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Programa federal e grupo de venezuelanos colocam Ribeirão Preto na rota da imigração
Indígenas desembarcam na cidade como ponte para EUA e Europa; USP e Biblioteca Sinhá Junqueira realizam mutirão de documentação e aulas de português para estrangeiros
Maristela Fortunato
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Avenida Jerônimo Gonçalves, centro de Ribeirão Preto. Em frente ao terminal rodoviário, uma cena se repete diariamente. Imigrantes venezuelanos pedem dinheiro aos motoristas no semáforo.
Entre eles está uma mulher, com traje típico indígena, aparentando ter menos de 40 anos. Ela carrega em uma das mãos uma placa escrita em português, implorando pela ajuda de quem passa. Na outra mão está um bebê de colo agitado, que a todo segundo levanta sua blusa pedindo para mamar.
A mulher integra um grupo de 70 pessoas da etnia Warao, tribo indígena que habita o nordeste da Venezuela ao longo das margens do rio Orinoco. Todos eles, entre adultos, idosos e crianças, desembarcaram na cidade em 2021 por conta própria, durante período de reabertura das fronteiras na pandemia da Covid-19.
Apesar disso, Ribeirão já recebia imigrantes de outros países com a adesão a um programa nacional de acolhimento, financiado pelos Estados Unidos. Hoje o município se tornou uma espécie de dormitório e sala de espera, já que muitos estrangeiros buscam outros países da América e da Europa como destino final.
A Operação Acolhida, com sede em Pacaraima (RO) na divisa com a Venezuela, é coordenada pelo Exército e conta com apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) e outras cem entidades da sociedade civil.
De acordo com o Ministério da Cidadania, desde abril de 2018 o Brasil recebe venezuelanos em situação de vulnerabilidade, que deixaram o país de origem em busca de melhores condições de vida.
Até julho de 2022, de acordo com o governo federal, foram interiorizadas pelo programa no país 12.510 pessoas, divididas em 844 municípios. Depois da região sul, São Paulo é o 4º estado a receber mais imigrantes.
Dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra) mostram que Ribeirão Preto contabilizou de janeiro a setembro deste ano 119 estrangeiros. Já no ano passado todo, 231 passaram pela cidade.
Segundo a PF (Polícia Federal), Franca e Barretos também são polos de refugiados na região. As três cidades juntas receberam 319 pessoas no ano passado. Sertãozinho e Cravinhos também acolheram imigrantes, mas não entraram na contagem oficial.
Segundo a professora do curso de direito da USP de Ribeirão Preto, Cynthia Soares Carneiro, a expansão da Operação Acolhida para além das capitais se deu diante da grande quantidade de imigrantes que chegaram de uma vez ao estado de Roraima. Ao mesmo tempo, Carneiro afirma que o alto fluxo migratório mundial diante de conflitos e crises econômicas fez diversos países restringirem a política de acolhimento humanitário.
“Na verdade, é uma política de exteriorização de responsabilidade. Os Estados Unidos querem evitar a entrada de venezuelanos. Os haitianos querem ir para a Europa, mas as fronteiras de países como a França se fecharam. E o Brasil sempre foi, para eles, um Estado intermediário. As pessoas não querem vir para o Brasil, mas eles acabam ficando aqui”, explica. De acordo com Carneiro, Ribeirão Preto aderiu ao projeto de interiorização dos imigrantes depois de um acordo feito entre representantes do Exército e da Associação Comercial e Industrial (Acirp) em 2020.
“Desde então, o Exército escolhe os imigrantes que virão pra cá e a cidade se compromete a fazer contato com empresários para que eles tenham emprego”, afirma.
Mas a adaptação cultural do grupo indígena, que não fala português e tem hábitos diferentes dos brasileiros, tem sido complexa. Segundo a professora, eles enfrentam problemas de estabilidade em emprego formal e passam a viver em situação de vulnerabilidade. “Eles vivem praticamente de coleta, pedindo dinheiro no semáforo. Eles pagam tudo com moedinhas de um real, desde aluguel, água e comida. E agora estão com problema de moradia”, afirma Carneiro.
A Secretaria de Assistência Social de Ribeirão, desde que os imigrantes chegaram na cidade, oferece abrigo. O grupo Warao passou algumas semanas na Casa de Passagem, criada para acolher pessoas em situação de rua, desabrigados por abandono, migrantes e pessoas em trânsito, sem condições de se sustentar. A permanência máxima é de três meses e a capacidade de até 50 pessoas.
Atualmente não há nenhum estrangeiros no local. De acordo com a prefeitura, os venezuelanos estão sendo acompanhados por uma equipe técnica do Departamento de Proteção Social Especial.
Segundo a professora Cinthia Carneiro, os indígenas decidiram sair da Casa de Passagem por dificuldade de adaptação. Dez venezuelanos decidiram sair de Ribeirão Preto e tiveram os custos da viagem pagos pela prefeitura. Os que continuam na cidade, 59, vivem em casa alugada, com despesas custeadas do próprio bolso. Um grupo de voluntários entrou como fiador dos imóveis.
“As coisas estão se encaminhando, mas a nossa luta é para que a prefeitura arque com estes alugueis e um lugar melhor, porque a situação que eles estão, é muito precária”, afirma Carneiro.
Documenta O
No dia três de setembro deste ano, a Faculdade de Direito da Usp de Ribeirão inaugurou um escritório permanente para regularização de refugiados. Segundo Carneiro, o curso possui desde 2012 um projeto de extensão que estuda movimentos migratórios e de apoio ao trabalhador imigrante no Brasil. Recentemente pasou a atuar em conjunto com a PF e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em mutirão para solicitação e renovação de autorização de residência.

Entre os dias três e dez de setembro, foram atendidos 40 estrangeiros, entre eles venezuelanos, tanto da tribo indígena Warao quanto de outras etnias, um homem originário da síria e outro da Bolívia.
O estudante da República do Congo Noélvy Faniol Ndouniama, 24, é um dos integrantes da equipe do mutirão. Ele é beneficiário de um programa do Congo com o Brasil. Antes de chegar na USP de Ribeirão passou pela Bahia para estudar a língua portuguesa. Hoje auxilia outros estrangeiros a terem documentação regularizada.
De acordo com o estudante, o acolhimento da faculdade foi fundamental para sua adapta- ção. “Teve uma senhora que é responsável pelo recebimento dos estudantes estrangeiros. E também teve alguns veteranos que me receberam bem”, diz.
Aulas De Portugu S
A Biblioteca Sinhá Junqueira, localizada na rua Duque Caxias, 547, centro de Ribeirão, oferece de graça curso de aprimoramento da língua portuguesa e expressões cotidianas para estrangeiros. Em pouco menos de dois anos, a instituição atendeu 40 pessoas de diversas nacionalidades.
Entre os inscritos estão imigrantes da Índia, Peru, Bolívia, Chile, Estados Unidos, Colômbia, Japão, Haiti e Guiné-Bissau. Atualmente o curso está na segunda turma, com 18 participantes.
O projeto foi elaborado pela professora Maria Helena da Nóbrega, que ensina português para estrangeiros há 20 anos. Segundo ela, o aprendizado é baseado na troca de experiências e conversação. “Por serem poucos alunos, a gente consegue um ensino bem próximo. Um aprende vendo o outro falar, entre erros e acertos”, afirma.

Nóbrega diz que um dos motivos para a procura pelo curso está no mercado de trabalho, já que a língua portu- guesa é falada por 250 milhões de pessoas no mundo. Além de Brasil e Portugal outros nove países africanos são lusófonos. “A quinta língua mais usada na internet é o português. Por isso tem valor de mercado. Apesar de nos últimos anos o país ter se tornado pária no âmbito internacional, por conta de posicionamentos políticos, o brasileiro abre portas onde chega”, afirma.
Para o colombiano Esteban