútil. Agora, com esse trabalho, eu posso ajudar nas despesas da família”, diz. Foi da cozinha da própria casa que Santos conseguiu inaugurar uma loja no comércio da cidade para a venda dos donuts gourmet. “Meu negócio, que começou tão pequeno, tomou uma proporção inimaginável. Participei de eventos, de entrevistas em rádio, tive um foodtruck e agora um espaço físico. Sou grata a toda trajetória percorrida para chegar até aqui”, afirma.

Isabela Mengelle - microempreendedora individual

COMO SE TORNAR MEI Abrir um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como MEI traz vantagens ao trabalhador. Entre elas estão o acesso à linhas de crédito com baixas taxas de juros e a possibilidade de aposentadoria, com a contribuição com a previdência social.

O MEI pode contratar até um empregado, que receba o piso salarial da categoria ou um salário-mínimo. Mas não é permitida sociedade ou administração de outra empresa. O limite de faturamento anual é até R$ 81 mil.

A formalização do negócio pode ser feita pelo portal do governo federal (www.gov.br) ou no Poupatempo.

O Sebrae oferece cursos de capacitação de graça. Em Ribeirão Preto, a entidade fica na rua Inácio Luiz Pinto, 280, no Alto da Boa Vista.

O telefone é o (16) 36027720. No site (www.sebrae. com.br) também há uma aba especial sobre empreendedorismo feminino.

15 4º semestre/2022 ECONOMIA
A sociedade não se sente confortável em ver uma mulher que é mãe, ser outra coisa além de mãe
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Prefeitura de Ribeirão Preto promete restauro do Palácio Rio Branco para 2023

Ainda sem projeto concluído, obra está orçada em R$ 15 mi; Intenção é criar área para exposições

O Palácio Rio Branco, prédio histórico de Ribeirão Preto, deve ser restaurado no ano que vem. Pelo menos essa é a promessa da administração municipal, que desocupou o local recentemente.

A intenção da prefeitura é transformar a edificação em um epaço de atividades culturais. De acordo com o diretor de turismo Jose Venâncio de Souza Júnior, os salões devem ser transformados em palcos de apresentações e visitação. “A ideia é que o novo espaço contemple a maioria das expressões artísticas”, disse Souza Júnior.

O diretor disse ainda que há previsão de troca do piso de madeira, nova pintura e adaptação para acessibilidade. o custo da obra, que ainda será licitada, é estimado em R$ 15 milhões. A expectativa é que o restauro comece em 2023, com previsão de três anos para conclusão.

Mas o projeto ainda está em fase de estudos e, antes de ser executado, terá que ter o aval do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (CONPPAC).

O Palácio Rio Branco foi desocupado no dia 18 de agosto deste ano e os departamentos da prefeitura que lá ficavam foram transferidos para o prédio que fica na rua Américo Brasiliense, 426, no centro.

A Secretaria da Cultura e os conselhos de cultura e de patrimônio, que ficavam no morro de São Bento, na zona leste da cidade, passaram a ocupar o primeiro piso do Palácio.

O chefe da divisão de patrimônio, Nilton Campos, diz que a deterioração do prédio é o principal motivo da res-

tauração. “Há a necessidade de recuperação, restauração e adequação da edificação, para que o imóvel tenha uma acessibilidade completa.”

A lei n.º 5.243, de 28 de março de 1.988, considera o Palácio Rio Branco de valor histórico e artístico para Ribeirão Preto. Entretanto, o prédio não é tombado como patrimônio.

De acordo com o presidente do CONPACC, Lucas Pereira, o processo de tombamento requer uma série de regras. “A importância da obra não está apenas no significado do tempo da sua criação. Tratando-se da constituição de um patrimônio cultural, o fator época não basta por si para ser tombado”, disse.

Ainda de acordo com Pereira, o processo de restauro guarda alguns desafios para a prefeitura. “É preciso decifrar a linguagem da edificação que mantém perpétua a ligação do tempo e as gerações, no sentido de constituir uma filosofia linguística, paisagista, política, arquitetônica e econômica, que incumba de traduzir os sentidos para quem vê o edifício.”

O PRÉDIO

Sem passar por reforma há 30 anos (a última foi feita em 1992), o prédio de 600 metrosquadrados de área coberta, constituído por dois andares e um porão, apresenta problemas visíveis e falta de manutenção. A reportagem do Jornal da Barão esteve no Palácio Rio Branco no final do mês de outubro e constatou partes do imóvel danificadas.

Logo na entrada, que fica na praça Rio Branco, a pintura do portão principal está descascando. O hall de entrada foi decorado com alguns móveis. O primeiro pavimento, onde está o porão, tem cheiro de mofo e guarda armários e portas

16 4º semestre/2022 CULTURA
Mobiliário histórico no Hall de entrada do Pálacio do Rio Branco Sacada do Palácio do Rio Branco Foto: Evelyn Rodrigues Foto: Evelyn Rodrigues Entrada principal do Pálacio do Rio Branco no centro de RP

antigos e é depósito de produtos de limpeza.

O segundo andar tem sete salas e a maior circulação de pessoas. Porém, a pintura, portas e janelas estão mal estado de conservação. Também no segundo piso ficam os banheiros. Nenhum tem acessibilidade para cadeirantes e gente com pouca mobilidade.

No terceiro andar estão outras três salas e dois salões, entre eles o gabinete que foi ocupado pelos prefeitos e prefeita ao longo das últimas décadas. Os salões têm infiltrações que afetamas pinturas. O teto tem rachaduras. Nas paredes é possível ver as camadas de tinta colocadas ao longo do tempo que alteraram as cores

originais. O madeiramento do piso também está gasto.

O cômodo principal é o salão Orestes Lopes de Carvalho, mais conhecido como salão rosa. Nele, os papeis de parede estão descascando. Também vale citar que alguns móveis de época estão com cupins e danificados.

Apesar disso, o diretor de turismo da prefeitura diz que a estrutura está preservada. “Segundo especialistas consultados pela secretaria, as condições estruturais são ótimas”, afirma Souza Júnior.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Inaugurado em 26 de maio 1917, o Palácio Rio Branco foi contruído para substituir a anti-

ga sede da Câmara e Cadeia, localizada na rua Cerqueira César, 365. Por lá passaram presidentes da república, como Epitácio Pessoa em 1921, que foi recebido com um baile de gala. Em 20 de julho de 1938 foi a vez de Getúlio Vargas.

Em homenagem ao diplomata brasileiro José Maria Paranhos foi edificado um busto na praça Rio Branco, que fica em frente ao prédio. Por isso, em 1948 ganhou o nome de Palácio Rio Branco. Em 1956 o prédio se tornou exclusivamente sede da prefeitura, onde permaneceu até este ano.

O edifício tem inspiração na arquitetura da França, com fachada misturada pelos estilos barroco e moderno. Pela influ-

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

ência europeia, importada pelos fazendeiros de café, a cidade foi apelidada de Petit Paris (pequena Paris em francês), em referência à cidade luz. “A referida alcunha não era e não é apenas só estética. Vai além. É comunicativa, representa o retrato da constituição de um município que nasceu para ser luzeiro”, afirma o presidente do CONPPAC.

O historiador, professor e coordenador do curso de história do Centro Universitário Barão de Mauá, Rafael Cardoso, afirma que o prédio faz parte da identidade cultural da cidade.

“A arquitetura comunicava uma tal da Belle Époque, período de influências em aspectos financeiros e ecléticos, mas que inspirava modelos europeus. O prédio é um dos poucos remanescentes dos grandes palácios, palacetes e de outras construções que comunicaram o sentido com esse tempo e as mudanças do próprio discurso urbanístico usado ao longo do tempo no centro da cidade.”

Cardoso afirma ainda que o Palácio Rio Branco também representa a influência política dos grandes cafeicultores, que colocam a cidade em destaque nacional.

“Durante muito tempo [o prédio] representou o poder ribeirão-pretano, mas também do Brasil. A cidade foi um centro político muito importante para o estado de São Paulo.”

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Fachada do Palácio ao fundo e à frente, busto do diplomata José Maria Paranhos, na praça Rio Branco, que deu nome ao prédio Foto: Evelyn Rodrigues
CIÊNCIA
L ETRAS P EDAGOGIA
DA COMPUTAÇÃO

Violência e banimento de organizada marcam retorno do Come-Fogo com presença de torcidas

Primeira partida com presença de público depois de 8 anos resultou em ação do Ministério Público

A rivalidade existe, mas isso é só dentro das quatro linhas, dentro do contexto esportivo”, afirma Rios.

Para Victor Hugo Fernandes, presidente do Movimento Popular Botafoguense, a violência nos estádios precisa acabar. “A função da torcida organizada é apoiar o clube onde quer que ele esteja. É chato quando a nossa imagem acaba sendo manchada por alguns ‘torcedores’ que só querem tumultuar.”

Mesmo torcendo para times rivais, os dois representantes de organizadas concordam que o clássico Come-Fogo tem relevância para Ribeirão Preto.

FABIO FUENTES

O retorno das torcidas aos estádios de Ribeirão Preto ao clássico Come-Fogo em 2022, depois de uma espera de oito anos, foi marcado por brigas dentro e fora das arquibancadas. Os conflitos resultaram no banimento de uma das organizadas. Apesar das mudanças nos protocolos de segurança, torcedores dizem ter medo de voltar a frequentar os jogos.

Botafogo e Comercial fizeram duas partidas pela Copa Paulista deste ano. Os dois jogos foram vencidos pelo Pantera por 1 x 0 no Santa Cruz e 3x1 no Palma Travassos. Os times não se enfrentavam com a presença de suas torcidas desde 2014, por estarem em campeonatos e divisões distintas. No ano passado o Come-Fogo não teve público por conta das restrições da pandemia da Covid-19.

Mas em 2022, quando torcedores puderam finalmente ver de perto seus times em campo, os confrontos roubaram a cena. Na primeira partida, no Santa Cruz, policiais militares tiveram que conter

um tumulto do lado de fora do estádio. Já no segundo jogo, no Palma Travassos, torcedores do Comercial entraram em conflito com a polícia dentro do estádio, logo após o time sofrer o terceiro gol na partida.

Cláudio Eleutério Rodrigues, 42, torcedor do Botafogo, presenciou as cenas.

“Eu lembro quando começou aquela confusão toda, foi uma correria total. Eu não estava no meio da bagunça, mas só de estar ali no estádio fiquei aflito do que poderia acontecer”, afirma Rodrigues.

Luís Felipe Cavalcante, 31, torcedor do Comercial, chegou a comprar ingresso para o segundo jogo, mas repensou a decisão de ir ao estádio.

“Quando vi que iam liberar para as duas torcidas eu pensei em assistir, mas aí lembrei do último confronto e fiquei com receio de estar no meio de uma confusão como aquela”, diz Cavalcante.

Diante dos confrontos no Palma Travassos, a Federação Paulista de Futebol (FPF) decidiu banir a torcida Mancha Alvinegra dos dois estádios de

Ribeirão Preto, por recomendação do Minsitério Público (MP). Com a decisão, objetos como faixas e bandeiras que identifiquem o grupo ficam impedidos de entrar em dias de jogos dos dois times.

Nos últimos anos, a intensificação das ações da Polícia Militar para evitar brigas entre torcidas trouxeram maior sensação de segurança aos moradores. É o que pensa Wesley Rios, representante das torcidas organizadas do Comercial. “A gente sempre conversa para que cada um tenha o seu espaço e todo mundo saiba se respeitar dentro e fora do campo.

Foto: Bárbara Pires/Comercial FC

“Aqui em Ribeirão é diferente de Campinas ou São Paulo. Você não tem tantos confrontos. A torcida gosta do Come-Fogo e estava com saudades de poder assistir esse grande clássico no estádio”, afirma Fernandes.

“A gente sempre precisa lembrar que o clássico é bom para a nossa cidade. Tanto a torcida do Comercial quanto a do Botafogo precisa se respeitar e fazer festa nas arquibancadas”, complementa Rios.

A torcida organizada Mancha Alvinegra foi procurada pela reportagem, mas até o fechamento desta edição nenhum representante se pronunciou.

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Torcida organizada Mancha Alvinegra, banida pela justiça dos estádios Palma Travassos e Santa Cruz Jogadores de Botafogo e Comercial se enfrentam no Come-Fogo Foto: Bárbara Pires/Comercial FC

Reclamações contra serviços de operadoras de telefonia móvel aumentam 38,5% em Ribeirão Preto

Procon aponta falta de sinal e cobranças ilegais como os principais motivos de insatisfação de clientes

JOÃO VICTOR BETIOLI

Levantamento do Procon de Ribeirão Preto mostra que o número de reclamações de clientes contra operadoras de telefonia móvel aumentou 38,5% em 2022. De janeiro a agosto, a fundação registrou 230 queixas, contra 166 no mesmo período de 2021. Falta de sinal e cobranças indevidas estão entre os principais motivos.

De acordo com o Procon, a operadora Claro lidera o ranking de denúncias. Nos oito primeiros meses de 2022, clientes insatisfeitos registraram 135 reclamações contra a empresa, sendo que no mesmo período de 2021 foram 77 denúncias. Um aumento de 75,3%. A Oi é a segunda no ranking, com aumento de 26,3% de reclamações. A Tim aparece em terceiro na lista, com crescimento de 11,1%. Isso enquanto a empresa Vivo teve queda de 4,6% no mesmo comparativo.

O corretor de imóveis Marco Aurélio Camargo, de 42 anos é um dos clientes que tiveram problemas com empresas de telefonia. Em agosto, sua linha de telefone foi transferida por meio de portabilidade para outra operadora. O detalhe é que ele nunca fez a solicitação de transferência. Camargo diz que percebeu algo de estranho quando as ligações não completavam as chamadas. Só depois de ir até a empresa descobriu o motivo.

“Tive prejuízo financeiro. Dependo exclusivamente do telefone para contato com meus clientes. Fiquei 20 dias sem o meu número e perdi negócios que já estavam em andamento. O serviço só foi restabelecido depois que entrei com uma ação de perdas e danos na justiça, solicitando

o retorno imediato da minha linha”, disse Camargo.

O chefe do Procon de Ribeirão Preto, Francisco Mango Neto, diz que outra queixa comum é referente a multas aplicadas pelas empresas. “Estamos recebendo denúncias e reclamações contra operadoras, que impõem multa rescisória de contrato por não cumprimento de prazo de fidelidade”, afirmou.

O advogado especialista em direito do consumidor, Feres Junqueira Najm, diz que qualquer falha na prestação de serviço de telefonia que se caracterize como inadequada é passível de uma nova aplicação do serviço ou devolução de dinheiro. “Cobrança indevida, falha no cancelamento de plano, falha de sinal, tudo isso caracteriza quebra na prestação de serviço. Então

tudo isso é passível de punição administrativa”, afirma.

Segundo o especialista, o primeiro contato para que o clinete tenha seu problema resolvido deve ser com a ouvidoria da empresa. Caso contrário, o consumidor deve procurar seus direitos na justiça.

“Se o consumidor tiver dano material ou moral decorrente de falha na prestação de serviço, o caso é passível de busca de reparação. Mas tudo tem que ser analisado junto a um profissional da área”, diz Najm. Ainda de acordo com o advogado, as multas podem ultrapassar R$ 12 milhões.

Sobre as reclamações de clientes por falhas no serviço de telefonia móvel e cobranças indevidas, a empresa TIM emitiu nota. “A TIM informa que tem a satisfação dos

clientes como prioridade estratégica e trabalha constantemente para reduzir o número de reclamações recebidas no Procon de Ribeirão Preto e aprimorar ainda mais a qualidade dos serviços e do atendimento prestado. A operadora segue investindo nos seus canais de relacionamento, com foco na melhoria contínua da experiência do cliente.”

Procuradas pela reportagem, as operadoras Vivo, Claro e Oi não responderam aos questionamentos até o fechamento desta edição.

LIGAÇÕES INDESEJADAS

Ligações indesejadas e fora de horário comercial têm sido estratégia frequente de empresas de telemarketing, para vender algum produto ou serviço aos clientes. Mas essa prática está na mira da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Em 2019, a agência criou o site Não Me Perturbe (www. naomeperturbe.com.br). Nele, o consumidor pode cadastrar o número incoveniente e bloquear as ligações. Em caso de reincidência, as multas podem variar entre R$ 600 e R$ 8 milhões. Outro caminho para reclamações é o site do governo federal (consumidor.gov.br).

O consumidor que se sentir lesado deve registrar reclamação no Procon. “Hoje, o consumidor tem o poder de escolher não receber ofertas de produtos e serviços em seu telefone. Não cessando as ligações, as empresas são responsabilizadas pelos atos”, disse o chefe da fundação, Francisco Mango Neto.

O Procon de Ribeirão Preto fica na rua Aureliano Garcia de Oliveira, 266, no bairro Nova Ribeirânia, zona leste da cidade. O telefone de contato é o 0800-7729198.

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Sinal de operadora de telefonia apresenta instabilidade Foto: João Victor Betioli

Batalhas de rima dão voz, renda e inclusão social para moradores das periferias de Ribeirão Preto

Encontros são realizados semanalmente no parque Maurílio Biagi; Vencedores dos duelos levam cesta básica pra casa

FELIPE GONDO

O parque Maurílio Biagi, localizado no centro de Ribeirão Preto, se tornou palco de batalhas de rima para moradores de bairros da periferia e de cidades vizinhas. Os participantes usam o rap como forma de expressão, promovem a inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade e geração de renda.

Depois que passou a frequentar o grupo Batalha Nova Era (BNE), o rap se tornou um meio de socialização e renda para o ambulante Adalberto Fernandes, 22. Hoje, além de vender balas nos semáforos da cidade, ele entretém passageiros de ônibus nos pontos da cidade fazendo rimas improvisadas em troca de alguns trocados, para ajudar a família com as contas do mês.

O grupo BNE foi fundado pelo repositor de supermercado Kauã de Oliveira, 18. Recém-chegado de São Paulo, o jovem não tinha onde praticar o improviso com os amigos. O parque Maurílio Biagi, por ser espaço público no centro da cidade e de fácil acesso, surgiu como ponto de encontro. “O local foi pensado levando em consideração a locomoção de quem queria participar no começo. E se tornou uma facilidade para quem morava na periferia e em outras cidades, já que fica ao lado do terminal rodoviário”, diz Oliveira.

Desde adolescente o improvisador acompanha o movimento de rimas pela internet e afirma ter se surpreendido com a quantidade de grupos que existem na cidade. “Imaginei que não existia nenhuma batalha aqui. Mas logo que comecei descobri vários grupos em atividade. Todo dia tem uma batalha diferente, em algum bairro da cidade”, disse.

As batalhas ocorrem quinzenalmente, às quintas-feiras,

das 19h às 23h e reúnem moradores de todas as regiões de Ribeirão e cidades como Batatais, Cravinhos e Sertãozinho. Os encontros são abertos ao público, que pode optar por assistir ou fazer rimas com os demais participantes.

Derivada da cultura Hip Hop, as batalhas de rima se tornaram a forma de expressão das periferias, por debater temas como racismo, exclusão social e até mesmo a violência policial e dignidade dos mais pobres. “Durante a minha rotina, como trabalhador de um mercado da cidade, me sentia como uma pessoa invisível, ignorado por todos. Mas quando comecei a me apresentar nas batalhas, en-

contrei um local para ser ouvido e visto”, diz Oliveira.

Cada batalha que acontece na cidade de Ribeirão possui dinâmica diferente. A Batalha Nova Era, por exemplo, dá pontos para os participantes do duelo. O vencedor ganha uma cesta básica como prêmio. De acordo com os organizadores esta é uma forma de contribuir com o orçamento familiar daqueles que estão em dificuldade financeria ou até mesmo em situação de vulnerabilidade.

Adalberto Fernandes, 22, vem de uma família de baixa renda e não concluiu o ensino médio. Ele alterna a vida entre Ribeirão e São Paulo, onde vive com a mãe e o irmão. O

jovem auxilia na renda familiar vendendo balas nos semáforos, já que não consegue emprego formal, com carteira assinada. As batalhas de rima chegaram na vida do jovem como forma acolhimento. “Graças a alguns amigos que me apresentaram ao grupo BNE, pude me reencontrar e correr atrás de algo que eu realmente gostava. Quando batalhei pela primeira vez fui acolhido e recebi o apelido de Bubba, além de acolhido e ouvido”, disse.

Hoje, além de participar dos eventos de improvisos, Fernandes passa os dias nos pontos de ônibus onde vende balas fazendo rimas, para arrecadar uma renda extra.

O estudante de ciências sociais, Matheus Amaral, 22, acredita que os parques devem ser mais explorados para promover esse tipo de expressão cultural e possibilitar transformação na sociedade.

“As batalhas de rima ocorrem em locais públicos com o objetivo de discutir questões sociais. Isso permite um debate entre pessoas diferentes, que procuram visibilidade e oportunidade de serem ouvidas, o que é o oposto do que ocorre no cotidiano daqueles que vivem às margens da sociedade”, disse.

Hoje, em Ribeirão Preto, as batalhas acontecem em bairros da zona norte e oeste, todos os dias da semana. O fundador da BNE acredita que quanto maior a frequência e realização dos encontros, maior será a inclusão da periferia na sociedade.

“Queremos trazer voz para aqueles que foram excluídos. Eu estive calado por muito tempo e agora me sinto livre para falar daquilo que realmente sinto. Posso ser ouvido por mais pessoas, que não irão descredibilizar minhas opiniões e sentimentos.”

20 4º semestre/2022 20 4º semestre/2022 CULTURA
Foto: Adalberto Fernandes/Arquivo pessoal Foto: Batalhanovaerarp/Reprodução O grupo Batalha Nova Era no parque Maurílio Biagi, em Ribeirão Adalberto Fernandes, 22, faz rimas no terminal rodoviário de RP

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