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USP de Ribeirão Preto aposta na produção de podcast para combater desinformação científica e boatos na internet

Fake News Não Pod soma 520 ouvintes e 1.500 inicializações em agregador, em quase dois anos

Mar Lia Campos

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Em um ano e dez meses de existência, o podcast Fake News Não Pod, criado por estudantes de Ciências Biomédicas da USP de Ribeirão Preto para combater informações falsas sobre a Covid-19, conquistou centenas de seguidores. O projeto, que começou focado nas vacinas contra a Covid-19, ampliou as pautas. E hoje busca facilitar para o público a compreensão de pesquisas científicas.

O canal conta com mais de 520 seguidores, 63 episódios e 1.500 inicializações no Spotify, até o fechamento desta reportagem. As publicações ocorrem às quartas-feiras na plataforma de áudio e no portal do Jornal da USP (jornal.usp.br/ series/fake-news-nao-pod).

Os capítulos são de curta duração, variam de dois a três minutos, e abordam temas como Covid-19, homeopatia, reiki e curas quânticas.

A pesquisadora Laura Colete é redatora e locutora do Fake News Não Pod. Segundo ela, as pautas são escolhidas pelo alcance da circulação de notícias falsas em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Um exemplo é episódio 58, que aborda a varíola dos macacos. Postagens que circularam nas redes sociais, depois do aumento de casos no país, apontavam que a doença seria transmitida por vacina, o que não é verdade. “O objetivo do episódio era demonstrar que a transmissão da doença ocorre por meio do contato entre pessoas, secreções respiratórias ou troca de objetos pessoais contaminados”, disse.

Para comprovar o argumento, a equipe de produção fez a checagem em sites especializados, artigos científicos publicados em revistas e livros especializados. Ainda assim, segundo a pesquisadora, há que se ter cuidado com infor- mações que podem . “Normalmente eu me guio pelos sites de verificação de fatos e alguns outros confiáveis, como o da OMS (Organização Mundial da Saúde). A gente fica atenta também aos artigos que propagam notícias falsas, que usam dados de forma manipulada ou são de baixa qualidade científica”, explica.

De acordo com Colete, a produção dos episódios exige esforço. O desafio é transmitir conhecimento científico em linguagem simples, que seja de fácil entendimento para quem é leigo, em curto espaço de tempo. “Hoje em dia estou mais acostumada, mas no começo foi difícil, ainda mais pela duração dos episódios”, diz a pesquisadora.

A criação do podcast foi inspirada em outro projeto criado por estudantes de farmácia da USP de Ribeirão em 2018, o Vidya Academics. O conteúdo foi lançado em um portal e também nas redes sociais. Atualmente, a página está desativada, sem previsão para volta.

O pesquisador Wasim Syed é fundador do Vidya Academics. Ele auxiliou a pesquisadora Laura Colete nos primeiros episódios do podcast Fake News Não Pod. Segundo Syed, aproximar a população de pesquisas científicas de forma didática é a tarefa mais difícil do processo. “A gente buscava informar em canais especializados, porque o conteúdo é mais facilmente absorvido em grupos do mesmo universo do comunicador. Agora fazemos conteúdo para o público em geral, mas é difícil furar a bolha organicamente”, diz.

Syed sabe bem o que é ser vítima de desinformação. Ele diz que já teve suas pesquisas colocadas em xeque por pessoas conhecidas, sem qualquer embasamento científico.

“Uma amiga apresentou meu trabalho para a mãe dela, ex-

Foto: Vladimir Tasca/USP

plicando que eu era pesquisador, trabalhava com vacina e que estava negando a presença de chip 5G nas vacinas contra a Covid-19. A mulher começou a me xingar muito, me chamou de estúpido entre outras coisas”, afirmou.

Para o pesquisador, a maior dificuldade de produzir conteúdo científico que busque o combate à desinformação é acompanhar o ritmo do aparecimento das fake news.

“Felizmente hoje em dia temos agências com inteligência artificial e ferramentas de ponta para identificação de notícias falsas. Agora, no nosso caso, que era algo independente, sem verba e sem financiamento, era super difícil”, disse.

Mais do que combater as fake news, Syed explica ainda que o trabalho mais desafiador no processo de criação dos conteúdos foi explicar o básico da ciência para o público.

“Tínhamos que explorar e definir os conceitos para cada público alvo. A gente precisava explicar o que era um vírus e uma bactéria, em alguns casos. Em outros, podíamos pular essas questões fundamentais, para conseguir explicar o erro de uma mensagem.”

Syed acredita que é dever do poder público investir em projetos educacionais voltados para a formação e combate à desinformação científica. “No final, isso tudo vira uma questão de política pública de educação. Não tem como lutar contra a desinformação em um país que a população não teve uma base de ciência, por exemplo. Meu sonho mesmo é lançar um projeto de educação de ciência para as escolas”, informou o cientista.

Farmacêutico formado pela Usp de Ribeirão Preto, Syed agora produz conteúdo para o União Pró-Vacina, projeto focado em conteúdos informativos e educacionais sobre a importância das vacinas para a saúde pública. Atualmente, o foco de seu trabalho está na campanha de vacinação contra a poliomielite.

A doença, provocada por um vírus que ataca o sistema nervoso, também é conhecida como paralisia infantil. Em 1994 a polio foi erradicada do país. Entretanto, 28 anos depois, a baixa cobertura vacinal verificada na campanha de 2022 acendeu um alerta sobre o risco da volta de sua circulação. “Por lá não falo de outras doenças, da Covid-19, nem de ciência em geral. Estamos focando a produção de conteúdo na conscientização contra a pólio”, diz Syed.

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