

Título: OsmusikéCadernos4
Diretor: Jorge Nascimento
Equipa redatorial: Jorge Nascimento, Agostinho Ferreira, Álvaro Nunes, JoãoS. Pereira, J. Salgado Almeida
Conceção gráfica: João Silva Pereira, J Salgado Almeida, Jorge Nascimento, Agostinho Ferreira, Álvaro Nunes
Capa: J. Salgado Almeida
Revisão: Agostinho Ferreira, Álvaro Nunes, Jorge Nascimento, João Silva Pereira
Ilustrações: J Salgado Almeida, Local de edição: Guimarães
Propriedade e edição: Osmusiké, osmusike@gmail.com - www.osmusike.pt Escola Secundária Francisco de Holanda, Alameda Dr. Alfredo Pimenta, 4814 528 Guimarães
Ano e mês: 2022, dezembro
Páginas: 742
ISSN: 2975-8041
Coprodução: Município de Guimarães
Notas: 1 - Todos os artigos que integram OsmusikéCadernos4 são da responsabilidade dos autores; 2 - Respeitando a opção individual de cada um, apresenta-se a ortografia portuguesa com ou sem o acordo ortográfico;
3 - Quando os textos estão assinados com afiliação profissional, os cargos referem-se à data em que os mesmos textos foram escritos.
Notas para a versão e-book - Por razões técnicas, a revista será dividida em 3 partes.
A 1.ª parte, com 316 páginas, além dos textos de abertura, trata das efemérides da CEC 2012, dos 30 anos da biblioteca Raul Brandão e dos 20 anos da associação Osmusiké;
A 2.ª parte, é integralmente dedicada ao centenário do Vitória Sport Clube;
Na 3.ª parte, com a participação de dezenas de autores e colaboradores, são abordados, de uma forma plural, outras temáticas que têm Guimarães como centro
Capital Europeia da Cultura - 10 anos depois… - 15 Domingos Bragança
Fazemos parte do Futuro 16 Paulo Lopes Silva
O Vitória Sport Clube completa 100 anos 19 António Miguel Cardoso
GUIMARÃES 2022: 10 anos da CEC 2012; 100 anos do Vitória Sport Clube; 30 anos da Biblioteca Raúl Brandão; 20 anos de Osmusiké 20 Jorge do Nascimento Silva
Símbolos comemorativos 27 Equipa redatorial
As geminações vimaranenses 29 Equipa redatorial
Guimarães 2012: Quatro tempos, bons momentos 34 Equipa redatorial
Dez anos depois, a cidade continua o seu caminho… 59 Filipe Fontes
MAPa 2012 65 Alexandra Gesta
Plataforma da lusofonia ou embaixada cultural lusófona 70 Florentino Cardoso
A Tecedeira Invisível 73 Catarina Pereira
Zona de Couros e Capital Europeia da Cultura: Algumas memórias (de um arquiteto) 78 Ricardo Rodrigues
Guimarães 2012 – “cinema em concerto” ou uma afirmação do “sector vimaranense” 84 César Machado
A Capital Europeia da Cultura de Guimarães 91 Ana Bragança
Tempos Cruzados – O Programa Associativo e a CEC 2012 10 anos depois, um olhar crítico 96 Ricardo Araújo
Os espaços de representação 103 F. Capela Miguel
0 teatro e os seus protagonistas nos últimos 100 anos 107 Jorge do Nascimento Silva, F. Capela Miguel, Emília Ribeiro
Guimarães, Cidade Medieval Evento de referência histórica – “Feira Afonsina” 125 Isabel Pinho
Guimarães 2012 - Revisitando as Orquestras sub-12 e sub-21 128
A Academia de Bailado de Guimarães e a CEC 2012 10 anos depois 134 Rui Donas
O órgão da Colegiada e a CEC 2012 138 Júlio Esteves Dias
Uma grande coreografia humana 145 Rui Torrinha
O corpo e alma do tempo 148 Carlos Alves Correia
A nossa primeira vez -151 Jorge Castelar
De dez em dez anos? -155 Paulo Vieira de Castro
CEC-2012 e as Associações Culturais - Memória e futuros possíveis 158 Isabel Machado
A colecção de fotografia da Muralha e a capital da cultura 164 Rui Vítor Costa
O Cineclube de Guimarães e a Capital Europeia da Cultura 176 Paulo Cunha
Envolvimento das Escolas na CEC: Conta-nos o teu Sítio 181 Teresa Macedo
As Cutelarias e os Cutileiros na CEC: A História de uma arte 185 Maria Teresa Portal Oliveira
A Capital Europeia da Cultura e a educação pelo património 193 Helena Pinto
Turismo e Guimarães, do Berço de Portugal à Capital Europeia da Cultura 196 José Nobre
2012 Guimarães Capital Europeia da Cultura - Perspetiva da ACTG 204 Cristina Faria
CEC 2012 - 10º aniversário - Penha Palco Natural 214 Roriz Mendes
Quatro Tempos 217 João Couceiro da Costa
A Capital Europeia da Cultura relembrada 10 anos depois 222 António Magalhães
Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura 224 Francisca Abreu (1954-2020)
Guimarães CEC 2012: factos, acontecimentos e ambições para o futuro 228 Paula Remoaldo
O meu olhar retrospectivo para 2012 234 Rui Horta
Vinte anos passados … O que ficou? 236
Victorino Costa
E tudo se transforma? 241 Samuel Silva
Ecos de uma Capital Europeia da Cultura: 10 anos depois 246 Paulo César Gonçalves
Memórias que fazem… parte! 248 Vítor Oliveira
Osmusiké aos olhos do crescimento 253 Sofia Machado
OSMUSIKÉ - vinte anos de aventuras 255 Jorge do Nascimento Silva, F. Capela Miguel, Emília Ribeiro
Hino aos 20 anos dos Osmusiké 268 Poema de Álvaro Nunes
Osmusiké, 2022 269 Álvaro Nunes
Medalha de Mérito Cultural - Uma cereja em cima do bolo 270 Álvaro Nunes
Prémio Gil Vicente 271 Álvaro Nunes
Biblioteca Raul Brandão: Nos 30 anos da sua inauguração e 155 anos do nascimento do escritor 275 Equipa redatorial
História verdadeira de uma Biblioteca 278 F. Capela Miguel
A verdade histórica da Biblioteca Raul Brandão 284 Barroso da Fonte
História da Biblioteca -295 Maria José Nobre
A Biblioteca e a sua estrutura organizativa 300 Juliana Fernandes
Funções essenciais da Biblioteca: informativa, educativa, cultural e recreativa 306 Ivone Gonçalves
A Biblioteca a partir da ótica de Paulo César, (antigamente) jovem, frequentador e amante de livros 310 Paulo César Gonçalves
Bibliotecas - Ou como voar nas asas de um livro 311 Sílvia Lemos
O papel cultural da Biblioteca no concelho de Guimarães 314 Adelina Paula Pinto
Guimarães, Capital Europeia da Cultura (CEC 2012), neste décimo aniversário da efeméride, é o cerne desta quarta edição dos OsmusikéCadernos, à colação da qual se adita a abordagem do centenário do Vitória Sport Clube, os trinta anos da Biblioteca Raúl Brandão e os 20 anos da nossa associação, entre demais registos factuais dos anais vimaranenses e de outros eventos nacionais e mundiais. Assim, na abertura, concedemos a voz aos lídimos e atuais representantes das três instituições aludidas: a Câmara Municipal, através do seu presidente e vereador da cultura; ao VSC, por via do seu presidente; a Jorge Nascimento, diretor da Revista e presidente da nossa coletividade.
Esta edição de OsmusikéCadernos está inteiramente dedicada à comemoração. E por que comemoramos? Porque reconhecemos a importância daquilo que estamos a celebrar. Uma celebração que assume relevância nas relações políticas e sociais, assim como no imaginário coletivo. Porque comemorar é “memorar com os outros”.
Pierre Nora, historiador francês nascido em 1931, diz que as comemorações são, por excelência, “lugares de memória”. Logo, a humanidade pensa-se a si própria num tempo cronológico e histórico, motivo pelo qual, ao comemorar, o homem refaz a história com noções do presente. Poder-se-á dizer, então, que se a história reconstrói o passado, a memória é um fenómeno da atualidade e a comemoração a ponte entre as duas (História → Comemoração → Memória) que manifesta um desejo, desejo de evocarmos um acontecimento que terá marcado, de forma significativa, a vida de uma comunidade, seja ela de âmbito mais lato ou mais restrito. Um acontecimento que pode ter sido efémero ou ter contribuído para o estabelecimento de uma instituição perene. Em ambos os casos, celebramos a importância de algo que marca ou marcou a nossa vida, enquanto coletivo, e cujo legado perdurará durante longos anos.
Cem (100) anos de Vitória Sport Clube, trinta (30) anos de Biblioteca Municipal Raul Brandão, vinte (20) anos de Osmusiké, dez (10) anos de Capital Europeia da Cultura.
São estas quatro instituições que se celebram nestes Cadernos, mas que se celebram também todos os dias. Na vida da cidade, das pessoas da cidade, no serviço que prestam, no que congregam, no que deixam como legado. Se a história narra o passado, a memória reconfigura-o, dando-lhe novas significações e fazendo com que o contínuo temporal da nossa vida em comunidade se possa alimentar de passado, presente e futuro.
O desafio para a escrita do presente artigo enquadra-se no objetivo, que saúdo, de Osmusiké contribuírem para uma reflexão sobre os 10 anos da CEC 2012, no âmbito dos Cadernos 4. Falar sobre esse legado, além de uma grande responsabilidade, tende a ser uma reflexão sobre o passado, que tentarei evitar. Pegando no legado, como elemento histórico prévio, partirei para uma reflexão sobre o Futuro e o caminho que se pretender construir.
“Considerando as nossas raízes históricas, a nossa tradição de intervenção cultural e os resultados obtidos em termos de requalificação urbana e realização de investimentos, estamos convictos da vocação e capacidade do Município para, com os seus cidadãos e as suas instituições, celebrar e sublinhar, em 2012, a riqueza e diversidade culturais europeias, a sua capacidade de diálogo secular com outras culturas e civilizações e os fundamentos da nossa tradição social e política comum, assente no respeito pelas diferenças e no direito dos povos à autodeterminação e à identidade cultural, num quadro de liberdade e democracia.”
(António Magalhães, Documento de Candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura 2012)
A citação do Presidente da Câmara à data da candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura reflete três ideias fundamentais que estão vertidas no processo que culminou com a escolha de Guimarães, em 2012.
A primeira é a da clarividência da centralidade do projeto cultural de Guimarães e as suas linhas de força para a candidatura: décadas de recuperação e requalificação urbana, a regeneração do Centro Histórico que nos valeu a classificação de Património da Humanidade e o investimento em infraestruturas e programação cultural que ajudou a criar públicos e hábitos de fruição artística no território. A segunda é uma ideia de Cidade que desejamos ser. Um território cosmopolita, europeu, diverso e com curiosidade pelo mundo para lá da muralha.
A terceira, e absolutamente central e urgente nos dias que correm, é o mundo que gostaríamos de ajudar a construir. Uma sociedade mais tolerante, mais respeitadora, intransigente com a defesa do direito à diferença e defensora da diversidade das identidades culturais e do respeito à
autodeterminação, em liberdade.
São três ideias fortes, visionárias e transformadoras, que ajudaram a enformar um projeto artístico e uma candidatura que culminou, durante mais de um ano, na celebração, em Guimarães, de todos esses valores.
E fê-lo com recurso à Comunidade, virada dos seus para o mundo, transformando, a partir da nossa porta, todo o Mundo que idealizamos.
“Tu fazes parte!”, dissemos durante 2012.
Da CEC 2012 partimos rumo ao futuro, o nosso presente. Virando a página das políticas públicas culturais para a densificação da dimensão da criação. Continuamos a ser consumidores da vanguarda artística e das expressões mais contemporâneas, mas fortalecendo as condições de sermos produtores e criadores, a partir deste território.
“Ficámos parte”, “Somos parte da memória”, são alguns dos slogans da comemoração, em 2022, dos 10 anos da efeméride. Somos conhecedores do caminho que percorremos, mas temos, hoje, novos instrumentos e infraestruturas para a criação. Sendo parte de um todo, criamos a partir de Guimarães para o mundo.
Foi em 2022, 10 anos depois, que inaugurámos o Teatro Jordão e a Garagem Avenida, expoentes máximos dessa transformação e dessa segunda geração de políticas públicas. Mantendo um auditório e vendo ser acrescentado um espaço expositivo, estes edifícios albergam, hoje, a nova geração das artes. Duas escolas da Universidade do Minho – Artes Performativas e Artes Visuais – e o Conservatório de Música de Guimarães trabalham diariamente na formação dos artistas, produtores e criadores de amanhã. Ainda neste espaço, sete salas de ensaio para bandas de garagem testemunham coletivos e artistas que há muito deixaram o lado incógnito que a “garagem” parece indicar.
Por este motivo, este foi o ano escolhido para pensar em Futuro. Em Fazer Parte desse Futuro. Daí que, em 2022, se tenha iniciado uma reflexão coletiva: onde desejamos estar em 2032? Qual a terceira geração de políticas públicas para a cultura que queremos, conjuntamente, desenhar?
O Plano Estratégico Municipal para a Cultura – Guimarães 2032 - é uma ferramenta fundamental para este processo, especialmente pela forma como propõe um modelo participativo para a sua elaboração.
Em Guimarães, sabemos há muitos anos, são verdadeiros fatores críticos de sucesso de qualquer projeto a participação e o envolvimento, o sentido de pertença e a cocriação. Tratando-se de Cultura, e tendo em conta o longo lastro associativo e cívico na construção deste projeto cultural vimaranense, é da mais elementar justiça que o passo seguinte, e a estruturação das políticas públicas para os próximos 10 anos, seja
dado através de uma auscultação e construção conjuntas.
Deste documento esperamos encontrar uma linha comum orientadora do ponto de vista da estratégia, das ferramentas, da gestão dos espaços e da capacidade de dar sequência a um investimento em cultura diferenciador e transformador de Guimarães.
A estas linhas estratégicas, soma-se a necessidade de fortalecer o pensamento artístico da programação do território, quer através das estruturas municipais, quer da sua coexistência e complementaridade com os circuitos independentes.
O estímulo ao conhecimento do “mundo lá fora” continuará a ser o adubo primordial do projeto de apoio à criação de Guimarães. Precisamos de tomar consciência do outro, das diferentes estéticas, da vanguarda artística, ao mesmo tempo que dotamos de condições financeiras, materiais e de ecossistema, a dinâmica criativa do território.
Os passos seguintes só podem ser a profissionalização e a internacionalização. Passos que devem continuar a fortalecer-se, ao longo do tempo. Criadas as condições para a criação, abertas as portas à captação e fixação de talentos, formando e capacitando artistas e criadores, teremos mais profissionais das artes e da cultura, e as suas carreiras prosseguirão pelo país e além-fronteiras.
Todo este projeto, bem como a citação que encabeça este artigo e toda a ideia de base do investimento neste projeto cultural, não se encerra em carreiras, mercados e profissionais. O investimento em cultura e na formação pelas artes abre portas ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa, mais tolerante, mais respeitadora dos valores da democracia e da autodeterminação, e desperta-nos para a necessidade de procurarmos conceitos de vida mais felizes e mais respeitadores do planeta terra.
Este respeito pela terra é especialmente decisivo, pois existindo ele está alinhado com as políticas que têm como objetivo o Desenvolvimento Sustentável e a Neutralidade Climática, desígnios com que Guimarães está tão comprometida. A arte pode constituir-se como veículo de transmissão destes conceitos, adequando a ação de todo o seu setor a estas preocupações.
Depois de décadas de investimento na criação de hábitos de consumo cultural, na requalificação urbana e patrimonial, na criação de equipamentos culturais de excelência, depois de mais de dez anos investindo na elaboração de condições e instrumentos facilitadores e impulsionadores das dinâmicas criativas e de criação do território, queremos, como em 2012, “Fazer Parte”.
E “Fazer Parte” é projetar coletivamente o Futuro. O elemento decisivo do sucesso de todos os grandes projetos que Guimarães abraçou é a Comunidade. Será com Ela que, virados para 2032, e através da Cultura, continuaremos a construir um Mundo mais tolerante, mais humanizado e mais ecológico.
Quis o destino que assumisse a presidência do Vitória Sport Clube aquando da celebração do seu centenário. Servir este emblema foi, é e será sempre uma honra e poder fazê-lo num momento tão especial traduz-se numa motivação e sentido de responsabilidade e compromisso ainda maiores.
O Vitória Sport Clube completa 100 anos de uma história bonita, caracterizada pelo crescimento e evolução nas mais diversas áreas. O Vitória Sport Clube é, hoje, um dos clubes com maior destaque no que ao ecletismo diz respeito, mobilizando, atualmente, cerca de 2.000 praticantes. Apresenta-se ainda como um dos Clubes com mais força no panorama nacional, muito também pela sua grande envolvência popular. O número de associados, bem como o seu histórico de participações desportivas são exemplo do que atrás foi escrito.
Com 100 anos já vividos, e com títulos conquistados, é hora de olhar também para o futuro e continuar a honrar a memória de todos aqueles que contribuíram para este centenário. Dirigentes, treinadores, atletas, colaboradores e sócios que escreveram e escrevem, ano após ano, a nossa história.
A todos o meu muito obrigado!
Viva o Vitória!
GUIMARÃES 2022: 10 anos da CEC 2012; 100 anos do Vitória Sport Clube; 30 anos da Biblioteca Raúl Brandão; 20 anos de Osmusiké Jorge do Nascimento Silva Presidente da Direção dos Osmusiké
Desde 1985, por iniciativa da União Europeia e da ministra grega Melina Mercouri1, que é designada anualmente uma Cidade Europeia da Cultura, mais tarde denominada Capital Europeia da Cultura e alargada a duas cidades. Uma intervenção que visa mostrar a vida e o desenvolvimento cultural das cidades europeias e permitir um melhor conhecimento mútuo entre os cidadãos europeus.
Portugal recebeu essa distinção em 1994, em Lisboa, e posteriormente, em 2001, no Porto. Guimarães seria a terceira cidade do país a receber esta prerrogativa, que só em 2027 voltará a distinguir as terras lusitanas.
Recordemos alguns antecedentes de Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura e seus desígnios.
Ora, cronologicamente falando, Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura - (CEC 2012) inicia-se durante a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, em outubro de 2006. Nesta altura, o governo português submete a nomeação da
1 Melina Amália Mercouri (Atenas, 18 de outubro de 1920 Nova Iorque, 6 de março de 1994), mais conhecida como Melina Mercouri (em grego: Μελίνα Μερκούρη), foi uma atriz, cantora e ativista política grega. Fez parte do Parlamento Helênico e, em 1981, tornou-se a primeira mulher a ser Ministra da Cultura na Grécia. Uma das suas realizações mais importantes foi a criação do título de Capital Europeia da Cultura, tendo Atenas sido designada a primeira capital, em 1985. A iniciativa foi fruto de uma reunião organizada por Mercouri com os ministros da Cultura dos então dez Estados-Membros da UE, durante a primeira presidência grega do Conselho, em 1983. Nessa reunião, ao reconhecer que o Tratado de Roma, que criou a Comunidade Económica Europeia (precursora da UE), não fazia qualquer referência a aspetos culturais, Melina Mercouri instou os outros ministros a subscreverem os seus esforços para reforçar a consciência cultural por toda a Europa. Essa reunião seria a primeira de uma série de encontros periódicos entre os ministros da Cultura da UE, que ainda hoje são realizados. (Wikipédia, dezembro de 2017, consultada em 01/01/2022)
cidade vimaranense à candidatura de Capital Europeia da Cultura 2012, que, em dezembro de 2007, é apresentada ao Painel Europeu de Seleção respetivo.
Porém, o desenvolvimento do processo teria vários passos: em abril de 2008, ocorre em Bruxelas a primeira reunião que acolhe a candidatura de Guimarães; após apresentação de uma adenda, é, em dezembro deste mesmo ano, reconhecida pela qualidade do projeto e recomenda à Comissão Europeia a sua designação como Capital Europeia da Cultura 2012.
Posteriormente, em maio de 2009, o Conselho de Ministros da Cultura designa Guimarães como uma das capitais europeias da cultura, conjuntamente com Maribor (Eslovénia) e, logo no mês seguinte, a Assembleia Municipal de Guimarães, por proposta da Câmara Municipal, aprova a constituição e estatutos da Fundação Cidade de Guimarães, aprovados por Decreto-lei, em Conselho de Ministros, em julho, e publicados em Diário da República, durante o mês de agosto.
Estavam dados os passos fundamentais do ponto de vista legal que permitiam à Fundação Cidade de Guimarães conceber, planear, promover e executar o desenvolvimento do programa cultural do evento.
Catedral de Maribor, dedicada a São João Batista, século XII
Deste modo, em março de 2010, é assinado o protocolo entre as três associações que o programa associativo “Tempos Cruzados”, constituído pela Associação de Folclore e Etnografia de Guimarães, pelo Convívio e pelo Círculo de Arte e Recreio (CAR), surgindo em janeiro de 2011 a apresentação da primeira versão do Programa Cultural.
Mais tarde, em setembro, efetiva-se a tomada de posse da nova Administração da Fundação Cidade de Guimarães e Guimarães recebe o Prémio Melina Mercouri pela elevada qualidade do programa proposto, cuja aprovação final pelo Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães ocorreria, de seguida. Subsequentemente ocorreria a sua apresentação pública, nos meses finais de 2011.
João Serra, Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, assim escreveria no seu “Elogio da Cidade”
sobre os pressupostos do evento:
(…)
“O programa cultural de Guimarães 2012 parte do inventário dos conectores de que a cidade já se ocupa. Não os substitui, pretende contribuir para o seu reforço, um sistema onde algumas tarefas exigem um alto nível de especialização e de recursos tecnológicos adequados, e, naturalmente, níveis de intervenção de proximidade diversificada.
Reserva de imaginário, a cultura permitirá, nas cidades da escala de Guimarães, compreender mais de perto o património comum e incentivar o seu papel como fonte de modernidade (…) e fator essencial de humanização das sociedades”.
Entretanto, em 21 de janeiro de 2012, teve lugar a cerimónia de abertura de Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura e todo o seu desenrolar ao longo do ano, que encerraria nos finais de dezembro, nos dias 21, 22, 23, com 48 horas ininterruptas, que abririam uma nova etapa, na cultura vimaranense"Tempo para Guimarães ser mais".
Com efeito, em diversos palcos/espaços espalhados pela cidade, confluiriam dois anos de intenso trabalho dos agentes culturais locais desenvolvido na comunidade vimaranense. Foram algumas centenas de pessoas que orgulhosamente participaram nas diversas residências artísticas nas freguesias do concelho e que preencheram estes dois intensos anos de vivências culturais - 2011 e 2012.
Como refere mais à frente António Magalhães, presidente da Câmara à altura, deve ser destacado “o trabalho, conhecedor e competente, da Dra. Francisca Abreu, que nos momentos mais críticos, e quando se impunha uma voz culturalmente avisada, era a sua autoridade que sobressaía em consonância com tantos outros homens e mulheres da cultura de Guimarães”. Claro que o Presidente Jorge Sampaio foi um “trunfo” sempre na mão de quem liderava todo o processo.
Procuraremos nestas páginas avaliar alguns dos seus impactos, algumas das suas manifestações culturais no decurso dos 12 meses de duração, algumas das intervenções nas suas componentes materiais, imateriais e requalificações urbanísticas, e, concomitantemente, avaliar a participação das coletividades, bem como recolher alguns depoimentos e testemunhos vivenciados sobre esses tempos.
Entretanto esta edição não se atém pela CEC 2012, a despeito do tema se constituir como o seu cerne. Com efeito, vai também abordar os seguintes eixos temáticos, a saber:
- Os 100 anos do Vitória Sport Clube;
- Os 30 anos da criação da Biblioteca Raúl Brandão;
- Os 20 anos dos Osmusiké ao serviço da Cultura.
Deste modo, procuraremos reportar, evocar ou sentir a nossa própria aventura de 20 anos de existência,
assim como relatar os últimos 30 anos de vida da Biblioteca Raul Brandão, que daria seguimento a 25 anos da Biblioteca Fundação Calouste Gulbenkian e prestaria um prestimoso trabalho ao serviço da cultura em Guimarães. Outrossim, abordar o centenário de uma das mais prestigiadas e populares instituições vimaranenses: o Vitória Sport Clube
O Vitória, nos seus momentos mais altos e alguns baixos, nos seus protagonistas e espaços para a prática do futebol, primeiro, e de outras modalidades bem mais tarde, nas suas diversas vertentes e domínios, nas suas velhas glórias, na sua formação, na sua forma única de sentir e viver …
Paralelamente, virão à liça, nesta edição, um conjunto de efemérides diversas, quer da vida vimaranense quer nacional e internacional, que terão o ano da graça de 2022 por referência. E, obviamente, as rubricas habituais no âmbito das artes e das letras que reportam a nossa realidade …
No próximo ano, voltaremos…
Várias páginas sintetizam um ano indelével para Guimarães que foi a CEC2012.
Deste modo, dos símbolos às geminações da cidade-berço, projetam-se sumariamente, aqui e agora, quatro tempos e bons momentos dessa realização coletiva que foi a CEC 2012 da qual fizemos parte.
Uma longa metragem com múltiplos protagonistas, atores secundários e figurantes, mas também técnicos, criadores e críticos, que na singularidade e pluralidade das suas performances, vozes e perspetivas, impulsionaram a ação, neste tempo e espaço determinado, dela fazendo parte …
Um milhão de selos alusivos à CEC 2012 seriam lançados pelos CTT em junho desse ano, após uma cerimónia pública levada a cabo na cidade vimaranense.
Uma edição sobre Guimarães que aconteceria pela terceira vez, considerando que em 2002 e 2004 tinham já ocorrido situações similares, respetivamente aquando da classificação do Centro Histórico como Património Mundial da Humanidade e no decurso do Campeonato Europeu de Futebol.
Quanto aos selos, de autoria da designer Elisabete Fonseca, seriam simbolicamente utilizados em primeira mão pelo Presidente da Câmara, António Magalhães, que logo na altura da cerimónia formal os utilizaria, na expedição de cartas para Maribor e para Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia.
Quanto às quatro modalidades de selos emitidos, além de ícones do património material e imaterial da cidade e do logótipo da CEC, englobam ainda imagens alusivas à Praça da Oliveira, Centro Cultural Via Flor e Pousada de Santa Marinha da Costa, bem como às Festas Nicolinas.
No fundo, um milhão de selos em circulação através dos quais Guimarães correrá o mundo …
Uma moeda corrente e comemorativa alusiva a Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012, seria também emitida pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda durante o ano de realização do evento, no âmbito da série de comemorações europeias.
Uma moeda de cuproníquel/níquel revestido com latão niquelado (bimetálica) com o valor facial de 2 euros, que exibe na face nacional, de autoria do artista plástico vimaranense José de Guimarães, a representação de elementos de maior significado e simbolismo da cidade: D. Afonso Henriques, a sua espada e o seu
castelo.
A moeda, com 27,75 milímetros de diâmetro e 8, 5 gramas de peso, foi apresentada em carteira ilustrada, também ela desenhada por José de Guimarães, e teve o limite de 10 mil exemplares com acabamento proof e 10 mil exemplares em acabamento especial BNC.
A identidade gráfica desenhada pelo jovem designer aveirense João Campos, em forma de coração multifacetado, que nasce num misto do traço das ameias do castelo e do elmo de D. Afonso Henriques, seria o vencedor do concurso nacional aberto para o efeito.
Um logótipo simbólico que agrega alegoricamente a muralha em representação do Património Mundial da Humanidade e o desenho da viseira do elmo do rei fundador, que, rematado sob a forma de um coração evoca o orgulho do nascimento e o amor à nação, que é um sentimento vivo e forte de pertença, bem presente entre os vimaranenses em relação à sua cidade.
Logótipo humano da CEC 2012. Fonte: www.guimaraesdigital.com
Recorde-se que além do logótipo presente em vários pontos da urbe vimaranenses, a Fundação Cidade de Guimarães e a Tempo Livre promoveram a formação de um logótipo humano, na Colina Sagrada/Campo de S. Mamede, envolvendo simbolicamente 2012 crianças de 12 anos, recrutadas de 19 agrupamentos escolares dos concelhos de Guimarães, Fafe e Vizela.
Equipa redatorial
A cidade-berço, conjuntamente com Maribor, na Eslováquia, partilharam em 2012 a distinção de Capital Europeia. Todavia, nomeadamente a nível Cultural, Guimarães mantém relações de amizade, intercâmbio e solidariedade com várias cidades, no contexto das geminações. De facto, num mundo cada vez mais globalizado que, em teoria, o tornaria mais pequeno, mas que, na prática, é cada vez maior na distância entre pessoas, sociedades e culturas, as geminações pretendem escutar e conhecer melhor as cidades gémeas.
Com efeito, Guimarães, na esteira de Jean Barth, um dos principais fundadores do Conselho de Municípios Europeus, tem protocoladas várias geminações. De facto, na conceção do citado, visa-se e pretende-se, neste encontro dos municípios, proclamar uma associação, quer no sentido de agir e confrontar os problemas, quer em desenvolver entre eles laços de amizade cada vez mais estreitos, em especial de âmbito social, desportivo e cultural.
Ora, Guimarães encontra-se geminada com várias cidades do mundo. Aliás, a cidade chegaria mesmo a organizar uma Feira das Geminações no Jardim da Alameda, em junho de 2002, para dar conta deste trabalho específico, praticamente desconhecido dos vimaranenses.
No entanto, se hoje fosse repetida a pergunta da altura, “sabe quais as cidades geminadas com Guimarães”, quantos responderiam acertadamente?
Aqui ficam as respostas:
Na Europa sobressaem as geminações com as cidades francesas como Brive (1993), região de muitos emigrantes portugueses, cuja mediateca está também geminada com a Biblioteca de Guimarães, Raúl Brandão, secundando o acordo entre os municípios; e ainda Compiègue (2006/2007), a cidade de assinatura dos armistícios das guerras mundiais. Estas colaborações têm-se fundamentalmente centrado a nível cultural, sobretudo a nível do folclore, intercâmbios escolares e artísticos, feiras de livros e realizações de exposições. Porém, as raízes históricas são também e por vezes um traço de união com cidades francesas, como é o caso de Dijon (2017). Com efeito, nesta cidade gaulesa, capital da região vinhateira da Borgonha, nasceu o conde D. Henrique, pai do nosso primeiro rei. Além disso, ambas as cidades são Património Mundial da Humanidade
e têm em comum a preservação do ambiente como objetivo de partilha. Porém, nas geminações francesas conta-se ainda Moutluçon (2016).
Kaiserslautern (2000), no sul do Estado da Renânia Palatinado, na Alemanha, e Igualada (1995), na Província de Barcelona, na Comunidade autónoma da Catalunha, Espanha e Tacoronte (1997), nas Ilhas Canárias, são outras geminações europeias destacadas.
Entre estas geminações europeias, a cidade alemã possui, no Parque da Cidade de Guimarães, no denominado Lago Cidade de kaiserslautern, a escultura “Peixes” representativa desta cidade; e junto desta área, a Praceta Cidade de Kaiserslautern. Em contrapartida, a Praça Cidade de Guimarães marca presença na cidade alemã, junto da estação ferroviária, anterior “Porta da Cidade”.
Para esta geminação terá certamente contribuído a presença de muitos emigrantes portugueses na cidade alemã e as relações da Universidade do Minho com instituições de ensino superior daquela urbe germânica, que teria sofrido violentamente com os conflitos históricos das invasões napoleónicas e com os bombardeamentos em massa, no decurso da II Grande Guerra.
Deste modo, para além de encontros sociais, designadamente de nadadores, jovens e escuteiros, as
Escultura “Peixes”, no Lago Cidade de Kaiserslautern – Parque da Cidade - representativa do símbolo da cidade de Kaiserslautern. Os peixes foram decorados pelo arquiteto Vimaranense Vasconcelos
representações teatrais e musicais têm também ocorrido como permutas culturais predominantes.
Por sua vez, com Igualada, além dos intercâmbios económicos, são de destacar as trocas culturais nos domínios da música, teatro, dança, bem como jornadas, conferências e seminários culturais. Curiosamente, uma cidade cuja economia se centra na indústria do Couro, tal como Guimarães em tempos idos.
Tacoronte na província se santa Cruz de Tenerife, é outro caso de geminação histórica. Com efeito, esta cidade espanhola, situada nas Ilhas Canárias, foi fundada no século XV pelo vimaranense Sebastião Machado que aí se terá radicado em 1496. Terra de turismo e bons vinhos, como o Acentejo Tacoronte, a cidade motivou visitas oficiais e várias trocas culturais no âmbito do folclore e teatro, bem como exposições diversas.
As geminações americanas e africanas Também na América, a cidade vimaranense assinaria protocolos de geminação.
Assim, Londrina (1987), cidade brasileira do Paraná, da soja e do café, seria uma das primeiras geminações celebradas.
Em Guimarães, a geminação com a cidade do Paraná brasileiro encontra-se memoriada na Praça Cidade Londrina, cuja placa de mármore preto grava e recorda que “não há distância que separe a alma luso-brasileira”.
“Espaço e Movimento” Escultura oferecida pelo município de Londrina, da autoria do escultor Zanzal Mattar, em aço, com 1,90 m de altura - in GuimaraesDigital, 27/07/2022
De facto, e parafraseando a “Mensagem” pessoana que “Deus quis que a Terra fosse toda uma/Que o mar unisse, já não separasse”, a união por geminação
estender-se-ia ainda ao Rio de Janeiro (1999), a cidade maravilhosa, que foi capital do Brasil até 1960 e do império português, na época das invasões napoleónicas. Porém, uma cooperação que não só se tem particularmente desenvolvido no âmbito da UCCLA – União das Cidades Capitais Luso-Africanas-Americanas, como também se tem saldado na troca de experiências entre universidades, palestras e conferências, bem como através de exposições de pintura.
Por sua vez, no sudoeste do Uruguai, é de assinalar a geminação com a Colónia de Sacramento (2001/2002), na foz do rio Prata. Uma situação decorrente da visita do Presidente da República uruguaio a Guimarães, em 2000, resultante do facto da Colónia de Sacramento ter sido fundada pelo português Manuel Lobo, em 1680.
Uma cidade sita numa área predominantemente agrícola e de criação de gado bovino e caprino, que conserva os seus valores patrimoniais e legados e que por isso foi também declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.
Acrescente-se que esta geminação está contemplada na toponímica de Guimarães, na freguesia da Costa e nas imediações do Parque da Cidade.
Concomitantemente, as geminações vimaranenses aportariam também a África.
De facto, o distrito de Me-Zéchi (1989), na ilha de S. Tomé e República de São Tomé e Príncipe, que seria habitada por portugueses a partir de 1470 e que ficaria sob domínio luso até 1975, é uma das geminações elencadas. Uma geminação que assenta, acima de tudo, no apoio financeiro e técnico e no envio de materiais.
Ainda em África, saliente-se outrossim a Ribeira Grande de Santiago (2007), na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, cidade que vive da agricultura, pecuária, pesca e do turismo emergente.
Recorde-se que a antiga cidade da Ribeira Grande foi a primeira cidade construída por europeus na África Subsariana em 1462 e é o berço da nação Cabo-Verdiana; cidade-berço, tal como Guimarães.
E por falar em berços: sabia que Zahovic, ex-centro-campista do Vitória, nas épocas de 93-96, veio de Maribor (a cidade parceira de Guimarães na CEC 2012) e que seu filho, também futebolista, tem Guimarães como seu berço? Coincidências …
No entanto, além destas geminações, Guimarães subscreveu protocolos de cooperação com Kavaderci, na Macedónia (2006), Tourcoing, na França (1997) e Chapada dos Guimarães (2021), uma das sete Chapadas brasileiras, situada no Estado do Mato Grosso, no Brasil.
O município da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, no Brasil, é um exemplo concreto de mais uma “conquista”. De facto, consta que, por volta de 1769, o Capitão General Luiz Pinto de Sousa Coutinho, visconde de Balsemão e governador de Mato Grosso, terá aceitado a sugestão dos portugueses naturais de Guimarães de denominar como Santa Ana de Chapada dos Guimarães a cidade que surgiria a partir do aldeamento dos índios Chiquitos, que fora administrada pelo padre jesuíta Estevão de Castro, posteriormente expulso pelo Marquês de Pombal. Porém, outras fontes garantem que o nome Guimarães se deveria a uma homenagem ao conde de Guimarães, por imposição do próprio visconde de Balsemão.
Acrescente-se que, neste mesmo município, se situa também o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, famoso pelas suas cachoeiras, cavernas e lagoas.
A 21 de Janeiro de 2012, Guimarães arrancaria com a programação da Capital Europeia da Cultura 2012, que partilharia com a cidade eslovena de Maribor. E seria um arranque em cheio…
Vamos recordar esta história da cidade que sempre fez História, recorrendo a quatro tempos, centrados em alguns momentos marcantes, entre os inúmeros eventos que constituíram a programação e as realizações efetivas.
De facto, o primeiro tempo foi de encontro e ocorreu na tarde de 21 de janeiro, no Pavilhão Multiusos de Guimarães, numa cerimónia que contou com a presença de representantes do Governo, do Estado e da União Europeia. De facto, estiveram entre nós o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, o PrimeiroMinistro Passos Coelho e o Presidente da Comunidade Europeia Durão Barroso, entre várias outras figuras políticas e culturais do país, que usariam da palavra no decurso da sessão, bem como as autoridades locais e organizativas da iniciativa, entre os quais o presidente da Câmara Municipal de Guimarães, António Magalhães, a Vereadora da Cultura, Francisca Abreu, e o Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, João Serra. Uma cerimónia protocolar a que se seguiria um espetáculo de abertura conduzido pelo músico vimaranense Manuel de Oliveira que, centrado nos sons da lusofonia, assinalaria “Os nossos afetos” e contaria com a assistência de cerca de 4000 mil pessoas e transmissão televisiva. Foi, com efeito, um evento que contaria com os sons e vozes de Rão Kyao, da fadista Cristina Branco e do brasileiro Chico César, que seria ainda marcado pela exibição do grupo de canto, “Outra Voz”, e pela atuação da Fundação Orquestra Estúdio, sob a batuta do Maestro Rui Massena.
2 Esta série de 4 textos (Tempo de Encontrar, Tempo para Criar, Tempo para Sentir e Tempo para Renascer) segue a estrutura do livro “Um Ano de Capital Europeia da Cultura em Imagens” da Fundação Cidade de Guimarães, 2012. Como fonte de informação, servimo-nos também das várias edições do jornal “Povo de Guimarães”, publicadas no ano 2012.
Neste mesmo dia, à noite, a programação de rua irromperia ainda, no Largo do Toural, transformado em auditório, com cerca de 15 mil pessoas, que se empolgariam com o espetáculo “Berço de uma Nação”, numa conceção e direção artística do Centro de Criação para o Teatro e Artes de Rua (CCTAR). Uma noite espetacular com projeções multimédia e de vídeo mapping sobre a história da cidade, que contaria também com a performance dos catalães La Fura dels Baus, que numa encenação de encher o olho apresentariam um cavalo gigante representando Portugal e uma enorme figura humana simbolizando a Europa, que dariam um espetáculo de forte impacto visual, complementado genuinamente com a presença identitária dos 80 a 100 Nicolinos, ao som das suas caixas e bombos.
Porém, a festa de abertura prosseguiria noite fora. De facto, uma “Primeira Noite” com DJ’s, exposições e música ao vivo, que duraria até à madrugada nas praças e bares da cidade.
Um arranque que até ao final do mês contaria ainda com exibições de diversa índole ao longo da semana, designadamente a mostra de ilustrações de grandes dimensões, no âmbito do programa “Cartografia de Memória e do Quotidiano”, o “Laboratório de Criação para Jovens”, a atividade “Descobrir Guimarães” ou a “Pop up Cultura”, centrada na arte popular, e performances diversas no contexto da reciclagem de materiais, projetos digitais e laboratório têxtil e de arte. Paralelamente avançou o “Ciclo de Cinema Histórias de Guimarães”, no S. Mamede, as “Histórias do Princípio do mundo” com serões em casas rústicas, o “Festival de órgão Ibérico”, na Igreja dos Capuchos, com Gianpaolo Di Rosa e deu-se também início à dança com “A Nossa Bailarina”.
de SAL Toural - Espetáculo de Abertura da CEC 2012
Destacam-se ainda dois eventos na
semana de abertura: a iniciativa “Mi casa es tu casa”, idealizado por Fernando Alvim, que levou 60 músicos, entre os quais Luísa Sobral, Virgem Suta, Anaquim e Beste Youth, a tocar nas casas dos vimaranenses, e que culminaria com o espetáculo no S. Mamede, “A Capital somos nós”; e a atuação dos “Buraka Som Sistema” que tocariam temas antigos e do seu último trabalho “Kumba”.
A imprensa da época, que esteve representada em Guimarães a nível nacional e internacional, sintetiza através de um trabalho do jornalista Samuel Silva, no Povo de Guimarães de fevereiro de 2012, intitulado “Início da Capital Europeia da cultura, teve impacto muito positivo na cidade”, a sua perceção inicial: “(…)
O presidente da Associação Comercial e Industrial de Guimarães, Carlos Teixeira, classificou de extraordinário o impacto do dia de abertura e de muito bom o que aconteceu nos dias seguintes. A loja oficial da Guimarães 2012 aumentou a afluência dos primeiros dias do evento, passando de uma média de 100 visitantes para mais de 500.
As consequências sentiram-se também nos museus (…)
Os primeiros dias de Guimarães 2012 foram marcados por uma grande afluência de público. As salas de espetáculo vimaranenses registaram uma taxa de ocupação de 82% (…), um resultado que surpreendeu a própria organização, que esperava mais afluência de visitas apenas a partir de Março.
As respostas dos vimaranenses e dos visitantes superou o que os mais otimistas poderiam esperar – considera o Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, João Serra.”
O mês de fevereiro foi sobretudo dedicado à dança, com vários espetáculos realizados no Centro Cultural Vila Flor, no Centro para os Assuntos de Arte e Arquitetura (CAAA) e Fábrica ASA.
Deste modo ocorreu o apoio às novas produções da coreógrafa vimaranense, Rafaela Salvador, “Identidade” e “Ballet Story”, esta última produção com a envolvência da Fundação Orquestra Estúdio.
Porém a dança preencheu significativamente a programação de fevereiro com “Dancing with the sound Hobbiyeste”, uma viagem cosmopolita ao universo musical de Zita Swoon, e a estreia mundial “Au-Delá”, produções a que se juntariam “Um gesto não passa de ameaça” de Sofia Dias e Vítor Roriz e, no decurso da semana seguinte, a encerrar a 2ª. edição Guidance, as coreografias “Islands of Memory” de Kario Ito e “For Rent” da companhia Peeping Ton.
Mas houve também teatro no Espaço Oficina, um ciclo de cinema de animação no S. Mamede e “Cruzamentos e Encenações” de arquitetura e montagem na Fábrica ASA, enquanto na música sobressaíram as atuações da Fundação Orquestra Estúdio com Pedro Burmester e Francesco La Veccha, bem como “Periplus
& Outra Voz”, no Centro Cultural Vila Flor.
Outrossim, a residência artística “A Viagem”, no Espaço Grupo Folclórico da Corredoura, e a inauguração do “Laboratório de Curadoria”, na Fábrica ASA.
Concomitantemente, a conferência TEDX Vimaranes (acrónimo de Technology Entertainment e Design, criado nos EUA em 1984) terá sido porventura uma outra iniciativa interessante deste mês de fevereiro.
De facto, no âmbito do movimento TEDx, sob a égide temática “Ser Minho”, as suas origens e desafios do presente, pretendia-se promover um ponto de encontro para a partilha de ideias capazes de transformarem o presente.
Uma iniciativa na qual participaram vários oradores, que abordaram áreas temáticas como Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia, Educação, Arte e Cultura e ser Solidário Sorridente.
Paralelamente houve ainda momentos lúdicos como a Batalha de Almofadas, que durante cerca de vinte minutos permitiu descarregar o stress de cerca de 5 mil participantes e encher o Toural de muitas penas e espuma, a antestreia nacional do filme em 3D de Martin Scorcese “A Invenção de Hugo” e o primeiro concerto de música clássica da Fundação Orquestra Estúdio conduzido pelo maestro italiano Francesco La Vecchia que contou com a companhia do pianista português Pedro Burmester e a abertura intitulada “Um verso para lá do horizonte”, uma encomenda feita a Fernando Lapa, em estreia mundial.
Imagem retirada d
p.29
Ademais, realizar-se-ia o 2º. Concerto de Órgão Ibérico com Daniel Ribeiro e um ciclo de cinema de animação no S. Mamede.
Março ficou marcado pela inauguração de duas infraestruturas criativas: o Laboratório de Curadoria e o Instituo de Design na antiga fábrica de Curtumes da Ramada.
O Laboratório da Curadoria abriria como um espaço de criatividade, inovação e arte, que ocuparia o
edifício industrial da antiga fábrica Asa, em Covas. Um espaço fundamentalmente concebido para albergar um auditório, uma Caixa Negra, um estúdio de rádio, livraria e áreas expositivas, que abriria ao público com a apresentação de coreografias da espanhola Olga Mesa, o projeto “Colleting, Colletions and Concepts” e a exposição “Ser Urbano” que retrataria o percurso do arquiteto Nuno Portas. Na altura seria ainda anunciado o resultado do concurso de ideias “Performance Architeature” que, entre cerca de 400 participantes, indicaria os cinco projetos vencedores.
Por seu turno, o Instituto de Design seria uma outra das plataformas criativas que se integraria no plano de recuperação urbana, com o objetivo de proporcionar cruzamentos multidisciplinares entre cultura e tecnologia, cuja pretensão visaria contar com a envolvência de escolas, universidades e indústrias.
Uma parceria entre a Universidade do Minho e a CEC 2012, no âmbito do projeto Campurbis com o objetivo de estimular a relação da cidade com o design e a criatividade, cujas instalações acolheriam, no mês de setembro, o novo curso universitário de Design de Produto e um polo de investigação associado.
Efetivamente, uma infraestrutura que, logo na abertura, após a visita das instalações, propiciaria uma conferência subordinada ao tema, “Design para descobrir a cidade”, e mostraria serviço com a apresentação de três propostas concretas e com o lançamento de um concurso na área da intervenção urbana, denominado “Estruturas Urbanas”.
Mas o mês de março iniciou-se praticamente com o teatro, com a apresentação da “peça negra”, “A Morte de Danton”, de George Büchner, uma coprodução do Teatro D. Maria I e da Companhia Artistas Unidos, dirigida por Jorge Sila Melo. Encenação a que se seguiria “Cosmos” pelo Teatro Oficina, com base no texto de Lautaro Vilo.
Mas o palco não seria apenas destinado à arte de Talma. Com efeito, março seria um mês recheado de eventos diversificados, que culminariam no “fim-de-semana louco”, entre os dias 9 e 11, com cerca de 20 eventos ativos no terreno.
Deste modo, a dança subiria ao palco com “A Viagem” e “O Lamento da Branca de Neve” e, mais tarde, “Piracema”, da brasileira Lia Rodrigues, enquanto o cinema propiciaria a estreia de um filme sobre Martins Sarmento, de João Campos, na sequência da exposição, “o Fotógrafo Martins Sarmento”, bem como a projeção de “Amor de Perdição”.
Porém, terá sido plausivelmente na música que as propostas apresentadas tiveram parte de leão. De facto, para além do “Rock Metamorfose” e “Daniel Higgs”, o criador místico norte-americano, “Ride”, no S. Mamede, e o génio criativo do cantor e guitarrista Thuston Moore, no auditório do CCVF, as atuações
musicais estender-se-iam ainda às bandas “Sensible Soccers “e a banda “Paperctz”, no Café Concerto, bem como se realizaria um outro concerto de Órgão Ibérico com Eric Dalet, organista de Marselha. Igualmente, exibir-se-ia ainda a Fundação Orquestra Estúdio, que acompanhada pelo compositor belga Win Mertens executaria a 1ª edição da obra “Europa”, encomendada pela CEC. Ato contínuo, a Fundação Orquestra Estúdio iniciaria a série “Master Pieces”, que daria a conhecer as obras mais representativas da história da música. Paralelamente decorreria ainda a exposição centrada em John Cage, conhecido pela sua música aleatória e eletroacústica, que seria complementado com uma conferência da co-comissária Júlia Robinson e uma performance, pela pianista Margaret Tan.
Imagem retirada do livro Um Ano de Capital Europeia da Cultura em Imagens, p.76
No fundo, um conjunto de sessões de vária índole, com predominância na vertente musical, que dificilmente se poderão enumerar na totalidade. Iniciativas às quais não faltaram sequer os espetáculos de rua como “Tempo para Criar” e “20x20x20”, e tão-pouco atividades de âmbito desportivo, que também marcariam presença com a colaboração da Tempo Livre. Efetivamente, após a iniciativa “Faltam 200 dias”, anteriormente encetada, que passou pela formação humana do logótipo da CEC, no Castelo, levada a cabo pelas crianças das escolas concelhias, cerca de 1900 pessoas nadaram na piscina 2012 minutos, a assinalar a CEC 2012.
Assim, de acordo com a edição de 23 de março do semanário Povo de Guimarães, tudo rolaria sobre rodas. De tal forma que “a Fundação Cidade de Guimarães está muito satisfeita com os resultados dos primeiros dois meses de Guimarães 2012” e Carlos Teixeira, presidente da Associação Comercial e Industrial de Guimarães, corroboraria, acrescentando que “a CEC representou um impacto muito positivo para a cidade”, que, segundo a sua opinião, além da renovação urbana do centro urbano, tornando-o mais atrativo e convidativo para residentes e turistas, movimentou o espaço citadino com os espetáculos de rua, em especial o evento “Noc-noc/ Mi casa es tu casa”.
Março, seria, porém, um período de transição entre o tempo para encontro e o tempo para criar, que iniciaria um novo ciclo …
A Primavera, época de novas criações, despontaria como um tempo de criatividade, após o encontro. E a abrir este novo capítulo, numa espécie de reencontro, regressariam La Fura dels Baus e o Centro de Criação para o Teatro e Artes de Rua (CCTAR) com mais um espetáculo de rua, acompanhados por Clara Andermatt, o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Serzedelo e os Macadame.
Um espetáculo de rua que atrairia cerca de 60 mil espetadores, cheio de momentos visuais intensos, como a descida deslizante da figura de um “anjo” sobre a muralha “Aqui Nasceu Portugal”, ou a da parada representativa do nascimento. Atos demonstrativos da capacidade do ser humano em enfrentar a vida e mostrar-se ao mundo, que os cubos cheios de água simbolizariam, e a roda gigante que a seguir rodaria indiciaria um futuro para andar …
Porém, um espetáculo que culminaria ainda com cantarolas e danças, criando um ambiente mais interativo e familiar e que, paralelamente, teria alternativas musicais no Instituto de Design com a música eletrónica dos 20x20x20 e música mais clássica no Paço dos Duques, com a Orquestra Académica da Universidade do Minho.
No entanto, este período fica ainda marcado por dois acontecimentos paralelos: um de protesto ao varandim da artista Ana Jotta, no Toural, que chegaria a motivar uma petição; e a notícia do eventual encerramento da Pousada
da Oliveira, precisamente num ano de aumento de procura turística em Guimarães.
Porém, a programação da CEC prosseguiria com eventos para todos os gostos e grupos etários. Na música, com a apresentação da peça “Pedro e O Lobo” por parte da Fundação Orquestra Estúdio e a estreia da Orquestra Metropolitana de Lisboa, no âmbito do ciclo “Orquestras Convidadas”, sessões musicais a que se juntaria a Orquestra do Norte, bem como a receção e regresso a Guimarães de Taylot McFerrin.
No cinema, de ressaltar a presença de Manoel de Oliveira e a projeção do seu filme “Amor de Perdição”, no contexto do ciclo de homenagem a Camilo Castelo Branco e à celebração do seu 150º aniversário. Recorde-se que o conceituado realizador português foi uma das referências do projeto “Histórias do Cinema” que, entre outras iniciativas, pretendia levar a cabo várias curtas metragens sobre Guimarães e a CEC, envolvendo consagrados cineastas internacionais.
Ainda no cinema, seria de distinguir o reencontro com Novais Teixeira, jornalista e crítico, através do trabalho de Margarida Gil, “O Fantasma de Novais”, uma criação que cruza ficção e documentário e que revela esta figura ilustre da “pátria vimaranense”. Cinema que teria ainda outras apresentações como a “Festa do Cinema Italiano”, “O Dia das Lágrimas”, o Guimanima, entre outras, bem como o documentário de Regina Guimarães sobre a Senhora da Luz, integrado no “Ciclo de Histórias de Guimarães”, que interroga as formas do namoro no contexto da cidade.
Neste âmbito é também de referir a produção do documentário de João Canijo sobre Raul Brandão que, segundo o realizador, mostrou “uma Nespereira quase sem ligação ao passado, tanto em termos de desenvolvimento como de memória”.
Por sua vez, na criação artística destaca-se o “PopUp”, projeto de ocupação de espaços devolutos de Guimarães 2012, designadamente com as iniciativas “(Re)ocupa” e “Vem ocupar o mercado”, bem como o projeto dos Foostbarn, “O Castelo em três atos”, que, assente na metáfora do assalto ao castelo, assaltariam o monumento entre abril e setembro, permitindo discorrer sobre a identidade da cidade e a forma de a pôr em causa. Uma reflexão que pretendeu estabelecer uma ponte entre o passado do ícone e símbolo da identidade de Guimarães com a criação contemporânea e que passaria também por duas conferências sobre “O futuro da Europa” e “O Futuro do Mundo numa Europa sem Futuro”.
Como é óbvio, o teatro subiria também ao palco com “Histórias do Bosque de Viena”, enquanto na rua, fora da caixa e à margem, o Bando do Gil, Osmusiké e o Gruten recordariam o Dia Mundial do Teatro, homenageando Gil Vicente e Santos Simões, provavelmente esquecidos pelo programa oficial.
Entretanto, no contexto da relação simbiótica entre a dança e o teatro são também de sobrelevar dois eventos: a criação e coreografia de Rui Horta “Danza Preparata”, que assinalaria o centenário do nascimento
do músico contemporâneo John Cage; e “La Famiglia”, uma criação da companhia “Máquina Agradável” que pretendia acabar com os limites entre público e artistas, de forma a o espetador fazer parte do espetáculo.
No entanto, nesta fase rebenta também a polémica no âmbito do projeto “Tempos Cruzados”, direcionado para as associações. Com efeito, a Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense (ASMAV) manifestaria, na altura, a sua indignação pelo facto de estar a participar numa iniciativa sem recursos financeiros, ao que consta devido a complicações ocorridas com os concursos comunitários de apoio. Tal situação leva a Fundação Cidade de Guimarães a equacionar o adiamento de dezenas de iniciativas para o ano seguinte, pondo em causa, entre outros, eventos como a recriação histórica “Citânia Viva, o projeto “Ilustrar Guimarães”, o “Festival DifereciArte” da CERCIGUI.
Uma situação que, simultaneamente com os cortes no orçamento do Turismo de Portugal, levaria a organização da CEC 2012 a recorrer à Banca para manter projetos em andamento.
Todavia, pela positiva, é de destacar o projeto “Fora de Portas”, que descentralizaria e levaria aos Banhos Velhos das Caldas das Taipas, sob direção de Ricardo Costa, eventos musicais e tertúlias temáticas como a que tinha como tema, “Do património mundial ao património local”.
Paralelamente, é de salientar ainda, após a cunhagem de moedas sobre a CEC 2012, o facto de a filatelia acompanhar a numismática nas edições comemorativas, concretamente com a emissão de selos comemorativos sobre a CEC 2012. Destarte, neste período, os CTT colocariam em circulação uma coleção de selos alusivos à CEC que, além do logótipo criado por João Campos, juntariam imagens icónicas e míticas da cidadeberço, concedendo-lhe visibilidade internacional.
Numa incursão pelo soul-pop, o cruzamento entre a banda Expensive Soul e a Fundação Orquestra Estúdio, ao qual se juntaria um coro de 100 vozes vimaranenses, seria um dos espetáculos musicais mais conseguidos, que lotaria o Multiusos e reuniria cerca de 6 mil espetadores. Uma atuação com versões inéditas e arranjos desconcertantes que, ao longo das 13 canções interpretadas, entre as quais “Tem calma contigo”, galvanizariam a audiência, cuja agitação seria exponencialmente potenciada com a entrada das caixas e bombos nicolinos.
Um outro projeto catalisador seria ainda a constituição da Orquestra Sub-21, dirigida por Vítor Matos,
centrado num protocolo com a Academia de Música Valentim Moreira de Sá, hoje denominada “Conservatório de Guimarães”, que visou proporcionar aos jovens a oportunidade de um trabalho semiprofissional.
Porém, relevante no âmbito da música seria ainda a atuação do grupo vimaranense “Outra Voz”, no Centro Cultural de Belém, no âmbito da iniciativa “Outra Voz na Capital”. Muitos outros espetáculos ocorreriam ainda ao longo deste Tempo para Criar. Assim, no teatro, o encenador Nuno Cardoso apresentaria “Medida por medida” que, partindo de um texto clássico shakespeariano, refletiria sobre o que foi feito com o dinheiro da Europa.
Imagem (recorte) retirada do livro Um Ano de Capital Europeia da Cultura em Imagens, p. 106
Entre 6 e 16 de junho, a CEC 2012 coincidiu com os 25 anos dos Festivais Gil Vicente e envolveu cinco estreias absolutas, entre as quais “As Barcas”, de João Garcia Miguel, que, inspirado nas peças vicentinas, glosaria o tema da viagem. Aliás, Gil Vicente e o parvo da peça “Auto da Barca do Inferno” seria também a partitura cénica “Joana”, que a companhia galega Voadora apresentaria, repleta de poesia, ironia e nonsense, conciliando dança, monstros e música pop.
Momentos criativos que passariam ainda por “Nióbio”, pelos Visões Úteis, que retrataria a geração de uma nova nação; ou a narrativa de falação do poema épico “Os Lusíadas” que, no âmbito dos 440 anos da obra e do Dia de Portugal, faria estreia absoluta na cidade. Uma maratona que juntaria em palco cerca de 100 vimaranenses, interpretando o canto X da obra que, ao longo de vários meses, foi trabalhada numa residência artística sob a alçada de António Fonseca.
Imagem retirada do livro Um Ano de Capital Europeia da Cultura em Imagens, p. 178
Porém, entre os grandes dramaturgos, o Teatro Praga apresentaria ainda “Sonho de uma noite de Verão”, baseado na obra de Shakespeare, enquanto o grupo Karnart estrearia
a sua recente criação de perfinst, “Ilhas Desconhecidas”, baseado na obra homónima de Raul Brandão.
Curiosamente, um evento cultural, que, neste tempo para criar coincidiria com a “Internacional Conference on color”, que reuniria em Guimarães vários especialistas nacionais e internacionais em torno da importância da cor na evolução da criação artística, em especial no contexto da criação na moda, uma iniciativa alusiva ao âmbito da Hometextil, a feira têxtil-lar europeia de Frankfurt.
Porém, neste período, vários outros eventos se sucederiam nas mais diversas áreas, por vezes em lamentável sobreposição, como aconteceria nos concertos dos We Trust e Hype Willians. Música que traria também a palco a Orquestra Sinfónica Portuguesa, no âmbito do ciclo Orquestras Convidadas e vários outros intérpretes e grupos.
De destacar ainda as inúmeras exposições apresentadas, nomeadamente no âmbito da arte e arquitetura, que trouxeram à cidade o francês Christian Boltanski e levaram ao regresso de Pedro Gadanho como comissário internacional de ideias do “Performance Architecture”, um projeto que desafiou os jovens artistas a invadir a cidade com criações urbanas.
Vários espetáculos de dança e performances diversas ainda ocorreriam. Salientam-se entre estas a da companhia israelita Orto-Da, na Praça da Oliveira, sobre a paixão da vida e mitos heroicos, que numa análise do comportamento humano teve o cunho de contar histórias importantes da História da Humanidade; ou o produto da residência artística “1143 Portugal 2012” que abordaria a História de Portugal na sua visão política, social e económica, numa cruzada feita de stencil, graffit, fotografia e vídeo, cujo pendor provocatório e crítico pretendia desmontar certas perspetivas neoliberais.
Igualmente um tempo de visitas, concretizado por alguns eurodeputados e pela Comissária Europeia, bem como por figuras nacionais como Marcelo Rebelo de Sousa, que, no Centro Cultural Vila Flor, proferiu a conferência “A Solidariedade em Portugal”.
O dia emblemático de 24 de junho, data da Batalha de S. Mamede e “Dia Um de Portugal”, assinalaria o início do tempo para sentir. Assim e como seria óbvio, um dia em cheio, que teria como ponto máximo a inauguração da Plataforma das Artes e da Criatividade, complementado pelo espetáculo dos Fura Dels Baus, na Colina Sagrada.
A Plataforma das Artes e da Criatividade seria efetivamente a joia da coroa da CEC 2012 e a chave de ouro de abertura do Tempo de Sentir, obra cujo custo final se cifraria em cerca de 16,6 milhões de euros. Um edifício com uma área de construção de mais de 10 mil metros quadrados, compreendendo 7.750 metros quadrados de espaço exterior público, que seria implantado na área do antigo mercado municipal e erigido como um equipamento cultural para o futuro.
De facto, englobando três valências integradas, como Ateliers Emergentes, espaços de trabalho vocacionados para jovens criadores de projetos de carácter temporário e Laboratórios Criativos, gabinetes de apoio a empresas destinados ao acolhimento e instalação de atividades relacionadas com as indústrias criativas, o edifício alberga ainda um Centro de Arte, que compreende um espaço com 13 salas de exposições permanentes, que acolhem a coleção do artista vimaranense José de Guimarães, bem como uma área de exposições temporárias e ainda espaços polivalentes destinados a apresentações e pequenos espetáculos. Mas também, acrescente-se, espaços complementares como um restaurante, cafetaria e livraria.
Porém, uma infraestrutura que seria motivo de várias polémicas, quer por parte de representantes de algumas correntes de opinião, quer de partidos políticos da oposição ao poder instituído, que, constantemente questionariam os seus custos operacionais futuros, assim como a sua gestão.
Mas, de facto, um imóvel imponente que tempos mais tarde faria parte dos 25 melhores edifícios de arquitetura moderna, selecionado entre 508 candidatos num concurso promovido por uma prestigiada revista alemã.
Quanto à inauguração, sob o mote programático “Para além da História”, abriria com cerca de 500 peças da coleção de José de Guimarães e obras da sua autoria, quer afetas à sua origem e raízes africanas, quer objetos mais ligados à arquitetura do seu núcleo mole, isto é, que tentam fugir à rigidez característica da História das Artes. Entre esses temas haveria também lugar e espaço dedicado à festa, intrinsecamente próximo das festas populares, e, paralelamente, exposições de mais de uma dezena de artistas contemporâneos, entre os quais o pintor popular vimaranense Mestre Caçoila (ler páginas da rubrica “Artes, Artistas e Exposições”), bem como objetos ligados ao património histórico e arqueológico vimaranense.
No fundo, um mundo de diversidade que descreveria também o próprio José de Guimarães, assumidamente afeto e praticante de um certo nomadismo cultural e artístico.
Mas para além de outros atos protocolares, ocorreria também a cerimónia de atribuição de medalhas de mérito, como é habitual no 24 de Junho, contando-se entre os agraciados o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva. De facto, após apupos de cerca uma centena de manifestantes, que contestavam a promulgação do Código de Trabalho, Cavaco Silva receberia a Medalha de Ouro da Cidade e elogiaria a CEC 2012 afirmando que “Guimarães encontrou o seu desígnio e está a percorrer o seu caminho, fazendo um percurso que deve servir de exemplo”.
Entretanto, à noite, houve ainda mais um espetáculo de rua com os Fura dels Baus, sob a criação do CCTAR, no Paços dos Duques e Castelo.
Animação que contaria também com a iniciativa “Conhecer Guimarães em Bicicleta”, que mobilizaria cerca de 1700 participantes, um “Encontro de Bicicletas Antigas” com cerca de 150 ciclistas vestidos a rigor e ainda a Taça de Portugal de Trial Bike com milhar e meio de inscritos.
GUIMARÃES – Peça para Coro e Orquestra
Igualmente nas comemorações de 24 de junho seria ainda apresentado um tema musical original encomendado ao músico vimaranense Tiago Simães, dando seguimento a uma proposta da Fundação Cidade de Guimarães e do Círculo de Arte e Recreio, que tinha como objetivos envolver a Fundação Orquestra Estúdio e os vários coros de Guimarães.
“Guimarães Peça para Coro e Orquestra” seria assim o resultado desse trabalho, que seria gravado em CD pela Orquestra de Guimarães e um coro especialmente criado para o efeito, cujo tema assumiria um caráter tradicional e seria cantado com a seguinte letra: Por todo o lado se avistam novos estandartes!
Europa criadora, com seus mestres e suas artes. Berço que embala o sonho da comunidade ouve a cultura, as línguas que se falam pela cidade.
Sentir que o mundo é mesmo aqui na palma das nossas mãos, unidas num só ideal! Abrir os nossos corações à festa dos sentidos, deixar fluir emoções, levar-nos p’lo sentir!
Erguendo ao alto a sua glória, orgulho e nobreza lutando por espaços na memória portuguesa. E a cidade abre o seu peito sempre hospitaleiro mostrando o seu engenho e a sua arte ao mundo inteiro.
Podemos construir um mundo novo Junto vencemos! Juntos crescemos! É Guimarães: uma cidade que respira alegria!
Sentir que o mundo é mesmo aqui na palma das nossas mãos, unidas num só ideal. Dançar no vento da criação, num movimento plural. Deixar crescer multidões! Levar-nos p’lo sentir!
Mas após o 24 de Junho, as sessões culturais e festivas prosseguiriam em bom ritmo. Destarte, após a sagração da vimaranense Dulce Félix como campeã, nos 10 mil metros, na Finlândia, como ouro sobre azul, a festa sairia para a rua na Noite Branca, que ocorreria na primeira semana de julho na Praça de Santiago e Largo da Misericórdia, num misto de dança, performances, animação circense e música. Festa que marcaria ainda presença em tardes quinzenais no Parque da Cidade, com a iniciativa “Picnic Play”, que conciliaria performances, DJ’s e concertos.
Aliás, a música teria parte de leão na programação deste período. Com efeito, registar-se-ia a apresentação da versão da ópera de Ravel “L’Enfant et les sortilèges” numa interpretação conjunta da Fundação Orquestra Estúdio, Sociedade Musical de Guimarães e Academia de Música Valentim Moreira de Sá, enquanto Manuel Oliveira abriria o “Ciclo Plataforma da Música”, na Plataforma das Artes, com “Ibéria Dez Anos”. Este Ciclo que se prolongaria por várias semanas de sessões musicais diversificadas, com Dee Dee Bridgewater, Ute Lemper e a Fundação Orquestra Estúdio, Pat Metheny, Carminho e Ricardo Ribeiro, GNR e Zé Perdigão. Sessões musicais às quais se juntariam a maestrina Joana Carneiro na direção da Fundação
Orquestra Estúdio e o Projeto Banda Larga, no qual a Banda Filarmónica de Pevidém interpretaria temas de composições clássicas utilizadas no cinema.
Mas haveria também Música de Câmara no Paço dos Duques e na cidade, designadamente um concerto que assinalaria os 150 anos de nascimento de Claude Debusssy, bem como uma viagem à Música Ibéria centrada em Lopes Graça e António Victorino de Almeida, entre outros. Igualmente, decorreriam os Encontros Internacionais de Música de Guimarães, que além de 3 concertos alusivos a compositores europeus e a uma viagem pelo romantismo, acolheriam ainda algumas masterclasses musicais.
Como não bastasse (embora a música nunca baste!), ocorreria (ainda) mais um concerto inserido no Festival do Órgão Ibérico com Tiago Ferreira, mais uma visita de orquestras nacionais, desta feita a Orquestra do Algarve, que nos traria Haydn e Schubert; e, outrossim, uma iniciativa de massas denominada “Vamos Tocar no Parque”, que sob a batuta do maestro inglês Tim Steiner, reuniria nesta Operação Big Bang uma orquestra gigante de 300 músicos (11 dos quais vimaranenses) , envolvendo cerca de 5 mil pessoas no espetáculo, de pura exaltação da cidade, em especial no momento denominado “Tu fazes parte”.
Foi um consumo misto de cultura erudita, contemporânea e cosmopolita, mas também de foro mais tradicional, que mobilizaria programaticamente a CEC 2012, ainda que nem sempre de forma equilibrada.
Em súmula, inúmeros espetáculos difíceis de enumerar na totalidade, tantos foram, entre os quais se contariam também a 1ª Sessão Inclusiva CERCIGUI, o Barco Rock Fest, a visita da prestigiada violinista Viktoria Mullova ou da Orquestra Chinesa de Macau, e ainda os 5 concertos “Os Dias em Couros”.
Mas para além de dar música e como nem só de música vive o homem, os espetáculos prosseguiriam ecléticos e diversificados, de tal forma que abalaram o turismo local, nestes tempos de Verão. Realmente, verificar-se-ia que as consultas nos Postos de Turismo aumentariam mais de 400% e os museus, teleférico e taxas de ocupação dos hotéis registaram um aumento significativo… Ademais, não obstante a crise imobiliária, cresceria o mercado do arrendamento, uma vez que a CEC trouxe à cidade novos habitantes, geralmente temporários. Como tal, os preços subiriam em flecha e registar-se-ia um certo oportunismo decorrente. Contudo, esta movimentação motivaria e conduziria a várias ações de reabilitação de prédios mais antigos, geralmente evidente na oferta de T0 e T1, na cidade, bem como o surgimento de novas formas de alojamento. Aliás, esta procura viabilizaria, inclusive, o programa “Viver Guimarães 2012” que tornaria possível alugar uma habitação na Bolsa de Alojamento do Turismo de Guimarães, que para o efeito se instituiu como intermediário.
No entanto, a despeito da predominância da programação musical, neste tempo de Verão e de férias, outros eventos dignos de realce despontariam. Por exemplo, no cinema, as sessões de Cinema em Noites de
Verão, na Oliveira, e ainda a iniciativa “O Cinema vai à Vila”, promovido pelo Cineclube, que levou a sétima arte a Moreira de Cónegos, Brito, Ronfe, Serzedelo, Taipas, S. Torcato, Lordelo e Ponte. Estas sessões cinematográficas seriam ainda complementadas com um ciclo sobre o “Novíssimo Cinema Brasileiro”, no S. Mamede, e um outro sobre o “Novo Cinema Brasileiro”, baseado na obra de Glauber Rocha. De mais a mais, no âmbito da fotografia, o fotógrafo vimaranense Carlos Lobo e Inês d’Orey apresentariam a exposição “Rever a Cidade”, que sob a curadoria de Eduardo Brito, que tendo como ponto de partida a coleção da associação Muralha, nos mostraria Guimarães entre o século XIX e a década de 70 do século XX.
Não faltaram ainda imensas exposições, nomeadamente sobre Fotografia e Arquitetura, acerca dos “United States of Europe”, entre muitas, bem como circo contemporâneo (“Aduela”) e vários eventos de dança e performance de rua, designadamente o teatro de marionetas com “Os Dez trabalhos de Hércules”. Com efeito, um trabalho hercúleo e diverso, para todos os gostos e sensibilidades …
“O
Sucesso ‘obriga’ a repetir iniciativa”, lia-se na imprensa da época acerca desta jornada cultural, no calor de agosto.
De facto, milhares de pessoas assistiriam à festa programada pelos Tempos Cruzados “O Mundo Dança e Canta em Guimarães”, que começaria em 10 de agosto e terminaria a 26 do mesmo mês.
Realmente, tendo como palco o Campo de S. Mamede, local onde simultaneamente decorreria uma Feira de Artesanato com cerca de 50 stands, inclusive com doçaria tradicional e gastronomia minhota, a tradição marcou presença neste lugar histórico e mobilizaria cerca de 30 mil pessoas para assistir às cerca de duas dezenas de espetáculos de folclore ocorridos no decurso do evento.
De facto, uma variada mostra de folclore protagonizado por ranchos da terra, grupos nacionais e internacionais, alguns dos quais oriundos da vizinha Espanha, do México e do Brasil, Moçambique e Nigéria, Lituânia e Índia, praticamente representando todos os continentes, dariam cromatismo ao desfile de trajes, som e movimento (q.b.) com a diversidade das suas danças e cantos.
Um espetáculo de cariz popular e etnográfico e de festa garantida, no qual não faltariam sequer noites
temáticas (luso-brasileiras, portuguesa, com folclore e fado, e mexicana), e tão-pouco, e paralelamente, uma sessão de danças de salão. Atuações musicais que seriam complementadas pela música popular e brejeira dos Marotos Minhotos e pela exibição da Orquestra Juvenil da Sociedade Musical do Pevidém. Ademais, em duas tendas instaladas no recinto, os grupos participantes orientariam workshops de ensino das suas danças tradicionais.
A iniciativa seria ainda complementada com a festa, “O folclore vai ao adro”, que levaria a dança e o canto a mais de uma dezena de freguesias.
Em síntese, uma oportunidade única para viver o folclore do mundo e de vários dos 24 grupos associados dos grupos folclóricos vimaranenses, que envolvem cerca de 150 pessoas.
Setembro trouxe o burgo às origens da fundação e da tradição industrial.
Com efeito, a Feira Afonsina, decorrida na primeira quinzena de setembro, marcou o encerramento do Tempo para Sentir e abriu portas ao Tempo para Renascer. Um evento que atraiu cerca de 200 mil visitantes, com a participação de 30 estabelecimentos de restauração e bebidas, 22 lojas de comércio tradicional e 18 associações e instituições. Um singular momento que permitiu, durante três dias, reviver o tempo ancestral da fundação da nacionalidade e a Batalha de S. Mamede, entre 1125 e 1128, com animações e recriações históricas diversas e atividades da época, no qual todos quiseram fazer parte. “Tu fazes parte”, foi de facto um slogan pragmaticamente vivenciado nos vários espaços desde a perigosa e esconsa Quelha das Desgraças às zonas das iguarias, mercadores e artífices, ou entre o arraial medieval e o Jardim dos Infantes, especialmente dedicado aos mais jovens.
Assim, entre guerreiros, cavaleiros e aias simpáticas, mas também entre mendigos e prostitutas, falcões e cães de grande porte, a cidade misturou-se e as suas gentes deram o melhor de si, divertiram-se e viveram um pouco de antanho e dos seus avoengos fundadores.
Um “Baile Afonsino” protagonizado pela população com danças nobres e mouriscas, com coreografias e trajes a rigor, ocorreria ainda nas praças e largos da cidade, a festejar a festa, em tons medievais.
Porém, o envolvimento da cidade e das suas gentes ocorreria ainda em inúmeras atividades. Por exemplo, no âmbito do projeto Pop Up que permitiu dar vida às lojas do Centro Histórico. Nas escolas, como foi o caso da festa final do Jardim de Infância do Lar de Santa Estefânia com a adesão de cerca de 400 crianças a recriarem alguns momentos da CEC.
Um tempo para sentir que permitiu ainda sentir nos bolsos de fornecedores e artistas os pagamentos
que estavam em atraso; ou a exoneração, à laia de caricatura, de um graduado da GNR que participaria, ao que disse “ludibriado”, na performance de rua “Um funeral de Portugal”, no qual Osmusiké Teatro participaram como carpideiras.
Mas também, tempo de sentir e vivenciar as primeiras permutas culturais entre Guimarães e Maribor. De facto, neste período, uma comitiva de Marbor constituída por 15 pessoas, acompanhadas pelo professor Bojan Borstner, visitou Guimarães durante cerca de uma semana e a impressão do nosso visitante não podia deixar de ser a melhor: “tudo é diferente em Guimarães, a começar pelas pessoas. Mais afáveis, mais próximas, mais abertas” …
Aliás, neste período e após a visita da Comissária Europeia, Guimarães registaria ainda a presença, entre nós, de vários eurodeputados que se mostrariam impressionados com a CEC.
Diferente seria também o lançamento da Contextile, um espaço de relação entre criadores, artistas e a comunidade, que ainda hoje dura. De facto, entre 1 de setembro e 14 de outubro, a cidade têxtil vimaranense montaria esta exposição de arte têxtil contemporânea e daria visibilidade ao têxtil, contando com cerca de 90 obras, oriundas de 20 países, cujos trabalhos deram dores de cabeça ao júri na seleção dos 55 finalistas.
Tempo de contemplar o que foi feito e construir relações que lhe acrescentem sentido. Tempo para tecer uma nova cidade, colhendo-se memórias e semeando-se o tempo que está para vir. Tempo de pontes e caminhos que se solidificam entre encontros, criações e sentimentos.
Mas também momento de refletir, escolher, protagonizar encontros connosco e com os outros e de fazer acontecer o que de nós fica de passagem.
É a imagem do outono, em que formamos o rosto da nossa memória futura …
Ora, o renascimento começou exatamente como o nascimento, com mais um espetáculo de rua levado a cabo pela companhia catalã La Fura dels Baus e o Centro de Criação de Teatro e Artes de Rua, desta feita
tendo como pano de fundo o Castelo e o Campo de S. Mamede. Como tal, a força cénica da criação voltou a ser o regresso do cavalo e do homem gigante, desta vez complementado com o envolvimento de milhares de pessoas, que, nesse sábado, marcaram presença na Colina Sagrada. De facto, durante a performance, uma tela de grandes dimensões sairia do Castelo e envolveria a multidão, como que expressando inequivocamente o lema “tu fazes parte”.
O espetáculo encerraria com um concerto dos portugueses Melech Mechaya, dando entrada ao Tempo para Renascer.
De José Carreiras a Sofia Escobar, com jazz em espera e sons da lusofonia
Novamente, a música dominaria a fase inicial deste Tempo para a Renascença, não fosse o 5 de outubro o Dia Mundial da Música!
De facto, o Dia Mundial da Música seria evocado no Centro Cultural Vila Flor com um espetáculo sobre as novas práticas de composição, sob a direção de Jean Marc Bufin, que, acompanhado pela Fundação Orquestra de Guimarães, apresentaria uma criação coletiva de sete compositores, numa exploração de uma nova linguagem musical envolvendo recentes tecnologias, música eletrónica com robôs e colaborações musicais em rede. Mas, já antes, nos finais de setembro e princípios de outubro, a Orquestra Sinfónica do Porto/Casa da Música passara pela CEC a interpretar Haydn, Beethoven e Strauss e a Fundação Orquestra Estúdio apresentaria o Concerto X, com base no vídeo e música eletrónica. Estas atuações musicais passariam ainda por mais uma exibição da Orquestra do Norte com um concerto em torno de Tura, Tchaikovsky e Antonín Dvořák.
A Música seria também motivação para debate sob o mote “A crescente importância do vídeo na indústria musical” e reflexão sobre as novas tendências musicais, mas acima de tudo para os espetáculos irrepetíveis do tenor José Carreiras e da vimaranense Sofia Escobar que, em Londres, brilhava como personagem principal do “Fantasma da Ópera”. Um espetáculo que contaria ainda com Dora Rodrigues e um coro de jovens japoneses, acompanhados pela Fundação Orquestra Estúdio e que terminaria com a interpretação
conjunta do tema “Amigos para Sempre”.
Estes espetáculos musicais prosseguiriam na atuação de Howe Gelb, no festival de Música Semibreve e Concerto Coral Jovem Internacional, mas também com Miguel Borges Coelho, Twim Shadow e a Orquestra Todos.
Estas sessões musicais culminariam com mais uma edição do Festival Guimarães Jazz, nas primeiras semanas do mês de novembro. Deste modo, entre nós, estaria o norte-americano Herbie Hancock, um dos mais sonantes nomes do jazz do século XX, seguindo-se o guitarrista Bill Frisel e o artista Bill Morrison, que apresentariam o projeto colaborativo “The Great Flood”. Estes projetos musicais contariam ainda com o quinteto afeto ao projeto “Sound Prints”, no qual sobressairiam o saxofonista Joe Lovano e o trompetista Dave Douglas. Mas haveria também sessões com o compositor Jacam Manricks que levaria a cabo um espetáculo com os alunos da ESMAE e um outro com músicos emergentes e que conduziria ainda as oficinas de Jazz e as “jam sessions” .
O evento encerraria com o trompetista Randy Brecker, acompanhado pela big band alemã WDR.
Mas, nos finais de novembro, ocorreria também o Concerto da Lusofonia que traria à cidade-berço o brasileiro Ivan (Guimarães) Lima, que dividira as honras do palco com o angolano Paulo Flores, Paulo de Carvalho e Raquel Tavares.
Contudo, novembro seria ainda um mês dedicado à música e dança. Deste modo, por cá passariam o Quarteto de Cordas austríaco Hagen Quartif e os ex-Depache Mode, bem como um concerto feminino com as US Girls, e iniciava-se a criação da Orquestra Sub-12, formada por 85 alunos de diversas escolas de música da região norte, sob a direção artística de Domingos Castro, que se estreariam em concerto, em 16 de dezembro.
Paralelamente ocorreriam também várias exposições, danças e encenações, designadamente na Fábrica ASA, entre as quais o melodrama teatral “Dead End”, construído a partir de contos populares de Guimarães, numa coprodução entre a CEC e a companhia teatral Mala Voadora. O
programa “Guimarães é a Cidade da Dança” trouxe, igualmente, à cidade novas criações de Rui Horta, Paulo Ribeiro e Madalena Victorino.
Quanto ao cinema, é de destacar a estreia de “Centro Histórico”, a longa metragem resultante da junção de quatro curtas metragens dos mestres do cinema, película que também seria apresentada no Festival de Roma. De facto, um filme que juntaria Manoel de Oliveira com “O Conquistador Conquistado”, Aki Kaurismaki com “Tasqueiro”, Victor Erice com “Vidros Partidos” e Pedro Costa e o seu “Lamento da Vida Jovem”, que contariam estórias do concelho. No entanto, nesta vertente, decorreria ainda a 13ª Festa do Cinema Francês, que este ano se transferia para Guimarães.
Ademais, outras performances e instalações de diversa índole aconteceriam, bem como algumas conferências, festas e exposições teriam lugar, nesta fase. Entre estas últimas, sublinhe-se, a inauguração da exposição “Martins Sarmento e a Arqueologia Europeia” e a exposição “Elegância, Moda e Fé: o enxoval de Nossa Senhora da Madre de Deus” sobre a moda no barroco.
Neste tempo, seria também apresentado o projeto “Religioso em Guimarães. Memórias e Identidade” pela TUREL, entidade do turismo religioso da diocese de Braga, que criaria um roteiro dos santuários vimaranenses que fazem parte da “coroa da cidade”.
Manifestações culturais diversas, impossíveis de enumerar exaustivamente, passariam ainda pelo cinema com a estreia do filme sobre a viagem de Luís de Camões, n’ “Os Lusíadas”, ou o ciclo de cinema “Brincar”. Além disso, refira-se ainda a edição de cinco volumes que retratam várias facetas da vida da cidadeberço, centradas sobretudo em narrativas de migrantes, no quotidiano da pobreza e na marcha da fome de Pevidém.
Efetivamente a crise têxtil e o desemprego seriam questionados em espetáculos sobre a sobrevivência; e a própria vila de Pevidém apresentaria uma obra sobre a sua própria vida, sob o título “A Marcha da Fome de Pevidém – Memórias de um passado na inquietude do agora”, que contaria com uma parceria da CEC e atuação do Orfeão Coelima.
Estas reflexões de teor social seriam abordadas no último espetáculo do Teatro Oficina e também na sua peça, “Capital & Cultura”, ao refletir sobre a atualidade e a relação da cultura com o poder.
Simultaneamente, decorreria também o I Congresso Histórico Internacional que abordaria temáticas da época medieval, moderna e industrial e que culminaria com uma mesa redonda sobre a cidade do futuro.
Outras ocorrências notórias seriam ainda a instalação do Centro de Criação de Candoso, como novo espaço para residências artísticas, a funcionar na antiga escola primária da freguesia e, no âmbito do programa Re-imaginar, decorreria a série de workshops e exposições alusivas às novas possibilidades para as cidades de pequena dimensão.
Neste período, chegariam ainda as boas notícias do desbloqueamento de 4,6 milhões de euros para as 17 candidaturas que aguardavam financiamento e ainda da atribuição à Plataforma de Artes do Prémio Detail Prize, desta consagrada revista alemã. De igual modo, registe-se os cerca de 50 empregos criados por 26 indústrias criativas, no âmbito das Indústrias Criativas da Plataforma de Artes, em especial nas áreas da comunicação, web e design.
Outrossim, ocorreria a visita da Comissão Europeia à CEC, por parte de Durão Barroso, em 20 de outubro. Porém, novas polémicas rebentariam, em especial entre a autarquia e o governo: a primeira sobre a pretensa legalidade da extinção da Fundação Cidade de Guimarães por parte do governo; e outra acerca a possibilidade de a Câmara levar o governo a tribunal por atraso no pagamento dos contratos celebrados, relativamente à extensão do Museu Alberto Sampaio na Praça de Santiago.
Como não bastasse, a ex-presidente da Fundação Cidade de Guimarães exigiria em tribunal a indemnização de 420 mil euros por alegada quebra de acordo contratual, facto que seria contraditado pela organização da CEC sob o argumento de incompetente comunicação, partilha de informação incompleta e contratações nebulosas, entre outras críticas formuladas.
E surgiria ainda o movimento “Eu fiz parte e não me pagam”, representando 13 instituições de artistas e colaboradores da CEC, que denunciaria a situação de incumprimento de salários.
Guimarães Noc-noc, no início de outubro, seria outra realização mobilizadora que juntou, em cerca de 70 espaços da cidade, projetos de centenas de artistas ao longo de um circuito mapeado, num itinerário artístico em várias vertentes e dimensões, que mostraria objetos artísticos, performances e instalações, música, fotografia, poesia e teatro. Um percurso a caminhar desde o antigo mercado municipal até à Capela de S. Lázaro, que se estenderia à Zona de Couros e ao Centro Histórico, no qual as associações locais, espaços
culturais, casas particulares, espaços comerciais confluiriam na festa, abrindo portas a 170 demonstrações artísticas de mais de 500 artistas.
De facto, iniciada com uma “flash mob”, na Oliveira, a edição arrancaria com o coro vimaranense Outra Voz, que colocaria a multidão a cantar, dançar e a fazer parte, antes de meter pés a caminho.
Um projeto da associação “Ó da Casa” para o qual bastava bater à porta, noc-noc, ou gritar “Ó da casa”, embora a entrada tenha estado escancarada …
Entre 21 e 23 de dezembro, Guimarães não parou. Seriam 48 horas de música, performances diversas, intervenções urbanas e espetáculos variados, numa envolvência sem igual com a população local, que teve como pontapé de saída uma pequena performance na Horta Pedagógica.
Como um dos pontos altos, sobressairia o espetáculo “Então Ficamos”, logo na sexta-feira, no Multiusos. Um espetáculo que ficaria marcado pela passagem de testemunho da CEC a Kosice (Eslováquia) e Marselha (França), mas acima de tudo pelo excelente espetáculo proporcionado por cerca de 600 vimaranenses amadores e anónimos, de várias gerações, que durante 28 meses “trabalharam” tenazmente para mostrarem em palco o resultado de dois anos de residências artísticas, coordenadas pelos Mãos Morta e uma equipa que contou com a colaboração de Pacman (ex-De Wesel) e José Mário Branco, entre outros. Uma exibição que foi o espelho do que é viver em Guimarães e ser vimaranense, num desempenho que transitou das fábricas ao trabalho, das tradições aos costumes e das festas populares à folia e que o momento sobre a Senhora da Luz, encenado pela residência artística de Creixomil, bem dilucidou.
E que dizer de cerca de 20 momentos sobre a cidade, vivenciados em torno da canção de inspiração “Vamos embora”? …
Porém, os espetáculos prosseguiriam no sábado com as realizações do “Guimarães Play”, no casco histórico da cidade e “A Minha Casa es tu casa”, nas casas privadas do Centro Histórico. Um sábado que culminaria à noite com o La Fura dels Baus, que regressaria a Guimarães, a gerar acrescidas expectativas. Todavia, um momento que soube a pouco, apesar das colaborações musicais da Academia de Música da Sociedade Filarmónica Vizelense e voluntários da Guimarães 2012. Com efeito, com um final algo inesperado e com o espetáculo a terminar mais cedo do que esperado, a assistência desejava mais! Uma situação que seria mais tarde explicada por parte do diretor artístico Jurgen Muller dever-se a um curto-circuito, mas que José Bastos contradiria, denunciando que, de facto, se privilegiou a opção pela televisão, em detrimento do público.
Outro ponto alto seria a Gala de Natal, no Pavilhão Multiusos, transmitida pela RTP. Um espetáculo que
contaria com os grupos infantis e corais da Academia de Música Valentim Moreira de Sá, Coro de Guimarães e Academia de Música de Vilar do Paraíso, acompanhados pela Orquestra Fundação Estúdio e ainda várias vozes a abrilhantar a gala como Ana Esteves Neves, Vânia Fernandes, Luísa Sobral, JP Simões e ainda o músico Kiko.
Todavia, a época natalícia estaria também na ordem do dia no Ciclo de Concertos de Natal, com atuações da Orquestra do Norte e Banda da Sociedade Musical de Pevidém, acompanhadas pelos grupos corais de Campelos, Pevidém, Ponte e o Orfeão de Guimarães.
Realmente e de novo, a música marcaria pontos nos últimos meses da CEC. Saliente-se, neste contexto, o último concerto do Festival de Órgão Ibérico, com Sara Costa e a ópera Mumadona, a primeira na cidade. Efetivamente, com libreto de Carlos Té, música de Carlos Azevedo e encenação de Carlos Barbosa, numa articulação entre a Fundação Orquestra Estúdio e o Teatro Oficina, a ópera abordaria a história de Dórdio e da chinesa Chun Lee, centrado num encontro entre ambos previsto pela cartomante Mumadona, no decurso das Festas Gualterianas. Um encontro num contexto de crise económica, que dá azo a esboçar contornos sociopolíticos ao argumento, aliando planos mundiais e individuais.
Boas notícias viriam também com as conquistas de dois galardões no âmbito dos cinco prémios do projeto “Cidade Perfeita”, atribuído pela revista Visão e Siemens. De facto, o projeto Mobiton receberia o prémio de conectividade pela aplicação a telemóveis sobre visitas a Guimarães, enquanto a Plataforma de Artes seria premiada pela inovação. Prendas natalícias a que se juntaria a medalha de prata conquistada por Dulce Félix, obtida no Europeu de Corta-Mato, realizado em Budapeste.
Em paralelo, o desfecho da CEC traria também algum teatro como a peça “Quando muito o mínimo”, uma criação de Carla Maciel e Gonçalo Waddington e “Aqui nasceu Afonso Henriques”, um trabalho de um grupo de atores de teatro amador desenvolvido no âmbito do movimento associativo Tempos Cruzados, no qual participou Osmusiké, com base num texto de Helder Costa e na colaboração da Escola Profissional Cenatex, quer nos figurinos, quer na cenografia. Por sua vez, na dança sobressairia “Strange Land”, sob a direção artística de Victor Hugo Pontes.
Igualmente algumas exposições, entre as quais se salientam “Fernando Távora, Modernidade Permanente”, na Escola de Arquitetura da Universidade do Minho, e testemunhos de arquitetura popular sob o título “Das arquiteturas populares no norte de Portugal até à modernidade de Guimarães”, que teria amostra na Casa da Memória.
O lançamento de alguns livros ocorreria também por esta altura. Deste modo, a obra “António Azevedo, vida e obra”, escultor de muitas estátuas e bustos citadinos, de autoria de Rosa Maria Saavedra, sairia do
prelo no âmbito do Programa Constelações; e a Biblioteca Raul Brandão apresentaria o livro “A dimensão cultural da integração europeia. Capitais europeias da Cultura”, assinado por Ruth Portelinha.
Entretanto, entre outras iniciativas de cariz genérico, três outros eventos se distinguiriam. No cinema e no âmbito do projeto Borderline, sete curtas-metragens e um filme de ficção baseado numa viagem de autocarro entre Paris e Guimarães, com passagens por 10 cidades europeias, vivida por 13 aventureiros realizadores, que dariam azo a abordar a emigração, no decurso da sua projeção no São Mamede. No artesanato, com a apresentação na Loja Oficina de dois novos exemplares do Bordado Enamorado, com desenhos dos artistas Vasco Carneiro e Maria do Céu Freitas, completados por poemas de Firmino Mendes, Agripina Marques, Adélia Faria e Conceição Ferreira. Um lançamento que coincidiria com o lançamento da revista Veduta, com temas alusivos ao património cultural da cidade e suas figuras ilustres como Martins Sarmento.
Ademais, ocorreriam na Plataforma de Artes os “Encontros para além da história”, que reuniriam artistas e teóricos como Philipe Alain, Michaud e Ulrich Loock, entre outros, que, em sessões de leitura em formato seminário, abordariam problemas de índole cultural.
No final, a reter a ideia básica que “cumprimos”, como diria António Magalhães, Presidente da Câmara Municipal, ou a asserção do Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que afirmaria “Guimarães é grande”, comprometendo-se a garantir apoio ao concelho para manter o legado.
De facto, a CEC 2012 deixaria um legado importante que não só deixa marcas de cultura, novos conhecimentos e novos equipamentos à cidade, mas também novos métodos de trabalho e um espírito de envolvência da comunidade. No entanto, ficariam alguns reparos sobre a inclusão das associações locais na programação, uma certa desvalorização das freguesias e a necessidade de maior investimento nas estruturas culturais, algumas delas apenas concretizados anos mais tarde.
Com efeito, a despeito da valorização do edificado e da regeneração urbana como aspetos positivos, temeu-se ainda na altura a sustentabilidade e gestão cultural dos equipamentos, que hoje parece controlada.
Mas, de facto, Guimarães não pararia! E, destarte, no final deste ano de 2012, seria desde logo confirmado mais um desafio, no ano seguinte: o de Cidade Europeia do Desporto 2013 …
Convictamente, tenho 2012 como um ano feliz para Guimarães. Inevitável e evidentemente, não o único na sua história. Forçosa e consensualmente, o mais significativo no seu tempo recente.
Ano feliz não por ter constituído a causa única e global de um futuro melhor, nem por se afirmar o efeito natural de um passado bem construído. Ano feliz porque oportunidade de continuar a “fazer cidade”, acrescentando mais uma camada de conhecimento, afectividade e expectativa ao território vimaranense, aproveitando recursos até então desconhecidos e nunca experimentados, rentabilizando a energia instalada e a vontade de fazer, acrescentando um futuro tão ambicionado quanto ambicioso.
É também convicção de que, passados estes dez anos, ainda não se encontram verdadeiramente assimilados a natureza, a dimensão e o âmbito da profunda intervenção urbana registada em Guimarães no ano de 20124. Entre crises e pandemia, entre um afrouxar natural de recursos e energia e um reacerto de estratégias e actores, hoje, perpassa um sentimento ambivalente pelo território vimaranense: muito se fez, muito se gerou e esperou, ainda se caminha à procura de alcançar tudo o que foi ambicionado e desejado.
Nada começou há dez anos5. Esse ano foi a oportunidade de “fazer acontecer”. Simplesmente, mais um tempo sobre o Tempo da cidade… mais uma etapa do caminho inacabado que representa construir uma cidade.
3O texto em causa fixa-se na dimensão urbana de Guimarães, capital europeia da cultura 2012 e é produzido por quem esteve directamente envolvido neste processo. Provavelmente, não será possível, de todo, a imparcialidade e a isenção desejáveis. Declaradamente, persegue-se um esforço de distanciamento e uma leitura disciplinar inerente à formação profissional do autor. E, enquanto cidadão, afinal, a verdadeira e maior dimensão comum a todos aqueles que habitam e usufruem a cidade…
4A intervenção urbana e infraestrutural global fixa-se em oito edifícios / equipamentos (plataforma das artes e da criatividade, laboratório da paisagem, casa da memória, centro de ciência viva, instituto de design, centro avançado de formação pós-graduada, extensão do museu Alberto Sampaio e residências para artistas) e cinco espaços públicos (conjunto urbano formado pela praça do Toural, alameda São Dâmaso e rua Santo António, veiga de Creixomil, largo Martins Sarmento (Carmo), monte Latito e espaço público da zona de Couros).
5“a autarquia de Guimarães, de há algum tempo a esta parte, vem trabalhando, no âmbito do planeamento e urbanismo, num conjunto de projectos de reabilitação e qualificação urbanas que se revelaram profundamente articulados com os objectivos do programa da CEC.” (candidatura ao título de capital europeia da cultura, Guimarães 2012, página 112)
Previamente, ousou-se materializar mais uma camada de cidade, feita das características intrínsecas do “ser vimaranense”, feita da leitura grave e crítica do território que abraçamos e usufruímos.
Da conjugação da história (que garante e perpetua a memória e a identidade da cidade, reforçando o afecto dos habitantes pela sua urbe), da comunidade (enquanto expressão de um bairrismo6 ímpar e defesa incontornável dos valores locais) e reinvenção (reaproveitando, de modo singular e criativo, o que possui para ultrapassar crises e dificuldades), projectou-se uma larga operação urbanística de consolidação do valor patrimonial em presença como bem excepcional e único; de extensão da sua área central urbana, escalando e extrapolando os limites, por vezes e aparentemente, inibidores e condicionadores do seu centro histórico; da ligação das áreas urbanas tidas como historicamente incontornáveis na leitura de Guimarães cidade –área central e Pevidém – promovendo a compactação urbana como elemento central de robustez e densidade de vivência urbana inerentes a uma urbe contemporânea.
Neste cruzamento do que é intrínseco e endógeno com o que é idealizado e desejado, emergiu a regeneração urbana feita de intervenções tão diversas quanto complementares como a requalificação do “Toural e da Alameda”, reabilitação do Monte Latito e espaço público de Couros, valorização da veiga de Creixomil e da ribeira de Couros, promoção de equipamentos de ensino, cultura e conhecimento – como a plataforma das artes e da criatividade, centro de ciência viva, instituto de design, centro avançado de formação pósgraduada e casa da memória – feitas dos mesmos princípios e critérios há muito experimentados pela cidade: assunção da reabilitação como princípio natural de intervenção e sabendo conjugar, sempre que necessário e apropriado, com a construção nova; tratamento do património edificado todo por igual, porque todo integrante de uma ideia e história maior e comum; requalificação contínua do espaço público, quer infra, quer na sua superfície e equipamento, na certeza de que este espaço público é a casa de todos nós; envolvimento constante da população local, na dependência certa e inequívoca de que a cidade só existe (e encontra sentido) porque feita de pessoas e para as pessoas. O processo foi-se “fazendo” e chegou a 2012 em progresso e visível na sua expressão mais física, repartida a quatro níveis:
6Bairrismo na sua tradução de pertença a um lugar que é nosso pela história e apropriação que fazemos dele. Não significa propriedade nem poder. Não implica exclusividade. É sinónimo de cumplicidade e partilha, extensão do que somos e queremos ser. E não conseguimos ser sem a companhia e o envolvimento do lugar que nos acolhe. O bairrismo traduz a intensidade dessa companhia e desse envolvimento…
(1) Área central classificada como património cultural da humanidade feita da reabilitação do Monte Latito, englobando o castelo e o paço dos Duques de Bragança, a Igreja de S. Miguel do Castelo e o espaço público envolvente, visando potenciar, rentabilizar e valorizar as componentes patrimonial e paisagística que esta mesma área encerra e focada no maior ícone da cidade: o castelo; intervenção no conjunto urbano central da cidade (praça do Toural, alameda S. Dâmaso e rua de Santo António), pressupondo a valorização do tratamento superficial do mesmo, a respetiva beneficiação infraestrutural, a manutenção dos elementos arbóreos expressivos, a compatibilização do peão com o automóvel, o tratamento plástico do chão da praça do Toural, introduzindo uma obra de arte pública e a requalificação do largo de S. Francisco; reabilitação da antiga casa de S. Tiago (extensão do museu Alberto Sampaio), localizada em plena praça S. Tiago, para albergar e ampliar o museu Alberto Sampaio; mais tarde, a residência de artistas com a reabilitação e refuncionalização de dois prédios sitos na rua da Rainha.
(2) Área adjacente à área classificada, desejavelmente futuro património cultural da humanidade, centrada na revitalização da denominada zona de Couros, tendo em vista a criação de uma plataforma relacionada com a actividade do conhecimento e inovação tecnológica. Implicou a intervenção numa extensa área de espaço público, estruturada em três grandes domínios: infraestruturação do espaço quer ao nível das infraestruturas de suporte (abastecimento de água, saneamento, águas pluviais), quer no que reporta
às “novas infraestruturas tecnológicas” (fibra ótica, …); tratamento da superfície do espaço público; equipamento do mesmo espaço com mobiliário urbano e iluminação adequada. Complementarmente, significou a reconversão de três grandes contentores industriais edificados em três equipamentos dedicados ao conhecimento e ensino: instituto de design (antiga fábrica da ramada), centro avançado de formação pós-graduada (antiga fábrica Freitas & Fernandes) e centro de ciência viva (antiga fábrica âncora).
(3) Equipamentos culturais como a Plataforma das Artes e Criatividade, projecto infraestrutural de transformação do antigo mercado de Guimarães num espaço multifuncional, dedicado à atividade artística, cultural e económico-social e albergando três grandes áreas programáticas: centro de arte José de Guimarães, ateliers emergentes de apoio à criatividade e laboratórios criativos (espaços de trabalho vocacionados para jovens criadores e gabinetes de apoio empresarial). Em acréscimo, este equipamento contemplou a abertura da praça interior do antigo mercado ao usufruto público.
(4) Valorização da veiga de Creixomil e ribeira de Couros (e laboratório da paisagem), traduzida na revitalização da ribeira de Couros, ampliação da horta pedagógica (espaço comunitário de prática agrícola), requalificação de caminhos pedonais e construção do laboratório da paisagem (equipamento centrado na temática da paisagem e ambiente).
Chegou e foi alvo de aplauso e admiração, reconhecimento do trabalho feito e do potencial observado. Chegou e, é percepção, fez sorrir a cidade, sem, inevitavelmente, evitar a falta de consenso e unanimidade sobre o trabalho feito e padecer da falta do elemento central quando se fala da cidade: o tempo.
Na verdade, o tempo revela-se fundamental na cidade e para a cidade. É, porventura, a sua medida mais assertiva e fiel à verdadeira justeza das transformações e manipulações que a cidade sofre. É, seguramente,
o barómetro mais seguro da resistência da cidade ao seu falhanço e do suporte emocional ao seu sucesso. Sem o tempo, não há sedimentação e consolidação. Com o tempo, emergem outras oportunidades. E, assim, modo continuado de corrigir e melhorar, afirmar e acrescentar.
Porque assim é, é este mesmo tempo que nos permite, hoje, olhar criticamente para este processo de regeneração urbana e entendê-lo, também criticamente, à luz do que desejou ser e consegue hoje ser, em função da capacidade revelada de erguer e, hoje de manter, potenciar ou relevar, ora por omissão, ora por incapacidade. E permite também não ser tão difícil avaliar. Avaliar na assunção do seu significado como perspectiva invertida, como análise em contraciclo, sabendo mais e melhor do que a data da concepção e concretização, conhecendo mais e melhores efeitos e consequências, num olhar e questionar permanentemente crítico sobre a cidade. Numa adaptação livre de Manuel Graça Dias “há muitos modos inteligentes e úteis de fazer crítica e avaliação. Inútil é nada questionar”7 .
Passados dez anos, dir-se-á que o balanço é agridoce. A cidade incorporou e assimilou no seu tecido urbano a transformação verificada em 2012, deixou que a população fosse tomando conta dos novos e renovados lugares – talvez o sinal mais visível seja o conjunto urbano central da cidade (praça do Toural, alameda S. Dâmaso e rua de Santo António) – mas fica a constatação de que a trilogia ambicionada “consolidar, estender e ligar” ainda está por alcançar na sua expressão mais significativa, quanto mais plena e global.
Hoje, cumpre-se um ganho significativo para a cidade. Não há dúvidas! A oferta de espaço público qualificado, incontornavelmente cresceu, a disponibilização de equipamentos de forte valor cultural, ensino e conhecimento permanece, o espaço natural de carácter “lúdico e ambiental” exponenciou-se no seu uso, o bem classificado como património cultural da humanidade está mais valorizado e é constantemente reconhecido por quem visita a cidade e novos espaços e áreas se oferecem à classificação como património cultural da humanidade (no reconhecimento do seu valor intrínseco e urbano).
Todavia, em “oposição”, esses mesmos espaços e áreas demoram a gerar movimento e dinamização urbana. A zona de Couros tarda na sua consolidação habitacional, dinamização das funções urbanas “instaladas” e atracção de actividade económica complementar (como comércio e serviços). Os equipamentos expressivos, como a plataforma das artes e a casa da memória, demoram a estender a área urbana central da cidade, expressando-se ainda numa lógica fechada e ensimesmada e não exposta e integradora do espaço público. E a veiga de Creixomil ainda carece de polarização enquanto ligante urbano.
7Frase original: “A Arquitectura é crítica sempre que questiona programas, lugares, símbolos, convenções, hábitos, modos de produção, usos, políticas, ensino. Há muitos modos inteligentes e úteis de o fazer; inútil é nada questionar.” Manuel Graça Dias, “Situações críticas”, jornal dos arquitectos, número 239. Lisboa (ordem dos arquitectos), 2010
Passados dez anos, a cidade revela-se imperfeita e incompleta no seu processo e crescimento urbanos. Nada que seja estranho a uma verdadeira cidade! Por isso é que, invariavelmente, se corrigem e acentuam processos e soluções. E, por isso, se assiste a novas intervenções e a novas camadas de sedimentação da cidade. A renovação e reabilitação do teatro Jordão e garagem Avenida, a (quase) conclusão da reabilitação da antiga fábrica Freitas & Fernandes, o contínuo trabalho na ribeira de Couros, a intervenção na casa e quinta do Costeado, as reabilitações de arruamentos e o alargamento da denominada “cidade desportiva” (veiga de Creixomil) e sua inclusão no percurso ciclável central da cidade sinalizam esta mesma constatação. O caminho é longo, particularmente longo, competindo a todos os que interagem no espaço urbano contribuir para a caminhada e “fazer caminho”. Porventura, não atingindo a meta, provavelmente, alcançando um porto intermédio que se deseja “bom porto”, seguramente, ganhando e acrescentando valor e significado, cumprindo um rumo há muito traçado e conhecido em Guimarães. E este parece ser o grande legado de 2012 e o seu real contributo. A cidade não tergiversou, não se desviou nem se acomodou. Continuou igual na sua afectividade, comunidade e reinvenção, enriqueceu-se no seu valor, conhecimento e dimensão, deu oportunidade a “novas oportunidades” e fez caminho. Cumpriu uma grande etapa! Pode-se achar que o passo, ou o ritmo, foi grande, talvez excessivo. Não se nega que foi útil e bom! E esse é o resultado final que se julga perdurar sobre 2012: foi bom e continua a ser bom!8 Assim saibamos honrar esse legado e continuar a fazer parte deste processo de construção de uma urbe tão única, singular e contemporânea… que não há igual!
8Relembrando Winston Churchill (1874-1965) “sucesso não é o final, falhar não é fatal: é a coragem para continuar que conta”. E acredita-se, esta persistência é inata a Guimarães e uma das suas grandes qualidades que permite olhar para o Tempo e reinventar-se, acreditando que o dia seguinte poderá sempre ser melhor.
Foi determinante para Guimarães a preparação e a realização da Capital Europeia da Cultura. Sendo este território muito rico em associações culturais, encontrou assim capital humano para se desenvolver, elevando aos mais diferentes níveis e escalas metodológicas de participação que urgia implementar.
Concomitantemente com a Festa, em 2012, atividades culturais de menor escala trouxeram ao território uma dinâmica de raiz cultural que eleva uma autoestima na população, capaz de estimular vontades que nem sempre estavam conscientes.
Com o seu epicentro na cidade, a Festa foi fazendo pulsar às coletividades das freguesias mais distantes ao ritmo e ao modo como a população se envolvia nas atividades culturais das suas raízes, atualizando-as em ritmo contemporâneo.
De toda a parte do mundo chegavam participantes, público em geral e assim este lugar foi-se tornando numa tranquila agitação.
As atividades económicas conheceram momentos fortes e aprimoraram-se para receber quem nos visitava.
Edifícios de uso coletivo, espaços culturais renovaram-se para acolher novas funções e desempenharem novas missões; inaugurados para esse ano estes espaços ficaram, paulatinamente, a desenvolver programas culturais com o objetivo de cada ano atraírem mais público a usufruir destes momentos culturais.
Nesta dinâmica centrífuga e centrípeta parecia urgente que uma política urbanística inovasse numa atuação de continuidade metodológica com o processo/projeto de recuperação do Centro Histórico de Guimarães.
9 A Divisão MAPa 2012 foi criada em 2019, na senda de Guimarães – Capital Europeia de Cultura. Com efeito, a partir da aprendizagem metodológica na recuperação do Centro Histórico de Guimarães, a equipa do MAPa 2012 desenvolveria inúmeras ações no sentido da valorização dos recursos patrimoniais, paisagísticos e naturais do concelho de Guimarães, tendo este blog servido para a apresentação em tempo real dos resultados alcançados por esta equipa da Câmara Municipal de Guimarães, cujas publicações cessaram em 2013 com a extinção da Divisão (Retirado do site Mapa 2012)
Valorizar recursos patrimoniais, paisagísticos e naturais do concelho foi missão assumida pelo MAPa 2012, divisão municipal criada por proposta da vereadora Alexandra Gesta (2009-2013) e aprovada em reunião de Câmara.
MAPa 2012 passa a ser chefiado por Ricardo Rodrigues – arquiteto, e tutelado politicamente por Alexandra Gesta, vereadora, com a experiência da recuperação do Centro Histórico de Guimarães, experimentando-se um projeto participado em todo o concelho.
Aquando do 1º Encontro Nacional de Técnicos Locais, a 18 de junho de 1986, escrevi na comunicação que apresentei:
“A construção de um modelo de intervenção na área do Centro Histórico não pode deixar de ser referida como a conceção dum modelo global de cidade. A reabilitação do Centro Histórico de Guimarães referir-seá a uma estratégia e às tendências sensíveis do desenvolvimento urbano e a um modelo possível para a cidade, tal como se as atuações em perspetiva visassem a reabilitação e a reintegração de qualquer outra unidade morfológica, de qualquer data, na cidade existente.” Acreditava-se e defendia-se que a recuperação do CH de Guimarães seria uma experiência laboratorial sempre numa atuação dialética com o restante território para o qual se pretendia qualidade urbanística em contínuo e harmoniosa leitura do campo de intervenção.
Este projeto territorial olhou para todo o concelho com uma perspetiva inovadora de modo a incluir na atuação urbanística todos os recursos e vontades dos autarcas e população de maneira integradora e multidisciplinar capaz de produzir e concretizar lugares agora atualizados nas memórias e tradições das populações.
Desde a reabilitação do parque de lazer das Taipas, passando pelo ProxectoTerra – intercâmbio territorial entre Guimarães e Galiza para alunos do secundário, à reabilitação do último moinho de Moreira de Cónegos, num processo exemplarmente participado, elevando ao ponto de toda a execução ser feita em voluntariado, gerando, por isso, também uma verdadeira nova centralidade.
A reconversão, no Mosteiro de Souto S. Salvador, do espaço de ação social e residência paroquial, e o estudo do percurso do parque de Selho/Hídrica de Sumes. Muitos outros projetos desenvolvidos podem ser vistos no site MAPa 2012, site esse que é exemplo de um inovador modo de comunicar, pois ele apresenta em tempo real os trabalhos executados por esta equipa municipal. Não se pode deixar de referir o projeto então desenvolvido e executado cuja visibilidade mediática mais deu que falar: o Bairro de Nossa Senhora da Conceição.
Site do MAPA, foto de Paulo Pacheco
Localização: Azurém
Data: junho de 2011 Área: 53.824,78 m2 Orçamento: 2.294.090,04 €
Estado: Projeto Executado
Sinopse:
O projeto de reabilitação do Bairro de Nossa Senhora da Conceição partiu de uma vontade comum de proporcionar melhores condições de habitabilidade e salubridade a uma
franja de população do centro urbano de Guimarães à altura segregada numa zona de habitação social em franca degradação.
Aproveitando o desejo anunciado à fábrica Lameirinho pela designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada, de oferecer um mural à cidade, o MAPA2012 propôs que esse mural fosse aproveitado para a transformação positiva de uma das principais entradas na cidade, designadamente na transformação do Bairro de Nossa Senhora da Conceição e envolvente.
A intervenção proposta pelo IHRU - Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana constituiu uma oportunidade para Câmara Municipal de Guimarães, através do MAPA2012, desenhar uma proposta mais alargada, envolvendo os espaços públicos, a população residente e várias associações e entidades locais interessadas em aderir ao projeto. Paralelamente à intervenção material, a ideia do mural, então concebido especificamente para cada uma das faces dos 4 blocos, serviu de base para se repensar a entrada noroeste da cidade e inverter um ciclo depreciativo a que esta zona e os seus habitantes estavam sujeitos.
A cooperação e participação dos residentes foi essencial. Os moradores foram envolvidos em todas as decisões, numa assembleia plenária onde puderam votar as várias propostas apresentadas pelo MAPa2012 para as fachadas. Esta ação participada no processo de reabilitação proporcionou aos moradores a possibilidade de serem agentes ativos, apropriando se e abraçando um projeto primeiramente destinado a eles.
O envolvimento dos parceiros Dyrup, Lucios e Lameirinho, contribuiu para o estabelecimento de uma sinergia orgânica, que capacitou o projeto de se tornar mais sustentado no tempo. No final da obra, foi realizada uma grande festa de São João, que uniu os esforços de várias associações locais - Fraterna, Círculo de Arte e Recreio, Vinte Arautos, Trovadores do Cano, Cineclube-e da associação de moradores do bairro, numa comemoração participada por mais de 4000 pessoas.
Imagem do Cartaz da festa de S. João
Em termos de estratégicos, a reabilitação do bairro de Nossa Senhora da Conceição enquadrou se num programa de mediatização com o objetivo de tornar este um caso visível por força do que nele é singular e
específico. Através de um trabalho que compreende a médio prazo o favorecimento de novas formas de aprendizagem dentro do próprio bairro e de apoio à criação e à expressão popular, num espírito integrador, foi claro através dos resultados desencadeados por este projeto, que também é nestes espaços que se sedimenta uma história comum e urbana da cidade de Guimarães.
A Plataforma das Artes e da Criatividade é um projeto infraestrutural que consistiu na transformação do antigo Mercado Municipal de Guimarães num espaço multifuncional, dedicado à atividade artística, cultural e económico-social. Foi inaugurado no dia 24 de Junho de 2012 e constituiu a obra mais emblemática da Capital Europeia da Cultura. Dispõe de 11.000 metros quadrados de área coberta e custou 17,6 milhões de euros. Aloja uma série de valências e espaços dedicados a três grandes áreas programáticas: o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG); os Ateliers Emergentes e os Laboratórios Criativos. A valência mais importante é o CIAJG, que é composto por 13 salas de exposição, uma loja, uma cafetaria, uma sala de conferências com capacidade para 80/pax em plateia e uma «black box» com capacidade para 198/pax. Assume-se como um espaço com variadas possibilidades de utilização, tais como exposições, conferências, reuniões de trabalho, acções de formação, lançamentos de produtos, espectáculos, congressos, etc.
Segundo notícias veiculadas em vários jornais da época, o anterior Presidente da Câmara, Dr. António Magalhães, no contexto do acto de inauguração referiu que a Plataforma das Artes era «o simbolo do que Guimarães foi, é e quer ser». Procurei descobrir nas notícias respigadas sobre esse evento qual seria o sentido e alcance desta frase lapidar para o seu autor, mas não os encontrei. Todavia, o sentido puramente literal da frase permite-me concluir que se alvitrava para o equipamento um uso que revelasse Guimarães no passado, no presente e no futuro.
Mais recentemente, o Dr. António Mota Prego na sua habitual crónica no Comércio de Guimarães, escreveu que a Plataforma das Artes foi «idealizada como polo dedicado às artes plásticas e seu entorno, tendencialmente
vocacionada para (...) atrair visitantes da região e para além dela..». No entanto, reconheceu que «a programação e actividade da Plataforma das Artes, bem como a do CIAJG, não alcançaram os fins previstos, como é referido na recente decisão municipal, noticiada neste Jornal na sua edição de 12 de Setembro». Referiu ainda que, na aludida reunião, a Câmara Municipal terá manifestado a intenção de «até final do ano em curso, promover a criação de um grupo de reflexão destinado à gestação de ideias susceptíveis de tornar a Plataforma das Artes suficientemente atractiva para que, continuando como entidade cultural vocacionada para a contemporaneidade, passe a ser suficientemente atractiva para cativar número de visitantes e usuários capaz de lhe dar a vida e animação que, ao ser criada, se projectou serem as suas». E no final formulou a seguinte consideração:«bem andou a Câmara Municipal ao decidir a promoção do “grupo de reflexão”, pois a Plataforma das Artes, tal como foi idealizada – falo com total e directo conhecimento de causa – está muito longe daquilo para que o foi…».
Não sei se essa ideia de criação do tal grupo de reflexão avançou ou em que fase está o seu processo de formação. De facto, se já era premente em 2018 a necessidade de procurar uma solução capaz de lhe dar vida e animação, parece-me que agora, após a pandemia COVID-19, Guimarães tem de descobrir, urgentemente, um destino para este ícone da Capital Europeia da Cultura, que não desmereça o avultado investimento que representou, nem os elevados custos de manutenção com que tem sobrecarregado o orçamento municipal!
Em minha modesta opinião, o destino deste equipamento deveria ser associado ao mais sublime valor da nossa identidade cultural que é a Língua Portuguesa, para assim revelar, pela forma mais elevada, o passado, o presente e o futuro de Guimarães, ou seja, a meta que lhe terá sido preconizada nas palavras do exPresidente.
Como se sabe, a cidade de Guimarães é membro efectivo da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa). Esta associação foi criada em 28 de Junho de 1985, cumprindo um sonho do então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Krus Abecasis, que, com essa iniciativa quis preparar o terreno para implementar o intercâmbio de experiências e cooperação entre as cidades-membro, em ordem ao desenvolvimento e bem-estar das suas populações. As ações de intercâmbio e cooperação têm sido desenvolvidas no âmbito da prevenção, saúde, educação, cultura, infra-estruturas, saneamento, ambiente, património, formação empresarial, autárquica e institucional. A UCCLA foi a primeira instituição de parceria público-privada votada à cooperação para o desenvolvimento no seio da lusofonia e precursora da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa). É constituída por 23 membros efectivos, a saber:
Para além dos 23 membros efectivos, fazem parte da UCCLA mais 28 membros associados (cidades), 32 membros apoiantes (instituições e empresas) e 6 membros observadores (cidades), o que perfaz um total de 88 membros, composto de cidades e instituições.
Dentro deste enquadramento, entendo que a Plataforma poderia transformar-se numa EMBAIXADA
Benguela
ANGOLA Bissau GUINÉ Bolama GUINÉ Brasília BRASIL Cacheu GUINÉ Coimbra PORTUGAL Dili TIMOR/LESTE Guimarães PORTUGAL Ilha de Moçambique MOÇAMBIQUE Lisboa PORTUGAL Luanda ANGOLA Macau CHINA Maputo MOÇAMBIQUE M’Banza Congo ANGOLA Oecussi-Ambeno
TIMOR/LESTE
PORTUGAL Praia CABO VERDE Ribeira Grande de Santiago CABO VERDE Rio de Janeiro BRASIL Salvador BRASIL Santo António do Príncipe S. TOMÉ E PRÍNCIPE São Tomé/Água Grande S. TOMÉ E PRÍNCIPE
Porto
, para funcionar com duas áreas diferenciadas, mas complementares. Uma vocacionada para a exposição de peças de arte, como pintura, escultura, cerâmica, objetos de artesanato e etnográficos, etc., que seria o espaço coberto; e outra destinada à demonstração de aspectos da vida real (passada ou presente), ou seja, espetáculos musicais, teatrais, etnográficos, ou outros que manifestassem o modo de sentir e de viver dos povos das cidades-membro da UCCLA ou dos 9 estados independentes CPLP, que seria o espaço exterior. A Plataforma seria uma espécie de Feira Cultural permanente, onde as cidades-membro e os países de língua oficial portuguesa promoveriam a sua cultura na Europa, em condições protocolares, logísticas e económicas a estudar e a definir. Dito de outro modo, a Plataforma tornar-se-ia um espaço destinado a exibir a multiculturalidade dos diversos povos das cidades e países lusófonos e conquistaria o interesse turístico que lhe tem faltado até ao momento.
Não foi por acaso que usei a designação de embaixada, pois o que sugiro é que a Plataforma se transforme num espaço anfitrião das mais variadas representações culturais das cidades e países de Língua Oficial Portuguesa, com uma intensidade tal que provoque nos povos lusófonos a sensação de que se trata de território nacional em solo estrangeiro.
A memória é uma poalha de luz, deixada pela passagem do tempo. É como uma névoa que paira sob uma paisagem obscurecida pela ausência de cor e movimento. Ilumina rostos que se vão desvanecendo numa fotografia amarelecida, faz-nos reconhecer caminhos andados num par de sapatos velhos e pode dar-nos o tom da primeira nota que nos leva a trautear uma melodia inicial, ou que queríamos esquecida. Lembrar, esquecer, evocar, perder, recordar, memorizar, obliterar são acções activadas pela presença, ou ausência, de memórias que vamos acumulando ao longo da vida. Por outro lado, são apelidadas de «memórias transmitidas» aquelas que não provêm de experiências de vida da pessoa que retêm essas mesmas recordações, mas de relatos de outrem que, de facto, presenciou aqueles acontecimentos. Por exemplo, lembro-me de ter puxado o rabo a um cão, dos seus olhos esbugalhados, e da pata amarela que levantou e embateu contra o meu nariz, onde, ainda hoje, é visível a marca da sua força. A minha mãe diz-me que levei desta lição o respeito pelos seres vivos que me rodeiam, ainda não teria dois anos de idade. A maioria dos estudiosos da memória situa o período em que uma criança começa a guardar fragmentos de episódios passados entre os três a quatro anos de idade. Ora, por certo, a imagem memorizada da minha quase inconsciência, naqueles três segundos de luta com o canídeo da Dona Aninhas, adveio da troca de recordações familiares que começam com «E quando a…». Há, ainda, memórias que vamos construindo, ao ponto de não sabermos se são reais ou imaginadas. A memória que guardo da noite de 21 de Janeiro, do ano de 2012, é um exemplo disso mesmo. Não sei precisar se fiz parte da massa humana que, de tal forma compacta, não se movia no empedrado da calçada, talhada a quartzo e basalto, da Praça do Toural em Guimarães, para assistir ao momento de abertura de um ano singular para Guimarães, enquanto Capital Europeia da Cultura. Trata-se de uma memória que me foi passada pelos meus colegas de trabalho, que produziram o espectáculo, concebido pelo grupo teatral La Fura del Baus, escolhido para inaugurar o extenso programa cultural. Será uma recordação composta de descrições dos efeitos cenográficos e de imagens absorvidas pelo visionamento de uma larga sequência de vídeos no Youtube, e alteradas pela sensação imaginada de ter estado num Toural de cenários multiplicados. E, finalmente, chegamos ao registo das memórias que consideramos importante perpetuar, pois servem de testemunho de um determinado feito valorizado por um colectivo. Depois de uma década, o
que se quer recordar, nesta edição, é o impacto para Guimarães pelo facto incontornável de ter tido a capacidade de ter realizado um grande evento como uma Capital Europeia da Cultura. Neste momento, contudo, temos já olhar distanciado, colocados que estamos pelo tempo já em 2022, o que nos permite avaliar o seu legado cultural com mais detalhe e com todas as análises individuais, institucionais e políticas que isso implica. Pelo papel que desempenhei no antes e no depois do ano mais marcante na história recente da cidade, ainda me faltam elementos e mesmo tempo para reflectir sobre tudo o que a CEC 2012 originou, sobre o que permaneceu e sobre o muito que ainda necessita de ser feito. Neste texto, dedico-me, por isso, de forma muito breve, a observar apenas o percurso da Casa da Memória de Guimarães (CDMG), desde o seu projecto arquitectónico até à celebração do seu 6º aniversário.
A edificação da CDMG foi uma obra incluída na chamada «vertente material» do plano de investimento de recuperação e construção de infraestruturas da CEC 2012. O projecto de arquitectura, da autoria de Miguel Guedes e de José Carlos Melo Dias, vencedor do concurso público promovido pelo Município de Guimarães, em 2010, inclui uma série de intenções que adviriam da intervenção: «Oferecer um espaço novo, transparente e universal à cidade. Um espaço que convida à entrada e feito para ser apropriado, um polo âncora de uma nova cultura urbana. (…) Oferecer espaços de memória com características espaciais únicas. Estes espaços contidos nas duas naves existentes, evocam a importância da indústria na cidade, ao mesmo tempo que surpreendem pelas qualidades espaciais e plásticas de grandes “hangares” industriais, proporcionando espaços de “abertura de espírito”. Oferecer um espaço verde que apele aos sentidos. (…) A presença da água, a sombra provocada pela vegetação que cobrirá as “ruinas” da estrutura das antigas coberturas removidas, a plantação de uma árvore que pontua a rua Pátria proporcionará um atravessamento com alma e carácter que estará sempre em constante mutação consoante os ciclos naturais (som, movimento, cor, sombra, cheiro, humidade).» Desde o primeiro momento de ocupação deste complexo arquitectónico que reconhecemos a sua grande flexibilidade na adaptação dos seus vários espaços à dinâmica cultural prevista para a CDMG. A rua, de circulação pedonal, entre a Av. Conde Margaride e a Praça Heróis da Fundação, dá um sinal de casa afável ao bairro e convida a entrar
na exposição, que é visível pelo exterior. O pátio, coberto por uma frondosa ramada de glicínias, é um lugar de paragem e de encontros, como os dos alunos da escola profissional Cenatex que, nos dias ensolarados, ali se reúnem e fazem as suas refeições ligeiras. A dupla de arquitectos justifica, também, a escolha dos materiais de construção, nomeadamente os usados na «fachada revestida a reguado de madeira modificada e aplicado na vertical, pintado em cor escura pelas características de baixo impacto ambiental, pela durabilidade, pela afirmação de uma nova pele nas zonas alteradas dos edifícios e pela identificação com a arquitectura popular…». O que não é muito comum encontrar numa cidade de média dimensão, como Guimarães, são espaços industriais no centro urbano com uma grande amplitude espacial quer interior, quer exterior, que possam ser reconvertidos em sítios dedicados à fruição patrimonial, cultural e artística. A Casa da Memória é um desses lugares. A simplicidade dos materiais usados, a manutenção das grandes paredes em granito, em contraponto com a formação de pequenos abrigos, a transparência dos volumes edificados, rasgados por amplos vãos, tornam a CDMG num espaço desprendido e aberto à passagem e permanência das pessoas.
No dia 25 de Abril de 2016, às 17h00, a Casa da Memória de Guimarães abriu as suas portas a uma torrente de pessoas que fluiu pela sua exposição Território e Comunidade, ao longo de várias horas. À saída, foram sugeridos conteúdos que, pela sua importância histórica, consideram-se de presença obrigatória na narrativa da exposição. Tal foi o caso da inclusão, no núcleo «Cronologias», da data de início da Guerra Colonial (1961), que foi colocada logo na semana seguinte. Depois de um primeiro mês intenso de visitação, havia que implementar programas que
estimulassem o retorno à CDMG. Deambulámos pela exposição e descobríamos, a cada passo, novas leituras. Ficámos deslumbrados com o número infindável de relações que se poderiam estabelecer entre os objectos, imagens e documentos com histórias e memórias que poderiam ser recolhidas com recurso a fontes escritas ou orais. Ao vaguearmos entre a exposição, o pátio e a sala onde cresceria a Mesa da Memória, feita com madeiras que deram corpo a outros móveis de casas que já não existem, conseguimos percepcionar a essência da Casa da Memória.
Afigurou-se-me a minha posição como a de uma tecedeira que urde e compõe a partir do imaterial, do património intangível, do pensamento artístico e científico, do saber-fazer e das tradições o seu tecido, para depois tentar estender pela memória de todo o concelho de Guimarães, a partir da sua exposição Território e Comunidade. Mas a sua teia não se faz, somente, dos conteúdos em exposição e é um labor em contínuo, através da criação de uma forte dinâmica de participação coletiva. Vamos tomar como exemplo o seu projecto âncora, que assenta numa grande Pergunta ao Tempo, que é feita, anualmente, por cerca de trezentas crianças provenientes de várias freguesias do concelho de Guimarães. A cada ano lectivo, são convidados a nele participar os agrupamentos escolares de Guimarães, com catorze turmas do 4º ano, tantas quantos os núcleos da exposição permanente Território e Comunidade. Depois de visitas à exposição e de oficinas nas escolas, orientadas seguindo metodologias científicas de recolha de património cultural, segue-se o trabalho de campo, no qual alunos, professores, pais, familiares próximos e membros de instituições das freguesias se mobilizam para o processo de recolha e registo de memórias locais. Objectos; documentos; imagens; antigos registos sonoros; novos registos audiovisuais; recolhas de velhas histórias e cantares; etc., vão saindo de dentro de baús, das prateleiras das vitrinas, das brumas da memória dos mais velhos e da criatividade dos mais novos directamente para a sala de aula. No final do ano lectivo, os trabalhos são expostos em diálogo com a exposição.
Outro fio lançado pela Casa da Memória está relacionado com a produção de novo conhecimento científico, criativo e artístico junto não só do indivíduo, mas também das escolas, academias e comunidades, através da partilha de documentação, de registos e de informação. O seu Repositório tem uma vocação arquivística para o tratamento, digitalização, organização e disponibilização (em formato digital) de acervos, cuja sinalização contribua para uma melhor compreensão da história e do património local, associada ao desenvolvimento de linhas de investigação nos campos da história da arte, da arquitetura, de temas da história contemporânea, da etnografia, da antropologia e da ecologia, interpretando-os no sentido da vivência do território de Guimarães na atualidade.
Mas também é preciso desatar nós: por exemplo, desconstruindo o conceito de “memória coletiva”, mais orientado para o património cultural imaterial, e isso faz-se através de momentos de experiência que nos levem a questionar como nos colocamos neste processo a partir de dentro — como valorizamos as nossas tradições? Como as reinventamos? De que forma é que as podemos sentir? Para esta incursão, desenvolvemos atividades que nos façam recuar sensorialmente a histórias, práticas, sabores, sons, gestos que fazem parte do legado imaterial comum.
No desenho deste grande tecido, sobressaem as memórias vivas: aquelas que estão claras no horizonte de um indivíduo ou do coletivo; ou aquelas que renascem porque esse mesmo grupo acha necessário que sejam reativadas. Com os habitantes de cada freguesia de Guimarães, criamos programas que nos levam a resgatar memórias para a sua vivência quotidiana, na qual os recursos de cada território são, também, parte integrante deste processo de revisitação.
No canto inferior esquerdo do computador, o relógio marca 22:47 | 25-04-2022, enquanto nos preparamos para regressar a casa, após um dia pleno de visitas, oficinas de teatro, de leituras, de culinária, concertos e encontros há muito adiados, tudo para tornar grandiosa a festa do 6.º Aniversário da Casa da Memória. O tempo permitiu-nos deixar memória em 2022, no rescaldo de uma crise pandémica e numa Europa que vive o início de uma guerra de proporções incalculáveis e de desfecho muito incerto; e que, como todas as crises que pontuam a história, arrastam-nos para o poço das dificuldades financeiras do qual continuamos sem ver o fundo. Que futuros se vislumbram a partir das grandes janelas da Casa da Memória? A sua exposição propõe-nos imaginar lugares utópicos, saídos de uma projeção ficcional de futuro idealizado e inatingível. Leva-nos a pensar o território considerando o presente, o passado e o futuro, o que envolve estabelecer ligações entre as memórias passadas e as utopias futuras. Desafia-nos a enfrentar a distopia, a opressão e o totalitarismo nas suas várias faces.
O tecido de Guimarães, estendido desde a Casa da Memória, continua a crescer a cada palavra dita ou repetida, a cada gesto replicado, a cada nota dedilhada, a cada conversa, a cada homenagem, a cada livro, a cada exposição, a cada documento inédito que se descobre e às vivências que cada visitante decide partilhar. E eu sou apenas mais uma tecedeira invisível, ainda que goste de pensar que uma parte pequena desta grande obra nasceu e continua pelo meu esforço.
Ricardo Rodrigues
Arquiteto, coordenador técnico/científico da candidatura do Centro Histórico de Guimarães e Zona de Couros a Património Mundial
No ano de celebração da Capital Europeia da Cultura, a Zona de Couros passou a relacionar-se mais com o restante centro da cidade. Novos acessos foram estabelecidos, através da Alameda de S. Dâmaso (terreiro de S. Francisco), pela antiga fábrica da Ramada (Instituto de Design), pela rua de Vila Flor (ligando-a, através da criação de uma nova Alameda, à rua Camilo Castelo Branco). Estas novas relações decorreram de estudos urbanísticos que serviram de referencial para as atuações no espaço público e em alguns edifícios estratégicos, em especial em antigas fábricas de curtumes, abandonadas e sem um sentido de recuperação/reutilização óbvio à primeira vista. Por outro lado, foram múltiplas as manifestações culturais desenvolvidas nesta área com a decorrente atração de um público que terá descoberto uma parte menos conhecida da cidade, pese embora a sua significância na história e no desenvolvimento de Guimarães.
Quando o termo “CampUrbis” surgiu, os estudos urbanísticos suprarreferidos tinham já sedimentado o que parecia fundamental assegurar: a preservação da memória industrial de Guimarães, adequando as antigas unidades fabris a novas utilizações, preferencialmente complementando a oferta já disponível, em termos de usos, na envolvente urbana. O CampUrbis, enquanto “campus universitário sem muros”, surge como uma oportunidade para alocar recursos e sinergias entre a Universidade do Minho e o Município. Do ponto de vista urbanístico, competiu sempre ao Município a gestão do processo. Em grande medida, o projeto geral recupera uma ideia já presente em propostas iniciais para a Zona de Couros, decorrentes da iniciativa de classificação das antigas fábricas de curtumes como zona de interesse arqueológico-industrial, reconvertendo as unidades fabris em novos usos. No entanto, as condicionantes, de propriedade (e de subdivisão de propriedade, decorrente dos
Largo do Cidade (Antes). Foto Luís Ferreira Alves, 2010.
processos de encerramento das empresas), localização (zonas inundáveis, acessos altamente condicionados), dimensão dos lotes, entre muitos outros aspetos, variáveis de caso para caso; implicam uma gestão altamente complexa, em especial tratando-se de propriedade predominantemente privada. A hipótese, que tem vindo a ser confirmada e reforçada, de introdução de valências universitárias/pedagógicas/institucionais usando este património, tem possibilitado a aproximação aos objetivos inicialmente previstos e, de uma forma mais alargada (no tempo e no espaço) aos objetivos de reabilitação e regeneração da cidade, através da multiplicação de polos de atratividade que contribuem para um equilíbrio funcional entre diferentes áreas urbanas e, assim, potencia-se a coesão territorial através da valorização das especificidades de cada área.
Centro Ciência Viva (Antes). Foto Luís Ferreira Alves, 2009.
Centro Ciência Viva (Depois). Foto Luís Ferreira Alves, 2011.
Como vem acontecendo sucessivamente em Guimarães, o património urbanístico e o património edificado são valorizados através do uso e consideram tanto a vertente edificada como os espaços públicos. Alguns exemplos na Zona de Couros: o Centro de Ciência-Viva resulta da reconversão da Fábrica Âncora; o
Instituto de Design recupera, em termos gerais, o que reconhecemos até 2004 como a Fábrica da Ramada; a Pousada da Juventude instalou-se na casa d’O Cidade; o Centro de Formação Avançada Pós-Graduada, era a Freitas e Fernandes; o Parque de Camões abrange, para além de outras propriedades, a antiga Fábrica da Caldeiroa. Também ao nível do espaço publico a interação com o que outrora foi a Miranda Ferreira e Carvalho, no Largo do Cidade e, sobretudo, a criação de condições para que todas as fábricas possam ser uma parte ativa no sistema de espaços coletivos (públicos ou privados), gerando sequências espaciais potencialmente surpreendentes atendendo à quantidade (e tipo) de edificações industriais, à (omni)presença da água ao longo dos percursos, e a uma óbvia complexidade destes espaços, decorrente de séculos de ocupações que carecem ainda de maior compreensão.
O que será oportuno referir, neste momento, e na qualidade de arquiteto responsável por alguns dos projetos concretizados nestes anos, em volta da Capital Europeia da Cultural, são aspetos de interação, de partilha e, por isso, a meu ver exemplares, na condução de algumas destas transformações. Destaco a coordenação entre os pontos de contacto entre a intervenção nos espaços públicos da Zona de Couros e a intervenção da Alameda e Toural. A concertação técnica permitiu uma continuidade “natural” entre os percursos. Foi criado um novo acesso que aproxima a Zona de Couros da cota intermédia da Venerável Ordem Terceira de São Francisco e bem como da cota, ligeiramente mais elevada, da Alameda de São Dâmaso.
Foram milhares aqueles que usaram estes percursos para assistirem a concertos nas ruínas defronte da Pousada da Juventude, ao Largo do Cidade. “Isto é uma praça”, dizia-se. Mas não é. E não teve de ser para que pudesse ser o que funcionalmente cumpre a uma praça, em geral: ser lugar de encontro, de concentração e de reunião. E isso foi. E sendo, criou nos Couros uma nova dinâmica, talvez pela primeira vez: a de servir de palco à cultura “mainstream” da cidade: com concertos, apresentações de livros, comediantes, trovadores. Curiosamente, o largo que homenageia o Trovador, não foi, nem então, nem até à data, objeto de tal apropriação. Mas está lá, e desde 2012 passou a aguardar quem o procure para ali se expressar. Para os
novos Trovadores. Podem até não chegar ali. Ou podem não se interessar pelo espaço. Mas ali há espaço para que possa haver criação, reunião e partilha. Até um ano antes, era espaço de reunião de automóveis, por entre os quais caminhávamos com dificuldade, no irregular terreno e empedrado. Será preciso recuar ao “Guimarães: Passado e Presente” para ver crianças a brincar num dos lados deste largo, onde hoje há esplanadas, se ouvem gargalhadas e se sente o cheiro de cidade. De bairro, talvez, que é o que recorrentemente chamam a Couros.
Também no processo de estudo das antigas fábricas de curtumes apontámos sentidos de transformação, e de permanência, a parte das fábricas e, fazendo-o, arriscamos novos usos. Esses estudos permitiram concorrer a candidaturas e gerar novos equipamentos, como o Instituto de Design. Neste local, antiga fábrica da Ramada, sabíamos ter existido uma viela, de Soalhães. E no processo de projeto, os projetistas a quem foi adjudicado o projeto, quiseram saber mais. Conversar com quem há muito estuda e gere esta área. E ficaram interessados com a ideia de se poder criar uma praça coberta, e de reforçar essa praça coberta integrandoa no sistema de espaços coletivos, através da reabertura da viela de Soalhães (recuperar a ligação entre a rua da Ramada e a rua Padre Gaspar Roriz). Isso mesmo foi feito, e Guimarães ganhou uma nova praça. A primeira praça coberta. Local onde temos assistido a concertos, palestras, debates, apresentações. E também, em geral, à simples exibição de um espaço amplo, de fábrica, com os seus grandes “foulons” agora estáticos.
A ideia de integração dos antigos espaços fabris aplica-se a grande parte das propriedades onde a atividade industrial se desenvolveu. E por dois motivos: em geral, as fábricas estabelecem contacto com, pelo menos, duas vias públicas distintas. E a fábrica constitui-se, ela própria, como um percurso, em geral através de um pátio. Isso mesmo acontece numa fábrica, porventura a mais especial, do meu ponto de vista, por questões objetivas, de raridade (quantos edifícios similares conhecemos?); e subjetivas, de qualidade do espaço, dos materiais, das memórias que parecem mais fortes quando ali estamos. E, não posso esconder, pela oportunidade única que constituiu para trabalhar com Alexandra Gesta na recuperação deste tão relevante testemunho da Zona de Couros. Em geral, a visita ao Centro Ciência-Viva tem um acesso único, a partir da rua da Ramada, por onde entramos e saímos. Mas na verdade, há outro acesso, normalmente fechado, pelo Largo do Cidade.
De modo distinto, mas na mesma linha de abertura entre o “miolo” do quarteirão e o espaço público, a reabilitação de edifícios privados, como foi o caso da “Ilha do Sabão”, ampliou a dimensão da Zona de Couros.
Ao escrever estas palavras, apercebo-me da condição de charneira entre o que é e o que poderá ser (mas ainda não é). De facto, também as palavras podem ajudar a constituir um sulco, como aquele que refere Carlos Poças Falcão no seu poema Rio de Couros, escrito na pedra, no Largo do Cidade. São formas sinuosas que, em especial na Zona de Couros, ainda aguardam definição. São já tantas as reabilitações quantas as ruínas, pese embora uma ruína possa ter uma presença mais marcante, e nem sempre positiva. Há-as (ruínas) de vários tipos: as que aguardam investimentos, e as que aguardam simplesmente que as compreendam e valorizem. Julgo que esse caminho não foi comprometido, na Capital Europeia da Cultura, e isso é positivo.
A ideia de aproximação, de convergência e de concílio entre diferentes escalas, diferentes projetistas e decisores técnicos e políticos é um legado que a Capital Europeia da Cultura me recorda através de alguns dos projetos de intervenção na cidade e, em especial, dos debates gerados em torno dos mesmos, designadamente em torno dos chamados “5 Projetos” (e não apenas o debate mais destacado, centrado no Toural). Claro que, para lá dos projetos materiais, a CEC deixou um legado ao qual não será alheio o Bairro C, que dá continuidade à vontade de chamar mais e nova gente para pensar, discutir, criticar e atuar sobre este território. Não apenas como projeto cultural, mas como ideia de que é fundamental saber gerir os “vazios” da cidade e revertê-los, com ideias, com criatividade, recorrendo porventura ao inusitado, sem cair na facilidade de repetir fórmulas batidas. Se há algo que se espera, culturalmente, de Guimarães, é que seja isso mesmo: Guimarães. Desafio que não é pequeno.
Guimarães 2012 –
“cinema em concerto” ou uma afirmação do “sector vimaranense”
César Machado“A província do Minho, com uma população tão densa como industriosa e activa e reflectindo as qualidades admiráveis do substracto da raça, dá o aspecto – salvo o sector vimaranense - de se conservar alheia, indiferente, senão refractária não só aos problemas que agitam o pensamento moderno, mas também àqueles que dizem respeito ao seu passado étnico, histórico, artístico, ou interessam ao seu futuro, económico, científico, social.
Por outras palavras: - dá a impressão de ter vivido num entorpecimento mental.”
Manuel Monteiro, Revista “Mínia”, Braga, Janeiro de 1944.10
Dez anos passados sobre a Capital Europeia de Cultura (CEC), que fez de 2012 um momento único nas nossas vidas, surge o simpático convite de “Osmusiké”, que agradeço, para deixar um testemunho, uma abordagem que torne presente aquela grande realização que mudou Guimarães.
Opto por invocar o programa denominado “Cinema em Concerto”, uma iniciativa concebida e realizada, em parceria, pela Banda da Sociedade Musical de Pevidém e pelo Cineclube de Guimarães. Porquê? - Desde logo por realçar esse aspecto, que me é muito caro, da valorização e crescimento que a CEC permitiu a estas duas associações culturais de Guimarães, em concreto, como sucedeu com outras em diferentes programas e iniciativas. Ao criar a oportunidade de permitir colocar em acto muito do saber acumulado, em reserva, permitiu-se construir presente. Com o crescimento e valorização das associações culturais trabalhou-se a favor do futuro. E isto seriam já boas razões para justificar a escolha. Mas tem mais. Penso ser justíssimo salientar o lado do reconhecimento que aquele feito também traduz. O testemunho desse reconhecimento naquele contexto concreto e o modo como o grande público acorreu às várias representações do Cinema em Concerto também manifestam essa gratidão por tudo o que sucedeu até ali, por se ter feito chegar a cultura
10
Para
inúmeras
em Guimarães àquele ponto de encontro, por terem sido as associações - em grande medida, e sobretudo até ao último quarto do passado século -, as grandes responsáveis por “aquele haver viagem”. Afinal, nada de inteiramente novo para o sector vimaranense, para usar a expressão que, já em 1944, o ilustríssimo intelectual e político bracarense, Manuel Monteiro utilizara. Valeria a pena perguntar: - o que havia em 1944, em Guimarães, que tornava o sector vimaranense um caso à parte? O que é que tem o Barnabé que é diferente dos outros? como perguntava Sérgio Godinho nessa tão notável quanto esquecida canção: - Barnabé! Seria um óptimo assunto. E se nos reportarmos a 1964, melhor ainda. Ou a 1984, 1994 e por aí fora. Não dando para mais, sintetizemos.
Seja permitido um parêntesis para situar o contexto envolvente: - como é sabido, durante tempos e tempos os poderes públicos mantiveram-se totalmente alheados das preocupações com a cultura, não só em Guimarães como em todo o país. Não é um “julgamento”, é uma constatação. E quando vieram pela cultura adentro, sobretudo pela mão de António Ferro, fizeram-no numa atitude e com objectivos claramente “apontados”, definindo o que se queria e, sobretudo, o que não se queria nem permitia. Foram criadas
iniciativas e fabricaram-se símbolos culturais que bem poderiam reflectir-se no famoso Galo de Barcelos, um ícone legado à Humanidade pela singularidade da artística veia lusitana! A cultura das Casas do Povo, a ópera para os operários, da Emissora Nacional, o nacional cançonetismo, poderia apontar-se um sem número de contributos para o que deveria ser uma cultura “eminentemente nacional”, com a “escolinha portuguesa”, a “casinha portuguesa”, muito ao serviço do “pobre mas honrado”, que procurou transformar a pobreza em virtude, como bem se entoava na célebre cantiga “Uma Casa Portuguesa- “(....)A alegria da pobreza / Está nessa grande riqueza / De dar e ficar contente (...) No conforto pobrezinho do meu lar / Há fartura de carinho / E a cortina da janela é o luar / Mais o Sol que bate nela / Basta pouco, poucochinho pra alegrar / Uma existência singela / É só amor, pão e vinho / E um caldo verde, verdinho / A fumegar na tigela”. À virtude do “pobre, mas honrado” ou “é tão bonito ser pobre”, preferiu o grande Alexandre O’Neil o “pobrete, mas alegrete”, ou o que diria no poema Portugal “(...) Portugal, questão que eu tenho comigo mesmo, / golpe até ao osso, fome sem entretém (...), feira cabisbaixa, / meu remorso, / meu remorso de todos nós”. Houve muitos intelectuais que, como O´Neil, não embarcaram naquele filme do pobrezinho. Presos, muitos deles, esquecidos e perseguidos, muitos mais, e –em tantos casos - exilados ou expulsos do país, ficou largamente comprometida uma possível cultura muito mais séria, adulta, contemporânea e não reduzida a caricaturas como o Portugal dos Pequenitos, o lado pindérico do desumanismo livresco de Coimbra, para recordar como Fernando Pessoa se referia a Salazar: era o produto de uma fusão de estreitezas. A alma campestremente sórdida do Santa Comba Dão alargou-se em pequenez pela educação do seminário, pelo desumanismo livresco de Coimbra.
Neste contexto hostil, desenvolver cultura em estruturas que carecem de agregação, de conjunto, não é fácil. Nas Associações de Estudantes a Universidade revelou exemplos dessa frente. Fora dela, como assegurar cultura, como fazer cultura sem o “pão e vinho sobre a mesa”, à margem do caminho oficial, com a subversão possível ou, quando não, com a noção do risco de se estar a pisar o risco, que haveria de levar à perseguição de tantos agentes culturais? Foi ao associativismo que coube criar essa frente. A história dos Cineclubes por esse país fora é um excelente exemplo dessa actividade. E daqueles riscos.
Fechado o parêntesis será bom dizer que em Guimarães não foi diferente. Ou, melhor, houve aqui algo diferente - a felicidade de se contar com um associativismo cultural de pujança singular que viria a constituir o tal “sector vimaranense”. E coube às associações, da mais variada espécie, assegurar a criação cultural que, de outro modo, nunca existiria. Sem a vitalidade das nossas associações culturais não teria sido possível fazer o caminho que se fez, teríamos muitos anos de ausência do teatro, do cinema, das artes plásticas, da música, da investigação histórica, arqueológica e outras, em suma, teríamos vivido muito mais pobres.
Defendo, claramente, que é este longo percurso, a cargo de muitos, agrupados em associações, a verdadeira força motriz que justificou e tornou necessárias as parcerias Associações/Município de Guimarães que viriam a realizar-se a partir de finais do século XX, e que permitiram um passo de gigante no panorama cultural vimaranense. É tão inevitável quanto justo referir que os últimos quinze anos anteriores à designação, em 2006, de Guimarães para a realização da CEC em 2012, foram marcados por uma importantíssima aposta do Município na área da cultura, quer por sua iniciativa e com os seus meios, quer em comunhão de esforços (parcerias) com as associações culturais, ou em termos de apoio financeiro à realização cultural por parte destas. Este último modelo – do financiamento directo a associações- já vinha sendo utilizado durante dezenas de anos, mesmo antes do 25 de Abril, é justo dizê-lo, e permitiu realizações que, sem esse apoio, dificilmente aconteceriam ou não sucediam, de todo. Esta última fase, de cerca de quinze anos, envolveu uma aposta de meios que apenas terá sucedido em raras cidades ou concelhos de dimensão semelhante à nossa. Ao contrário do que poderia pensar-se, não foi totalmente pacífica tal aposta decisiva, que não se resumiu aos fortes investimentos em equipamentos, e que veio ao encontro do movimento cultural que há muito emergia da chamada “sociedade civil” de Guimarães. Viria a tornar-se pacífica num momento posterior, pela força e em razão dos resultados; aí era já não era possível contestar a opção. Uma simples consulta pela imprensa local dos anos de 2001 a 2005 permitirá perceber claramente quanto a fronteira era demarcada e quão entrincheiradas se encontravam as fileiras, artificialmente denominadas de “cigarras e formigas”, para recordar alheia e infeliz expressão usada a abusada, à época. Mas já passou muito tempo, já prescreveu, tudo bem, nada de ressentimentos.
Dir-se-ia, portanto, que a CEC não surgiu a partir do nada, de geração espontânea. Pelo contrário, a CEC tornou-se possível pela feliz conjugação de dois factores - o resultado de um longo processo que vem de tempos mais remotos, trilhado por variadíssimas associações e que aportam uma riqueza cultural associativa de grande relevância, criado ao longo de um tempo em que os poderes públicos estiveram ausentes do processo, por um lado. Por outro, a aposta afirmativa e oportuna decidida pelo Município de Guimarães na parte final do passado século tornando a cultura uma das suas prioridades, que se traduziu em investimentos de vária ordem, apontados, desde logo, à criação de públicos, ao apoio à criação de realizações culturais, à construção de equipamentos, etc. Nesta aposta revelou-se decisiva a presença das associações culturais que, com a Câmara Municipal, realizaram parcerias nas mais diversas áreas da cultura. Para além das parcerias, as associações contaram com apoios financeiros do Município que lhes permitiu desenvolver actividades que o tempo consolidou e se transformaram em âncoras de outras actividades que daquelas vieram a resultar. E o próprio Município viria a criar as suas estruturas internas, os seus serviços de cultura – antes inexistentes ou,
na parte inicial, praticamente reduzidos à responsabilidade pela parte logística das iniciativas- e, num segundo momento, em 1989, o surgimento da Cooperativa Cultural A Oficina, que se tornaria responsável pela execução de boa parte do que sucede no panorama cultural vimaranense, desde a programação de eventos culturais de enorme variedade à organização de festivais, ciclos programação, apoio a iniciativas de formação, etc., e, desde logo, a gestão de vários espaços culturais do concelho.
Ora, no âmbito da CEC, o Cinema em Concerto foi iniciativa pensada, concebida, realizada e concretizada apenas por agentes locais, duas Associações Culturais de Guimarães – o Cineclube de Guimarães e a Banda da Sociedade Musical de Pevidém. Com o “Cinema em Concerto” ficou claro um facto há muito conhecido de muitos – sejam dados meios às nossas associações culturais e surgirão iniciativas de elevadíssimo nível, ao nível dos melhores.
Também é de realçar a elevada participação com que a iniciativa contou, com o envolvimento directo de mais de cem pessoas – da Banda Filarmónica de Pevidém, da Orquestra Juvenil da Sociedade Musical de Pevidém e do Cineclube, desde logo.
Acresce que o “Cinema em Concerto” chegou a milhares de pessoas, um numeroso público que se deliciou nas várias exibições do programa. Desde a primeira sessão, no Paço dos Duques de Bragança, ao CAE São Mamede, ao Centro Cultural Vila Flor, à Praça da Oliveira, a Pevidém, etc.,
Houve o cuidado de conceber, igualmente, um outro espectáculo mais direccionado para o público mais jovem, que trouxe à cena os filmes e as músicas mais caros a esta faixa etária, interpretadas pela Orquestra Juvenil de Pevidém, uma diferente escolha de filmes, outra formação orquestral a executar as respectivas peças musicais, a preocupação com outros públicos que carinhosamente aplaudiram. Finalmente, opto por deixar testemunho desta iniciativa por uma razão pessoal que não posso deixar de referir – trata-se de um programa em que estive presente desde a primeira hora, com os amigos e companheiros Carlos Mesquita e Maestro Vasco Silva de Faria, pelo que se trata de recordar algo que conheço muito bem, sem correr o risco de falar de outiva.
É justo recordar que, desde o primeiro encontro com João Lopes e o amigo Rodrigo Areias, proporcionado por este, ficou claro que, no que dependesse da programação da área do cinema estavam abertas todas as portas. O Rodrigo era amigo. O João Lopes passou a sê-lo. E foi dele a primeira iniciativa de abordar o Rui Massena, seu “colega” programador da área musical logo no dia do nosso primeiro encontro. A coisa tinha funcionado. Quando conversei pela primeira vez com o maestro fiquei com a ideia que a defesa do programa já tinha sido feita antes pelo João Lopes. Do apoio à iniciativa ao nascimento de uma nova amizade foi, também aqui, um curto passo. Os programadores das áreas do cinema e da música “compraram” a ideia ao
primeiro sinal. Um amor à primeira vista, a confirmar que pode ser tão simples fazer coisas complexas quando falta vontade de complicar.
Como melhor resulta dos dois documentos publicados neste mesmo espaço e que então escrevi para apresentação da iniciativa, o Cinema em Concerto não se resumiu a mais uma interpretação de bandas sonoras. Foi muito diferente e foi muito mais, como espero vá traduzido naqueles textos.
Há uma parte que não pode estar nos textos de apoio à iniciativa. Seria a descrição da aventura que este processo constituiu, desde as várias reuniões a três, na sede do Cineclube, com o Carlos Mesquita e o Vasco Faria a trocar ideias, escolher filmes, apontar temas musicais, ao prazer da partilha, de ver o crescimento do conceito que se transformaria no espectáculo, dos ensaios da Banda de Pevidém com as imagens por detrás, a surpresa da beleza que tudo aquilo trazia, o ar de felicidade de todos os envolvidos que crescia com o crescimento do projecto, enfim, o lado de dentro do espectáculo, um bónus suplementar para quem teve o privilégio enorme de participar neste Cinema em Concerto. Um enorme privilégio e uma grande honra este Cinema em Concerto.
E essa coisa é que é linda!
Determinados temas musicais “tomaram” certos filmes e ficaram lá “agarrados”. Ou, certos filmes “agarraram” em determinados temas musicais e tomaram-nos como seus, apropriaram-se deles. E sucedeu isto de tal forma que não se ouvem algumas daquelas músicas sem passarem nos nossos olhos imagens do filme marcado. Como se não vêm certas imagens sem que a nossos ouvidos cheguem as melodias que delas “fazem parte”. Estas músicas não passaram por aqueles filmes. Nem estes filmes passaram aquelas músicas. Estas músicas são destes filmes e estes filmes são destas músicas. Fazem parte. Fazer parte – eis o que resultou de vários casamentos mais que perfeitos entre filmes e músicas, músicas e filmes. Ainda que algumas destas músicas fossem muito, muito anteriores, às películas. Ainda que alguns dos seus compositores não tivessem nunca visto os seus sons no cinema porque não viveram a época do cinema.
Faz parte de 2001, Odisseia no Espaço o som de Assim falou Zaratrusta ainda que, ao criá-lo em 1896, Strauss desconhecesse o espaço, o cinema ou Stanley Kubrick. Como Mahler passou a fazer parte, marcando o ritmo e dando andamento, a Morte em Veneza de Visconti. Ou como Oliver Stone colou, em Platoon, o adágio para cordas de Samuel Barber à ideia de morte que o cortejo de urnas marcou, qual cicatriz. Ou como As Time Goes By marcou Casablanca, embora Herman Hupfeld desconhecesse que a sua canção iria transformar-se num dos símbolos mais fortes de um filme que nasceria mais de uma década depois. Mas seria a Ponte do Rio Kwai o mesmo filme sem a sua peculiar marcha? Ou o Feiticeiro de Oz sem Over the Rainbow? Ou Fellini sem Nino Rota? Ou Leone sem Morricone? É que algumas músicas foram feitas de caso pensado para aqueles filmes e nasceram para eles. Um outro conceito, sem uma apropriação posterior, que nos casos mais felizes deu no mesmo encontro. Algumas destas músicas ganharam vida própria e continuam sendo tocadas sem o filme. Mas o filme ocorre logo que elas tocam. Naquelas como nestas há uma vida em comum que ficou estampada a partir de um filme. É este casamento que queremos celebrar. Melhor, este matrimónio. A diferença é que este último, sendo um sacramento e não um contrato civil, fica para a vida toda. Pelo menos, na pureza dos princípios. Do que aqui se trata é da pureza dos princípios. De como duas artes se abraçaram criando uma realidade terceira, a nova vida dada a uma certa música pela imagem, a riqueza dada à imagem pela música, e o que ambas ganham uma com a outra, incomparavelmente mais que a soma das partes. Uma outra coisa. E essa coisa é que é linda!
Onde está a música quando não a tocam?
Dizia Clara - a harpista do Ensaio de Orquestra, de Frederico Fellini - que perguntas destas só as crianças fazem. Onde está a música quando não a tocam?
As bandas filarmónicas, ao longo de dezenas e dezenas de anos, foram aos sítios e levaram a música. E disseram A música está aqui, vamos tocá-la.
E os sítios foram todos os sítios. São todos os sítios. Dos palcos urbanos mais engalanados aos humildes e simpáticos coretos dos mais distantes lugares, lá onde a música nunca chegaria de modo diferente, as bandas filarmónicas levaram a grande música antes da televisão, antes do rádio, antes que todos os outros. E formaram músicos nos sítios mais remotos porque foram elas próprias escolas de músicos, as únicas escolas de músicos em muitos sítios do passado.
Se falta resposta para a pergunta de Clara – onde está a música quando não a tocam? -, as bandas responderam sempre - A música está aqui, vamos tocála.
É o que queremos continuar fazendo. A levar a música, a formar músicos a fazer a música. Com outros meios, com outra formação, com outra escola, a mesma missão de sempre. O mesmo serviço à música.
A Música? Está aqui, vamos tocá-la. Convosco, para vós, no nosso e vosso sítio.
2011, César Machado
Em 2012, Guimarães viveu muitos momentos inusitados e excepcionais. O Vitória arrancou mal a época, o Manoel de Oliveira foi visto a filmar na praça homónima, o Christian Boltanski tomou café no Milenário e a Cláudia Cardinale veio cá passar um fim-de-semana.
Será que ainda nos lembramos porquê?
Como estava o ano organizado? O que foi projectado?
Em 2012, Guimarães ousou liderar à escala internacional a definição de um novo modelo de desenvolvimento social, económico e urbano, que pudesse ser seguido por outras cidades da sua dimensão, afirmando-se perante a Europa e o mundo pela sua identidade, a sua história e modernidade.
Guimarães consolidou o esforço de investimento na cultura e no património transformando-se definitivamente numa cidade criativa de relevância europeia.
Em 2012, Guimarães definiu-se no mapa. Democratizou a cultura.
O programa artístico organizou-se em clusters, estrangeirismo que, na altura, orientava o pensamento do designado empreendedorismo criativo, salvação utópica das cidades. Trocando por miúdos, o programa artístico organizou-se em grupos, em diferentes áreas de actuação.
A Comunidade foi o cluster que iniciou o seu trabalho mais cedo, logo em 2010, num extenso e denso programa que se estendeu por todo o território vimaranense.
Cidade foi o nome escolhido para o programa que tinha como elemento central a criatividade e a inovação humana e a sua relação com o espaço urbano e a competitividade e atractividade do território.
Os Tempos Cruzados foi o programa desenvolvido pelo meio associativo vimaranense, que teve como missão a valorização das “práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões da comunidade local, reforçando a sua legitimação cultural e social”.
O Espaço Público constitui também um programa isolado, com a apropriação das praças e ruas da cidade enquanto palco principal das celebrações maiores deste ano extraordinário.
O programa dedicado às Artes Performativas partiu do conceito de Residência enquanto ideia
transversal, dinâmica e agregadora, com projectos de itinerância intra-municipal e aproximação ao sistema educativo nacional.
A área da Música reforçou competências e meios ao nível da produção artística profissional, alavancando o esforço já realizado. Colocou ainda a música ao serviço da vida social, como instrumento de celebração, de inclusão, de diversidade, de aproximação entre as pessoas.
O Cinema e Audiovisual apostou em novas produções de cinema, numa estreia na história das Capitais Europeias da Cultura, com a ambição de transformar Guimarães num novo centro de criação e produção cinematográfico.
O programa de Arte e Arquitectura organizou-se em diferentes ciclos distintos, ocupou e reinventou diferentes lugares, desde fábricas a museus, ao Castelo ou à rua, num processo de investigação, curadoria e montagem de exposições, sem descuidar a dimensão da palavra.
De forma transversal ainda houve o programa educativo que fez o importante trabalho de mediar, de criar pontes entre público e obras e objectos artísticos.
O programa cultural assumiu assim a produção e o consumo cultural como centro da transformação pretendida, através de:
- Um forte envolvimento e participação da comunidade;
- Novas criações de artistas nacionais e internacionais num modelo de residência artística;
- Reforço do sentimento europeu através de parcerias e permutas;
- Forte orientação para a educação criativa;
- Aposta na utilização artística das tecnologias de informação e comunicação;
- Ênfase nos recursos locais e regionais (património simbólico);
- Ideia de invadir e reimaginar o espaço público. A cidade de Guimarães, em 2012, queria ser:
- Um excelente lugar para viver, trabalhar, investir e estudar;
- Um lugar onde as pessoas estão primeiro;
- Um lugar onde o conhecimento e a cultura são para todos e estão ao serviço de um desenvolvimento sustentável;
- Um lugar onde o passado, presente e futuro estão entrelaçados e presentes no quotidiano;
- Um lugar animado, dinâmico e vibrante;
- Um lugar onde produção e consumo cultural são interdependentes e inseparáveis.
Mas será que se conseguiu cumprir com todos estes desígnios? Soube Guimarães aproveitar a oportunidade de uma Capital Europeia da Cultura e mobilizar os cidadãos e as instituições em torno do projecto
colectivo de consolidação do trabalho desenvolvido, de mudança de patamar, quer ao nível da exigência quer ampliando os domínios de acção?
Aproveitando uma matriz cultural e um património de forte identidade, com base no conhecimento e nos desafios da criatividade, posicionou-se Guimarães no espaço europeu e internacional como Cidade de Criação Contemporânea?
É ainda necessário (será sempre) refletir, conversar, manter o diálogo aberto na cidade. Avaliar o melhor, mas também o pior. O que está bem e o que está mal, continuar a alimentar esta crença na importância dos modos de criar, de produzir, de fazer, de debater. Modos de arregaçar as mangas, criar comunidade e fazer acontecer.
É, com certeza, ainda necessário consolidar para a cidade um carácter cultural que fortaleça o sentido crítico, depure o olhar estético, potencie a democracia, que abra a cidade que se abre a novos olhares. E é minha convicção que é pela prática artística intensa, regular e inclusiva que essa trajetória cultural, e até ética, se consolida. Ou seja, uma aspiração a uma política cultural focada na construção do desenvolvimento integral do indivíduo, reforçando a postura qualitativa e competitiva dos cidadãos e da cidade e funcionando não como mero promotor de espectáculos, mas como pólo de formação, criação e disseminação culturais.
Contudo, a proposta que faço é que, tal como em Zaira, a cidade invisível de Ítalo Calvino, entendamos que uma cidade é feita das relações entre as medidas do seu espaço e os acontecimentos do seu passado, “(...) mas a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas da rua, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes.” Uma descrição de Guimarães, tal como é hoje, deve conter todo o seu passado. “(...) É desta onda que reflui das recordações que a cidade se embebe como uma esponja e se dilata”. (CALVINO, Ítalo – Cidades Invisíveis. 2002:14).
Guimarães é assim constituída pelas recordações de quem nela habita ou habitou, são os acontecimentos do seu passado e presente que a constroem; por isso, falar sobre 2012 e sobre a Capital Europeia da Cultura é entender as memórias que criou, as marcas que deixou e saber contar essas histórias, boas ou más, contar glórias ou fragilidades.
Como nos lembra Tolentino de Mendonça, “podemos amar uma cidade idealmente, emoldurando-a para que permaneça fixa numa imagem de glória, e desejando que esta não se modifique jamais. Ou podemos amar uma cidade, um lugar, como algo que, precisamente por estar colocado dentro da história, sujeito aos seus solavancos, está exposta a tantos riscos. São dois amores diferentes. Podemos amar pela força ou amar pela fragilidade.” Mas eu acredito que quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso
amor, a chama é muito mais pura. E com Guimarães é este o maior desafio e é também esta a maior oportunidade. Com toda a certeza que a Capital Europeia da Cultura não teve o impacto desejado por toda a gente. Não cumpriu com todos os desígnios inicialmente ambicionados, deixando muitos sonhos por cumprir. No entanto, diz-me a memória que não tivemos uma Capital Europeia da Cultura em Guimarães, mas antes uma Capital Europeia da Cultura de Guimarães. A cidade cresceu sobre si as suas margens, experimentou novos modos de fazer e de encarar os problemas e implicações desses modos de fazer. Somou às suas representações tradicionais, icónicas, o valor da cidade como um todo vivo e em transformação, e deixou marcas, recordações, montando um programa em que todos puderam “Fazer parte”.
E recordo-me de tantos momentos que nos encheram o coração, que nos fizeram sentir comunidade, passar do eu para um nós, ter esperança e ser invadidos, em diferentes momentos, por um estado de felicidade genuíno. O orgulho de fazer parte de uma coisa maior do que nós, de falarmos desde este burgo medieval, de dimensões pequenas, para uma Europa maior, cumprindo e sendo exemplo dos seus valores.
Em 2012, Guimarães viveu muitos momentos inusitados e excepcionais.
Desta Guimarães temos, ainda hoje, a Outra Voz, cujo trabalho e crescimento seguimos entusiasticamente, em registos cada vez mais arrojados e contemporâneos, numa abordagem de trabalho de participação e envolvimento comunitário que nos comove. Temos tantas novas estruturas culturais que é difícil contar. Empresas criativas que nasceram depois de 2012, inspiradas pela possibilidade de criar a partir daqui, deste lugar. Novas bandas musicais, independentes, frescas e a gritar pertinência na cena musical global. Fábricas adaptadas e ocupadas à criação artística, à mostra contemporânea, ao acolhimento de outros artistas, à escolha da residência artística a partir de Guimarães e das histórias que daqui se podem contar. Temos o Bando à Parte e o Rodrigo Areias a liderar a produção cinematográfica nacional. Uma plataforma de produção de cinema, aqui, em Guimarães.
Temos ainda, e sempre, a memória. E aqui, destaco a que mais me marcou ao longo desse ano único de Guimarães. Aquele final de tarde de 8 de setembro de 2012, a Operação Big Bang, no Parque da Cidade, num concerto que juntou milhares de pessoas, sem que se conseguisse distinguir público de artistas, numa comunhão única onde só o nós se fazia ouvir.
A minha cidade é feita disto tudo, posso ser exigente com ela, provocar transformações e debates e, ao mesmo tempo, amá-la pelo que é, na glória e na fragilidade como “um chão de palavras pisadas”.
“A cidade é um chão de palavras pisadas a palavra criança, a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas a palavra distância e a palavra medo.
A cidade é um saco, um pulmão que respira pela palavra água, pela palavra brisa
A cidade é um poro, um corpo que transpira pela palavra sangue, pela palavra ira.
A cidade tem praças de palavras abertas como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas como jardins mandados arrancar.”
José Afonso, A CidadeO programa “Capital Europeia da Cultura” é um dos mais sucedidos programas até hoje lançados pela União Europeia. Desde 1985, 63 cidades foram já designadas Capital Europeia da Cultura, cumprindo com o objectivo inicial de “valorizar a riqueza, a diversidade e as características comuns das culturas europeias e permitir um melhor conhecimento mútuo entre os cidadãos da União Europeia”. Este evento, que dura todo o ano, provou constituir um extraordinário instrumento para o desenvolvimento cultural, social e económico de grandes, médias e pequenas cidades. No modelo actual, duas cidades europeias ostentam o título em cada ano. Em 2027, Portugal voltará a ter uma Capital Europeia da Cultura sendo que, à data de redação deste texto, foram pré-selecionadas na competição para o título Aveiro, Braga, Évora e Ponta Delgada, ficando o resultado conhecido mais para o final deste ano de 2022. Será mais uma oportunidade para Portugal.
Tempos Cruzados – O Programa Associativo e a CEC 2012 10 anos depois, um olhar crítico Ricardo Araújo
O convite que me foi endereçado pela Associação Musical e Artística “Osmusiké” para colaborar neste projeto editorial denominado OsmusikéCadernos4, desta vez centrado em “Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 -10 anos depois” foi, devo confessar, a primeira oportunidade de uma forma sistémica e em perspetiva olhar para trás e recordar uma fase da minha vida particularmente intensa na dedicação ao associativismo. O ano de 2012 e os que o precederam na preparação da CEC, preenchidos de entusiasmo, intensidade e sonho no que diz respeito à consolidação do associativismo como pedra angular da afirmação cultural de Guimarães, foi também para mim o encerrar de um ciclo de 12 anos como Presidente do Círculo de Arte e Recreio (CAR).
A participação do CAR na CEC está umbilicalmente ligada ao “Tempos Cruzados” – programa Associativo de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, que resultou do protocolo assinado, a 4 de março de 2010, entre a Fundação Cidade de Guimarães (FCG) e três associações do nosso Concelho: O Círculo de Arte e Recreio, a Associação Cultural e Recreativa Convívio e a Associação de Etnografia e Folclore de Guimarães. Tendo como objetivo principal o desenvolvimento, organização, promoção e implementação de um programa cultural e artístico que integrasse a programação global de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, este programa deveria, por um lado, assegurar como principal inspiração o património imaterial e as marcas identitárias de Guimarães, das tradições de raiz e génese popular à criação contemporânea e, por outro, alargar a participação no programa a outros agentes associativos. Sendo este modelo de participação inédito na História das Capitais Europeias da Cultura, desde que a Ministra Grega da Cultura Melina Mercouri teve a iniciativa de lançar a primeira edição, em Atenas em 1985, este decorreu do reconhecimento que a FCG fazia do relevante e diferenciador papel do associativismo vimaranense no sistema cultural e artístico ao longo do tempo e na dispersão territorial do Concelho.
Recordo hoje sorridentemente as primeiras conversas, as primeiras reuniões para constituir a Direção do projeto, a estrutura de organização, os eixos e objetivos prioritários do programa. As diferenças, alguma desconfiança, os momentos de tensão e divergência, foram sempre superados por um extraordinário sentido de responsabilidade e vontade de demonstrar a capacidade de superar aquele desafio. O espírito de missão, cooperação e a vontade de “fazer acontecer” prevaleceu sempre, mesmo nos momentos mais críticos, e deu
lugar à construção de relações sinceras de confiança e cooperação institucional, respeito e amizade. Destaco o então Presidente do Convívio, José João Torrinha e a sua sucessora Isabel Machado, assim como Alberto Oliveira e o Carlos Oliveira, que dirigiram a Associação de Etnografia e Folclore de Guimarães.
Com uma equipa artística e técnica superiormente liderada pelo Eduardo Meira, com o apoio da Helena Pereira na Coordenação e um conjunto de pessoas de enorme valor cultural e artístico nas diferentes áreas, o Tempos Cruzados construiu-se com longas horas de trabalho formal, pensamento, conceptualização, discussão, mas também com muitos encontros informais, convívio, gargalhadas, livre debate e partilha de ideias e experiências. As salas, os gabinetes e os bares associativos foram os palcos privilegiados desses encontros e reuniões, tantas vezes acompanhadas pela música e pela arte, umas vezes programada, outras tantas espontânea, improvisada e informal. Esta terá sido porventura uma das primeiras vitórias do Tempos Cruzados, ao introduzir uma dimensão relacional interassociativa verdadeiramente inovadora que propiciou e exigiu que instituições com posicionamentos e linguagens muito diversas tivessem de se colocar em diálogo para construir um projeto comum e lançar as bases para um trabalho em rede, de partilha de saberes, experiências e recursos.
O nome escolhido para o programa foi inspirado na tese de doutoramento de Augusto Santos Silva “Tempos Cruzados: um estudo interpretativo da cultura popular”, da década de 90, desenvolvida no cenário da nossa Vila de São Torcato, onde analisa sociologicamente o cruzamento simbólico dos tempos da ruralidade e da fábrica. O Tempos Cruzados – Programa Associativo da CEC 2012, através dos seus oito projetos âncora, também ele foi concebido e desenhado para cruzar, conectar conhecimentos e experiências, da cultura popular à arte contemporânea, das danças e cantares tradicionais ao artesanato, ao teatro, à poesia, às artes plásticas.
Apesar de ser o artesanato a área artística principal deste projeto, dirigido especificamente ao público das associações, promoveu 13 oficinas criativas de capacitação individual e institucional, robustecendo as competências e incentivando a criatividade associativa em áreas como a expressão musical, expressão dramática, cenografia, cerâmica, fotografia, vídeo e comunicação.
Focado no Teatro e nas artes do palco, com coordenação artística e dramatúrgica de Hélder Costa, este projeto colocou os grupos de teatro amadores e escolares no centro das suas principais ações: Aqui nasceu
Afonso Henriques; Aqui nasceu Gil Vicente e Aqui nasceram Histórias e Estórias. Concebido com o intuito de capacitar os atores locais através de formação e aprendizagem em contexto de ensaio, teve como linha orientadora a valorização da História local e o elogio de figuras identitárias de Guimarães como Afonso Henriques e Gil Vivente.
Com a curadoria deste projeto sob a responsabilidade do Luís Ribeiro, desenvolveram-se nove residências artísticas para as quais foram convidados vários artistas plásticos e visuais a transformarem e valorizarem os espaços do Círculo de Arte e Recreio e do Convívio, realizando intervenções plásticas e artísticas contemporâneas, inspiradas na história e arquivo de cada uma destas associações, transformando estas sedes em laboratórios de estímulo à criação artística e ao mesmo tempo galerias vivas de artes plásticas.
Dedicado à valorização e promoção da etnografia e do folclore, juntou tradição com contemporaneidade, a música e dança popular com as artes digitais. Desfile Nacional do Trajo Popular Português, O Mundo Canta e Dança em Guimarães e o Óscar mundial do Folclore foram os principais eventos e espetáculos que tiveram como palcos o Largo do Toural, o Campo de São Mamede e o Pavilhão Multiusos de Guimarães.
A promoção da reflexão e debate sobre as diferentes áreas abordadas pelo Tempos Cruzados foi o objetivo deste projeto, promovendo a troca de experiências e saberes entre a comunidade e diferentes personalidades do mundo das artes, da cultura, da Academia e da política.
Através da publicação de uma Antologia Poética e de um conjunto de 10 sessões de poesia musicada que animaram as sedes do Convívio e do Círculo de Arte e Recreio, homenagearam-se e recordaram-se 10 anos de espólio literário da editora Pedra Formosa, fundada em Guimarães, em 1993.
“A Fábrica” em espaço físico ou virtual surgiu essencialmente da necessidade de partilhar recursos e competências no universo associativo. Resulta da convicção de que era necessário criar espaços coletivos
comuns, de intercâmbio, criação, promoção e reflexão. Emerge na imaginação de quem considerava, porventura de forma utópica, que era necessário criar e fortalecer espaços coletivos para reforçar a liberdade e capacidade individual criativa das associações, dos músicos, dos pintores, dos escritores...
Tendo subjacente o conceito de Rede no seu modelo conceptual, organizativo e em resultado de um convite dirigido diretamente a associações ou grupos de associações legalmente constituídas e sediadas em Guimarães para apresentação de propostas no âmbito cultural e artístico, foram desenvolvidas 25 iniciativas dispersas pelo território vimaranense, liderados por 19 associações, nas áreas da Etnografia e Folclore, da Edição, das Artes Plásticas, do Cinema, do Teatro e da Música. Este projeto teve uma importância central no quadro do Tempos Cruzados, protagonizando a estratégia definida pelo consórcio de abertura e alargamento do programa a outras instituições vimaranenses, visando dinamizar uma rede colaborativa entre as associações locais, capaz de estimular a criatividade, organização e produção cultural no nosso território.
O Tempos Cruzados – Programa Associativo da Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura, no total, integrou 28 meses de programação cultural associativa, entre 30 de setembro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, representando mais de 48 meses de trabalho do consórcio associativo, que optou por estender o período de programação em vez de o limitar a 2012.
O movimento associativo vimaranense já havia demonstrado a sua importância na dinamização cultural de Guimarães. Tanto enquanto espaço de oportunidades para os artistas vimaranenses, como pela permanente oferta cultural que apresenta, como também pelo seu papel no aparecimento, consolidação e organização de eventos, âncora tão importante no nosso calendário cultural como o Guimarães Jazz, os Festivais de Gil Vicente, a Marcha Gualteriana, os Encontros de Primavera, as Noites de Cinema, o Guimarães Noc Noc, ou os festivais de etnografia e folclore.
No entanto, com o programa Tempos Cruzados o associativismo vimaranense demonstrou estar preparado e ser capaz de assumir novos patamares de responsabilidade na programação e produção cultural de Guimarães, assim lhe sejam confiadas e contratualizadas as condições necessárias. Na realidade, a Fundação Cidade de Guimarães contratou o movimento associativo para que ele próprio organizasse a sua participação na CEC 2012, desenvolvendo um programa autonomamente, mas integrado na programação geral, colocando à disposição um envelope financeiro que permitiu aceder aos recursos e meios técnicos e humanos
necessários para esse efeito. A especial escassez de recursos com que habitualmente se trabalha no universo associativo, muito assente no voluntariado, na carolice e no sentido cívico / comunitário, desenvolveu e apurou a capacidade e criatividade de multiplicar recursos e “fazer muito com pouco”. Com o “Tempos Cruzados” o movimento associativo vimaranense demonstrou que é capaz de se auto-organizar e trabalhar em conjunto, em rede, em torno de um objetivo, de um programa exigente, comprovando a sua capacidade de conceção, planeamento, produção e organização de eventos. Ou seja, quando dispõe de alguns dos meios financeiros que outras estruturas de maior dimensão dispõem (normalmente através de financiamento essencialmente público), também o movimento associativo é capaz de organizar grandes programas e eventos, com eficiência (considerando literalmente o conceito económico) e cumprindo rigorosamente com as exigentes obrigações administrativas e financeiras decorrentes do contrato celebrado. Neste caso, desenhou um programa conceptualmente robusto, consistente, bem fundamentado e foi capaz de mobilizar os recursos associativos e humanos necessários à sua execução exemplar e meritória.
Passados 10 anos de Guimarães Capital Europeia da Cultura, impõe-se fazer uma reflexão, fazer um balanço, de preferência ancorado num estudo científico, para percebermos verdadeiramente o impacto no nosso território e comunidade. Empiricamente faço um balanço positivo, seja na reabilitação urbana, na construção de alguns equipamentos culturais como a Plataforma das Artes e a Casa da Memória, como na programação cultural de 2012 e na promoção internacional de Guimarães, facilmente aferível com o aumento de turismo nos anos subsequentes. Mas paralelamente considero que poderíamos ter aproveitado melhor a oportunidade. Ao nível dos grandes projetos não posso deixar de lamentar que a reabilitação do Teatro Jordão chegue só agora, com 10 anos de atraso, assim como a instalação da Escola de Teatro e Artes da Universidade do Minho. Deviam e podiam ter sido projetos de 2012, assim como a instalação de um Museu Afonso Henriques, aprofundando e projetando a ligação de Guimarães à fundação da Nacionalidade. Por outro lado, bem sabíamos que os recursos financeiros, em 2012, eram excecionais, mas o Município devia ter acautelado a necessidade de alocar verbas nos anos subsequentes à programação cultural, em especial à continuação de alguns projetos e à dinamização dos equipamentos culturais que resultam da CEC, como o CIAJG. É inadmissível, por exemplo, que o Governo central continue sem apoiar financeiramente Guimarães no pós CEC, ao contrário do que faz com Porto e Lisboa que também foram Capitais Europeias da Cultura. A aposta na afirmação cultural de uma cidade e de alguns dos seus projetos, necessita de tempo e sustentabilidade. Era preciso que se tivesse continuado a investir em construir uma cidade europeia de cultura, de forma substantiva, continuada e sustentável nos dias, meses e anos seguintes.
Por último, falhamos na dinamização das indústrias criativas, na afirmação de Guimarães como cidade criadora de cultura, na continuação de um modelo de apoio e colaboração com o movimento associativo que tivesse permitido consolidar o crescimento e a capacitação que resultara de 2012. Por tudo o que escrevi anteriormente, não posso deixar de lamentar, por exemplo, que projetos como o Tempos Cruzados e o modelo subjacente de financiamento, trabalho em rede, não tenha continuado, ainda que necessariamente de outra forma, com menos recursos, outros protagonistas...
Vejo com preocupação o abrandamento de atividade de algumas das nossas principais associações e a perda de voz “escutada”, crítica e reivindicativa de alguns dirigentes. Recordo Santos Simões que dizia que a “dinâmica associativa livre e plural é a pedra angular da construção e do crescimento do regime democrático”. Talvez estejamos a precisar de um sobressalto associativo, comparável à mudança cultural que se verificou em Guimarães no final da década de 50 e na década de 60, depois de Santos Simões se mudar para Guimarães. Guimarães tem, no associativismo, uma das suas forças mais importantes na afirmação e promoção cultural, que precisa ser alavancada e apoiada. Augusto Santos Silva, numa conferência proferida em Guimarães, a 30 de setembro de 2011, no âmbito das Circunferências do Tempos Cruzados, identificou como pontos fortes do associativismo o enraizamento comunitário, o enraizamento no tempo, o voluntariado, a multifuncionalidade e a diversidade. Facilmente identificamos estes pontos fortes no movimento associativo vimaranense, mas continua a ser necessário fortalecer a sua independência cívica, dos seus dirigentes e dos agentes culturais. O financiamento regular público que sempre defendi e considero fundamental, complementar às fontes de receita próprias e privadas, não pode ser gerador de dependência do poder político, antes deve ser capaz de garantir a autonomia estratégica do mesmo. Para isso há muitos anos que defendo que os mecanismos de apoio devem ser públicos, regulares, transparentes, com critérios de atribuição claros, objetivos e com mecanismos de avaliação através de júris independentes.
Infelizmente, aos olhos de muitos, a cultura é algo de supérfluo e/ou dispendioso. A esses convém lembrar que a falta de cultura custa normalmente muito mais, basta aprender com a História. Considero uma premissa fundamental a circunstância de a cultura ser um direito inalienável dos cidadãos, com dignidade constitucional e que integra a conceção de cidadania autónoma, do individuo emancipado enquanto cidadão. O desenvolvimento da nossa comunidade só pode ser conseguido se forem ponderadas as componentes económicas, sociais e culturais. 10 anos após esse ano extraordinário da nossa história e memória coletiva, em que Guimarães foi o centro cultural da Europa, reinventámos novos e recordamos desafios antigos da afirmação e consolidação de Guimarães como cidade de cultura. Primeiro, valorizar verdadeiramente um
sistema misto, onde a dinâmica e oferta cultural de Guimarães resulta de um palco onde atuam entidades públicas (Município, Oficina), associativas e privadas, essencialmente em regime de complementaridade, capaz de assegurar uma programação cultural diversificada, acessível e descentralizada no território vimaranense. Segundo, o desafio da criação. Além da programação cultural de qualidade, temos de criar condições para que Guimarães se projete como uma cidade criadora de cultura, atrativa para os artistas se instalarem, viverem e produzirem. Temos de começar por valorizar e apoiar mais os artistas locais, promove-los e atrair, captar talento artístico externo. Incentivar verdadeiramente as indústrias criativas, dinamizar bolsas de apoio, residências artísticas, espaços de coprodução são fundamentais para este efeito. Pensar de que forma vamos criar condições para, por exemplo, fixar os alunos de artes visuais e performativas da UM no final da licenciatura, para que aqui possam encontrar condições de se profissionalizarem e desenvolverem a sua atividade. Terceiro, o antigo e permanente desafio de continuar a formar mais e novos públicos. Por último, a gestão eficiente dos equipamentos e assegurar a continuidade de uma programação cultural diversa, multidisciplinar, de qualidade, capaz de atrair diferentes públicos e visitantes.
A CEC ajudou a acrescentar ao posicionamento Histórico e Industrial de Guimarães, o CULTURAL, selando-o no nosso cartão de visita coletivo e, atrevo-me a dizer, a qualquer modelo e estratégia de desenvolvimento futuro da nossa Cidade. Saibamos ajustar, alterar o que for necessário, construir uma estratégia para o futuro, para que o legado, a memória de 2012 seja uma alavanca e sirva de inspiração para o interminável caminho de promover a cultura para todos e afirmar Guimarães como uma Cidade Europeia de Cultura.
As festas como manifestação do povo anónimo, quando começaram, foram sempre no espaço público das praças e, sobretudo, junto dos templos e igrejas.
Teatro e música serviam de entretenimento para gáudio do povo muito antes de serem apresentadas de forma permanente em salas e salões ou outros espaços interiores.
As mais antigas referências que conhecemos, em Guimarães, são as representações de companhias galegas de saltimbancos, na Praça Maior, que é hoje a nossa Praça da Oliveira. Também se realizaram representações nas igrejas, em especial na igreja de Santa Maria de Guimarães, onde se reconstituíam quadros da Bíblia em tempos de efemérides religiosas, sobretudo no solstício de Inverno – Natal e equinócio da Primavera e Páscoa, a cerimónia mais importante para a Igreja Católica Apostólica Romana.
A maior representação pública era a dos quadros que compunham a procissão, no Corpus Christi, produzida pelos ofícios e mesteres, organizados em Irmandades, e que em Guimarães era conhecida pela procissão do “caga-ratos” …
Os “atores amadores” representavam em favor das suas Irmandades quadros do antigo testamento ficando algumas cenas famosas como: “A Dança do Rei David”, “A Judenga”, “A morte de Cristo”, “A fuga para o Egito”, “A matança dos inocentes”, “A chegada dos Pastores”… A música e o teatro foram sempre manifestações culturais nas praças e igrejas do burgo.
O primeiro espaço coberto que existiu com referências fixas, em 1678/79, foram as tendas dos cómicos ambulantes no terreiro do Campo da Feira, onde durante vários meses fizeram representações, até partirem para novas paragens.
Mais tarde, na rua chamada Trigais, junto à Senhora da Guia, e encostado à muralha, nasceu o “Teatro na Torre dos Cães”. Um barracão feito pelos estudantes para apresentarem os seus espetáculos de beneficência. Foi no ano de 1769 que iniciaram estas atividades com tanto êxito que, durante dezoito anos, foi
sendo remodelado e, por contrato notarial de 15 de maio de 1787, nasceu um novo Teatro onde os estudantes faziam as suas récitas para gáudio da população de Guimarães e sobretudo das famílias dos estudantes.
Em 1769 nasceu também, na Rua D. Henrique, n.º 40, o “Teatro da Tojeira” onde se apresentaram grandes êxitos teatrais: dramas, comédias e tragédias, entre outras “Inês de Castro” que ficou na memória dos vimaranenses.
Um grupo de vimaranenses abonados de coira farta, no ano de 1819, iriam construir a “Casa da Ópera” para trazer a Guimarães grandes companhias portuguesas, italianas e espanholas, mas duraria pouco tempo e o prejuízo seria grande para os investidores, que acabaram por desistir.
O Senhor de Vila Pouca era o mecenas maior e levou, em 1835, à criação, na Rua das Pretas ao Campo da Feira, o Teatro de Vila Pouca, onde os estudantes faziam representações, danças e comédias que incomodavam os vizinhos já que a igreja queria construir, nesse local, um novo templo. Esse Teatro seria destruído por um incêndio durante a noite, mandado despoletar pelo padre, dizia-se, mas nunca se chegou a provar, pois o caso foi logo abafado. A capela dos estudantes seria negociada com a igreja e levada para fora das muralhas. No sítio então vago, nasceu a Igreja da Consolação e Santos Passos. Fora das Muralhas nasceria a Capela da Sr.ª da Conceição, ainda hoje ligada às tradições dos estudantes de Guimarães – as Nicolinas.
Foi nessa altura que nasceu o teatro de S. Francisco, em 1849, e a 6 de maio com grande festa, com pompa e circunstância, teve lugar a inauguração, sabendo-se que tiveram grande sucesso as representações de amadores: “O drama em 5 actos”, “O cigano” e “O duelo do terceiro andar”, uma pura comédia, bem como algumas cenas da história da Ordem franciscana como “Os mártires de África” e a “Tentação de S. Francisco pelo Diabo”.
Essa sala desempenhou um papel importante de animação e divulgação cultural na cidade de Guimarães.
Na sua fase final de criação e alargamento da Alameda Nova, além de outros edifícios, o Teatro também seria sacrificado à evolução da cidade.
Somente neste século XIX a cidade conseguiu ter um edifício de raiz para a função. Até então as representações aconteciam em salões cedidos para o efeito, como o de Vila Pouca, e outros armazéns ou salões particulares como o Conde do Toural que gostava e patrocinava representações de companhias teatrais e óperas para saraus musicais.
O Teatro de S. Francisco foi iniciativa de Rodrigo Martins da Costa, Domingos António de Freitas e
Jerónimo Carlos da Silva Ribeiro com ações de 1500 reis e continuou com espetáculos públicos até 1854, acabando por encerrar devido a muitos prejuízos, pois os programas que apresentava não eram atrativos.
Com ações de 10$000 reis, em 1853, principiou, no Campo da Feira, o teatro denominado D. Afonso Henriques. No ano seguinte, a 14 de julho, deu-se um grande desastre nas obras de construção, tendo morrido meia dúzia de operários no desabamento dos andaimes. Este acidente veio amaldiçoar a construção, perseguindo a sua memória até ao encerramento.
Foi inaugurado com baile de máscaras do Carnaval de 1855 e as companhias nacionais apresentaram várias vezes os seus espetáculos nestas instalações. Mas foram sobretudo os estudantes e os amadores de teatro da região que fizeram uso do Teatro de Afonso Henriques.
Aquando de reestruturação urbana da Alameda e com o teatro semiarruinado, este veio a ser usado por desalojados das casas da Alameda, enquanto se construía o bairro popular para a sua instalação.
Este Teatro de D. Afonso Henriques seria fechado já no século XX.
Finalmente, em substituição destes espaços que pouco duraram, levantou-se nos terrenos pertencentes a José Joaquim da Silva, na Rua de Gil Vicente, um novo barracão-teatro com mais espaço, dimensões e com galerias intitulando-se “Novo Teatro de Variedades”. Foi inaugurado a 11 de maio de 1880 com a comédia “O Tio Mateus” e “O Processo do Rasga”. Também foi aqui que se apresentaram muitos grupos de reisadas vindos do Porto.
Umas semanas depois, no Largo do Retiro do Ourado, foi improvisado um salão para bailes de máscaras que depois serviria para representações de algumas comédias para gáudio dos vimaranenses do lugar e chegou a ser denominado “Teatro Recreios Dramáticos”.
Entretanto, estava sendo criada a Associação Artística Vimaranense, na Rua de Gil Vicente, e levantouse um barracão para uma companhia ambulante fazer os seus espetáculos, intitulando-se “Teatro de Variedades”, que levou à cena dramas e comédias e foi inaugurado a 2 de janeiro de 1881, pelas quatro horas da tarde, com a opereta cómica.
No ano seguinte, apareceu o “Teatro Gil Vicente” e, em 1884, surgiu o “Teatro-Salão Artístico Vimaranense”, onde foi apresentada a opereta burlesca em 3 atos “Os Três Casamentos da Aldeia”.
No Campo da Feira, tinha sido montado um barracão onde se realizavam bailes e que tinha uma escola de dança onde cobravam 40 reais por entrada.
Atrás da nova prisão e já na Rua de S. Dâmaso, seria criado um “Salão Recreativo Universal” para a realização de festas, verbenas e bailes com entrada paga. Já estávamos em 1900.
Foi preciso esperar várias décadas para voltar a ter uma sala de espetáculos com dignidade. Seria Bernardino Jordão, o empresário da luz, que teria a iniciativa de construir o “Cine Teatro Martins Sarmento” inicialmente assim chamado, mas cuja denominação final seria “Cine Teatro Jordão”, de boa memória que duraria mais de meio século dedicado ao teatro e ao cinema com grande êxito. Na segunda metade do século XX, e nas vilas do concelho de Guimarães iriam aparecer construídos os salões das Casas das Paróquias e das Casas do Povo como espaços que iriam tornar possível a fruição das atividades culturais do teatro, da música e outras.
Na década de 60 do século passado, chegou a Guimarães a Companhia de Teatro Rafael de Oliveira com o seu Teatro Desmontável, fixando-se em Guimarães vários meses, possibilitando representações de amadores de teatro locais.
Entretanto nasceu o “Cine S. Mamede”, sem palco para a Arte de Talma.
Logo depois de Abril e das Liberdades, em Guimarães, assistimos a movimentos para a criação de uma Casa da Cultura com auditório que foram rapidamente diluídos no esquecimento.
Nasceria o auditório da UM com protocolo com o Município, o auditório dos Viajantes e Pracistas, hoje propriedade da Universidade do Autodidata e da Terceira Idade.
Finalmente, surgiu o Centro Cultural de Vila Flor alcantilado no Jardim do Palácio.
Entretanto, seria municipalizado o Teatro Jordão, adquirido conjuntamente com a Garagem Avenida. Foi feito um projeto apresentado no âmbito da Capital Europeia da Cultura, em 2012, mas só seria devidamente inaugurado em março de 2022, com projeto de excelência, pois será de uso permanente pelo Conservatório de Música, pela Universidade do Minho e pelo Município.
A fruição maior será desejada pelo Povo de Guimarães.
Hoje há muitos espaços culturais, mas a produção teatral local já não tem o mesmo interesse e dedicação, pois a programação cultural hoje é magna municipalizada e comprada no “mercado nacional da cultura”.
0 teatro e os seus protagonistas nos últimos 100 anos
Por finais do séc. XIX não havia grupos permanentes e organizados dedicados ao Teatro. As pessoas juntavam-se e ensaiavam textos para representação nas salas que foram existindo em Guimarães e há várias referências registadas. Por exemplo, a de um grupo de Teatro de Silvares que se deslocara várias vezes à cidade e representara na Sala do Teatro Gil Vicente.
por A. L. de Carvalho e, depois, pelo padre Gaspar Roriz; terá sido este grupo que já tinha uma experiência de ensaios e de trabalho de cena representando textos do seu ensaiador - Gaspar Roriz - e várias comédias e dramas de costumes e ainda autos religiosos. Ensaiava no Teatro D. Afonso Henriques com aquele que foi o seu primeiro encenador - A. L. de Carvalho - da meia noite às duas da manhã por causa da PIDE que o controlava. Como se deitavam à meia noite, os amadores começavam os seus ensaios... À morte deste vimaranense foi o padre Gaspar Roriz que o substituiu. Há também referências, na década de 40 do Séc. XX, depois das comemorações centenárias, a dois ou três grupos do género, mas cuja existência foi efémera. Era composto só por homens e quando em cena apareciam mulheres faziam-no travestindo-se. A primeira mulher e única durante muito tempo foi Maria Luísa Carvalho que lá conheceu o seu futuro marido, João Xavier de Carvalho, que era o presidente do grupo. Entre outros, dois atores ficaram conhecidos do grupo “Mocidade Alegre": Domingos, o Sardinha, que era Bombeiro, e o António Polvoreira, que era tasqueiro na Caldeiroa. O referido grupo iria durar até à década de 50, isto é, até à criação do Teatro dos Caixeiros, que receberá uma boa parte dos atores do "Mocidade Alegre".
Em 1957, por iniciativa do Município, realizaram-se os festivais de Gil Vicente pela primeira vez e é nesta época que se apresentam os atores do "Grupo de Teatro dos Caixeiros", soberbamente dirigidos por João Xavier de Carvalho. No Comércio de Guimarães de 20 de junho de 1957 regista-se esta notícia:
" (…) os caixeiros de Guimarães (...) proporcionaram-nos um espetáculo de rara beleza que, sinceramente os mais céticos não esperavam.
Os Caixeiros de Guimarães louvaram-se admiravelmente. Honraram não somente a sua classe, tantas vezes menosprezada e esquecida, como também a cidade.
Além da Marcha Gualteriana, hoje popular e conhecida em todo o país, afirmam também o seu valor na arte de representar.
O primeiro Auto, "A Farsa de Inês Pereira", não é das mais fáceis de levar a cena, (...)
Ao João Xavier de Carvalho, alma do teatro dos Caixeiros, à sua fulgurante vocação teatral cita simples palavras onde vai toda a nossa admiração - Parabéns".
O elenco do Teatro dos Caixeiros de Guimarães, que representou a "Farsa de Inês Pereira" e o "Auto da Visitação" de Gil Vicente, no Paço dos Duques de Guimarães, nesse ano de 1957, era constituído por: Maria Luísa X. Carvalho; Olimpia Celeste Amaral; Maria Odete Rodrigues; A. Ferreira da Cunha; J. D'Afonseca Freitas; A. Correia Ribeiro; Joaquim Fernandes; Domingos Ribeiro; A. Barros Martins; Maria Margarida Correia; Fernandes Cunha; Egídio Cunha; Fernando Carvalho; Palma Rios; Salgado Sousa; Casimiro Ferreira; Maria Fátima Rodrigues; Maria Ester Fonseca; Sousa Maia; Fernandes da Silva; Maria Fernanda Teixeira; Rosa Maria Ferreira; Zilda Peixoto; Carlos Rogério; Eduardo Sousa; Li Xavier de Carvalho; Maria
Este grande elenco de atores e atrizes, todos vimaranenses, tinha Direção Artística de João Xavier de Carvalho. A montagem cénica era de Américo Ferreira; Caracterizações do pintor Joaquim Teixeira; Aderecista - Eduardo Eugénio; O Ponto - Bettencourt Guimarães; Contrarregra - André Cardoso; Guarda-Roupa - da Casa Anahory; Gravações e Registo de som - Casa A. Gouveia. Muitas foram as noites fabulosas em que estes vimaranenses subiram ao palco e presentearam o público com soberbas representações.
Ficaram ainda como referência desta arte de Talma a dúzia e meia de peças escritas pelo encenador João Xavier de Carvalho e as Noites dos Reis Cantados e interpretados por este Grupo que percorria, em janeiro, todas as ruas da cidade de Guimarães.
Também são dignas de registo as festas organizadas no Salão Paroquial da Oliveira, dirigidas pelo mestre João Xavier de Carvalho: Natal, Carnaval, aniversários... de cada ano, durante mais de 30 anos. Aí foi incutido nas crianças e jovens a arte de representar, cantar e dançar, sempre com a presença e intervenção, na perfeição, de sua esposa D. Luisinha Xavier.
Há mais de meio século que estas duas gerações se finaram e encerrou o Sindicato dos Caixeiros de Guimarães, restando somente as memórias como património. Dessa época há referência a um grupo de Teatro, em Vizela, que fazia representações para os aquistas, outro, em Campelos, ligado à Igreja, e ainda um outro Grupo designado de "Ritmo Louco" dirigido por António Soares de Abreu (ASA). Era constituído por: Jaime Martins - Caracterizador; João Vilanova - Luz e som; Atores: Joaquim Fernandes, José Machado, José Moreira, J. Freitas, Helena Guedes, Luís Almeida, Jeanine, Cidália e Manuela Dias de Castro.
Estamos em 1958, ano de presidenciais, com a candidatura de Humberto Delgado. É neste ano que vai nascer o TERB - "Teatro de Ensaio Raúl Brandão", na reconversão da "Associação Ritmo Louco" em Círculo de Arte e Recreio (CAR) e do seu grupo de teatro, agora com nova denominação, programa e diretor artístico,
Dr. Santos Simões, que propôs um programa onde prevaleciam os textos de Raúl Brandão e Gil Vicente; Shakespeare e Molière, os clássicos e novos autores, como Tchekhov, Camões, Jorge Amado e Bernardo Santareno.
Ao elenco existente vai juntar-se uma jovem geração de cidadãos atores e atrizes que, até finais da década de 80, estarão empenhados na dinamização cultural da região, levando Gil Vicente a todos os recantos do norte do país.
Atores e atrizes: Mário Dias de Castro, J. Manuel Melo, Lúcia Abreu, Fernando Fernandes, José Rocha, Lobo de Freitas, Jacinto, Neca Silva, Alfredo Coutinho, J. Quim Fernandes, Fernando Gusmão, Delfim Lobo, Zé da Cruz de Pedra, Ju, Caetano, Cristina, Rosa Maria, Casimiro Ribeiro, Fernando Miguel, Fátima Correia, José Nobre Júnior; Ponto: J. Nobre; Cenógrafo: Zé Abreu; Som e luz - Fernando Macedo.
Nos finais da década de 80 do século passado, reapareceram os festivais de Gil Vicente dinamizados pelo Círculo de Arte e Recreio (CAR) que vão ser uma oportunidade e um espaço maior para a promoção e divulgação da obra do mestre Gil Vicente. Muitos são os amadores vimaranenses e outros grupos profissionais que se apresentaram em Guimarães com encenações originais e inovadoras dos textos Vicentinos. Uma referência justa, aqui, à professora de Português, Conceição Campos, uma Vicentina profunda e conhecedora da obra do autor, que trazia aos festivais os seus alunos representando textos de Gil Vicente.
A partir da primeira década de dois mil, estes festivais de Gil Vicente criados para promoção e divulgação do autor vimaranense, deixaram de representar textos de Gil Vicente a pretexto de uma pretensa revolução no programa destes festivais levados a cabo pela Cooperativa OFICINA com o apoio do Município.
A Oficina foi fundada em 1989, por iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães, com o objetivo de criar uma estrutura capaz de valorizar, promover e divulgar as Artes e os Ofícios Tradicionais de Guimarães. A este primeiro objetivo, mais tarde, um outro veio enriquecer a sua área de atividade: o de desenvolver um projeto de intervenção teatral, instrumento fundamental para o desenvolvimento cultural de cada um e de todos. O Teatro Oficina foi, assim, criado em 1994, uma companhia pensada para combater as assimetrias regionais, proporcionando aos cidadãos da região de Guimarães espaços de formação e fruição cultural na área do teatro. Ao longo dos anos, a Oficina foi dando passos significativos na conquista de espaço próprio
de intervenção, de afirmação e reconhecimento. Em cumprimento das vontades que determinaram a sua criação, constituiu-se, por direito próprio, num projeto de intervenção cultural da cidade.
Em 2003, animada pela forte determinação de engrandecer e solidificar a sua intervenção, a Oficina cresceu e desenvolveu-se. Às atividades que a identificavam, outras se juntaram, enriquecendo a sua intervenção e trazendo responsabilidades acrescidas. Pela sua intervenção alargada e consolidada em estreita colaboração com outras instituições, aberta à contemporaneidade, a Oficina deu o seu contributo para a democratização do acesso aos bens culturais e, por essa via, para a construção de uma cidade e de um concelho mais democrático e inclusivo.
Em 2004, a Oficina estabeleceu um protocolo de colaboração com a Câmara Municipal de Guimarães onde, entre outras responsabilidades, assumiu a realização de um conjunto diversificado de atividades no domínio cultural como os Encontros da Primavera, o Festival de Inverno, a Semana da Dança, o Verão Vale a Pena em Guimarães, os Cursos Internacionais de Música e o Guimarães Jazz, que se juntaram às anteriormente assumidas – os Festivais Gil Vicente, as Festas da Cidade e Gualterianas, a Feira de Artesanato, o Teatro Oficina e a Promoção das Artes e Ofícios Tradicionais – tendo contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento sustentado da cidade em termos culturais. Para além da realização destes eventos, a Oficina apostou na existência de uma programação regular complementar, diversificada e de qualidade que permitiu a Guimarães assumir o estatuto de polo cultural de referência, com a capacidade de atração, consolidação e fidelização de públicos.
Em 2005, a entrada em funcionamento do Centro Cultural Vila Flor e a atribuição da sua gestão e programação à Oficina propiciou o desenvolvimento cultural da cidade e de toda a região circundante, propiciou a intervenção em áreas de projetos até então inacessíveis, propiciou o crescimento e a fruição cultural. 2012, ano em que Guimarães foi Capital Europeia da Cultura, significou um novo desafio para a Oficina. Foi celebrado um contrato com a Fundação Cidade de Guimarães no qual a Oficina assumiu a responsabilidade direta de implementação de uma parte significativa do programa da Capital Europeia da Cultura 2012, em simultâneo com a responsabilidade de acompanhamento e coordenação global de toda a programação cultural. Guimarães 2012 foi, sem dúvida, um ano excecional, mas acima de tudo um processo de transformação e crescimento de um projeto cultural que a Oficina continuou a desenvolver. Finda a Capital Europeia da Cultura, em 2013, a Oficina assumiu novas responsabilidades. Para além do trabalho desenvolvido no Centro Cultural Vila Flor, passou a assumir a gestão e programação do Centro Internacional das Artes José de Guimarães e do Centro de Criação de Candoso. Estes novos espaços culturais permitiram à Oficina uma intervenção mais alargada e em áreas que, até então, não intervinha. Em abril de 2016, devido ao extenso e incontornável know-how na gestão operacional de equipamentos congéneres na cidade, a Oficina foi considerada, pelo Município de Guimarães, a entidade capaz de garantir o cumprimento da estratégia delineada para a Casa da Memória. Atualmente, para além da gestão
de vários equipamentos culturais e de uma programação anual, regular e diversificada, a Oficina é também responsável pela organização dos seguintes eventos: GUIdance – Festival Internacional da Dança Contemporânea, Westway Lab Festival, Festivais Gil Vicente, Noite Branca (em parceria com a Câmara Municipal de Guimarães), Festas da Cidade e Gualterianas (em parceria com a Câmara Municipal de Guimarães, a Associação Comercial e Industrial de Guimarães e a Associação Artística da Marcha Gualteriana), Manta e Guimarães Jazz. “Acolher menos (de fora) e aproveitar mais a prata da casa” referiu, em 2016, João Pedro Vaz, diretor do Teatro Oficina, ao tempo. “Objetivo conseguido. Juntam-se em bando, desde setembro de 2016, para criar peças de teatro fazendo emergir a vertente da produção própria local, em matéria de cultura, dos homens e mulheres do teatro em Guimarães. Ao todo, são 76 artistas que se inscreveram no projeto que guarda memórias e produz teatro. À sombra d’A Oficina, este grupo mostrase através das suas produções teatrais e das performances que evidenciam as suas criações, vincando que por aqui e por cá não se mostra ou exibe o que é dos outros e vem de fora.” O seu desejo foi materializado no seu projeto de criação artística na cidade, qual centro onde se aglutinam homens e mulheres das artes, com a capacidade de produzir e apresentar espetáculos de forma regular e constante, elevando a criatividade local.
Em 2017 – quando se festejaram os 150 anos do nascimento de Raúl Brandão, houve uma grande festa à volta do Teatro de Raul Brandão - Húmus. Foram apresentadas todas as suas peças, fazendo conviver profissionais e amadores do teatro. E o grupo que virou “gangue” viu acreditada a sua competência e independência. Os seus projetos passaram a estar contemplados com bolsas, recebendo os apoios previstos no Regulamento de Apoio à Criação Territorial (IMPACTA). João Pedro Vaz foi o responsável por toda a rede criada em torno da companhia de teatro de Guimarães, que inclui os alunos da Licenciatura em Teatro da Universidade do Minho, os integrantes das Oficinas do Teatro Oficina, mas também os membros dos grupos de teatro de amadores e os artistas do Gangue de Guimarães.
Lugar de encontro e de partilha, as Oficinas do Teatro Oficina são assim um convite aberto à comunidade, para que venham ao Teatro e façam parte desta permanente construção e descoberta coletiva. Com o limite temporal de um ano, a atriz e encenadora Sara Barros Leitão foi convidada a dirigir o Teatro Oficina em 2022, através de um programa em permanente construção, permeável a avanços e recuos: um programa de experimentação. Um dos objetivos será organizar o arquivo e reunir uma biblioteca. Pretende-se levar a cabo jornadas dedicadas ao teatro e ter teatro. Um espetáculo original a criar em 2022, que estreou no Espaço Oficina, a 22 de setembro.
Grupo de teatro da JUNI - “O Teatro trouxe a cultura e o enriquecimento da população”, diz Guilherme Ribeiro, e acrescenta que o Grupo Cénico da JUNI nasceu com a própria Instituição, fundada em 29 de
janeiro de 1971 - JUNI - Jovens Unidos Num Ideal. Este grupo desenvolveu um trabalho cultural altamente meritório, “uma escola de educação”. Foi seu encenador o Padre Adelino Silva, um Homem muito à frente do seu tempo. Celebrou protocolos com várias entidades (Câmara Municipal, FAOJ, entre outras), por forma que os jovens pudessem usufruir de formação artística nas várias áreas – Construção de personagens, cenografia, sonoplastia… Fernando Capela Miguel, membro da FAOJ à época, foi um desses formadores e Salgado Almeida assinou alguns dos cenários das diversas Peças levadas a cena. A JUNI criou e produziu vários espetáculos de qualidade, destacandose as peças: “Mar”, de Miguel Torga; “A barca sem pescador”, de Alejandro Casona; “Cinco grãos de amor” (Ku-Klux-Klan), de Emílio Bonomi, “Os três malotas”, de Alexandre Dumas, “Médico à rasca”, de Dídimo Vítor Hugo, “A princesa improvisada”… Produziu ainda concursos e espetáculos multidisciplinares – Teatro, música e dança que envolveram dezenas de jovens. Os espetáculos decorreram no concelho de Guimarães, mas também em concelhos vizinhos. A receita desses espetáculos foi canalizada para ajuda das obras do parque da JUNI. Mais tarde, o encenador deu lugar a Emília Ribeiro, Sameiro Pereira e Josefa Dias, grupo que criou e produziu dezenas de espetáculos de teatro, uns dirigidos ao público infantil, com elencos constituídos por elementos de várias faixas etárias, mas predominando os mais jovens, e outros em que o elenco era formado apenas por adolescentes e jovens. A JUNI inclui, no seu historial, um riquíssimo património imaterial que, ao lado do material, jamais poderá ser apagado da história da Paróquia de Santa Marinha da Costa, da freguesia, da Cidade e Concelho de Guimarães.
O Grupo de Teatro da Cruz de Pedra surgiu há cerca de 50 anos e teve mais impacto no pós 25 de abril, estando na origem do FESTAG – Festival de Teatro de Guimarães. Um dos seus ensaiadores foi o Sr. Armando, já desaparecido e a quem a teatro muito deve. Este grupo teve vida efémera, pois já está desativado há mais de 30 anos. Fica o registo histórico, apenas.
O Centro Infantil e Cultural Popular - CICP foi criado em abril de 1974 pelas Comissões de Moradores da Rua D. João I e Bairro Catarina Eufémia, que ocuparam o Convento das Dominicas e aí instalaram um infantário. A vontade de participar na transformação da sociedade era a prioridade do momento e foi com naturalidade que aí se instalou o grupo de teatro Juventude em Palco, fundado na Casa da Juventude, por cisão com o GITEL, Grupo de Iniciação Teatral Estrelas da Liberdade. Enquanto secção do CICP e com direção artística de Alberto César Froufe, fez a sua estreia na rua com o espetáculo 1 Teatro Vivo. Seguiram-se outros trabalhos com destaque para Os Lobos, de Abílio Brito, e Ensaio, de Albert Maltz. Participou
em festivais de teatro, regionais e nacionais, e organizou, em 1979, o FESTAG – Festival de Teatro de Amadores de Guimarães, realização bianual que contou com apenas três edições, por manifesta incapacidade de cedência de espaços para a sua continuidade. Neste momento não tem atividade.
O Grupo de teatro de Campelos (GTAC) existe desde 1976, fundindo-se a sua criação com a fundação da instituição a que pertence (C.S.R.C.C.). A grande dinamizadora deste Grupo foi a professora Emília Leite Silva que levou o Grupo a apresentar peças de teatro pelo país, destacando-se a cidade de Lisboa onde apresentaram, no Teatro da Trindade e no Parque das Nações, sob a pala do Pavilhão de Portugal, com o apoio da Inatel. Destacamos algumas peças levadas a cena de autores conhecidos: “A Nau Catrineta”, de Almeida Garrett; “Deus lhe Pague” de Joracy Camargo; “O Tartufo” de Molière; “Falar a verdade a Mentir” de Almeida Garrett; “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente; “Médico à Paulada” – adaptação da obra “Médico à Força” de Molière; Peças criadas pelo Grupo: A Jorna” de Paulo Teixeira – Apresentada no âmbito da Capital Europeia da Cultura – Guimarães 2012; “Tributo a Raul Solnado”. O GTAC conta com um elenco jovem, com vontade de elevar o Teatro Amador a níveis de excelência. E tem sido ao longo dos anos um ponto de encontro cultural da comunidade de Campelos. O Grupo de Teatro da Coelima - O Teatro do CCD Coelima, fundado em 1977, integrado, hoje, na associação cultural “Sol no Miral”, tem em curso uma mostra de teatro internacional, com 17 espetáculos garantidos por grupos de proveniências diversas: Braga, Barcelos, Vila do Conde, Avintes, Madeira, Maia, Angra do Heroísmo, Rio Tinto, Oeiras, Feira, Tomar, Paços de Ferreira, Leiria, Lisboa e de Verín e Vigo, da Galiza. Pevidém torna-se, assim, a capital do teatro, no país, com propostas diversas, para se poder ver o melhor do teatro amador, ao longo do ano. Rui Fernandes é um dos sócios – amantes do teatro – de cerca de vinte e tal, que dão corpo, expressão e vida ao grupo de teatro, que utiliza o pavilhão da Coelima, como sede, e no qual alarga a sua atividade a outras iniciativas como o Carnaval de Pevidém e a “Vila Encantada”, durante o Natal. O Teatro Coelima é, por isso, não apenas uma referência cultural da vila, mas um dos mais dinâmicos grupos portugueses de teatro amador, com atividade regular e produção própria. A sua aceitação pelo público não deixa dúvidas, mesmo pela qualidade literária das peças. Obras de Teresa Rita Lopes e do vimaranense Pedro Chagas Freitas, já foram adaptadas para constituírem o repertório do grupo. A atividade tem sido intensa, com cerca de 30 a 40 espetáculos por ano, em festivais e mostras, em fins de semana atarefados, já que o Teatro Coelima leva “a casa às costas”, transportando toda a parafernália de adereços, cenários, peças diversas, iluminação, que a sua equipa de produção monta em qualquer localidade. Composto por gente jovem e outros que há 45 anos se dedicam ao teatro, o grupo de Teatro Coelima tem já o reconhecimento nacional que lhe permite ter uma carteira de espetáculos apreciável. “Lançar mais projetos que sejam adaptações de obras de autores vimaranenses” é o desafio que se segue, revela Rui Fernandes, responsável do Teatro Coelima. A Mostra Internacional de Teatro de Pevidém tem um orçamento de nove mil euros e conta com apoios da Câmara Municipal de Guimarães,
da Inatel, da Junta de Freguesia de Selho S. Jorge, da Moretextile Group, para além de outros mecenas. A entrada para os espetáculos tem o custo de 1€, um valor simbólico e facultativo.
A Academia Recreativa e Cultural Amigos de Ponte - ARCAP foi criada em 2001, é uma associação sem fins lucrativos, vocacionada para a prática, fomento e desenvolvimento de atividades recreativas, culturais, desportivas e aproveitamento de tempos livres alternativos aos já existentes. O teatro é fundamental na formação cultural de qualquer pessoa, por isso a ARCAP dá a conhecer, nos projetos que apresenta em palco, muito da nossa própria cultura. “Greve do sexo” sobre o texto "Lisístrata", de Aristófanes – escritor da Antiguidade, com uma importante obra dramatúrgica; “Jesus Cristo em Lisboa”, de Raul Brandão; “O Guardador de Rebanhos”; “A Promessa’, “Maldita promessa, maldito casamento, maldita família!”, de Bernardo Santareno, algumas das obras encenadas por Arnaldo Sousa com o elenco de atores da secção de teatro da ARCAP. A cenografia é da responsabilidade de Arnaldo Sousa.
A CITÂNIA – Associação Juvenil deu os seus primeiros passos em meados de setembro de 2000, após uma conversa de café, quando duas pessoas pensaram em promover um Curso de Teatro para crianças e jovens do Vale de Briteiros. Terminado o programa de formação teatral de 50 horas, teve lugar a apresentação pública do espetáculo A Bruxa, A Fada e Eu, de Joaquim Santos Simões e de Os Três Mandriões, adaptação de Luísa Ducla Soares, em junho de 2001. A partir de então, o grupo tem mantido a sua atividade ininterruptamente até aos dias de hoje. Algumas peças mais recentes: “Jesus Cristo em Lisboa”, de Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes; “Quando os animais governavam”, uma adaptação do conto “A quinta dos animais” de George Orwell, são o resultado de um longo e difícil processo que levou o Grupo de Teatro Citânia àquilo que talvez foi o seu maior desafio, construindo (sob a orientação de Cristina Cunha) e explorando Máscaras. O espetáculo contou ainda com o contributo de todos, em particular, de Elsa Machado, L. Guilherme Marques e Elsa Azevedo para a sua montagem… TEATRADAS NO CAFÉ é a nova iniciativa cultural desenhada para levar pequenos momentos de cultura à população de forma inesperada e em locais informais. Criam e produzem o evento Citânia Viva sob a direção artística de Luísa Ribeiro e dramaturgia e encanação de Bruno Laborinho. O Convívio e Teatro Experimental (CETE), grupo de teatro amador, foi criado em 2005 por Íris Soares, que adquiriu formação no Grupo de teatro do CAR, do TERB, entre 1997 e 2005, altura em que já não se identificava com o projeto. Nesse mesmo ano o CETE leva a cena a peça "Café, café meu, afinal quem sou eu?", texto coletivo bem como cenários e figurinos, dramaturgia e encenação de Íris Soares. Seguiram-se muitas outras das quais destacamos: “Rua Deserta”; “A Pedra ainda espera dar Flor”, a partir de várias crónicas (1895 a 1923) de Raul Brandão; “Dores”;” Eréndira”; “Para quase sempre”; “5º Império ou a História de Pedro, Inês & Sebastião” e “Voltamos”, um projeto realizado após um período de pausa do grupo devido à pandemia.
O CETE tem marcado presença na Mostra de Amadores de Teatro, regularmente organizada pela Oficina, pela sua qualidade artística, quer na criação e produção das obras apresentadas, quer na qualidade dos
elementos que compõem o elenco. A filosofia do grupo incita o pensamento a sair do lugar comum, conforme se constata através da autoria do texto, encenação e cenário serem partilhados coletivamente por este grupo de teatro cuja dramaturgia é de Iris Soares.
O Grupo de Teatro ADCL - Associação para o Desenvolvimento das Comunidades Locais - foi constituído, no dia 11 de Janeiro de 1994, por tempo indeterminado, com sede na freguesia de S. Torcato, do concelho de Guimarães, a qual tem por fim a cooperação com as comunidades locais na realização dos seus objetivos de desenvolvimento social e cultural...” Foi no espaço do Centro Comunitário que, em meados de 2007, emergiu por vontade, interesse e conjugação de esforços entre a ADCL e alguns elementos da comunidade, o “Grupo de Teatro SalvemTeatro”, hoje designado por “Grupo de Teatro da ADCL”.
Um ano depois, no Centro Comunitário da ADCL, estreou a primeira peça “Auto do curandeiro” de António Aleixo, à qual se seguiram “Médico à Força” de Molière, “Hotel Modelo”. “Família Braga”, “A Birra do Morto” de Vicente Sanches, sendo estas duas últimas dirigidas pelo encenador Arnaldo Sousa. O Grupo de Teatro ADCL, em colaboração com os Grupos de Teatro Citânea, Campelos, Cem Cenas e ARCAP, apresentaram “Jesus Cristo em Lisboa”, nas Comemorações de “Raul Brandão”, Húmus- Festa do Teatro, no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, a partir de 2017, Auditório Francisca Abreu. “Enxota Diabos” e “Os Três Malotas” de Manuel Dume; “Auto dos Físicos” e “Auto da Barca do Inferno –Os Dois Barqueiros na Margem” de Gil Vicente, adaptação e encenação de Luís Almeida foram as últimas peças levadas a cena por este Grupo pelos palcos das freguesias do vale de S. Torcato e ainda pelos Concelhos de Póvoa de Lanhoso e Felgueiras. “Temos optado pelas comédias, dado que o meio é muito rural, onde os dramas não se encaixam bem. As pessoas já estão cheias de tristeza, mas eu gostava de fazer um drama” - referiu Joaquim Matos que está no Grupo desde a sua fundação. Atualmente, o grupo é constituído por catorze elementos, uma jovem e treze adultos/seniores, com um espetro de idades compreendidas entre os dezoito e os oitenta anos, predominando o género feminino com nove elementos e cinco elementos do género masculino, maioritariamente aposentados. Osmusiké Teatro nasceu em 2008, “pela mão” de Madalena Antunes e Emília Ribeiro, professoras que tinham iniciado uma nova etapa da vida, a aposentação, com o objetivo de levar o teatro à escola. Desde então tem tido uma atividade contínua, com apresentação de peças de teatro e performances, ora direcionadas ao público infantojuvenil, ora direcionadas a outras faixas etárias. Os seus textos têm sido
escritos por elementos do grupo, contudo também têm apresentado peças de autores consagrados, das quais destacamos: “Avejão”, de Raul Brandão; “Maria Parda” e “Auto da Visitação” de Gil Vicente”; “A Estrela e o Pequeno Grão de Areia”, baseada na obra de João Falcão (O Pequeno Grão de Areia); “O Rei da Helíria”, de Alice Vieira e “Guimarães Tesouros Clandestinos”, texto de Maria Teresa Macedo (dramaturgia de Emília Ribeiro). Em 2012, com base no ditado popular “Guimarães esfola gatos e mata cães”, reinventaram o texto de Esopo, O Gato das Botas e criaram e produziram o espetáculo “As Aventuras e Desventuras do Gato das Botas”, que fez parte da programação de Guimarães Capital Europeia da Cultura, inserida no Programa Tempos Cruzados, Programa Associativo de Guimarães 2012 - Aqui Nasceu Portugal – Aqui nasceram Histórias e Estórias.
Tratou-se de um projeto estreitamente vocacionado para as artes cénicas, protagonizadas pelos grupos de teatro amadores e por grupos de teatro escolar do concelho de Guimarães, com coordenação artística e orientação dramatúrgica de Hélder Costa. Participaram no IX Fórum Permanente de Teatro, obtendo formação a nível de criação de personagem, cenografia e sonoplastia. Participaram ainda, como carpideiras na performance “Morte de Portugal” e no Espetáculo “Aqui Nasceu Afonso Henriques”; foi o resultado do trabalho de construção em rede que, ao longo de 2012, o Tempos Cruzados foi desenvolvendo com dez grupos de teatro amadores de Guimarães, com um elenco composto por elementos de todos os grupos de teatro amador envolvidos no projeto. “Aqui Nasceu Afonso Henriques” subiu ao palco cinco vezes, sempre com lotação esgotada. O Grupo cresceu imenso durante este ano. Nos anos seguintes criaram, produziram e apresentaram: “O Reflexo da Estátua” (Afonso Henriques de Soares dos Reis e Afonso Henriques de Cutileiro); “A Bruxa Poluição”; “Cinderela Borralheira”; “O Capuchinho Vermelho”; “Ecocarochinha”; “Salada de Contos”; “Portugal Amordaçado”; “D. Afonso Henriques e o Festival da Canção”; “Colombina e seus amores”; “A Insustentável leveza do casar”; “Os Saltimbancos”; “As Formigas e a Cigarra Cegarrega”; “Guimarães in moda”; “Memórias da Nossa Terra…” ,” D.ª Catarina de
Bragança no Paço”; “As Regateiras e o Trovador Pêro do Paço”; “As Regateiras na Feira Afonsina”;… Contam com um grupo coeso: Ana Oliveira, Alice Xavier, Afonso Tadeu, Bruno Simões, Celeste Pinto, Francisco Simões, Jandira Henriques, José Maria Gomes, Liliana Xavier, Manuela Sousa, Olívia Freitas, Ricardo Faria, Olívia Freitas, Rosa Carvalho e Luís Almeida que também desempenha a função de sonoplasta. Mais recentemente juntou-se ao grupo Evira Oliveira. Como artistas convidados temos Maria Terra e Cândido Barbosa. Já passaram pelo grupo outros elementos de grande talento: Madalena Antunes, Ana Maria Moreira, Ana Maria Bastos, Sofia Antunes, Sofia Ribeiro, Ana Isabel Gomes e Adelaide Braga. Os cenários utilizados pelo grupo são criação própria. As telas utilizadas têm assinatura de Ana Oliveira. Os figurinos são de Emília Ribeiro e Milita Marinho. Alguns deles têm apontamentos pintados pelas artistas plásticas: Ni Xavier e Maria Terra. Ao longo da sua existência, participaram no MAT (Mostra de Teatro Amador) em 2017 e 2019 e no NOC NOC entre 2014 e 2020 ininterruptamente. Têm atuado não só no concelho de Guimarães como também: Fafe, Vizela, Famalicão, Braga, Barcelos e Viana do Castelo.
O BANDO DO GIL teve origem, aí pelo ano de 2002, num grupo de cidadãos de Guimarães que tinha por costume organizar e participar em eventos culturais, sobretudo no âmbito da tradição histórica. Na altura, o senhor Domingos Fernandes, presidente da Comissão de Moradores da Rua Nova, organizava no Dia da Amizade, uma magna confraternidade que seria a razão para a realização de um acontecimento repetido durante sete anos: a chegada de Egas Moniz.
Ora, a chegada de Egas Moniz e os seus familiares e amigos, para gáudio dos moradores da Rua Nova de Trás-do-Muro, representada numa iniciativa de crítica e sátira social, que todos os anos ocorreria, tornouse um acontecimento esperado ao longo de uma década, conducente a trazer para a rua duas companhias de teatro e música que, entretanto, nasceram:
- O BANDO DO GIL, constituído por cidadãos vimaranenses de várias gerações e veteranos do teatro;
- OSMUSIKÉ, que anualmente cantariam as suas canções sobre os monumentos da cidade, já com vinte anos de vida.
A morte prematura do senhor Domingos Fernandes antecipou o desaparecimento da citada ocorrência anual. Porém, o Bando do Gil continuou a sua existência com espetáculos diversos e textos da sua autoria, entre os quais:
“Pai, onde é que eu nasci?”; “Uma noite de conversa com os amigos Brandão e Pascoaes”; “Egas Moniz padrinho de Afonso I”; “D.ª. Teresa, Mãe de Quem?”; “Uma sátira sobre Afonso e os irmãos”; “Gil Vicente nasceu em Guimarães”.
Com efeito, o Bando do Gil continua a sua ação como um grupo informal, realizador de espetáculos de crítica e sátira social de histórica em associações e espaços privados. Perfaz assim, neste ano corrente, o seu vigésimo aniversário, concretamente celebrado no dia 15 de julho, dia de nascimento de D. Afonso Henriques.
Um grupo que costumeiramente dá ainda visibilidade à comemoração do Dia Mundial do Teatro, no dia 8 de junho, com a realização de uma performance teatral junto do Monumento ao Teatro, implantado na Alameda de S. Dâmaso.
A ANTI - Associação de Narrativa e Teatro de Intervenção assume-se como um veículo cultural e de intervenção social. Desde 2013 tem assumido ações pontuais e assíduas na comunidade escolar junto do projeto TABU!, trazendo testemunhos reais transpostos para dramaturgia de forma a combater problemáticas como a violência de género. Durante este percurso, manteve a seu cargo dois grupos de teatro sénior onde aliam a ação social, saúde e cultura e em 2021 produziu spots publicitários de sensibilização e informação de questões de saúde pública e problemáticas sociais para diferentes municípios. Já criou e produziu a curta metragem «Alma», produziu a média metragem «Vazio» junto de outras entidades artísticas para o município de Viseu de cariz multidisciplinar (Viseu Cultura), foi responsável pela produção do filme «Manual (para um pequeno) Nicolino» e algumas participações em produtos musicais com outros parceiros. Em 2019 adicionou ao portefólio a experiência bem-sucedida de uma residência artística junto do coletivo Coruja do Mato, em Belmonte, resultando numa recriação folclórica e histórica de uma lenda local junto da comunidade. Encenou e produziu espetáculos de valorização cultural e turística para o município de Matosinhos e foi responsável pela recriação histórica da Feira Afonsina para o município de Guimarães. Para além das animações socioculturais inseridas nas mais variadas temáticas, criou uma arruada natalícia que englobou mais de 10 associações que levaram para a rua mais de cento e cinquenta figurantes em trabalho ativo e também um cortejo etnográfico e valorização cultural. Tendo como mote a educação, informação e combate a desigualdades e problemáticas sociais o uso da arte continua ativa na produção e criação de teatro, cinema, investigação, reavivamento de raízes e trabalho de território com a comunidade.
O Teatro Experimental do Cano - TEC - nasceu, algum tempo antes de 2012, a partir de um curso de formação de teatro, realizado na sua sede, no final do qual alguns elementos formaram o Cem Cenas. O TEC envolvia uma dezena de atores e atrizes e a primeira peça que levaram a palco foi “Um barco para Ítaca” de Manuel Alegre. Tiveram uma colaboração estreita com o Teatro Construção de Joane, onde apresentaram diversas peças.
Foi feita uma colaboração com o DEMO, na peça “Fios de Terra”, em 2012, que foi toda preparada no Cano tendo feito uma digressão por diversas vilas do Concelho. Pretendiam fazer um filme a partir da Peça, mas que nunca tiveram acesso às filmagens efetuadas. Fizeram teatro de rua, com textos originais do grupo, mormente na Feira Afonsina. A encenadora era a Elinete Megda e na sua ausência assumia as funções de encenador Belmiro Gomes, que também produziu os textos de diversas peças de teatro para representação do grupo. Uma delas chamou-se “Condóminos (Evidentemente)”, que representaram em diversos palcos e com sucesso. Uma outra peça foi baseada na lenda da Sopa de Pedra. “Consolo em si”,
subiu ao palco nas Dominicas e com um sucesso enorme. Participaram na Casa das Artes de Famalicão com a peça que tinha como temática central o racismo e que se repetiu no Paço dos Duques de Bragança. “Braços da terra”, um texto que nos leva a refletir sobre a nossa ligação eterna à terra, foi encenada pela Elinete Megda, e, apresentada na Feira da Terra, em S. Torcato. Além do teatro, os artistas, fizeram figuração em alguns filmes (um deles foi de Manuel de Oliveira) e Novelas para os quais foram convidados, como nos referiu Elinete Megda. A última peça que representaram foi o “Gebo e a Sombra”, apresentada no CCV, a convite da Oficina, no Centenário de Raul Brandão- Festa do Teatro Húmus.
Ao longo dos últimos tempos, tem apoiado o grupo de teatro da escola Francisco de Holanda (TEX – Teatro Experimental da Xico). No momento presente estão numa fase de reflexão e reorganização do grupo, pois há falta de elementos/atores, no grupo. Possuem um espaço próprio e um guarda-roupa riquíssimo. Há uma vontade enorme de subir aos palcos brevemente…
O Grupo de Teatro CEMCENAS - Associação Cultural tem como objetivo a divulgação e desenvolvimento de atividades culturais, artísticas e recreativas, no âmbito do teatro, dança, música e canto. Desenvolveuse após o final de uma oficina de teatro promovida pela Junta de freguesia de Oliveira do Castelo de Guimarães, durante o ano de 2011, tendo-se constituído legalmente a 11 de julho de 2013, passando a ter sede própria, desde 23 de maio de 2014.
A associação está em crescimento, estreando várias peças de teatro, escritas, encenadas e representadas pelos próprios, tais como: "Arrepios do Berço", "Entretanto Portugal Encantado", "Histórias de Baralho", " É a Vida "; "Crime na Mansão do Marquês" e "Nada é bem o que Parece”. O Encenador é Leonel Costa. O elenco é composto por várias faixas etárias que se identificam como uma autêntica família, que sente prazer em subir a um palco para dar felicidade ao público presente. Neste sentido, assumem a iniciativa de se empenharem na organização de festivais de teatro de amadores, tendo conseguido apresentar ao público, cinco festivais de teatro em Guimarães, um em cada ano, desde 2015 até 2019, convidando para atuação, vinte e dois grupos de teatro de amadores, de Portugal...
“As Vitórias” da Casa do Povo de Fermentões - O Núcleo de Teatro do Oprimido de Guimarães tem sede na Casa do Povo de Fermentões e foi criado em 12/12/2014 desenvolvendo intervenção com grupos em risco ou em situação de exclusão social, seguindo-se a estes, a formação de públicos estratégicos.
"As Vitórias" são um grupo de mulheres que pretende mobilizar a sociedade na procura de soluções para situações de violência nas relações de intimidade e reforçar a importância da igualdade de género. O objetivo deste trabalho é envolver o público na discussão destas problemáticas e contribuir para uma sociedade justa e inclusiva.
O Grupo de Teatro O Astronauta (ASTAC) é uma associação cultural sediada em Guimarães. Surge na primeira metade do ano de 2015, constituída por um grupo de amigos, com valências diversificadas no setor cultural e artístico que iniciaram trabalho conjunto no contexto do Tempos Cruzados, área de
programação de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura, e, em particular, na criação e produção do espetáculo "Aqui Nasceu Afonso Henriques", com texto e encenação de Hélder Costa (A Barraca). O grupo, com valências que vão das artes plásticas ao teatro, passando pela música, pela escrita ou pela produção cultural, segue o seu percurso unido, alargando o raio de ação a outras cidades e espaços, multiplicando os elementos que o integram e, em consequência, as potencialidades de realização e criação artística e cultural. A sua génese é a da música e, sobretudo, do teatro de raiz histórica. Neste âmbito, além do espetáculo "Aqui Nasceu Afonso Henriques" e da participação em várias edições da Feira Afonsina, a Astronauta já participou na Feira Medieval de Castelo de Neiva (2012 e 2014), na Festa da História 2015, em Bragança, e na Recriação Histórica da Batalha da Salgadela, em Castelo Rodrigo (2016). Em Figueira de Castelo Rodrigo, encontra-se, atualmente, a promover vários projetos de relação do teatro com a História e de intervenção comunitária através do teatro. Além disso, colabora, regularmente, com o World of Discoveries, Museu Interativo e Parque Temático, localizado na cidade do Porto e dedicado à era dourada da História de Portugal: os Descobrimentos. Os seus associados integram a companhia de teatro residente deste equipamento e além da animação regular feita no museu, também participam na criação e representação de vários espetáculos, tais como a "Homenagem Interativa a Gil Vicente", que retrata a vida e obra daquele que é considerado o Pai do Teatro Português ou “O Douro e o Naufrágio de 12 de maio de 1861”, a partir de um texto de Camilo Castelo Branco. O espetáculo “Homenagem Interativa a Gil Vicente” integrou, inclusivamente, o programa “ExcentriCidades”, promovido pela Câmara Municipal de Guimarães. A Astronauta – Associação Cultural participou na edição de 2015 do NOC NOC com a performance “NEM ATA NEM DESATA”, que se realizou, ininterruptamente, ao longo das 29 horas de duração do festival. Na edição 2016 do NOC NOC participou com uma performance em três atos e três dias, intitulada “PREC: 40 anos depois”, que antevia o espetáculo em estreia a 20 de outubro. Estreou o espetáculo de teatro “PREC no prato!”, integrado na Mostra de Teatro de Amadores 2016, no dia 20 de outubro de 2016, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Este “PREC no prato!” teve sete apresentações, em palcos que incluíram Joane (Associação Teatro Construção); Figueira de Castelo Rodrigo (Auditório Municipal); Lisboa (Cinearte) e outras geografias dentro do concelho de Guimarães (Brito e Moreira de Cónegos). Apresentou-se uma outra vez em Guimarães, no pequeno auditório do CCVF integrando o programa oficial das comemorações do 25 de Abril.
ATRAMA é uma associação cultural que inicia a sua atividade como grupo organizado em 2016, na cidade de Guimarães. Polo aglutinador de um coletivo de formação eclética, de diferentes áreas de formação, de personagens diárias que se movimentam num teatro social quotidiano, converge-se para um auditório nas Taipas com a regularidade que a vida “real” permite. Aí o foco muda e projeta-se na construção de um objeto artístico renovado e desafiante. Em 2017 participou no “Húmus- Festa do Teatro” com a peça de Raul Brandão “O maior castigo (1902)”, no pequeno auditório do CCVF.
Se é verdade que o grupo se consolidou em viagens medievais na famosa Ti-berna da Feira Afonsina, onde descobre hábitos e costumes antigos, é rumo ao futuro e à modernidade que navega nos processos de criação cooperativos, num misto de entusiasmo e responsabilidade, de risco e de ponderação. Afinal, o teatro é a segunda coisa mais importante das nossas vidas.
Trupe Sei é um grupo de teatro/animação de rua, formada por cinco amigos (Nelson Xize, Liliana Xavier, Maria Terra, Luís Almeida e Cândido Barbosa) que aliam o gosto pelas artes ao gosto de estarem juntos e partilharem aquilo que melhor sabem fazer- Expressar emoções. Desde 2014 que tem vindo a dinamizar diversos eventos históricos: Feira Afonsina pela Galiza; por Terras de Pinhel, Guarda, Ciudad Rodrigo, Vilar Formoso e Almeida, promoveu a recriação da Batalha da Salgadela, em Figueira de Castelo Rodrigo. No Porto e Guimarães anima Tour Históricos. Mas, a sua joia é mesmo a Feira Afonsina. Desde a formação da Trupe que a sua participação na Feira Afonsina é sempre aguardada com enorme expetativa pela qualidade a que já habitou o público. Recriam o tema da Feira com excelente qualidade num espetáculo que envolve, Teatro música e dança.
FunnyToches – Teatro de Fantoches é um grupo de teatro infantojuvenil que nasceu em Guimarães, em 2017, pela dupla: Nelson Xize e Liliana Xavier. Surge da vontade de partilhar, de forma criativa e mágica, o teatro de fantoches com o público em geral. A sua identidade é desenhada pela proatividade e apresenta uma fusão da música, percussão e artes plásticas. Os textos das peças são originais do grupo e focam-se, essencialmente, em proporcionar momentos de curiosidade, imaginação e pensamento crítico, ajudando a construir e a definir os valores sociais e materiais de cada um. Os FunnyToches já atuaram nos mais diversos palcos, como Escolas, Bibliotecas, Museus, Casas de Espetáculo, Câmaras Municipais e Empresas, em Portugal Continental e na Ilha da Madeira com as peças “A Viagem à Ilha de Plástico” e “A magia dos brinquedos”. Os cenários são criados e produzidos pelo grupo, bem como os fantoches e acessórios que utilizam em cena. Os figurinos são criados em parceria com Milita Marinho. A sonoplastia está a cargo de Luís Almeida.
Esporadicamente funcionaram também grupos de teatro afetos a paróquias ou associações diversas, bem como a escolas ou agrupamentos escolares ou ainda em situações pontuais decorrentes de récitas de finalistas.
São o caso, por exemplo, na freguesia de Urgezes, do AGITAR – Agrupamento de Intervenção de Teatro Amador dos Remédios, ligado à Associação de Moradores dos Remédios, que, recorde-se, dramatizaria “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes, representado em algumas freguesias e nos Claustros da Câmara Municipal, no 25 de Abril de 1976, ou ainda a Hoste D. Nuno, na freguesia de Pinheiro.
Outrossim, os clubes de teatro escolares. Recorde-se, por exemplo, o Clube de Teatro do AE Gil Vicente,
que representaria, entre outras peças, “Zé das Moscas”, de António Torrado, “A Verdadeira História da Batalha de S. Mamede”, de Inácio Pignatelli, ou o “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, que subiria ao palco na Orienta-te Feira de Ofertas Educativas e Formativas, que decorreria no Multiusos de Guimarães entre 29 de abril e 2 de maio de 2010.
De destacar ainda uma adaptação do Auto do Dízimo de Urgezes centrado no centenário da República e nos 150 anos do nascimento da Senhora Aninhas, representado em 2010, que seria também o tema do carro alegórico da escola e vencedor do cortejo das Maçãzinhas, em 2010.
Na escola EB 2,3 João de Meira, a disciplina de Oficina de Teatro é lecionada do 5° ao 7° ano de escolaridade. Os alunos são convidados a "saírem da caixa", desenvolvendo sobretudo competências socioemocionais através da arte performativa, em articulação com outras áreas disciplinares.
De sala em sala ou num palco improvisado, o teatro revela personalidades, quebra barreiras e dá vida à escola.
Por outro lado, o grupo de teatro escolar do Agrupamento de Escolas Francisco de Holanda (TEXTeatro Experimental da Xico) foi criado em 2011, pela biblioteca escolar (BE), retomando uma tradição da escola que sempre procurou manter o interesse pelo teatro. Em 2011, nasce um novo grupo, incentivado por um grupo de alunos que amava o teatro e colaborava nas atividades promovidas pela BE. É ao Luís Puto, e à sua paixão que o levou a ser ator profissional, que tudo inicia, com o apoio da Elinete Megda, que aceitou orientar uma série de workshops que terminaram na realização de “O rei da Vela”, de Osvaldo de Andrade. No mesmo ano da sua criação, o grupo participa, com essa peça, no I Festival de Teatro da Escola Santos
Simões, que teve lugar no Auditório da Universidade do Minho. A mesma peça é, ainda, representada na escola e na ASMAVE.
Em 2012, o grupo participa no projeto AQUI NASCEU PORTUGAL, da responsabilidade da equipa Tempos Cruzados – Programa Associativo, com uma adaptação do auto “O Velho da Horta”, de Gil Vicente.
Nos anos seguintes foram várias as peças adaptadas que foram a palco, tendo em conta diferentes públicos, como “O corvo e a raposa” de La Fontaine; “O menino e a cerejeira”, de Daisaku Ikeda; “O Melro Branco”, de Cândido Pazó; “Viver”, adaptação realizada a partir de “Húmus” de Raúl Brandão. A partir de 2018, foi aceite a candidatura ao Plano de Apoio à Criação Territorial, da Oficina. Ao longo de dois anos, o grupo contou com o apoio dos atores Nuno Preto e Gonçalo Fonseca. Em 2022, após a pandemia, os elementos que faziam parte do grupo de teatro foram integrados no projeto Dançando com a Diferença, com Henrique Amoedo, apresentado no Centro Cultural Vila Flor. Uma nova experiência, inclusiva, que se espera constituir uma motivação para os próximos anos.
A Cidade de Guimarães está, indubitavelmente, ligada à génese de Portugal. É facto histórico e incontornável. É um facto que orgulha todos os vimaranenses que pertencem e desfrutam desta cidade medieval, da vila alta e da vila baixa, com as suas caraterísticas ímpares e seculares que remontam ao século X. Ao longo dos séculos, com o crescimento da cidade e das suas vivências, foi-se desenvolvendo uma cidade atual, moderna e contemporânea, mas sem descurar o seu património edificado, a sua história e a sua cultura. Exemplo bem patente nas distinções alcançadas de Cidade Património Mundial em 2001 e de Capital Europeia da Cultura em 2012.
A história e contemporaneidade têm andado sempre lada a lado, de forma profícua e salutar. Culturalmente, o objetivo estratégico traçado foi alcançado através de criação de novas centralidades de consumo e criação artística e cultural, abordando sempre novos palcos e formatos e novas filosofias de atuação, mas também mantendo e fomentando as tradições, os hábitos, os costumes, refletidos pelas vastas ações culturais desenvolvidas. Nesse sentido, Guimarães tem conquistado uma posição privilegiada no palco das manifestações socioculturais que, marcadamente, alavancam o crescimento das suas gentes e permitem abraçar novos públicos e disseminar-se para o exterior, capacidade demonstrada na atração de público e no impacto significativo e de interesse pela cidade de Guimarães.
Na senda desse trilho estratégico cultural, patrimonial e histórico, e por todas as premissas que a cidade e identidade histórico-cultural encerram, Guimarães apresenta-se como palco privilegiado para a realização do seu retrato histórico, pelo que surge em 2011 a vontade de proporcionar às suas gentes e a todos os seus visitantes um evento de cariz de animação e lazer que se repercute numa sólida memória cultural, que retrata
a época medieval e conta a história do Fundador da Nação, primeiro Rei de Portugal, D. Afonso HenriquesA Feira Afonsina. Desta forma lúdica pretende-se contar a estória da história de Guimarães e de Portugal – “Dia Um de Portugal”. Ao longo destes anos e nas suas várias edições (apenas em 2020 e 2021 não se realizou pelas restrições resultantes da Covid-19), o evento tem retratado diferentes episódios históricos marcantes da época medieval e de D. Afonso Henriques. Tem sido construída uma referência sobre as feiras, mercados, festas medievais, vivências e formas de atuar nesse período, através de diversas e distintas recriações históricas e temáticas. Através da Feira Afonsina, Guimarães permite-se, num enquadramento de alusão da época, ainda que sem pretensiosismo do rigor científico, que a contemporaneidade imprime e limita, recuar ao imaginário medieval e proporcionar experiências inolvidáveis a todos os visitantes.
O evento foi crescendo, paulatinamente, ao longo das suas edições, quer enquanto espaço público medieval e dias de realização do evento, quer nas suas áreas de demonstração das vivências e relações sociais, políticas e económicas daquele tempo.
A primeira edição decorreu nos dois espaços mais emblemáticas da vila baixa, o Largo da Oliveira e Praça de S, Tiago; Rua Santa Maria e Largo Cónego José Maria Gomes - em frente ao antigo Convento de Santa Clara, atual Câmara Municipal de Guimarães. Rapidamente percebeu-se que o evento nas edições seguintes teria de alargar-se para as zonas envolventes, e vila de cima, assim como nas temáticas da época, fruto da participação e envolvência da população nas atividades e do vasto público com adesão massiva ao evento.
Consubstanciado neste desiderato de alargar o perímetro espacial e temáticas da Feira Afonsina, as demais edições foram tomando grandes proporções e abrangendo espetáculos de grande dimensão em alguns anos, em conformidade com a temática designada.
Igualmente, foram criadas novas dinâmicas e novos enquadramentos medievais, permitindo e proporcionando a todos os participantes, nas suas várias formas e valências, e visitantes, experiências diferentes e diferenciadoras.
Incontornável será escrever estas linhas para dar nota da forte e inexcedível contribuição e esforço dos participantes-voluntários para o sucesso do evento nos vários momentos de recriação histórica, das áreas temáticas e das atividades para o público que, através da sua dedicação, de várias horas, dias e semanas de ensaios e atuações nos dias do evento, permitiram o seu engrandecimento e sucesso. Agradecemos por todo trabalho de voluntariado e regozijamo-nos por ter sido o mote para o surgir de alguns grupos de teatro e alavancagem de outros e, concomitantemente, de crescendo individual de atores e músicos, nomeadamente vimaranenses. Nas suas várias edições o número total ascendeu a mais de 1.000 voluntários, muitos deles participantes em todas as edições.
A Feira Afonsina é, efetivamente, mais do que um evento de memória histórica, que nos seus quatro dias de decorrência proporciona aos visitantes agradáveis momentos e alusões medievais. É um evento de conhecimento, de aprendizagem, mas mais importante, de partilha e cooperação entre pessoas.
Muito haveria a dizer da Feira Afonsina, e do que ela proporciona e contribuiu a vários níveis, mas os que já a conhecem, experienciaram e visitaram terão, naturalmente, a sua visão, perceção e opinião sobre a mesma. Os que ainda não tiveram essa oportunidade, convidamos a juntarem-se a nós nas próximas edições.
Pela nossa parte, continuaremos empenhados e dedicados em continuar a fazer, fazer bem e cada vez melhor. Produzir e proporcionar a todos momentos de enriquecimento pessoal, de convívio, fraternização, alegria, bem-estar e segurança. É tempo de sonhar, viver... continuar a viver... a Cultura e a vida!
Master em Direção de Orquestra e Doutorado pela Universidade de Évora em Música Musicologia- Interpretação. Professor
Auxiliar do Departamento de Música da Escola de Artes e Humanidades da Universidade do Minho. É maestro titular da Orquestra de Guimarães.
A iniciativa da Capital Europeia da Cultura (CEC) teve a sua primeira edição, em 1985, num modelo de implementação diferente do atual, que privilegiava “uma programação mais clássica” (Universidade do Minho, 2012, p.10). O modelo inicial da iniciativa foi sofrendo consideráveis mudanças na década de noventa, num momento em que “as cidades portadoras desta etiqueta pretendiam, em primeiro lugar, melhorar a sua imagem e aumentar os seus fluxos turísticos e, em segundo lugar, reforçar a sua vida cultural e as suas infraestruturas culturais.” (Universidade do Minho, 2012, p.10).
A realização de vários estudos internacionais, a partir de diferentes perspetivas disciplinares, revelam que esta iniciativa apresenta um antes, um durante e um depois, modificando hábitos e consumos culturais (Yaish e Katz-Gerro, 2012), criando estruturas culturais que permanecem, e provocando uma transformação da própria imagem das cidades (Richards e Wilson, 2004), tal como no caso Português, com Lisboa 94, Porto 2001 e, em particular, Guimarães 2012 (Universidade do Minho, 2013; Correia 2006).
Ao nível da música, esse impacto fez-se sentir não só no número de eventos, mas nas estruturas criadas e na sua ligação com a comunidade. Neste sentido, o presente artigo, pretende revisitar duas estruturas criadas no âmbito da CEC – Guimarães 2012, a Orquestra sub-12 e a Orquestra sub-21, procurando perceber o seu funcionamento, redes estabelecidas e dinâmicas criadas a partir desses projetos.
No campo da música, a programação da CEC - Guimarães 2012 foi diversificada, procurando cobrir diferentes domínios, géneros e estilos musicais, assim como diferentes práticas musicais, do erudito ao popular. Como referido no relatório final (Universidade do Minho, 2013, pp. 33-34), a música foi a área com o número mais elevado de eventos, com 353, que decorreram em diferentes espaços e para públicos diversificados, procurando envolver a comunidade.
A aposta na prática orquestral foi uma linha de ação relevante, com a criação da Orquestra Sinfónica da Fundação Orquestra Estúdio, dirigida pelo maestro Rui Massena, tendo esta orquestra, para além da sua atividade regular, percorrido as “freguesias e espaços menos convencionais do concelho com os seus desdobramentos e formações” (Universidade do Minho, 2013, p. 32).
No entanto, o presente artigo pretende focar as orquestras de jovens, de carácter pedagógico, que resultaram da proposta da Sociedade Musical de Guimarães (SMG) para a criação de duas orquestras que visavam estudantes de música. O projeto apresentado propunha a criação da Orquestra sub-12 e da Orquestra sub-21, com direção artística de Domingos Castro e Vítor Matos, respetivamente, com o intuito de integrarem uma orquestra, realizarem estágios e concertos, contribuindo, assim, para o aumento das oportunidades de participação, na prática orquestral, de estudantes de música de várias escolas do distrito, assim como a articulação com a Fundação Orquestra Estúdio (que terminaria em 2012). O movimento orquestral teve considerável impacto na cidade, pois “A presença diária desses músicos (e dos artistas envolvidos nas outras áreas de programação) coloriu a cidade de um tom cosmopolita e criou laços de sociabilidade entre a cidade anfitriã e os músicos que rapidamente se integraram nos ritmos e “rituais” da cidade.” (Universidade do Minho, 2013, p. 92).
No caso das Orquestras sub-12 e sub-21, a atividade ficaria também circunscrita a 2012, mas os frutos destes projetos floresceriam nos anos seguintes, sobretudo após a criação da Orquestra de Guimarães, em 2014, pela Câmara Municipal de Guimarães. O novo projeto visava a integração de músicos da região, proporcionado “o contacto com a prática musical e orquestral”, procurando um projeto com dois pilares fundamentais, “a sustentabilidade e a estabilidade” (Câmara Municipal de Guimarães, s.d.).11 Vários músicos que, em 2012, passaram pelas orquestras sub-12 e sub-21, integraram e integram a atual Orquestra de Guimarães. 11 https://www.cm-guimaraes.pt/viver/projetos-culturais/orquestra-de-guimaraes, consultado a 20 de abril de 2022.
A orquestra sub-12 surgiu sob proposta da Sociedade Musical de Guimarães, num projeto idealizado pelo clarinetista Domingos Castro, em 2011. A criação de uma orquestra de jovens visava promover os jovens músicos oriundos das escolas do ensino vocacional artístico da região, com idade até aos 14 anos, lançando as bases para um projeto de continuidade.
Para muitos jovens até aos 14 anos, esta iniciativa permitiria o primeiro contacto “com a prática musical orquestral sinfónica”, fundada em pressupostos “afectivos e pedagógicos” bem fundamentados, trabalhando aspetos musicais, assim como questões de integração e relacionamento com o outro (Castro, 2011). A Orquestra Sub-12 marcaria também a oportunidade para que os jovens participantes, oriundos de várias escolas, integrassem e fizessem parte da programação musical da CEC – Guimarães 2012.
A participação de todos, numa dinâmica inclusiva, tinha os olhos postos no futuro, visando promover a criação de uma rede de escolas que pudesse manter a sua atividade e originar outros projetos, respondendo a uma necessidade da região (Castro, 2011). Foram várias as escolas com alunos a participarem na Orquestra sub-12, destacando-se o Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga, Academia de Música de Vila Verde, Arteduca, Companhia da Música, Artave, Academia José Atalaya, Academia Valentim Moreira de Sá, entre outras.
A preparação da Orquestra sub-12, uma vez aprovado o projeto, começou com a sua apresentação nas escolas do ensino vocacional. Depois de selecionado o repertório, as escolas iniciaram o trabalho com os respetivos naipes, enviando posteriormente as listas provisórias de alunos a participar, sendo estes selecionados e integrados no estágio, que decorreu em alguns sábados, de outubro e novembro de 2012, com a participação de 85 jovens instrumentistas.
O intenso trabalho de preparação, possível devido ao empenho dos jovens, dos professores das escolas e do apoio das famílias, culminou no concerto de 16 de dezembro, organizado pela SMG, na Igreja de São Francisco, sob direção de Vítor Matos e com a participação do Coro de Jovens Cantores de Guimarães (Correio do Minho, 11 de dezembro de 2012, em linha).12 O repertório interpretado, com duração de cerca de 70 minutos (com intervalo), incluiu obras diversificadas e adaptadas à faixa etária em questão, nomeadamente: Hino do Imperador, J. Haydn; Finlândia, J. Sibelius (arranjo de Richard Meyer); Abertura Rosamunde, F. Schubert (arranjo de Richard Meyer); Trepak (de O Quebra-Nozes), P. I. Tchaikovsky (arranjo de Richard Meyer);
12
https://www.correiodominho.pt/noticias/cec-orquestra-sub-12-apresenta-se-na-cidade-berco/66135, consultado a 20 de abril de 2022.
Russian Sailors’ Dance (de “A Popoila Vermelha”), R. Glière (arranjo de Belisario Errante); Menina estás à janela (arranjo de Pedro Santos); Meninas vamos à Murta (arranjo de Pedro Santos); Berde Gaio (arranjo e orquestração de Pedro M. Santos).
A criação da orquestra sub-21, com propósitos distintos da Orquestra sub-12, procurou integrar músicos dos 14 aos 21 anos, numa estrutura que, ainda que fosse de âmbito pedagógico e jovem, concedesse a oportunidade semiprofissional a estudantes das escolas do ensino vocacional de música e de instituições do ensino superior que ministrassem cursos de licenciatura em música. Dada a dimensão do projeto, o processo de seleção passou por audições públicas anunciadas por vários canais de comunicação, resultando um total de 280 candidatos oriundos de todo o país. Este facto revelou, desde logo, o impacto não apenas local, mas nacional da iniciativa, num período em que, com exceção de alguns contextos escolares, não abundavam, em Portugal, orquestras semi-profissionalizantes destinadas a jovens estudantes de música.
A Orquestra sub-21 integrou, no seu efetivo, alunos provenientes de vários tipos de ensino, nomeadamente profissional, articulado, integrado e superior.13 Participaram ainda cinco elementos da Escola de Música de Kaiserslautern, com quem a SMG tinha estabelecido um protocolo de colaboração. Dado o elevado número de candidatos, a seleção decorreu ao longo de um mês, sendo para o efeito fundamental o apoio da SMG e da sua estrutura, para garantir júris da especialidade e outras questões logísticas. No final do longo processo, foram admitidos 76 músicos (Quadro 1) aos quais se juntaram os 5 músicos alemães (três violoncelistas, dois violinistas e 1 trompetista), sendo também selecionados 17 suplentes.
13
Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga; ESMAE; Conservatório de Música de Coimbra; Conservatório de música de Aveiro Calouste Gulbenkian; Conservatório da Maia; Arteduca; Escola Profissional de Música de Espinho; Academia de Música de Esposende; Universidade do Minho; Academia de Música Valentim Moreira de Sá; Artave; Escola Profissional de Viana do Castelo; Academia de Música da Póvoa de Varzim; Conservatório de Música da Jobra; Esproarte - Escola Profissional Mirandela; Fundação Musical dos Amigos das Crianças; Academia Nacional Superior de Orquestra; Conservatório do Vale do Sousa
Instrumento Número de músicos
Flauta 3
Oboé 3 Clarinete 3 Fagote 4 Trompa 6 Trompete 3 Trombone 3 Tuba 1 Percussão 5 Violino 23 Viola d’Arco 11 Violoncelo 6 Contrabaixo 5 Total 76
O efetivo orquestral reunir-se-ia de forma intensiva no estágio que decorreu de 9 a 16 de abril, com ensaios diários das 14h30 às 18h e das 21h às 23h30 no Instituto do Design, de Guimarães. Como revelado pelo maestro Vítor Matos, numa entrevista à Agência Lusa, publicada no site da RTP, em 2012: “Eles entregaram-se a este projeto a 100 por cento. Estou espantado com a capacidade de trabalho, a qualidade, o empenho e a maturidade profissional de músicos tão jovens”,14 destacando também que tais qualidades eram devedoras do trabalho realizado nas diversas escolas de música por todo o país.
A estreia da orquestra decorreu no domingo, dia 15 de abril, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, com um programa musical que ia de encontro ao objetivo principal de interpretar obras sinfónicas relevantes e trabalhar com um solista experiente, neste caso, o pianista Luís Pipa. Foi interpretado o seguinte repertório:
14 https://www.rtp.pt/noticias/cultura/orquestra-sub-21-da-capital-europeia-da-cultura-estreia-domingo_n545045, consultado a 20 de abril de 2022.
Abertura “Festival Académico” op. 80, de Johannes Brahms; Concerto para piano e orquestra, em lá menor, op. 16, de Edvard Grieg; e as Variações Enigma (Variações sobre um tema original) op. 36, de Edward Elgar. A orquestra apresentou-se novamente em público no dia seguinte, no Centro Paroquial das Taipas.
O impacto das CEC é fundamental na revitalização dos mais diversos sectores da sociedade, como o turismo, a economia e a cultura (Universidade do Minho, 2013), promovendo novas dinâmicas e sinergias locais, nacionais e internacionais.
As orquestras sub-12 e sub-21 só foram possíveis devido aos apoios atribuídos no âmbito da CEC – Guimarães 2012, assim como ao dinamismo e suporte da Sociedade Musical de Guimarães. A sua atividade direta ficou resumida à CEC, ainda que os frutos desta dinâmica tenham permanecido, existindo atualmente vários músicos no ativo, inclusive na Orquestra de Guimarães, fundada 2014, que passaram por este projeto. Ainda que o projeto não tenha tido a continuidade desejada e inicialmente delineada, a sua realização permitiu fomentar a prática musical orquestral, colocar as escolas em rede, entre outros. Verificaram-se também dimensões inesperadas, como a procura a nível nacional no acesso às vagas da Orquestra sub-21. Os estágios e concertos constituíram o corolário de uma dinâmica que envolveu muitos intervenientes, reforçando o espírito artístico, pedagógico e comunitário que marcou o importante momento que foi a CEC – Guimarães 2012. Este artigo procurou revisitar este projeto, reconhecendo que seria relevante, no futuro, uma pesquisa de carácter científico e problematizante sobre a temática em epígrafe.
Castro, D. (2011). Projeto Orquestra de Jovens Sub 12. Braga (trabalho não publicado)
Correia, M. M. (2010). Capitais Europeias da Cultura como estratégia de desenvolvimento: o caso de Guimarães 2012 (Tese de Doutoramento, FEUC).
Richards, G., e Wilson, J. (2004). The Impact of Cultural Events on City Image: Rotterdam, Cultural Capital of Europe 2001. Urban Studies, 41(10), 1931–1951.
Universidade do Minho (2013). Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura: impactos económicos e sociais: relatório final. Braga: Universidade do Minho
Universidade do Minho (2012). Guimarães 2012: Capital Europeia da Cultura: impactos económicos e sociais: relatório intercalar Maio 2012. Braga: Universidade do Minho.
Yaish, M., e Katz-Gerro, T. (2012). Disentangling ‘Cultural Capital’: The Consequences of Cultural and Economic Resources for Taste and Participation. European Sociological Review, 28(2), 169–185.
Apesar de estarmos a comemorar, agora, os 10 anos decorridos sobre a CEC 2012, este momento marcante para a nossa cidade começou a ser desenhado bastante antes, mais concretamente em 2006, quando o Presidente do Município, Dr. António Magalhães, grande obreiro desse acontecimento, teve a ousadia de iniciar o processo de candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura. A capa do dossier de apresentação desse ensejo, tinha uma fotografia de um evento - a Semana da Dança - tirada num espetáculo realizado no Largo da Oliveira; este foi um projeto desenvolvido durante vários anos, numa parceria entre o Município e a Academia de Bailado.
Foram os exemplos de dinâmica dados pelas associações culturais e recreativas da cidade, através de programas artísticos de relevo, que atraíam público da cidade, do país e do estrangeiro, que deram o mote ao Município para se lançar no desafio de pensar uma Capital Europeia da Cultura; cito, sem menosprezo por muitas outras iniciativas, aquelas a que esta Academia esteve ligada desde os anos 90: os Cursos Internacionais de Música de Guimarães, o Festival Encontros da Primavera e a Semana da Dança, quer através da cedência de espaços, colaboração na organização, ou fazendo parte da direção artística desses eventos.
No decorrer da organização e programação da CEC 2012, foi enorme a avalanche de projetos apresentados à Fundação Cidade de Guimarães e as estruturas de acolhimento disponíveis no Concelho (municipais e do domínio público) ficaram, desde muito cedo, finais de 2010, assoberbadas e esgotadas na capacidade de dar resposta a todas as solicitações. Em 2011, a Academia de Bailado colocou as suas instalações ao dispor de projetos individuais, de coletivos de artistas e comunitários, tendo decidido condicionar todo o plano de estudos e a programação de atividades, a favor da participação de toda a sua comunidade escolar, no grande projeto que era, e foi, a celebração de um ano como Capital Europeia da Cultura.
“Ao
Foi com enorme alegria que tivemos professores, jovens alunos, pais e avós dos mesmos, a participar (desde 2011) em várias iniciativas, algumas das quais se prolongaram no tempo, muito para lá do ano de 2012.
O exemplo maior de todos, é o da Outra Voz que desenvolve desde a sua fundação uma atividade artística permanente, com forte implementação cultural no Concelho. Este projeto tem sede nas instalações da Academia desde a sua constituição como Associação Cultural.
Outro projeto que habitou a Academia entre 2011 e 2016 foi o da DEMO – Dispositivo Experimental, Multidisciplinar e Orgânico, fundado em 2010 em Coimbra, por jovens formados em Teatro pelo CITAC, que se deslocaram em 2011 para Guimarães, tendo passado a utilizar as nossas instalações como local de ensaios e criado vários espetáculos com os nossos alunos: Fios de Terra, Nebulosa, A queda a partir do limbo, Efémera, O Símbolo e o Futuro, Os Passos do Duque e Hydra e Orpheu.
Vários outros projetos foram acolhidos na Academia, como o “Confessionário” de Pauliana Valente, o de entrevistas “Entrevista com um ursinho” de António Pedro Lopes, “Percussão” orientado por Joaquim Alves, e vários outros de dança, teatro e de música, que utilizaram as nossas instalações como sala de ensaio.
Também apresentámos os nosso projetos, ainda que sem apoio da Fundação Cidade de Guimarães, como foram os casos do Nature Sur Nature de Rafaela Salvador, com colaborações de Ivo Ribeiro e de Anja Calas, a Exposição e Espetáculo “20 e quase 5” (com a participação da L’Aula – Escola de Danza de Igualada) e a apresentação do projeto “Danças na Corte de Catarina de Bragança” realizados no Paço dos Duques e a Oficina de danças e cantares, dirigida por Maria Donas, com o tema “Mãos dadas” com a comunidade de S. Torcato, com apresentação final no CAAA.
Durante todo o ano de 2012 também tivemos participações ativas na “Procissão K” do Ballet Teatro, do Porto, bem como em todas as ações realizadas no Projeto Krisis do Cluster Comunidade, dirigido por Suzana Ralha.
Mais importante que discutir o que não foi feito, é lembrar o muito que foi realizado e as raízes lançadas nesse ano louco, com o envolvimento da população vimaranense na sua Capital Europeia da Cultura. Espetáculos memoráveis como o “Então Ficamos” realizado a 21 de dezembro – com o Coral de Letras, da Universidade do Porto, a Fundação Orquestra Estúdio, a Banda Mão Morta e cerca de 600 vimaranenses, a
grande maioria amadores, dos 8 aos 88 anos, dirigidos por uma equipa artística de excelência: José Mário Branco, Carlão, Amélia Muge, António Durães, Fernando Lapa, Rui Pereira, Cristina Mendanha, José Martins, Luísa Barriga, Carlos A. Correia, Magna Ferreira e Suzana Ralha. Outro espetáculo memorável – Operação Big Bang – realizado em setembro, no parque da cidade, contou com a participação de 300 pessoas e que citando a Dr.ª Francisca Abreu “foi o momento mais emocionante e marcante do envolvimento e da participação dos vimaranenses na CEC 2012”. O “Então Ficamos” realizado 3 meses depois, mesmo antes da cerimónia de encerramento do evento, viria a constituir o momento mais alto de toda a CEC, pela qualidade dos profissionais envolvidos, quer artistas quer técnicos, e pela enorme dedicação de centenas de vimaranenses que durantes meses se envolveram na sua construção.
Tivemos fins de semana com mais de 20 espetáculos a acontecer na Cidade, mas o cortejo do Enterro do Pinheiro atingiu o recorde (segundo alguns dados) de mais 100 mil participantes. Grandes equipamentos municipais foram inaugurados durante 2012, o Instituto de Design, a Plataforma das Artes e o CIAJG, e posteriormente a abertura de outros equipamentos que foram lançados nesse período, como a Casa da Memória, o Centro de Ciência Viva, o Laboratório da Paisagem e Extensão do Museu de Alberto Sampaio. A estes equipamentos, juntou-se em fevereiro do presente ano, o Teatro Jordão, equipamento que alberga o Conservatório de Música de Guimarães, e as Escolas Superiores de Artes Visuais e Artes Performativas da Universidade do Minho, mais o regressado espaço para as Bandas de garagem.
Ficaram as obras de recuperação e requalificação de espaços icónicos da cidade, bem como as inúmeras recuperações de prédios urbanos, dentro do perímetro do centro histórico, aproveitando os fundos criados para ajudar às mesmas.
Agora, passados 10 anos sobre a CEC 2012, está nas mãos dos cidadãos e das instituições vimaranenses a realização de eventos artísticos e de projetos culturais que possam prosseguir os pressupostos que levaram à construção dos equipamentos culturais e estruturas de criação, propondo iniciativas individuais e coletivas, de caráter associativo ou comunitário que lancem desafios ao poder local no sentido de promover os valores da cidade e dos seus cidadãos.
Felizmente, o associativismo vimaranense foi reforçado nos últimos anos com o aparecimento de novas
associações e coletivos de artistas, que estão a desenvolver localmente projetos artísticos, ao mesmo tempo que associações de referência como o Círculo de Arte e Recreio, o Convívio, o Cineclube de Guimarães (o mais ativo dos cineclubes portugueses), continuam a renovar-se, ultrapassando tenazmente dificuldades de subsistência e prosseguindo numa missão de agregação de novas correntes, sempre com um espírito de acolhimento e integração de jovens em início de carreira. A produção local de eventos teve um aumento exponencial nos últimos anos, alicerçada no apoio que o Município tem disponibilizado não só ao movimento associativo, mas também aos artistas individuais e coletivos, através de programas a que se podem candidatar, com ajudas financeiras para criadores, artistas e investigadores residentes em Guimarães, que apresentem projetos nas áreas da escrita, artes plásticas, cinema, dança, música, performance, teatro e artes visuais. A Sociedade Martins Sarmento, o Paço dos Duques e o Museu de Alberto Sampaio, também têm tido um papel de relevo, pela abertura e acolhimento dado à produção cultural de iniciativa local.
Além dos consagrados GUIdance, Guimarães Jazz, Cinema em Noites de Verão, Festivais Gil Vicente, novos eventos como a Contextile, o Guimarães Allegro, os Concertos da Páscoa, o Westway Lab, o Noc Noc, entre outros, foram criando raízes e encontrando o seu espaço na programação artística da cidade. O projeto Bairro C, iniciativa lançada em 2020, sintetiza uma nova visão da relação entre a criação artística, a comunidade e a cidade. De saudar, o recente regresso da Semana da Dança, evento de divulgação e promoção da dança contemporânea, pioneiro no país.
Estas iniciativas e as muitas mais, aqui não citadas, mostram como a cidade de Guimarães se tem vindo a afirmar como uma cidade de criação e fluição cultural, exemplo para muitas outras cidades portuguesas que independentemente da sua dimensão, começaram recentemente a implementar dinâmicas culturais como forma de dinamizar os seus territórios.
Guimarães Capital Europeia de Cultura, foi há 10 anos. Pouco importa agora falar sobre o que podia ter sido feito de outra forma e o que podia ter sido diferente. Importante é recordar as boas memórias que ficaram desse passado recente, e termos presente, que para a história ficam as nossas ações futuras.
Concentremo-nos nessas e o dia de amanhã será sempre melhor!
Guimarães foi Capital Europeia da Cultura em 2012 e, passados dez anos, falar das repercussões deste evento no panorama cultural e musical deste concelho, faz todo o sentido. Não há, no entanto, pretensões de fazer uma análise exaustiva dos seus reflexos na vida cultural e artística, pois isso é e será com certeza matéria para estudos mais aprofundados. De qualquer forma, é certo que a Capital Europeia da Cultura marcou o ano de 2012, em Guimarães, em Portugal e até no mundo. As múltiplas atividades e o seu elevado nível, deixaram marcas que nunca mais o tempo vai apagar. Falta saber até que ponto a quantidade e a qualidade das dinâmicas culturais e artísticas atuais de Guimarães são de alguma forma resultado daquelas que foram vividas nesse ano de excecional produtividade de manifestações culturais e artísticas que envolveram largas centenas de pessoas coletivas e singulares em inúmeros eventos que trouxeram a Guimarães muitos milhares de espetadores.
A programação da Capital Europeia da Cultura, em 2012, foi extremamente diversificada e, nela, multiplicaram-se os eventos culturais e artísticos, especialmente no que respeita à música. Ainda hoje existem vários projetos musicais que aí nasceram e que mantêm uma atividade regular. Outros que já existiam e ganharam nova vitalidade, outros ainda que, por serem circunscritos ao evento, deixaram de ter sentido e, por isso, terminaram. No entanto, há também aquilo que considero efeitos indiretos da dinâmica que se gerou na preparação e desenvolvimento da Capital Europeia da Cultura 2012. Um deles foi o restauro do
órgão de tubos da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira.
O “fervilhar da cultura” à volta da candidatura da Capital Europeia da Cultura, pode ter sido uma alavanca para se conseguir a recuperação que se impunha. Este “ambiente” pode ter levado a que se olhasse com mais atenção para este riquíssimo património, ali mesmo no Centro Histórico da Cidade, que estava inoperacional e, não faria sentido, dada a sua grandiosidade, deixá-lo ao abandono e degradação visíveis que poderiam tornar-se irreversíveis. Uma candidatura ao Programa Operacional Regional do Norte “O Novo Norte (O.N.2)”, aprovada em 2010, veio, finalmente, dar resposta à preocupação e às várias chamadas de atenção do D. Prior, Monsenhor José Maria Lima de Carvalho, e com ele da Fábrica da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, junto dos organismos oficiais. Finalmente, em 2011, o órgão de tubos começou a ser restaurado e fica pronto em 2013. Como é patente nestas datas, o órgão da Colegiada não fez parte da programação da Capital Europeia da Cultura.
Como organista e apreciador deste tipo de instrumentos e tendo em conta a grandiosidade sonora e estética deste instrumento de que toda a comunidade tem vindo a usufruir, baseado no livro “O Órgão da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira”, editado pela Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Oliveira, em abril de 2014, deixo-vos uma pequena resenha da história deste órgão, da importância do órgão na liturgia, da dinâmica musical na Colegiada. Falarei, ainda, de relance, do número de órgãos em Guimarães e o que de mais relevante tem sido feito em Guimarães na divulgação deste instrumento, nestes últimos anos.
O órgão grande da Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, o maior órgão histórico do Norte de Portugal, foi construído de raiz pelo organeiro Luís António de Carvalho, que, tendo vindo para Guimarães, acrescentou ao nome o apelido Guimarães. O órgão começou a ser construído em 1831 por Luís António de Carvalho Guimarães, mas, quando faleceu em 1839, a obra ainda não estava concluída, sendo terminada, mais tarde, pelo seu oficial José António da Cruz. Teria sido este
último quem completou a obra fazendo a entonação e afinação dos tubos, bem como a montagem de quase toda a parte técnica.
Luís António de Carvalho Guimarães foi discípulo de um dos organeiros que marcou a organaria em Portugal na segunda metade do séc. XVIII, chamado D. Francisco António Solha que nasceu em 1715 e morreu em 1794. Este mestre tinha uma oficina em Guimarães e foi o autor de muitos dos órgãos em mosteiros e igrejas do norte de Portugal, nomeadamente em Amarante, Cabeceiras de Bastos, Tibães e Guimarães. Sendo que, só em Guimarães, contruiu cinco órgãos: Igreja do Convento de S. Domingos, Capela de Nossa Senhora da Conceição, Igreja da Santa Casa da Misericórdia, Igreja do Convento das Domínicas e Igreja do Convento de Santa Marinha da Costa, tudo isto em 20 anos, entre 1758 e 1778.
Luís António de Carvalho, por ser o discípulo predileto de D. Francisco António Solha, recebeu como herança todas as ferramentas do seu mestre e montou uma oficina na rua de Mata Diabos, hoje rua de Sto. António. As ferramentas e os conhecimentos adquiridos junto do mestre permitiram-lhe seguir a obra do seu mentor, com a mesma qualidade técnica e usando a mesma composição dos instrumentos. A maior parte do seu trabalho foi dedicado a remodelações e a renovações de órgãos existentes. De raiz, são poucos os órgãos construídos por Luís António de Carvalho, sendo o mais imponente e último trabalho o órgão grande da Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, no qual trabalhou a tempo inteiro durante três anos, entre 1831 e 1834. Retomou os trabalhos de construção, quatro anos depois, em 1838, mas que não completou.
Este órgão é, como foi dito, um dos maiores órgãos portugueses da primeira metade do séc. XIX. Tem 51 meios-registos em duas secções – Grande Órgão e Eco, num total de 2229 tubos dos quais 109 em madeira e 270 tubos dos registos de palheta.
Ao longo da sua história, o Órgão da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira foi muitas vezes revisto e reparado. Como é normal, com o tempo e o uso, foi necessário intervir para manter o órgão a funcionar. São conhecidas algumas das reparações, limpezas a que foi sujeito ao longo da segunda metade do séc. XIX e que o manteve a tocar, provavelmente até aos anos 50 do séc. XX. Nos anos 70, com a remodelação do coro alto, o órgão foi desmontado e encurtado e, a partir daí, seguiram-se várias intervenções que nunca foram suficientes para reabilitar as suas potencialidades, pois eram meramente estéticos não incluindo a reintegração de todos os seus tubos.
Só, passados quase duas dezenas de anos, depois da paróquia de Nossa Senhora da Oliveira ter denunciado junto do IPPAR (Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico) o abandono do órgão, em 15 de Julho de 2010, foi assinado, em Serralves, o contrato de Financiamento pela Comissão Diretiva do
O. N. 2 e Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Oliveira. Em 16 de Julho de 2011, após estudos, consultas e concurso internacional, foi adjudicada a obra ao Mestre organeiro Pedro Daniel Oliveira Guimarães von Rohden (Pedro Guimarães), da Oficina e Escola de Organaria, L.da, Esmoriz. Entretanto, foi necessário abrir concurso internacional para a recuperação/reforço de estruturas e conservação/restauro de elementos artísticos do coro alto, o qual foi ganho pela firma Regra de Ouro-Sociedade de Restauradores, Lda.; outorgou o contrato o sócio gerente Luís Rodrigues Ferreira, em 17 de agosto de 2012. Preponderante, neste processo de restauro foi, também o contributo gracioso da Universidade do Minho com o trabalho dos seus ilustres docentes Paulo B. Lourenço e Nuno Mendes na avaliação da estabilidade da estrutura do coro alto.
As obras de restauro do órgão começaram em 2011 pela Oficina e Escola de Organaria (Esmoriz) sob a responsabilidade dos organeiros Pedro Guimarães e sua esposa Beate von Rohden. Com créditos confirmados na organaria, esta recuperação foi feita, como se pode ver, hoje, com grande cuidado de aproximação às características originais, mantendo a sua integridade histórica, técnica e musical. Para tal, tendo em conta o estado de degradação em que encontrava, foi necessário limpar, classificar, restaurar e, até, construir imensos elementos em falta. O órgão ficou operacional com o término das obras em 2013.
No órgão de tubos executado por Luís António de Carvalho para o coro alto da Igreja da Colegiada estão bem patentes algumas das características que caracterizam a produção ibérica destes instrumentos. Salientase a disposição horizontal dos jogos de palhetas distribuídos em leque na sua fachada. Por sua vez, a caixa é belamente entalhada ao gosto neoclássico, com elementos dourados sobre um fundo branco pérola. Na sua decoração, destacam-se motivos ornamentais como molduras de óvalos, dentículos, perlados, folhas de água, etc., que marcam os diversos elementos arquitetónicos constituintes. Tanto visualmente como do ponto de vista musical, o conjunto exprime uma certa grandiosidade.
No dia 6 de dezembro de 2013, conforme presenciei, mais de quatrocentas pessoas assistiram ao concerto de apresentação do órgão de tubos restaurado. Monika Henking, a organista convidada, encantou com a execução de doze números, em dois dos quais intervieram o Coro Vilancico, e o grupo Coral da Oliveira, sob a direção artística respetivamente de Domingos Salvador e Joaquim Ferreira: o primeiro com a interpretação do Salmo 127(126), uma obra dos arquivos da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e o segundo com estrofes do hino Ave Maris Stella (II vésperas do ofício comum de Nossa Senhora) acompanhado a órgão intercalado por uma composição de Manuel Rodrigues Coelho (1555-1633).
A importância do órgão de tubos na Igreja
«Tenha-se em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo
som é capaz de dar às cerimónias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus». Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia (SC n 120).
Com esta citação do Concílio Vaticano II, usada no discurso do Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, no dia da inauguração do restauro do órgão, se pode ver a importância atribuída ao órgão de tubos pela Igreja nos meados do séc. XX. No entanto, o uso e importância do órgão nas cerimónias religiosas são muito antigos.
Os órgãos terão começado a ser usados como apoio ao grupo coral, para dar o tom e para dialogar com o coro. Mas, só mais tarde, começou a ser usado para executar reportório próprio independentemente do coro. Como diz Manuel Valença, “no séc. XIV, em Portugal, de norte a sul, o órgão começa a estar associado ao canto litúrgico e às capelas de cantores” (VALENÇA, 1990:48). Começam, assim, a surgir, por esta altura os organistas e, na Colegiada, existe um documento com uma lista de vários organistas a partir de 1450.
Na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, houve sempre uma intensa atividade cultural e musical, sendo um importante centro cultural, especialmente no que se refere à música sacra. Saber cantar era um dos requisitos fundamentais para os Cónegos. Em 1553 havia uma regulamentação que estabelecia a obrigatoriedade de se saber cantar e, quem não soubesse, teria de aprender sob pena de ser multado (Estatutos da Insigne e real Colegiada da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, 1662, p.2.). A prática musical era intensa no que respeita ao canto e à execução instrumental. Na Colegiada funcionava uma verdadeira escola de formação musical. Muitos começavam como cantores, passavam a organistas e ascendiam, até, a mestres capela. As despesas com músicos e cantores eram assumidas em partes iguais pela Colegiada e pelo Cabido.
Em Guimarães existem, para além do órgão de tubos da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, mais de uma dezena de órgãos históricos, embora poucos estejam em funcionamento: Basílica de S. Pedro (positivo de armário), Capela da Ordem Terceira de São Francisco (séc. XIX), Capela de Nossa Senhora da Conceição (1774), Igreja da Misericórdia (1780), Igreja de São Domingos, Igreja de São Sebastião, Igreja de Santo António dos Capuchos, Igreja do Carmo, Igreja dos Santos Passos, Igreja de Santa Marinha da Costa (17781782), Igreja de São Martinho de Sande.
De todos estes, é de realçar a atividade do órgão da Igreja dos Capuchos, pela dinâmica que a Santa Casa da Misericórdia de Guimarães imprimiu com a realização dos Festivais Internacionais de Órgão Ibérico (FIOI) e, desde 2020, as Jornadas do Órgão Histórico da Oliveira, por iniciativa da Paróquia de Nossa senhora da Oliveira em parceria com o Museu Alberto Sampaio e o Município de Guimarães.
O órgão não esteve ausente da Capital Europeia da Cultura. Como já foi referido, a Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, em 2012, já tinha conquistado uma posição de referência reconhecida em toda a população com a organização de três edições anuais do Festival de Órgão Ibérico na Igreja de Santo António dos Capuchos. Não se estranha, pois, a inclusão no programa de Guimarães 2012, da 4ª edição deste festival. Assim, o órgão Ibérico tocou todos os meses em Guimarães Capital Europeia da Cultura, sendo de realçar que, neste ano, quase duplicaram o número de concertos, que passaram dos habituais sete para doze, um por mês.
A iniciativa coordenada pelo organista italiano Giampaolo Di Rosa, titular do novo grande órgão da igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, começou no dia 27 de janeiro com a interpretação do Ricercare, da autoria de Bach, além de obras do compositor valenciano Cabanilles e do holandês Sweelinck e terminou no dia 21 de dezembro com Giampaolo Di Rosa e Carlos Miranda (barítono).
O IV FIOI trouxe a Guimarães organistas célebres como o suíço Jean-Christophe organista titular da Catedral de Lausanne, na Suíça, que interpretou grandes mestres antigos do contraponto e da polifonia da Holanda e Alemanha, até Bach e obras contemporâneas e impressionistas, da escola francesa do órgão pósromântico e sinfónico.
Se em 2012 a atividade musical à volta do órgão se restringiu ao FIOI, hoje, passados estes dez anos, continua a ser de realçar a atividade do órgão da Igreja dos Capuchos, pela dinâmica que a Santa Casa da Misericórdia de Guimarães continua a imprimir com a realização dos Festivais Internacionais de Órgão Ibérico (FIOI). A partir de 2020, tem vindo a ser revitalizada a vida musical à volta do órgão de tubos da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira com as Jornadas do Órgão Histórico da Oliveira, por iniciativa da Paróquia de Nossa senhora da Oliveira em parceria com o Museu Alberto Sampaio e o Município de Guimarães, de que se cumpriu a 2ª edição em dezembro de 2021. As Jornadas englobaram visitas Guiadas Musicais até ao órgão histórico partindo do Museu Alberto Sampaio; Meditações Musicais com 20 minutos de meditação e música de órgão; Liturgias Solenizadas com Órgão: Missas Feriais & Missa da Solenidade da Imaculada Conceição; Concertos de Órgão e Coro, em parceria com o Coro Vilancico da Sociedade Musical de Guimarães e com o Coro da Oliveira.
Aos poucos, para além do órgão ibérico da Igreja de Santo António dos Capuchos, o órgão da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira vai ganhando uma maior dinâmica em concertos por altura das solenidades anuais: Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro; Assunção de Nossa Senhora (dia da padroeira), no dia 15 de agosto; Semana Santa e Páscoa. Este ano, 2022, com o apoio do Município, foram promovidos dois concertos pedagógicos integrados nas comemorações do Dia Um de Portugal, ou seja, o 24 de junho, reconhecendo, assim, a importância de promover o património com características únicas e a partir dele fazer com que as pessoas voltem a fruir da beleza que dele emana.
Se alguma coisa vai sendo feita no que respeita aos órgãos de tubos de Guimarães, tendo em conta o número de órgãos existentes, será necessário que Igreja e Instituições procurem em parcerias definir estratégias para os rentabilizar nas duas funções que se me afiguram principais: acompanhamento instrumental dos cânticos ou como instrumento autónomo para concertos. Para que possa cumprir as duas funções será necessária uma maior dinâmica cultural e musical à sua volta. Importa divulgar esta riqueza de forma concertada com todos os agentes intervenientes neste processo. Há que descobrir e redescobrir dinâmicas que se afigurem ajustadas aos tempos em que vivemos para que haja público interessado e sensibilizado para ouvir e usufruir desta beleza específica da música de órgão de tubos.
“Só acredito num deus que saiba dançar”. Começo por evocar o título de uma exposição do cineasta João Botelho apresentada, no CIAJG, em 2014, para (me) lembrar que, nos últimos 10 anos, Guimarães terá, talvez, dançado mais que nunca, movimentando o seu grande corpo coletivo na busca de uma expressão de (novos) conceitos, perspetivas, pluralidades e, sobretudo, sensibilidades que abrem espaço a esse encontro com as forças representadas no cosmos.
Encontra-se nas páginas iniciais do livro publicado pelo CIAJG, a propósito da exposição acima referida, a seguinte citação:
“O que significa a vanguarda?
A noção pode designar um homem que acorda de madrugada para ver o sol raiar, enquanto outros continuam a dormir.
Ou seja, alguém que não está satisfeito e continua a buscar.
É uma busca perpétua, uma sede que nunca pode ser estancada.”
DJIBRILDIOP MABÉTY, Sight & Sound, 1995
Decorridos 10 anos desse grande acontecimento que foi a Capital Europeia da Cultura 2012, talvez se possa afirmar que o que de mais poderoso fica da última década é um rico processo de formação de consciência crítica que nos informa sobre a importância de acordar mais cedo para captar uma certa luz, enquanto outros corpos dormem. Esse estremecer do corpo agitado pelo espírito do tempo, que se levanta mais cedo que todos os outros para ver o sol raiar, é seguramente comandado por essa sede da busca perpétua que caracteriza este território.
Esse despertar (com mais força) para as matérias do corpo, em Guimarães, visibilizado em acontecimentos como o GUIdance, as Escolas de Dança, as ações de formação, o fenómeno Outra Voz ou os muitos processos de criação que já transcendem o território e o país, fazem-nos crer que o campo do sensível se expandiu para lá da matéria discursiva e instalou-se em definitivo no quotidiano e na esfera da cidadania.
Mover o corpo e rasgar o espaço não é apenas da ordem do virtuosismo artístico. Supera qualquer regra imposta e desmonta a passividade sensorial. É, pois, nesse campo de transferência das possibilidades que vemos a dança avançar, ganhar corpo, espaço e escala ao longo da última década, em Guimarães. Também porque, arriscaria, é uma arte que aporta mundo ao território e faz dessa vivência um ponto de partida para a gestação de um imaginário muito próprio, concebido a partir deste lugar.
A dança tem contribuído para consolidar o estatuto de Guimarães enquanto cidade europeia de cultura, ao tornar-se uma referência no circuito internacional a partir do seu festival anual de dança (GUIdance) e também através da inclusão e participação na mais importante rede europeia de nova dança que é o Aerowaves, onde o Centro Cultural Vila Flor figura ao lado de mais de 40 reputadas entidades desta área artística. Esta representatividade permite que os públicos do território desfrutem as novas obras produzidas e instiga a circulação internacional dos artistas portugueses, assegurando um investimento com duplo retorno.
Outro passo decisivo para o crescimento e importância da dança foi, sem dúvida, o aparecimento do Centro de Criação de Candoso em 2012, porque alavancou contextos para novas relações e potenciou a criação de dezenas de obras ao longo da sua década de funcionamento. Guimarães contribuiu, assim, de forma categórica, para fortalecer a cultura do Portugal contemporâneo, ao colocar-se na linha da frente enquanto grande investidor no campo das artes performativas, onde se inclui a dança.
Nesta história evolutiva da dança na última década, podemos também vislumbrar o crescimento de uma (nova) comunidade artística instalada no território e o reforço das relações com criadores que têm sido agentes de transferência de conhecimento entre diferentes gerações.
Mas então qual a explicação para que uma arte entendida como complexa, altamente codificada e tremendamente subjetiva tenha encontrado um crescente e inequívoco interesse junto dos públicos, vimaranense e de todos os outros que nos visitam? Talvez começar por tornar consciente que é uma arte que parte de algo que todos temos... o corpo. Para, depois, expandir o seu campo sensível e tentar manifestar as preocupações que estão por enquadrar, muitas delas da ordem do invisível. É nesse poço de potência que vamos tentando descobrir o nosso lado mais humano e criativo, fazendo uso da imaginação para desenhar outras configurações de tempo e espaço.
Verificamos, 10 anos depois, que a visão de dar protagonismo às matérias do corpo e à sua expressão, através da dança, ajudou a transformar Guimarães num lugar de encontro de várias sensibilidades, culturas, gerações e imaginários. Um lugar plural que sente mais fundo porque vive em estado de alerta natural e ligado às grandes transformações em curso, algumas delas de alta exigência. Um lugar que perspetiva soluções e ambições através do que tem e do que lhe falta, ainda.
A dança gerou um movimento energético de fundo que incorpora todas as dimensões do ser, desde logo essa importância do corpo presente, do corpo que sente, do corpo que não é indiferente, do corpo que não é impotente. E a partir daí o inevitável empoderamento da singularidade de cada corpo, no espaço coletivo, que depois se (des)organiza de forma consciente.
Chegamos assim à noção de grandiosidade do sentir, despertado em cada corpo, a partir da divindade do movimento. Um deus que não sabe dançar é um deus que não acompanha o ritmo do cosmos e sem ele perdemos talvez o mais precioso dos efeitos... a juventude.
Daqui a 10 anos perceberemos que esta bela cidade será ainda mais jovem, porque a dança, que veio para ficar, a ajudará a marcar o seu próprio ritmo dentro do caos emergente.
O corpo e alma do tempo
Carlos Alves Correia Coordenador artístico de "Outra Voz - Associação Cultural"Em 2010, quando iniciámos a criação do grupo a partir da ideia de um trabalho vocal apoiado no legado oral no seu sentido mais heterodoxo, abordando a voz como corpo e espaço e envolvendo a comunidade num sentido amplo do termo (sem experiência nem audição prévias), as motivações dos que se juntaram ao grupo eram certamente muito diferentes daquelas a que assistimos nos dias de hoje. O clima social era inegavelmente outro, ligado à crise da dívida, à perda de direitos dos trabalhadores, aumento do desemprego, estagnação económica, etc.
Por outro lado, existia entre os que estavam então ligados ao movimento artístico da cidade, sobretudo através do tecido associativo, uma “inquietação” (como lhe chamou José Mário Branco) por uma “coisa” que poderia ser “linda”.
Daí, que o momento primeiro para a criação da Outra Voz esteja intimamente ligado com essa resposta muito forte que o movimento associativo, comunidade escolar e juntas de freguesia deram à chamada da Área da Comunidade da CEC. E assim foram lançadas as bases para o primeiro grupo de criação que trabalhou com Amélia Muge e António José Martins e posterior alargamento para nove grupos de ensaio distribuídos em diferentes freguesias do concelho.
Ao longo dos dois anos e meio de actividade do projecto, enquanto proposta integrada na Guimarães –2012, a Outra Voz agiu como um meio de acesso para os cidadãos com interesse num envolvimento mais activo no evento. E, embora a menor visibilidade do projecto face a outros programas mais mediáticos de 2012, permitiu que aproximadamente duas centenas de cidadãos tivessem a possibilidade de encontro, participação e criação coletiva com artistas como Amélia Muge, José Mário Branco, Bobby McFerrin, Jonathan Uliel Saldanha, Catarina Miranda entre muitos outros. No caso do projecto Krisis que decorria em paralelo com a actividade da Outra Voz, foram centenas de cidadãos (64 sessões organizadas em diferentes freguesias, instituições, etc.) a dar voz à memória coletiva da cidade, que posteriormente foi matéria de criação para a equipa artística do espectáculo de comunidade de “não-encerramento” da CEC, o “Então Ficamos”, no qual, muitos destes foram também intérpretes.
No final desse ano, partindo de uma ideia de continuidade pós 2012, a partir da qual sempre foi pensada, a Outra Voz formalizava-se como uma associação constituída por um grupo de participantes, num
genuíno ato de autonomia e auto-organização efectivamente comunitária.
Ao longo destes 9 anos de atividade como associação, o foco do projecto teve, como motivação principal, a utilização da voz na construção de objectos poéticos que se constituiam como catalizadores para a discussão de ideias sobre as diferentes perspectivas que temos enquanto comunidade sobre diferentes questões que afectam a nossa vida. A ideia de uma comunidade com voz activa e capacitada para se reunir em torno da construção coletiva de objectos abstratos que, partindo do contexto local, tenham a capacidade de se inscreverem numa semiótica globalmente transversal.
E, a partir deste foco, desta construção coletiva, deste empoderamento, o reforço da noção do “outro”, o combate ao isolamento social e a melhoria da saúde e bem estar emocionais, intimamente ligados à prática vocal coletiva.
“Os
Na ausência desse encontro, mas mantendo essas premissas de base como ponto de partida, é possível que o ato de criação se vá permeabilizando através de acontecimentos fracturantes como o foi com o caso da pandemia global do coronavírus, SARS-CoV-2 | Covid-19. Salvaguardando a saúde dos participantes, mantendo as actividades com os profissionais das artes ligados ao projecto, encontrando soluções criativas a partir de conversas com um colectivo de pensadores que convidamos a ajudar-nos a pensar o momento…
Começamos por enviar uma carta a todos. Propusemos que cada um respondesse a essa carta. Redistribuímo-las para que, assim, cada um dos participantes recebesse uma carta de outro participante. De seguida, partimos ao encontro de cada um deles para falar sobre cartas e documentamos opiniões, estórias, alegrias e tristezas. Serviram esses elementos, por exemplo, para um novo documentário realizado pela cineasta vimaranense Cláudia Ribeiro. E serviram também para proporcionar aos criadores Rui Souza e Pedro Bastos, diferentes perspectivas de uma comunidade que, enquanto vimaranenses, povoa a sua própria memória emocional, mas que,
porventura, muitas vezes enquanto artistas, não têm a possibilidade de experienciar enquanto observadores “externos”.
Com as restrições impostas, não seria possível prever se a realização de uma criação encenada com voz e movimento, em formato presencial, seria possível (sobretudo com um grupo tão numeroso), pelo que se optou por avançar para uma ideia de “cine-concerto”. Isto permitiria o registo dos diversos elementos sonoros e visuais separadamente, com o grupo subdividido em números legalmente permitidos e, assim, no pior dos casos, enquanto participantes, poderíamos ser público da nossa criação enquanto promovíamos o que nos parecia essencial: criar condições para momentos de encontro em segurança.
Assim se comemorou, por exemplo, o dia do 10º aniversário da Outra Voz, em Julho de 2020: uma sessão de cinema ao ar livre do registo da nossa última criação – “Sete” - com a criadora Sandra Barros. Este partiu de um processo de pensamento e conversas com os participantes sobre ideias como as crendices, as superstições e os medos. Neste caso, de ressalvar que a Outra Voz criou e apresentou um imaginário que, meses depois, assistia enquanto comunidade afectada pela pandemia.
Entretanto, a viagem que o Pedro Bastos e o Rui Souza fizeram ao imaginário do concelho vimaranense através do olhar múltiplo dos participantes da Outra Voz, levou-os à construção de um cenário representativo das diferentes paisagens sócio-culturais que caracterizam o vale. As filmagens decorreram, na antiga fábrica ASA, e envolveram a participação de todos, subdivididos por diferentes dias/grupos de filmagens por forma a permitir o cumprimento das obrigações da Direção Geral de Saúde.
Eventualmente, a edição dos materiais e os ensaios de voz e movimento foram decorrendo lado a lado paralelo. No caso dos ensaios de voz, até por via telefónica (para possibilitar a participação de todos), num esforço coordenado pelos ensaiadores Guilherme Moreira, Madalena Gonçalves e Marisa Oliveira. Incansáveis em adaptar o seu trabalho a uma lógica de trabalho em comunidade.
Eventualmente, foi possível que a Outra Voz se apresentasse em Outubro de 2021, entre confinamentos, medos, restrições. Acreditamos também, que entre todos nós… certos de que o nosso contributo vai no sentido das palavras da cantiga que nos escreveu a Amélia Muge: “Outra Voz a sonhar, a saber dizer tudo o que ser quer. Que vem trazer ao momento, o corpo e a alma do tempo”.
Em 2011, nas vésperas da Guimarães Capital Europeia da Cultura, um grupo de artistas, aos quais se juntaram outras pessoas, criaram um pequeno mundo em pouco mais do que sete meses. E ao oitavo mês descansaram e olharam a sua criação. E viram que era boa.
Pensavam já há algum tempo organizar algo, no âmbito da cultura, que mexesse com a comunidade e criasse oportunidade para expor o seu próprio trabalho. Com o advento da Capital Europeia da Cultura, esta necessidade tornou-se irreprimível e começaram a pensar mais seriamente no assunto e, até por serem artistas, a interrogar-se como poderiam participar, sendo que eram maiores as dúvidas e perplexidades do que as certezas. Era complicada a comunicação entre a estrutura e os artistas. O slogan “TU FAZES PARTE” ainda estava longe de ser verdade. Então, surgiu a ideia de que algo mais informal, em espaços dos próprios artistas, casas, ateliers, garagens e outros espaços, circunscritos a uma área praticável do ponto de vista da circulação dos públicos, seria a solução para a vontade e necessidade de participar e mostrar o seu trabalho. A ideia foi partilhada e rapidamente se percebeu que a vontade de participar excedia as fronteiras do grupo inicial. Primeira dificuldade: como alojar o trabalho daqueles que, querendo participar, não dispunham de espaço na área de intervenção?
Pensou-se de imediato nas muitas associações de índole cultural cujos espaços seriam mais facilmente dinamizados pelo próprio movimento associativo a que estavam ligados, e poderiam incrementar a dinâmica do evento. A aceitação e a adesão foram imediatas e incondicionais da parte de todas, sem exceção e de forma entusiástica.
O projeto foi, então, apresentado à Câmara Municipal, à Fundação Cidade de Guimarães, às escolas e, por via da comunicação social, também à comunidade. Foi imediato o apoio do Município. Neste momento, era já firme a decisão de organizar o evento, fossem quais fossem os apoios a receber e viessem eles ou não.
Surgiu um blog, uma página no Facebook e o primeiro cartaz que dizia, unicamente, “GUIMARÃES NOC NOC CONVIDA TODOS OS ARTISTAS”. Em seguida, lançou-se novo desafio à participação dos artistas, através
da criação e envio de postais alusivos, no que foi o primeiro momento de efetivação do movimento, por não definir de forma exterior uma determinada estética, mas deixar antes à liberdade criativa de cada um, a sua forma de participar já, quer no acontecimento, quer na construção da sua própria linguagem comunicativa. Foi com entusiasmo que se constatou a adesão massiva à ideia. Depois, resolveu-se fazer um spot promocional e o repto ao envio de outros que, à imagem dos postais, fossem fruto da criatividade dos respetivos autores. Mais um êxito de participação.
Sentimos necessidade de formalizar a ideia, definir objetivos e declarar intenções.
O Guimarães noc noc tem os seguintes objetivos:
a) Promover, fomentar e estimular o interesse pelas artes ao nível local, nacional e internacional;
b) Valorizar artistas plásticos locais, nacionais e internacionais;
c) Incentivar a inovação, experimentação e cruzamento entre disciplinas artísticas, assim como a colaboração entre criadores.
O Guimarães noc noc não é um concurso. Não existe um júri. Não há seleção de trabalhos. A participação é gratuita e aberta a artistas nacionais e estrangeiros.
Definiram-se três modalidades de inscrição: como artista, grupo ou coletivo com projeto artístico e espaço de exposição; sem espaço de exposição; e pessoa individual ou coletiva cedendo um espaço para albergar projetos de artistas inscritos.
Inscrições abertas, nova surpresa: o número de pessoas interessadas em participar, em qualquer das modalidades propostas, era muito superior ao imaginado, mesmo nas previsões mais otimistas. Isto assegurou-nos a pertinência de organizar um evento com estas características, naquele momento e nesta cidade, e a certeza do que já se suspeitava: que uma Capital Europeia da Cultura não é algo que aconteça porque se constitui uma Fundação para a organizar, mas parte, antes, da vontade da própria comunidade reivindicar o espaço e a iniciativa cultural de forma independente dos meios institucionais, ganhando consciência de si e da sua capacidade de realização. Aqui, foi determinante a atenção que os meios de comunicação locais deram ao acompanhamento do processo organizativo, fazendo eco do evoluir das inscrições e, com isso, potenciando ou provocando as mesmas.
Entretanto, começaram, a par das inscrições, alguns contactos com os artistas e percebeu-se que a organização não iria poder limitar-se a receber as inscrições e angariar espaços para as alojar, mas teria de desenvolver uma sistemática de trabalho próxima da curadoria, ajudando a resolver questões como a da adequação dos projetos aos espaços disponíveis, da convivência de projetos dentro do mesmo espaço, do cruzamento entre projetos, da supressão de lacunas de rider técnico (faltava um micro ou uma televisão ou
um projetor…). Ainda não havia quaisquer garantias de apoio, pelo que todos estes pedidos foram sendo supridos através da inventariação dos meios que cada um dos organizadores, participantes, espaços de acolhimento, amigos e familiares dispunham, tentando alocar este ou aquele meio àquela específica necessidade, à medida que estas iam surgindo. Percebeu-se, também, a necessidade de encontrar um grupo de voluntários que pudesse ajudar os visitantes, apoiar os artistas e assegurar a necessidade de vigilância de alguns espaços. Mais uma vez, a adesão foi enorme: perto de 100 voluntários.
É então que a organização é abordada pela estrutura da CEC, já constatando algo que se apresentava como um evento consumado e autónomo, perguntando o que poderia fazer para ajudar, reconhecendo o interesse e a validade do projeto, e assumindo a vontade de o incluir na programação da Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012, apesar de este se manter autónomo na sua gestão e organização. Surgiu a Ó da Casa! Associação Cultural e tornou-se possível concretizar várias ideias que dependiam de apoio, e ser mais ambicioso noutras que seriam possíveis, mas em moldes mais modestos. Melhorou-se a comunicação, a sinalética, a logística (disponibilização de transportes e de vários outros meios necessários à produção do evento).
A Câmara Municipal que, como se disse, esteve de corpo e alma com o projeto, desde o primeiro momento, garantiu o alojamento de muitos dos artistas participantes que, por serem de mais longe e/ou terem menos recursos, não poderiam cá estar fisicamente, se assim não fosse. Também a Universidade do Minho, as diversas associações e alguns particulares e empresas contribuíram com meios técnicos e logísticos.
Aconteceu o workshop de confeção dos balões que haveriam de constituir a sinalética dos espaços e começaram a chegar os materiais promocionais (t-shirts, pins, mapas) e os primeiros artistas. Tudo acelerou. Todos parecíamos elétricos, desmultiplicando-nos em telefonemas, cargas, acolhimento aos participantes, resolução de questões logísticas de última hora e sucessões de entrevistas a jornais, televisões e rádios, locais, nacionais e estrangeiras. Dormiu-se muito pouco nessa semana.
Na véspera do evento, a azáfama era intensa em todos os espaços, com a receção aos artistas que, então, chegavam quase todos ao mesmo tempo, a instalação dos projetos e exposições e os últimos ensaios das artes performativas. Tudo, gerava um clima eletrizante e feérico.
No sábado de manhã, após uma noite em branco, ultimavam-se as exposições, trabalhava-se, ainda, arduamente em muitos espaços, ininterruptamente desde a noite anterior. Chegavam os últimos artistas participantes e, com eles, as últimas dificuldades técnicas ou logísticas que, de modo geral, até ao final da manhã, estavam resolvidas. Entretanto, a equipa da sinalética foi distribuindo, pela cidade, os balões.
A tarde do dia um começou pasmacenta. Os primeiros visitantes começavam a aventurar-se nuns inexplicáveis 35oC de temperatura, em outubro. A partir das 15 horas, começámos a perceber que o dia ia ser longo e a festa concorrida. Milhares de pessoas começaram a afluir ao centro histórico, entrando e saindo das portas, rindo e bebendo e fotografando, lendo os mapas, em grupos e casais, de todas as idades e nacionalidades possíveis.
A flash mob da Outra Voz, rasgou o burburinho e todos, organização, voluntários, artistas e público exibiam sorrisos rasgados e risos fáceis, correndo de porta em porta num frenesi alegre. O comércio encheu, os restaurantes e os bares esgotaram a sua capacidade e os seus stocks e tudo desaguou, mais cedo ou mais tarde, numa excitante festa na sede da associação cultural O Convívio, animada por inúmeros Djs inscritos, que se prolongou até raiar o dia.
Todos os temores se desfizeram e todas as nossas ânsias e expectativas foram superadas. Os ecos da festa ainda se fizeram sentir nos meios de comunicação social, sobretudo internacionais. Guimarães estava mesmo a mexer e sabia receber bem e acarinhar a cultura.
Como balanço primeiro da iniciativa, ficou uma indisfarçável sensação de dever cumprido e de desafio superado, acima de tudo o que sonháramos. Ficou a certeza da pertinência do evento e da necessidade que, sem o saber, todos sentíamos dele. Ficou – sem falsas modéstias – a sincera noção de que este foi o “episódio piloto” da Capital Europeia da Cultura, contribuindo decisivamente para reforçar o namoro entre a cidade e o evento.
Não podíamos permitir-nos qualquer inconsequência, pelo que a segunda edição do Guimarães noc noc foi uma realidade, nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2012, integrada na programação da CEC. Voltou a ser um êxito, cresceu, solidificou-se e atingiu definitivamente o seu potencial como festival internacional.
E percebemos que a ideia não podia esgotar-se ali. Teríamos de a habitar, como prometemos, então, uns aos outros: “enquanto der gozo fazê-lo”. Dia após dia, somaram-se dez anos.
A minha ideia é que deixemos um pouco a preocupação do “legado” (…) e passemos a falar todos os dias a linguagem do futuro da nossa Capital.
Desde que um amigo meu (bom amigo, aliás) resolveu, um belo dia, fazer a festa dos seus 41 anos - à qual, aliás, não cheguei a ir e já nem me lembra bem porquê - que percebi que isto das datas “redondas” não faz grande sentido. Na mesma linha, uma figura ilustre (na acepção mais rigorosa do termo), infelizmente já de vida completa, costumava dizer que, se é para começar atrasado, tanto faz dar cinco minutos de tolerância como três ou quatro.
Ou seja, estamos a comemorar 10 anos da Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura, suspeitando-se que, em 2042, quem por cá andar, comemorará os 30. E por aí fora.... Convém, em qualquer caso, não nos atrasarmos muito. Parto daqui para, mais ou menos, me aproximar de algumas ideias em que, desde 2012, venho alimentando a respeito deste assunto.
Fachada do edifício-sede da Sociedade Martins Sarmento
E para começar.
Não sei se temos estado 10 anos a “fazer parte” de um título ou de uma vida.
Habituámo-nos, em Guimarães, a dizer que esta é uma cidade rara, onde as associações proliferam em quantidade incomum. São às centenas. É, ao mesmo tempo, a boa e a má sina. Quanta criatividade e iniciativa, mas tão perdidas por ruas e vielas. Olho do alto a placa do Toural - por sinal, uma obra de 2012 - e vejo nesse emaranhado cada caminho a dizer “eu faço parte”. Chega aqui a nossa Capital. Fazemos parte dela e da sua construção?
E a continuar.
Parece ser claro que, nas melhores das boas intenções, a nossa capital seria mais ou menos todos nós. Mais ou menos, todos nela instalados e muito criativos. Os caminhos já não se emaranhavam; agora era a
vez de se cruzarem: vinham aí bons e novos tempos.
Como fazer nesse tempo de grande novidade? Que fazer com o promissor saco das benesses?
Tempo de ensaio ou de nos encontrarmos?
Foi em todo o caso um tempo de euforia. Fazendo jus à fama, choveram as ideias e os projectos.
E já depois de cair o pano.
A contas com as suas contas, que ficou na nossa Casa ou para ela?
Sentindo-o que com algum pesar, mas, sobretudo, com perplexidade e desencanto, ouvi dizer por essa altura um “alto responsável”: eu pensava que tudo isto tinha contribuído para reforçar as estruturas e as capacidades das muitas associações e instituições de Guimarães, sobretudo, as mais activas e reconhecidas.
Mas nem por isso. Tirando um ou outro saldo positivo de projectos admitidos e a retribuição de alguns serviços, não sobraram grandes folgas.
Houve sim - e ainda bem - larga criação. Certamente, o que mais interessa.
Mas terão estes pensamentos alguma coisa a ver com o que é, afinal, uma “Capital Europeia da Cultura”? Evento que, somando os números, já percorreu umas 60 cidades - grandes e pequenas -, desde 1985, ano em que, foi criado.
A maneira como se apresenta oficialmente não podia ser mais expressiva:
Uma iniciativa para pôr a cultura no coração das cidades europeias
E como diz a apresentação que se faz isso?
- Destacando a riqueza e diversidade “das culturas” na Europa;
- Celebrando a partilha das realizações culturais europeias;
- Fomentando a consciência dos cidadãos europeus de pertencerem a um espaço cultural comum;
- Valorizando a contribuição da cultura para o desenvolvimento das cidades.
Caminhos ambiciosos e difíceis, mas certeiros: num mundo que tanto tem proclamado a globalizaçãoconceito, embora, que, por estes dias, poderemos considerar em grave crise - as Capitais da Cultura sabem que a diversidade e especificidade são a riqueza de cada uma, mas é pela partilha que se encontram os lugares de afirmação, da unidade e do respeito recíproco. Esses são também os caminhos do desenvolvimento; não há nada na cultura que o entrave. Pelo contrário, os índices de desenvolvimento humano, e falando na perspectiva económica, penso que ninguém duvida já que assentam na informação e na cultura. O desprezo por essa componente vai-nos impondo a cada passo esforços dispendiosos de correcção de tantos erros...
Uma Capital é, contudo, e em especial, um ano de celebração. É um ano de festa e o talento estará em que o programa desse momento, apesar de tudo efémero, realize um tempo de plenitude de arte e de cultura
que se espalhe e interiorize na comunidade.
Mas - diz-nos o “site” oficial das CEC (onde vou encontrando os pontos em destaque) que - “adicionalmente” - a experiência tem mostrado ser o evento uma excelente oportunidade para:
regenerar as cidades, elevar a sua visibilidade internacional, valorizar a imagem das cidades aos olhos dos seus próprios habitantes, revitalizar a cultura da cidade, promover o turismo.
Tudo isto, com suporte europeu.
Parece-me incontestável que, em maior ou menor grau, os principais objectivos de uma “Capital Europeia da Cultura” foram conseguidos, ao menos em grande parte, na “Guimarães 2012”.
Como momento de festa e celebração da arte e da cultura, foi-o intensamente, quer na grandeza do(s) programa(s), quer na mobilização das pessoas, as de cá e as que vieram.
Mas cabe então continuar a falar da CEC de Guimarães e vale a pena andar à volta das ideias de que falei acima?
Acho que sim. Não propriamente a comemorar “datas redondas”, mas mais a praticar a atitude que justificou a realização.
Em especial, no depois do “cair do pano”, o que ficou na nossa Casa, ou para ela.
Por exemplo:
Falar das estruturas e equipamentos que se ergueram na cidade e conferir os seus projectos com a componente cultural do nosso desenvolvimento e identidade. Como se vai fazendo em vários passos e lugares.
Promover e respeitar os nossos paradigmas culturais.
Atender as nossas capacidades e iniciativas, a diversidade e riqueza das instituições que Guimarães tem e gera espontaneamente.
Valorizar a presença cada vez mais significativa de outras culturas e construir formas comuns de futuro. E como desenvolver, orientar e integrar os movimentos turísticos?
Por vezes, vai-se falando do “legado” de 2012. E, realmente, tal como o meu amigo resolveu comemorar os seus 41 anos, é certo que não foi preciso esperar pela “data redonda” dos 10 anos para esse discurso acompanhar o nosso dia a dia. A minha ideia é, portanto, que deixemos um pouco a preocupação do “legado”, porque, tal como o Povo diz, “Quem espera por sapatos de defunto, morre descalço”, e passemos a falar todos os dias a linguagem do futuro da nossa Capital, com a certeza de que são esses dias, - os de hoje e não os de amanhã - que temos de fazer sorrir. E, sendo possível, com urgência – não deixar correr cinco minutos.
O ano de 2012 celebrou a capacidade que as associações sempre tiveram de estabelecer uma relação profícua com a cidade. De facto, durante muitas décadas, ficamos a dever ao rasgo de muitos vimaranenses os traços decisivos que definem o associativismo: casas dedicadas à promoção da cultura, onde os afetos e o recreio procuraram reverter sempre em vivência cultural, como sedimento de ideias, projetos e ações em prol da cidade.
O que foram e são as Associações? Qual o seu papel na vida cultural da cidade?
Durante os últimos 60 anos, as associações foram o palco de uma das mais reconhecidas formas de divulgação da cultura, posicionando-se inequivocamente como uma expressão de cariz artístico e cultural que explorou os ideários e imaginários da cidade, mas também do contexto sociocultural do próprio país. A história do associativismo foi marcada por fases de expansão e de retração, mas há momentos particulares que ficaram assinalados por uma convergência de interesses e uma vontade efetiva de renovação e rutura com as práticas vigentes. Importa conhecer esses momentos que protagonizaram a mudança cultural que hoje observamos e que ajudaram a promover as renovações e ruturas então exigidas.
Ainda nos tempos da ditadura, mergulhados num absoluto marasmo cultural, as associações participaram na construção de realidades novas ao acolherem as mais diversas expressões artísticas ou culturais, propiciando aos seus associados experiências de participação e colaboração que facilitaram a integração
social e cultural, reforçando sentimentos de identidade e pertença ao mesmo tempo que criaram e proporcionaram respostas para aspirações e aptidões individuais e coletivas. É esta contextualização da ação social que remete para o sentido amplo da espacialização da cultura que procuramos aqui colocar em reflexão, sobre as condições em que a cultura surge transformada em ingrediente de renovação potencial da vida social das cidades.
É comummente aceite que as associações colmataram a inexistência de espaços físicos de apresentação e divulgação da cultura, substituindo-se às galerias de arte para exposições, às salas de concertos, aos auditórios para palestras, lançamentos de livros, produção de iniciativas da música à literatura, do teatro ao cinema.
As associações foram e são lugares de proximidade relacional que sinalizaram o cumprimento dessa função social, constituindo-se como espaços de cidadania e de participação cívica, casas abertas, com a “mesa posta”, mesa de pensamentos onde se pousavam ideias, inquietações, desejos; lugares onde se interpelava o estabelecido, se dava lugar ao novo, ao inesperado, ao desejo de futuro. Estas casas da cultura foram, em primeiro lugar, o palco, a plataforma de cruzamento entre a sociedade civil e as diferentes artes – da literatura à música, das artes plásticas às cénicas. Elas criaram, fizeram acontecer, foram o lugar onde muitos cidadãos acederam a um lugar de apreciação, de fruição da cultura nas suas mais diversas expressões. É pouco? É muito! É quase tudo.
Qual o verdadeiro contributo das associações no projeto “Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura”? O que fizemos para aqui chegar?
Do piano ao Centro Cultural Vila Flor – um salto quântico entre 1992 e 2012.
Em 1991, ano do nascimento dos Encontros da Primavera, Festival de Música Erudita, com direção artística de D. Helena Sá e Costa, não existiam em Guimarães equipamentos municipais fixos, os móveis de apresentação cultural, nem sequer um piano de concerto (alugava-se à Valentim de Carvalho, em Lisboa). Quando, em 1992, surge, no Convívio, a vontade de se realizar um novo Festival – que viria a ser o Guimarães Jazz -, percebeu-se que valia a pena o esforço do município da aquisição de um piano, ao invés de o alugar ano após ano. Avançou-se para a compra, com participação monetária do Convívio, e surge o primeiro piano de meia cauda (cauda inteira era uma ousadia, uma exorbitância) em Guimarães, de Guimarães.
O exemplo do piano mostra com clara pertinência como em 20 anos as iniciativas sonhadas, nascidas e concretizadas nas inúmeras Casas da Cultura de Guimarães - as Associações - criaram a necessidade, a
urgência que a cidade paulatinamente se apetrechasse de equipamentos de apresentação cultural. Dos Festivais Minho-Galaicos à Circultura, da criação do CineClube aos Festivais de Gil Vicente, dos Encontros da Primavera ao Guimarães Jazz, todas estas iniciativas culturais fundadas nas associações - Convívio, CICPC, CAR, Cineclube, Sociedade Martins Sarmento, entre muitas outras -, nascidas da dimensão comunitária da cultura, originaram um “caldo cultural” que desencadeou e reclamou um espaço de apresentação cultural que acolhesse as grandes iniciativas então criadas. Surge o Centro Cultural Vila Flor. Neste percurso que se foi trilhando houve, a montante, um conjunto de acontecimentos que foram afirmando a cidade como polo de criação e difusão cultural que vale a pena sublinhar. É naquele contexto global e nesta conjuntura local que surge um marco incontornável na vida de Guimarães com evidentes reflexos na cidade: a elevação do Centro Histórico de Guimarães a Património Cultural da Humanidade, ocorrida em 2001. Esta parte importante do nosso Património convocounos para o debate sobre o que fazer com este título para futuro. Tratou-se, então, da aposta na construção de um Património vivo. Um Património em permanente construção. Ora, aquele Património Cultural da Humanidade deve ter e tem acompanhamento no que dia a dia se vai realizando no âmbito cultural da cidade. As realizações culturais são o modo de construir o nosso Património de agora.
Foi a conjugação de uma relação harmoniosa entre o município e uma sensibilidade mais aberta, em conjunto com a capacidade criadora das associações, que protagonizaram o movimento de expansão que fez acontecer um salto quântico que em 20 anos permitiu chegar a um nível qualitativo de exceção (para cidades da nossa dimensão) e, mais tarde, surge naturalmente a possibilidade de Guimarães ter condições para ser Capital Europeia da Cultura. A grande riqueza de Guimarães é não apenas o seu Património Histórico, mas também, e sobretudo, o seu Património Vivo, as pessoas, a sua qualidade intrínseca, a sua capacidade interventiva que “faz cidade”.
Neste sentido, era incontornável que a sua comunidade criativa e culturalmente atuante fosse interveniente ativa no processo de construção coletiva da sua Capital Europeia da Cultura.
Pode dizer-se que o Tempos Cruzados – Programa Associativo para Guimarães CEC 2012 -, nasce da
avaliação, realizada pela Fundação Cidade de Guimarães, do importante papel que o movimento associativo teve na configuração do espaço e do tempo cultural e artístico do concelho.
Este projeto Associativo tinha como objetivo a valorização das “práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões da comunidade local, reforçando a sua legitimação cultural e social” no programa Global da Capital Europeia da Cultura. Constituiu-se como um desafio que exigiu uma dimensão relacional ao colocar em diálogo singularidades de várias associações e ao convocar a imaginação para um trabalho em rede, onde se partilharam saberes, experiências, competências e recursos que permitiram o salto qualitativo e o reforço do movimento associativo.
O que ficou da Capital Europeia da Cultura 2012?
2012 foi um importantíssimo marco de afirmação da cidade, projetando-a durante o ano de duração como palco de muitíssimos eventos, produzindo inúmeras oportunidades para o diálogo entre o mundo e as criações dos agentes locais. Foi claramente um tempo profícuo, fator de dinamização, elemento catalisador que traçou caminho aberto, estruturas fundadas, marcas para o futuro.
No património edificado, muitas foram as intervenções que deixaram marca indelével no território vimaranense, como por exemplo o Projeto do Toural e Alameda, ou o CIAJG – Centro Internacional das Artes José de Guimarães -, para citar dois dos mais impactantes
No que toca à cultura - criação e manifestações artísticas - foi possível consolidar uma programação regular e organizar festivais de nível nacional e internacional; assistiu-se ao fortalecimento do circuito independente com o aparecimento do CAAA – Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura, Revolve – produtora de eventos musicais, Elephant Musik ou Capivara Azul, entre outros, que acrescentaram olhares complementares na relação com a cidade e o mundo. Apareceram projetos disruptivos e eventos pioneiros como o Westway Lab.
Houve um despertar de novos tecidos artísticos na música, por exemplo, com “Som de GMR”. Nasceram bienais – a Contextile e Big Guimarães -, desenvolveram-se alguns projetos de comunidade de referência com o seu expoente no Outra Voz.
Reinventou-se o futuro nas associações ao agregarem nos seus projetos novas gerações que acederam a um lugar de apreciação da cultura como o espaço onde construímos o nosso destino, onde se reconstroem múltiplos e novos centros de interesse, de inquietação, de vida vivida.
Todavia, há uma nostalgia das coisas que ficaram por fazer, dos projetos que ficaram por cumprir, do
que soçobrou depois de se apagarem as luzes da festa.
Desde já o projeto a “Fábrica das Associações”, pensado como um espaço virtual e real de partilha de informações e recursos do movimento associativo vimaranense e um local de partilha de práticas culturais, artísticas e de experimentação que não se cumpriu.
Surpreendentemente, soçobrou, no ano de 2013, o festival de música erudita - Encontros Internacionais de Música -, nascido um ano antes do Guimarães Jazz, em 1991, e que constituíram os primeiros grandes eventos musicais que impulsionaram e engrandeceram claramente a cultura da cidade.
Teríamos chegado à Capital Europeia da Cultura sem a pujança desses grandes festivais e do impulso cultural e de infraestruturas que promoveram?
As associações foram e são os palcos das novas dinâmicas culturais emergentes, um ponto de produção, de mobilização e cruzamento entre a comunidade artística, cultural e a sociedade civil através do estabelecimento de parcerias criativas com o município, os museus e outras instituições de promoção cultural, com vista à criação de sinergias que permitiram a partilha de projetos, ideias e iniciativas. A comemoração da CEC 2012 formalizou a aptidão que as associações sempre tiveram de estabelecer uma ligação harmoniosa com a cidade numa dupla vertente; celebrar as práticas culturais instituídas de raiz popular e interrogar o instituído procurando interpelar as visões, os tempos e os modos de pensar a cultura que se vive na cidade e, simultaneamente, criar as condições para que a cultura emane transformada em ingrediente de renovação potencial da vida dos cidadãos.
As associações são casas que respiram a história da cidade e a imaginação das suas produções culturais e constitui-se como um lugar de acolhimento da sua criatividade, abertas ao diálogo com a diversidade cultural que carateriza a Europa, dando a conhecer as suas manifestações culturais e acolhendo as de outros países. Esta abertura ao mundo desafia-nos a alargar horizontes de expectativas, acrescentam-nos instrumentos conceptuais para lermos a realidade, propiciam uma mundividência capaz de amplificar as nossas perspetivas de futuro, instabilizam as nossas certezas, introduzem elementos de perturbação que criam e recriam a realidade. A cultura surge assim como um argumento de liberdade capaz de tornar o cidadão mais livre para tomar decisões que façam sentido à escala individual, que lhe permitam aceder a um lugar de apreciação e de sustentação das suas opções de vida e do seu futuro, para que estas façam sentido à escala individual, que possam (re)significar a vida de cada um.
A cultura nas suas mais diversas manifestações “traduz” o mundo em que vivemos através do gesto criativo, experimental, que por via das linguagens artísticas pensam a arte e a vida coletiva das associações. Importa nutrir a ação dos produtores e agentes culturais locais, assim como das associações, num trabalho de comunhão entre todos. Quando a partilha de saberes permitiu o abraço de experiências, confirmamos que há um imenso território comum de caminhos, lutas, objetivos, sentimentos e emoções, num processo de realização contínua na construção da cidade.
“A cultura é – disse Jorge Sampaio na primeira sessão como Presidente da Fundação Cidade de Guimarães -, todos o sabemos, o território preferido da liberdade, da invenção, do fermento criador, da inovação, do engenho, da subversão dos códigos e, naturalmente, do conhecimento, o conhecimento de nós próprios e dos outros. “
Continuamos a acreditar que as associações podem abrigar uma experiência cultural e social; um laboratório de sonhos nestes tempos sombrios e desconfiados. É este o legado que se oferece à cidade - uma consciência cultural e um desejo de futuro.
A Coleção de Fotografia da Muralha (CFM) tem uma história muito longa a que a Capital Europeia da Cultura (CEC2012) deu a possibilidade de se tornar ainda mais viva e partilhável com a comunidade. Hoje, a CFM continua a integrar novas coleções de fotografia, de particulares ou resultando de iniciativas próprias, mas são os mais de 5000 clichês em vidro, comprados em alturas distintas da história da Muralha, que fundam a CFM e constituem ao longo de mais de 4 décadas, uma das preocupações centrais da instituição. A história da CFM é por isso longa e entronca no nascimento da própria Muralha. É em 1981, ano da sua fundação, que a Muralha adquire uma parte importante do espólio de placas secas (negativos fotográficos em placas de vidro, também designado por clichês) originárias da Foto Eléctrica-Moderna, fundada em 1910, por Domingos Alves Machado e que dominou o panorama da fotografia comercial em Guimarães na primeira metade do século XX. O espólio primitivo da CFM tem ainda outras imagens da casa fotográfica que lhe sucedeu, a Foto Moderna, sob a direção de Amílcar Lopes, genro de Domingos Alves Machado, e de negativos em vidro anteriores à data da Fundação da Foto Eléctrica Moderna (um período de cerca de três décadas) cuja proveniência e autoria se desconhece.
As imagens que ao longo dos anos foram conservadas, com muito trabalho e dificuldades várias, sem as condições de conservação necessárias, ganharam uma vida própria com o projeto Reimaginar Guimarães, integrado na Capital Europeia da Cultura, em 2012. Desde então, uma coleção de imagens que constituem um importante acervo fotográfico de Guimarães e da sua região, desde o final do século XIX até aos anos 60 do século XX, foram meticulosamente recuperadas e digitalizadas. Fernando Conceição, presidente da Muralha (2009-2010), começa a efetuar um exaustivo estudo da Coleção e diligencia para que os negativos em vidro ficassem à guarda do Arquivo Municipal de Alfredo Pimenta, onde hoje estão. No projeto Reimaginar Guimarães (2011-2013), integrado na CEC2012, e coordenado por Eduardo Brito, digitalizam-se e estudamse grande parte das imagens da Coleção.
A Capital da Cultura foi assim um instrumento fundamental para a CFM. A Coleção enriqueceu a
A colecção de fotografia da Muralha e a capital da cultura
Rui Vítor Costa
CEC2012 com as suas exposições e a Capital permitiu-lhe uma vida para além dela. Sem a importante realização de 2012 não disporia Guimarães, muito provavelmente, das condições para o acervo que a Muralha hoje tem. A CFM, hoje, disponibiliza-o à comunidade, para que todos possam conhecer melhor a nossa história recente.
Dessa forma, pelo estúdio de Domingos Alves Machado, foi passando muita da história de Guimarães, das pessoas e famílias que se aprumavam para tirarem a fotografia que, no seu propósito, as definia e imortalizava. Na imagem (PTRMGMRCFM4214) podemos ver uma família fotografada em sua casa, com um fundo falso apropriado, segurado por um ajudante, e que mais tarde viria a ser enquadrado e recortado de forma elegante pelo fotógrafo. Uma das mais extraordinárias e definidoras características da CFM e, em particular, da veia artística de Domingos Alves Machado, é o facto de ele sair do seu estúdio e documentar o que se passava por fora do ambiente controlado do atelier fotográfico: a casa nº141 da atual Av. Afonso Henriques, à altura designada por Avenida do Comércio, até 1910, e depois Avenida Cândido dos Reis (até 1943).
Dessa vontade de documentar a realidade, muitas vezes resultando de encomendas que lhe faziam, podemos ver e apreciar os trabalhos de campo como as vindimas (PTRMGMRCFM0730), com a sua teatral e poderosa organização. Mas, também, dessa vontade de captar a realidade nos ficaram imagens da fluorescente indústria têxtil (PTRMGMRCFM0142) dos inícios do século XX, e que constitui também uma das atividades do artista-empresário que, por baixo da sua Garagem Avenida, funda mais tarde, em 1938, uma empresa destinada a fazer peças para máquinas têxteis e que daria, mais tarde, origem à empresa A
O projeto Reimaginar Guimarães, integrado na área do cinema e audiovisual da Capital Europeia da Cultura Guimarães 2012, foi liderada por Eduardo Brito e contou com as participações, em diferentes vertentes, como as de Miguel Teixeira, Susana Lourenço Marques, Francisco Brito e Cláudio Rodrigues, entre outros.
A equipa assim constituída deu corpo a uma aspiração da Muralha que, apesar de já ter procedido ao longo dos anos a esforços na identificação de imagens, não conseguiu ter, até 2011, meios para um processo de organização e de limpeza, de conservação, digitalização, acondicionamento e catalogação da CFM.
A datação e identificação das imagens da CFM foi, de forma sistematizada, iniciada por Fernando Conceição, em 2009. O projeto Reimaginar Guimarães parte desse trabalho prévio, e com base nos jornais da época, em várias publicações, nomeadamente a tese de mestrado de Maria José Queirós Meireles, O Património de Guimarães, editada no ano de 2021 pela Muralha, procede à legendagem das imagens da CFM com base nesse trabalho de pesquisa, conduzido por Francisco Brito. No entanto, o trabalho de legendagem é um processo permanentemente aberto e que muito tem beneficiado da exposição pública da CFM. Esse trabalho de divulgação tem aportado à CFM, de forma permanente, contributos vários para a identificação de pessoas, locais, datas e contextos presentes nas imagens da CFM.
No âmbito do projeto concebido em torno de espólios fotográficos de Guimarães, dos quais a CFM foi
a mais importante, pelo número e riqueza dos clichês trabalhados, foram realizadas um conjunto de exposições e respetivos catálogos entre finais de 2011 e inícios de 2013. A saber: A Cidade da Muralha (2011), Rever a Cidade (2012), refotografias de Inês d’Orey e Carlos Lobo sobre imagens da CFM, e Grande Plano/Plano Geral (2012).
Depois do fundamental trabalho do Reimaginar Guimarães, cujo trabalho de divulgação se estendeu ainda durante os primeiros meses de 2013, a CFM entrou numa outra fase de divulgação pública.
Assumir a importância da CFM no contexto geográfico e sociológico que ela retrata foi um desafio das direções da Muralha e, dentro desse propósito, questionou-se a forma ideal para a CFM chegar a um maior número de pessoas. Era importante, assim se pensou, sair de um círculo de pessoas mais atentas ao fenómeno cultural e alargar esse interesse a um público mais vasto. O propósito não encerrava em si qualquer esquizofrenia quantitativa, mas, acima de tudo, o desejo de partilhar com o maior número de pessoas possível um conjunto de memórias, através da imagem, em que a comunidade se revisse.
Em julho de 2013, a Muralha realizou a exposição O DIA V procurando, através de fotografia contemporânea dar os primeiros passos para um crescimento da CFM. Ao espólio das casas Foto Eléctrica-Moderna e Foto Moderna, procurava-se, e ainda hoje isso acontece, acrescentar contributos sobre acontecimentos presentes que se pudessem constituir como a parte moderna da CFM. Esse projeto foi levado a cabo pelos
fotógrafos Miguel Oliveira, Ricardo Leite e Ricardo Rodrigues e a iniciativa revelou-se um êxito retumbante assente numa exposição no Centro Cultural Vila Flor com a publicação do respetivo catálogo. Uns meses mais tarde, em novembro de 2013, e por solicitação do Guimarãeshopping, a exposição foi redesenhada e adaptada a um espaço comercial amplo, surgindo, a partir daí, uma relação de parceria muito forte e que veio a dar resposta aos anseios da associação quanto à divulgação posterior da CFM.
A exposição O TRABALHO foi a primeira exposição da CFM que decorreu no espaço do GuimarãeShopping, entre 1 de agosto e 25 de setembro de 2014. A escolha deste espaço comercial, caracterizado por uma enorme frequência de público foi, na altura, assumido como uma aposta no sentido de aproximar a CFM das pessoas. Um desafio que comportava os riscos inerentes a uma novidade que não se queria assumir, à partida, como uma estranheza altiva, mas sobretudo como uma conquista desafiadora. A dificuldade consistia em operacionalizar um conceito de pausa e fruição num espaço de azáfama e de apelos comerciais, conquistando o olhar das pessoas que lá iam especificamente para a ver, mas também daquelas que se confrontavam e surpreendiam com as imagens; obrigálas a parar. Percebeu-se que o espaço não poderia ser apenas mais um espaço, mas algo que acolhesse as imagens desse passado longínquo e as realçasse pelo paradoxo de uma estética contemporânea. E foi isso que foi feito e que enformou no conceito as exposições que se lhe seguiram pela força do sucesso desta primeira exposição da CFM num espaço privado e pela vontade e disponibilidade intactas no tempo dos profissionais daquele espaço comercial.
A perspetiva conceptual da exposição O TRABALHO foi a de um olhar sobre o trabalho e os trabalhadores. Um olhar sobre os ofícios e os artífices que construindo a sua vida pessoal davam forma à sua comunidade moldando-a através do trabalho. Uma visão de época que também nos revelasse, pelo extraordinário silêncio das imagens, uma certa angústia pela redução do trabalho, hoje, a um custo de produção e não a uma afirmação coletiva da capacidade das comunidades.
A exposição revisitou Guimarães, as indústrias que a marcaram até aos dias de hoje (curtumes, cutelarias, têxtil), mas também o trabalho do campo, o artesanato, os serviços, a escola, a ferrovia, entre outros
ofícios.
A exposição que lhe seguiu foi A CELEBRAÇÃO. Esta exposição esteve patente no GuimarãeShopping entre 24 de julho e 30 de agosto de 2015. A exposição perspetivou a CFM na componente festiva da comunidade vimaranense, em fotografias que temporalmente se situam nas primeiras décadas do século XX.
A exposição de 2015 direcionou-se para as festas e romarias, a música, as efemérides, os almoços e piqueniques, os casamentos, os exercícios de bombeiros e outras manifestações, nomeadamente as encenações em exterior ou no estúdio fotográfico de Domingos Alves Machado.
Na exposição A Celebração foi selecionado um conjunto de imagens que procuram solenizar os acontecimentos sazonais da comunidade ainda existentes (as Festas Gualterianas, as Nicolinas, a Ronda da Lapinha), outros já desaparecidos (a Missa do Pelote, a Procissão do Corpo de Deus), as expressões de tributo coletivo da comunidade (entre outras, a homenagem a Martins Sarmento em 1900, a Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922, o oitavo centenário da Batalha de S. Mamede em 1928, as Comemorações Centenárias de 1940), manifestações e celebrações corporativas, a devoção religiosa, a força de instituições como os Bombeiros Voluntários, os militares e grupos musicais, a celebração da família, dos amigos e fotografias de estúdio que procuram transmitir a ideia de uma personagem alheada do corpo que é efetivamente fotografado.
A escolha da palavra celebração teve o propósito de ir além do festivo, resgatando, de forma concomitante, a solenidade que os atos e as fotografias os eternizam.
A exposição NA CIDADE foi a primeira exposição da CFM, no Museu de Alberto Sampaio, e o concretizar
de uma ligação inevitável. A Coleção instalou-se no local que guarda a História central da cidade e se distingue por essa missão. A exposição esteve patente entre os dias 12 de maio e 10 de julho de 2016, na extensão da Praça de S. Tiago do referido museu.
As imagens da exposição basearam-se na cidade, em particular, na sua configuração urbana, nas primeiras décadas do séc. XX, uma altura decisiva para a cidade se reencontrar com ela mesma, para se aprumar do desleixo de séculos anteriores. A cidade necessitava desse cuidado e os vários núcleos de imagens abarcam essa modificação e preocupação estética de recuperação dos seus principais monumentos, ruas e praças, desde o início do século até às novas construções dos anos 60.
A exposição NA CIDADE pretendeu ser um olhar sobre a cidade do século XX que queria crescer e, ao mesmo tempo, reencontrar-se com o seu passado, com a sua importância histórica e com a sua assumida vaidade.
Com a exposição ÁLBUM DE FAMÍLIA a CFM regressou ao espaço do GuimarãeShopping, entre os dias 29 de julho e 24 de outubro de 2016.
A exposição ÁLBUM DE FAMÍLIA baseou-se numa seleção de retratos de família da CFM e na produção de textos que as imagens sugeriam, a cargo de Catarina Pereira, Maria João Areias, Carlos Poças Falcão, Maria da Luz Correia, Carlos Guimarães, António Mota-Prego e Rui Vítor Costa. Podia-se perceber, vendo as imagens, todo o ritual que a fotografia desses tempos exigia: a pose e a imobilidade como condições necessárias ao ato fotográfico e à solenidade de uma construção das memórias de família através da imagem.
As imagens selecionadas da CFM levaram-nos a esses tempos em que a família peregrinava, aprumada, ao estudo fotográfico para que o fotógrafo encenasse uma composição de pessoas sobre fundos neutros ou cenográficos permitindo o registo de um determinado momento na vida daquelas pessoas. A fotografia democratizou esse processo de memória, outrora exclusivo da pintura.
Em ÁLBUM DE FAMÍLIA selecionou-se também um conjunto de imagens de um processo menos comum e que consistia na ida do fotógrafo a casa das pessoas. As famílias são retratadas no seu espaço próprio - com particular destaque para o espaço exterior das casas - ou de locais de lazer, pois só assim se obtinha a luz necessária à fotografia. Das famílias mais abastadas às mais modestas, de grupos de famílias de composição tradicional, a outros grupos familiares que trazem para a cena da fotografia uma imagem de um familiar ausente, de namorados, de noivos, de irmãos e irmãs, todas as fotografias revelam a necessidade de construção de uma narrativa sobre a vida, de uma memória materializada na fotografia.
VERDE A PRETO E BRANCO foi o tema para a exposição da CFM, no ano de 2017. Na linha conceptual das exposições anteriores, selecionaram-se as imagens e convidaram-se autores para que sobre elas especulassem e nos trouxessem informação sobre os elementos históricos que marcaram o espaço público e a modelação que a cidade, as suas vilas e aldeias, a Penha sofreram nas primeiras décadas do século XX. Procurouse, através da imagem e dos textos que as acompanharam, perceber a inevitável tensão entre o crescimento urbano e o espaço natural pré-existente, a utilização de árvores enquanto recurso estético e de conforto, a sua eliminação a troco de um (designado) progresso.
O VERDE A PRETO E BRANCO desenvolveu-se, porém, de uma forma diferente das anteriores exposições. A proposta repartiu-se no tempo e no espaço em fases distintas, procurando em cada uma delas a exploração de afinidades entre as imagens e, no conjunto, a complementaridade entre as três exposições que foram sendo desenvolvidas e interligadas através de pequenos núcleos que foram viajando entre os espaços escolhidos.
Assim, o Tempo 1 localizou-se na Penha, no seu Hotel, e teve como objeto as imagens da montanha e das suas intervenções mais emblemáticas ao longo da primeira metade do século XX, nomeadamente os acessos que foram sendo construídos, a edificação do Santuário, as peregrinações e eventos, revelando uma Penha muito diferente da que hoje conhecemos. A exposição esteve patente, no Hotel da Penha, entre 2 de junho e 8 de setembro.
O Tempo 2, integrado nas festas Gualterianas, teve como casa-mãe um espaço no Guimarãeshopping, reforçando uma ligação entre a CFM e esse espaço e a convivência com um público que não procura a exposição, mas que com ela se confronta e que, à imagem das anteriores exposições, foi dando um contributo pessoal para o nosso melhor conhecimento das imagens. A exposição esteve patente naquele espaço, entre 27 de julho e o dia 7 de dezembro.
A última das exposições a abrir a público foi no espaço do Laboratório da Paisagem, entre 11 de setembro e 7 de dezembro, o Tempo 3, tendo por tema As Vindimas, com base num conjunto notável de imagens da CFM em que o fotógrafo Domingos Alves Machado faz uma espécie de cobertura fotográfica de diferentes vindimas.
O VERDE A PRETO E BRANCO procurou, num melhor conhecimento do nosso passado e da nossa evolução urbana, responder a algumas das interrogações que o presente coloca.
Exposição Verde a Preto e Branco (2017). Miguel Oliveira.
A presença da CFM em espaços não convencionais permitiu, pela abrangência de público que as viu, que mais de uma centena de imagens fossem identificadas no lugar, no tempo e nas pessoas que as compunham. A existência de um livro de registo de exposição, em cada uma das iniciativas, deu a oportunidade para conhecer melhor a CFM, para identificar corretamente algumas das imagens e, em alguns casos, para corrigir prévias identificações. A colaboração do público foi, e ainda é, um objetivo da CFM.
Em todas as exposições referidas foram convidados diversos autores para, a partir das imagens, fazerem a contextualização histórica dos acontecimentos nela retratados ou, mesmo, de usarem a liberdade criativa literária que aportasse à CFM visões diferenciadas sobre o seu espólio fotográfico. As imagens e os textos sobre elas realizados constam dos catálogos de exposição publicados nos anos de 2016 e 2017.
A existência de uma CFM devidamente consolidada através de vários trabalhos anteriores, permite-lhe, hoje, o atrevimento de olhar em frente e trabalhar no seu alargamento. Dessa estratégia fez parte a exposição O DIA V, já referida, mas, igualmente, a exposição GUIMARÃES. PATRIMÓNIO. REGISTOS. (2018), uma parceria entre a Muralha e a Escola de Arquitetura, que cruzou levantamentos arquitetónicos de edifícios históricos - CoLePa -, desenvolvida na Escola de Arquitetura com base em trabalhos escolares, e os arquivos fotográficos da Muralha. Esta exposição esteve patente no Museu de Alberto Sampaio entre 3 de maio e 30 de junho de 2018.
Entendeu a Muralha ser igualmente importante registar o presente. O nosso presente será com certeza o passado de alguém, assim como o presente de Domingos Alves Machado é o passado que gostamos de conhecer e rever. A CFM encontra-se, assim, em crescimento.
Na
DAS CASAS, LUGARES E TRADIÇÕES (2019) foram selecionados três temas: a extraordinária Festa das Cruzes, em Serzedelo, que merecia, pela singularidade e envolvimento comunitário, ser mais conhecida, um edifício industrial, a Fábrica do Castanheiro, que cristaliza o património industrial e social que se
tem vindo a perder de forma inexorável, e a Casa do Costeado, um imponente casario com o qual de há muito cruzámos e que terá de futuro diferente finalidade. Pretendeu-se que exposição fosse o primeiro passo público para esse olhar sobre o presente e igualmente que esse primeiro olhar nos fosse providenciado por quem muito bem trata e conhece a CFM: o fotógrafo Miguel Oliveira.
O trabalho de conservação, organização, datação, de produção de textos e de divulgação da CFM conferem-lhe, hoje, assim o cremos, um estatuto particular no panorama da fotografia, em Portugal, como testemunho histórico, artístico e da vida social do final do século XIX e inícios do século XX. A Muralha está a trabalhar no sentido de lhe juntar o século XXI através da fotografia contemporânea, mas tem também a preocupação de não expor em demasia a CFM. Na exposição CARTAZES DAS GUALTERIANAS (2020), no Toural, bem como na exposição A AVENIDA DO JORDÃO (2022), na Garagem Avenida, a CFM foi complementar e não forçou, por isso, a sua centralidade.
A CFM é, para nós Muralha, associação de Guimarães para a Defesa do Património, uma tarefa permanente que se pode alargar a outros espólios e a outros tempos. O diálogo permanente que procuramos entre a imagem, a investigação histórica e a interpretação criativa é a linha estratégica em que assenta e assentará o futuro da Coleção e, cremos, as exposições da CFM tendem, progressivamente, a incorporar novas visões e novas realidades.
A CEC2012 foi fundamental para que todos os esforços devotados à CFM, previamente a 2011, ganhassem uma nova vida através da exposição pública. E o melhor agradecimento que a Coleção pode prestar à Capital Europeia da Cultura é viver e crescer para além dela.
O ano de 2012 foi um ano muito especial para todos os vimaranenses e muito particularmente para o Cineclube, mas o envolvimento do Cineclube com essa grande celebração da cultura em Guimarães começou anos antes, quando colaborou ativamente, através do seu presidente Carlos Mesquita, na conceção e apresentação da candidatura, nomeadamente na área de programação de Cinema. A Capital Europeia da Cultura proporcionou uma série de oportunidades que o Cineclube de Guimarães aproveitou para concretizar alguns projetos que requeriam exigentes recursos técnicos e financeiros.
De todos os projetos desenvolvidos pelo Cineclube de Guimarães, no âmbito da Capital Europeia da Cultura, o “O Cinema em Concerto” foi seguramente o mais popular e o que teve maior impacto na mobilização dos cineclubistas vimaranenses. Em estreita parceria com a Sociedade Musical de Pevidém, em particular com o maestro Vasco Silva de Faria, o conceito do projeto foi recuperar uma série de músicas icónicas da história do cinema e adaptá-las à sonoridade de uma orquestra filarmónica. Enquanto a banda interpretava as músicas, eram projetadas numa tela de cinema imagens desse mesmo filme, cuidadosamente escolhidas pelo Cineclube. Entre junho e novembro, foram realizados um total de oito concertos, cinco interpretados pela Banda Musical de Pevidém e três pela Orquestra Juvenil de Pevidém, que decorreram no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, no Cinema São Mamede, no Paço dos Duques de Bragança, no Centro Paroquial de Pevidém, no Centro Pastoral das Taipas e no Largo da Oliveira.
O Cinema em Concerto com a banda Musical de Pevidém – CEC 2012, Largo da Oliveira, foto de Helena Leite
A iniciativa “O Cinema vai à Vila” foi um importante projeto de itinerância do cinema pelas vilas do concelho de Guimarães. Com esta iniciativa, o Cineclube pretendeu recuperar uma prática de exibição ambulante que foi recorrente após a Revolução dos Cravos de 1974, promovendo diversas sessões de cinema decentralizadas, nomeadamente em cooperativas, associações de moradores, comissões de trabalhadores. A democratização no acesso ao cinema foi o mote para estas verdadeiras digressões cinéfilas pelo concelho de Guimarães, concretizadas com um projetor de película 16 mm oferecido pela Associação de Amizade PortugalRepública Democrática da Alemanha. Volvidas quase quatro décadas, já com tecnologia digital, e com a colaboração ativa das respetivas Juntas de Freguesia e outras entidades locais, entre agosto e outubro de 2012, no âmbito desta iniciativa, foram realizadas trinta sessões de cinema gratuitas em sete vilas: Lordelo (anfiteatro natural), Pevidém (Coreto e Salão Paroquial), Ponte (Salão Paroquial), Ronfe (adro da Igreja, Salão Paroquial e Casa do Povo), São Torcato (Parque do Lago), Serzedelo (adro da Igreja) e Taipas (Coreto e Salão dos Bombeiros Voluntários).
“Histórias atrás das portas” foi outro projeto promovido pelo Cineclube no âmbito da CEC, uma recolha de testemunhos e experiências vividas atrás das portas de sete emblemáticas tascas e casas de pasto vimaranenses: Adega Machado, Tasca Expresso, Casa Piedade, Adega Pinto, Porta Larga, Adega dos Caquinhos e Tio Júlio. O objetivo seria conhecer melhor os percursos das pessoas que mantêm estes populares espaços abertos à comunidade, numa fascinante expedição antropológica que seria materializado num livro com textos de Samuel Silva, fotografias de José Caldeira e design de Alexandra Xavier, acompanhado por um CD com sons captados nas tascas e casas de pasto vimaranenses e manipulados criativamente por Miguel Ribeiro. O projeto “Guimarães, 50 anos de Pop/Rock” foi também uma herança que o Cineclube vinha constituindo ao longo de décadas. Iniciativa ambiciosa, resultou na produção de um documentário realizado por Ricardo Leite, membro da Secção de Imagem em Movimento do Cineclube, na edição de um livro, da autoria de Paulo Coimbra Martins, e na organização de um duplo concerto com algumas das bandas mais
emblemáticas da cena musical vimaranense das últimas décadas. Para além do trabalho de cariz arqueológico e historiográfico, que recolheu dezenas de testemunhos orais e reuniu centenas de documentos únicos, a iniciativa celebrou o contributo de diversas gerações de músicos vimaranenses com uma verdadeira viagem no tempo.
Seguramente, a iniciativa mais simbólica da Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura para o movimento associativo vimaranense terá sido o tributo a Joaquim Santos Simões promovido por seis instituições vimaranenses: Cineclube de Guimarães, Sociedade Martins Sarmento, Convívio, Círculo de Arte e Recreio, Escola Secundária Joaquim Santos Simões e Escola Secundária Francisco de Holanda. Figura ímpar na história cultural vimaranense da segunda metade do séc. XX, Santos Simões provocou um autêntico terramoto cultural na cidade desde que aqui chegou, em 1957. O Cineclube de Guimarães é um dos melhores exemplos dessa verdadeira revolução local, fundado logo no ano seguinte por um grupo de inconformados encabeçado por Santos Simões. O projeto incluiu a recolha de documentos em diversos arquivos (Sociedade Martins Sarmento, Cineclube de Guimarães, Associação Convívio, Círculo de Arte e Recreio, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Muralha) e em acervos pessoais (Isabel Santos Simões, Eduardo Ribeiro, José Manuel Melo, Luís Caldas), a realização de 9 entrevistas com registo audiovisual (Eduardo Ribeiro, António Emílio Abreu Ribeiro, António Xavier, António Amaro das Neves, Fernando Capela Miguel, Alfredo Coutinho, Fernanda Macedo, Fernando Fernandes, José Rocha), que culminaram na edição de um livro biográfico dedicado à presença de Santos Simões em Guimarães, que seria lançado em 2014.
Falando concretamente da área de Cinema da Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, não posso deixar de referir um nome que desde muito cedo esteve presente e, de alguma forma, foi transversal a várias iniciativas - Joaquim Novais Teixeira. Nasceu em Guimarães em 1899, mas antes de completar vinte anos teria de se exilar em Madrid (1919-1938), iniciando então uma errância que o levaria a viver no Rio de Janeiro (1940-1948) e em Paris (1948-1972); já com o estatuto de jornalista e crítico de cinema reconhecido internacionalmente, voltaria esporadicamente a Guimarães a partir de 1956, mas manteve um contacto regular com a cidade através das páginas do Notícias de Guimarães, do seu estimado amigo Antonino Dias de Castro.
Até chegar ao Brasil pela primeira vez, Novais Teixeira havia colecionado momentos dignos de uma obra cinematográfica de grande ação suspense: fugiu de Portugal em 1919 por se envolver na intentona monárquica liderada por Paiva Couceiro; abandonou Espanha em 1938, perseguido pelas tropas franquistas que cercavam Barcelona, atravessando a pé os Pirenéus; em 1940, em fuga aos nazis que ocupavam França, foi preso pela terrível polícia política portuguesa em Vilar Formoso, tendo sido interrogado e permanecido detido na prisão do Aljube durante cerca de 6 meses, quando, finalmente, conseguiu asilo em terras brasileiras.
O seu percurso pelos festivais de cinema começou em 1951, em Cannes. No ano seguinte, Novais Teixeira integraria o júri da imprensa do festival e seria presença regular também nos festivais de cinema de Veneza, Berlim (onde integraria o júri oficial, em 1958, e presidiu ao júri da FIPRESCI, em 1964), San Sebastián, Locarno (integraria o júri oficial internacional, em 1959), Acapulco, Mar del Plata (em 1970, foi jurado oficial), Rio de Janeiro (foi membro do júri para a Curta-Metragem, em 1965 e júri da Crítica, em 1969), entre muitos outros. A frequência das presenças nos festivais, o convívio com críticos e cineastas e o desempenho de tarefas enquanto júri oficial ou de imprensa parecem ter contribuído, obviamente, para a formação de um gosto cinéfilo e de um conhecimento cinematográfico técnico que o foi envolvendo e que o transformariam num crítico de cinema de referência na imprensa brasileira.
Durante as duas décadas em que viveu em Paris, Novais Teixeira seria o grande promotor do cinema brasileiro na Europa, tendo acompanhado de perto a ascensão do cinema novo brasileiro e de figuras maiores como Glauber Rocha, Nélson Pereira dos Santos ou Paulo Cesar Saraceni. Paulo Emílio Salles Gomes, crítico e “pai” da Cinemateca Brasileira, tratava-o mesmo como “embaixador oficioso e frequentemente encabulado do cinema brasileiro”. Durante a sua vida fez muitas amizades em diversos círculos – o artista multidisciplinar Almada Negreiros (1893-1942), o político e presidente da República Espanhola Manuel Azaña (18801940), o poeta e pintor surrealista António Dacosta (1914-1990), o cronista brasileiro Rubem Braga (19131990) ou o escritor colombiano e Nobel da Literatura Gabriel García Márquez (1927-2014), só para citar alguns nomes – mas nenhuma terá sido tão próxima e duradoura como a que manteve com Luís Buñuel (19001983), iniciada nos tempos em que ambos viveram em Madrid durante a aventura republicana e a terrível guerra civil espanhola, e retomada pela convivência regular em Paris e em diversos festivais de cinema europeus e latino-americanos.
Alguns meses após a morte de Novais Teixeira, em 1972, a maior e mais importante associação de críticos de cinema (FIPRESCI) decidiu instaurar o Prix Novais Teixeira, um reconhecimento inequívoco do seu contributo para a crítica e para a defesa da cultura cinematográfica ao longo de duas décadas. Mas o cinema português também lhe rendeu diversas homenagens, nomeadamente através de António-Pedro Vasconcelos e Manoel de Oliveira: o primeiro dedicar-lhe-ia o filme Perdido por cem… (1973) e o segundo o filme Francisca (1981).
Em 2012, Guimarães teve a sua oportunidade para homenagear, finalmente, um dos seus filhos mais distintos. A área de programação de Cinema e Audiovisual, por recomendação do Cineclube de Guimarães, produziu o filme O Fantasma do Novais, realizado pela cineasta Margarida Gil, publicou o livro Novais Teixeira. O Vimaranense Errante, escrito pelo mesmo autor destas linhas, e lançou o concurso de curtas-
metragens Novais Teixeira, no mesmo espírito de generosidade que o crítico de cinema sempre promoveu, com o propósito de dar oportunidades a novos talentos portugueses na área do cinema.
Mesmo longe, Novais Teixeira nunca esqueceu as festas Nicolinas, a Banda do Regimento de Infantaria n.º 20 ou a D. Aninhas, Caneiros ou a Pisca, ou o vinho verde. Falava recorrentemente dessas raízes vimaranenses nas suas crónicas para o Estado de São Paulo ou para o Notícias de Guimarães, mas também nas conversas com o teórico e intelectual francês Andre Bazin ou cineasta Manoel de Oliveira, fazendo questão que conhecessem e visitassem Guimarães, a “sua pátria pequenina e sólida”. Apesar de afastado da sua terra natal durante décadas pelos repetidos exílios, Novais Teixeira foi um embaixador de Guimarães no mundo, um orgulhoso Vimaranense que, apesar de errante, sempre se sentiu perto dos seus.
Termino este texto com as palavras que o próprio Novais Teixeira proferiu em outubro de 1956, no Restaurante Jordão, por ocasião de um jantar de homenagem promovido para assinalar o seu regresso a Guimarães:
“Não, não sou português, sou mais do que isso, sou de Guimarães! Com efeito, sou de uma pátria pequenina e sólida chamada Guimarães, que tem por limite Vizela e Caneiros, a Penha e a Pisca. O resto, meus velhos amigos, é a fronteira de um outro mundo.
No amor pelos homens, e na defesa dos seus direitos e dignidade, não reconheço fronteiras. Mas a minha Pátria, a Pátria que me fez vibrar, a minha Pátria autêntica e forte é a Pátria da minha infância, é Guimarães!”
Envolvimento das Escolas na CEC: Conta-nos o teu Sítio Teresa Macedo Professora e escritora
A sala dos professores da Escola EB2,3 de São Torcato regista a presença da maior parte dos professores, embora seja julho e o sol, no átrio já quieto do bulício dos alunos, aponte o Verão, ainda com os dias de descanso pendentes nos computadores abertos, onde se corrigem atas, elaboram relatórios, fazem-se listagens…
O espaço entre nós é fluído. Passou o pior da pandemia, é certo, mas as marcas do chão ainda apontam as regras de distanciamento e lembram-no nas portas, nas paredes, no chão, nos corrimões…
Há dez anos éramos muitos, enchíamos a sala onde me dirigi a uma colega: - Lembras-te do que fizemos quando foi a Capital Europeia da Cultura, em Guimarães?
A pergunta teve qualquer coisa de asa. Passou de ouvido em ouvido. De repente, levantaram-se os rostos dos ecrãs, aproximaram-se os passos, fez-se um círculo e, cada um, falou das emoções que encheram esses dias, narrou paisagens, sensações, descreveu cores de lenços e bandeiras, cheiros, sabores e as sonoridades envolvidas nas atividades subitamente lembradas onde todos disseram “sim” ao apelo do Artista Residente (Walter Almeida) no Agrupamento Vertical do Vale de São Torcato, produzindo objetos artísticos representativos de cada freguesia.
E, minutos depois, caiu frente aos meus olhos um cartaz, impresso em A4, adormecido há uma década numa prateleira qualquer, que lembrava o projeto “De Mãos Dadas” e reparei que, enquanto comunidade educativa, já não enchemos duas linhas de página com o nome das escolas em função. Hoje, Rendufe, Gonça, Chã de Bouça (Atães) têm as portas fechadas, juntando-se a Gominhães que, por já estar encerrada, não era referida para participar na “Marcha a Guimarães” para a Inauguração da Exposição “Vale de São Torcato Com (Vida)”, no dia 16 de junho de 2012, com lugar de concentração de toda a comunidade na Ponte Românica de Selho, pelas 14h.
- “De manhã choveu imenso. Tínhamos tudo organizado. Roupas, animais, coisas, pessoas…. Parecia que até os objetos olhavam o céu à Pormenor
espera de um milagre! E, eis, que o sol surgiu por entre as nuvens, pintou o céu de azul. Às 15h devíamos estar todos no Campo de São Mamede para uma hora mais tarde, chegarmos, em desfile organizado, à Escola Francisco de Holanda” – lembrou uma colega, com o dedo sobre o logotipo do mapa das freguesias deste vale, rodeadas de crianças de todas as cores, envolvendo-o, sobre o slogan: “Participa! Conta o teu sítio…”, escrito a letras azul-cobalto, à direita, porque era aí que começaria o produto da releitura do mundo, a sensibilização para a valorização da tradição através de uma abordagem contemporânea e interdisciplinar, aglutinadora dos conteúdos académicos com os saberes e os recursos disponíveis e oriundos da própria comunidade.
Nesse tempo, sítios únicos, povoados de rostos que o próprio tempo tem dificuldade em distorcer, envolveram-se em torno de um objetivo comum, traçado a partir da importância conferida a cada freguesia, fazendo-a dar-se a ver como um espaço identitário, digno e partilhável com todos os outros para que as cores, os sons, os sabores e os tons do Vale de São Torcato convivessem com outras formas de expressão cultural trazidas à Capital Europeia da Cultura.
No projeto “Roteiros”, que envolveu todas as turmas dos sete Jardins de Infância do Agrupamento, as mãozinhas das crianças mapearam os pontos de interesse desta área geográfica, destacando as suas tradições, história, cultura e património natural edificado, servindo-se de materiais de desperdício para fazerem uma maquete tridimensional de grande qualidade estética e amplitude visual, que mapeou todo o Vale de São Torcato.
As escolas de Mosteiro e Chã de Bouça, aproximando identidades que os unem pelas influências dos dois grupos folclóricos, cujos participantes eram adultos relacionados com os alunos de cada estabelecimento de ensino, criaram o “Rancho das Crianças”, usando técnicas plurais, materiais diversificados e alternativos explorados no contexto dos membros da comunidade, reatualizaram os sons da música popular, exibindo trajes regionais de rara beleza, enquanto os ofícios, as artes e os modos de vida não se pouparam à amostragem de rara encenação bucólica e de genuíno património
antropológico.
O diálogo entre gerações foi o denominador comum de muitas atividades pensadas para revitalizar atos de criação em vias de desaparecimento. João Freitas regressou à escola básica de Rendufe para ensinar como se construíam os moinhos de vento, feitos com cascas de eucalipto, bonecas de trapos e carrinhos de linhas, as fisgas, os barquinhos em casca de pinheiro… Não faltou, ainda, a cestaria e as famosas mezinhas e rezas, que com o mal todo o cuidado era pouco e havia de cuidar-se também deste património de tradição oral, então transcrito em suporte de papel reciclado. Na exposição, o projeto de “Mobiles” mostrou como os elos de uma comunidade envolvida se movimentaram em saberes e experiências, registados em áudio, porque nada pode escapar aos sentidos e, o futuro, em algum momento, devia querer apropriar-se de todos os ecos da tradição.
Os jogos, se o foram, tiveram a missão de mostrar que a pedagogia se pode fazer a brincar e, por isso, a EB1 de Gonça expôs um gigante “Jogo da Glória”Trivial Especial Gonça - e uma colcha de retalhos, construída coletivamente com a colaboração de cada família dos alunos. Era como um apelo à atenção dos mais distraídos – se houvera alguém que julgou ser uma mera brincadeira de crianças, exposta no chão, teria as respostas às questões, que lhe assombraram os momentos de interação, em cada quadrado de linho, retalhos construídos a partir de uma investigação pormenorizada sobre as narrativas que enchiam m a vida das gentes, ali valorizada como obra única do coletivo.
A historiografia de outros Sítios dinamizou abordagens transdisciplinares como se dá nota do que aconteceu na escola de Aldão. Canto, coreografia, trajes medievais referentes à Batalha de São Mamede, com enfoque nos acessórios e adornos de roupas dos guerreiros, tendo sempre a perspetiva de sustentabilidade e proteção do ambiente, balizada na sigla dos 3R, encheram o estabelecimento de ensino e as casas dos alunos, usando a dança como forma de expressão que dá a ver, a sentir e a refletir os episódios que originaram Portugal, numa instalação que registou estendais de roupas e adereços e pela exibição de uma coreografia.
Terminámos a observação da Marcha a Guimarães, com uma elegia ao pão de milho, de centeio e de trigo, do vinho, servido em tigelas brancas, e aos sons da ruralidade, corporizados pelas concertinas, que propiciam tempos de repouso e de confraternização, trabalhados pela comunidade educativa de Atães (escola de Vinha). A merenda festiva, ornamentada com todos os objetos feitos de massa de pão, foram apresentados sobre uma colcha de linho branco e tiveram a colaboração de um padeiro profissional, que dinamizou uma oficina junto de todas as crianças.
Foto: Paula Sobrinho
Escrevi, no título, a palavra Sítio com letra maiúscula, começando por soletrá-la devagar, enquanto aguardava que o gotejar da lembrança me trouxesse as memórias vividas, evocadas e reelaboradas no contexto da residência artística e que envolveu, durante seis meses, uma comunidade de várias centenas de pessoas, de pais a professores e todos os protagonistas locais, recordados, inesperadamente, por um grupo de professores que se envolveram e, por isso, contaram de memória o que o exemplo de uma boa prática educativa não deixou perecer das suas lembranças.
Continuava-se a contar a (verdadeira) envolvência com a comunidade, decorridos dez anos, subitamente trazidos à conversa pelos que sobram e foram intervenientes, convidados a modelar a matéria de que é feita a recordação, com fissuras deixadas pela saudade das relações interpessoais e identitárias construídas nesse projeto, que estreitou relações humanas, relações com o tempo, com o espaço, com o futuro, pois a força da autenticidade, a carga da participação e o estímulo do jogo coletivo marcaram, de forma singular, os que buscaram a experiência ancestral das tradições de cada freguesia para realizar um produto criativo, artístico, em que o antigo e o contemporâneo coabitaram sem se molestar, numa sábia sucessão de gerações.
As Cutelarias e os Cutileiros na CEC: A História de uma arte
Maria Teresa Portal OliveiraNos dez anos de Guimarães CEC 2012, a Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas (o AET) desenvolveu um projeto que mostrasse as cutelarias, a indústria por excelência deste concelho, e colaborou na elaboração do Blogue “Cutelarias e Cutileiros - A História de uma Arte” (http://cutelariasecutileiros.wordpress.com/) com a Dr.ª Isabel Fernandes, o Eng.º Martins e o Sr. Carlos Marques, tendo este projeto sido uma das medidas mais visíveis. Elaborou ainda o projeto “Cutelarias e Cutileiros - na senda do património material e imaterial” que concorreu ao prémio Fundação Ilídio Pinho, “Ciência na Escola”, e foi selecionado.
No programa oficial de Guimarães CEC 2012, constava ainda uma exposição de cutelarias e a elaboração de um livro, para o qual esta escola foi convidada a dar o seu contributo e que se realizou já depois do fim do ano letivo.
O projeto teve início com a Residência Artística “Conte-nos o seu sítio”, no âmbito da CEC, que envolveu turmas da EB1 da Charneca e duas turmas da EB2,3 (5º D, 6º E), na Herdmar, onde o artista plástico Walter Almeida coordenou as atividades destinadas aos jovens convidados para uma oficina aberta, na qual puderam criar objetos artísticos, utilizando como matéria-prima apenas os desperdícios de aço, lixas e materiais de polimento resultantes da atividade diária da fábrica. No fim da sessão, os alunos efetuaram uma visita à fábrica.
A 28 de outubro, as turmas do 2º ciclo estiveram em direto no programa da RTP - Praça da Alegria. O trabalho com os mais pequenos já havia sido notícia da RTP em dias anteriores. Com esta iniciativa pretendia-se que as crianças se inspirassem nas memórias vividas e nos lugares das suas terras (concelho de Guimarães) e dessem asas à veia criativa valorizando a história e o património
cultural.
Sendo um projeto multidisciplinar, todas as atividades visaram a recolha do património material e imaterial no campo das cutelarias taipenses (Taipas é a Capital da Cutelaria) com a visita às fábricas de prestígio nacional e internacional (Herdmar, Cutipol, Belo Inox, Batil, Serafim Fertuzinhos, SA) e outra de cariz mais local mas ligada a um nome das cutelarias - Fertuzinhos, a fábrica Cutal pelos alunos da Oficina de Jornalismo e de Escrita Criativa que também entrevistaram os seus administradores, entrevistas que foram filmadas e postadas no Youtube: Maria José Marques e Mário Marques (CEOs da HERDMAR), José Joaquim Ribeiro (CEO da CUTIPOL), Manuel Castro (CEO da BELO INOX), Serafim Fertuzinhos (CEO da SERAFIM FERTUZINHOS SA), José Batista (ex-dono da BATIL).
Para não tornar este depoimento longo, apenas menciono que as Cutelarias supracitadas continuam a levar longe o nome de Caldas das Taipas e dividem entre si os prémios nacionais e internacionais - a CUTIPOL, a HERDMAR e A BELO INOX.
A CUTIPOL, uma empresa familiar com muita história, é muito premiada cá como no estrangeiro. O seu CEO, José Joaquim Ribeiro, respondeu ao pedido de seu pai, para ficar à frente dos destinos da empresa juntamente com um irmão mais novo, quando estudava arquitetura. Acedendo ao que lhe era solicitado, acabou por “exercer” a sua capacidade criadora no design dos talheres que eram criação sua. Os alunos ficaram encantados pela simpatia demonstrada e por saberem que o monumento ao cutileiro era da sua autoria.
NA HERDMAR, os alunos foram muito bem acolhidos por dois dos administradores, a Maria José e o Mário, que falaram da sua vida e do amor à fábrica. A Maria José, a mais velha, que queria ser professora de educação física, foi desde cedo encaminhada para a aprendizagem de línguas e secretariado, fruto da necessidade da empresa na altura que se virava para o estrangeiro, para a exportação. Já o Mário não quis estudar e hoje lamenta não ter tirado engenharia mecânica, o que teria sido uma mais-valia. E aconselhou os jovens a estudarem, pois a preparação académica faz muita falta. José Marques, o pai, foi um homem de visão ao colocar quatro dos seus filhos à frente de cada uma das áreas da fábrica: a Maria José nas exportações (e presidente do Conselho de Administração), o Mário na produção, o Abel na logística e o José Avelino na parte financeira.
NA BELO INOX, os alunos entrevistaram o empresário Manuel Castro que já possuíra a fábrica Horácio e Castro e depois adquirira esta e levou-a atá ao nível em que se encontra, pautando sempre o seu rumo pela qualidade, inovação e arte na elaboração dos seus produtos, orgulhando-se de possuir na sua coleção, modelos, desde os clássicos de média e alta gama, até aos mais vanguardistas e estilizados, utilizando sempre design próprio e/ou parcerias estratégicas com os mais conceituados Estilistas e Designers Portugueses e Europeus.
NA SERAFIM FERTUZINHOS, uma empresa de cariz familiar, criada há mais de 60 anos (fundada em 1958), por Serafim Fertuzinhos, os alunos ficaram a saber que começou pelo fabrico de facas e navalhas, dirigidas essencialmente para as ex-colónias. Com a revolução de 1974, esses mercados fecharam-se por completo e a empresa atravessou alguns problemas económicos. Foi então, nessa altura, que decidiu evoluir para a fabricação de tesouras de poda. Em finais de 2011, abarca também a Batista, Irmãos & Cia Lda. (BATIL), empresa que se destinava ao fabrico de tesouras de hotelaria, têxtil e beleza, fortalecendo assim ainda mais a sua oferta e variedade de produtos.
O relembrar memórias:
- O Monumento ao Cutileiro, da autoria de José Joaquim Ribeiro, CEO da Cutipol, foi inaugurado a 24 de junho de 2003, na Rotunda do Monte d’Além, nas Caldas das Taipas, vila termal e romana, considerada a Capital da Cutelaria e pretende ser uma homenagem aos cutileiros, homens e mulheres que, trabalhando o aço, moldaram a identidade da vila e levaram e levam o seu nome a todo o mundo.
- O levantamento dos cutileiros entre os familiares e amigos dos alunos, professores e funcionários levou à elaboração de entrevistas pela Oficina de Jornalismo a antigos cutileiros e/ou pessoas ligadas ao ofício para a recolha de histórias de vida, usos e costumes dos cutileiros, tradições, vocabulário específico ligado à profissão, entrevistas que foram filmadas e colocadas online no YouTube. Entre os entrevistados, contaramse: Domingos Maia, Alberto Silva, Joaquim Castro, Manuela Sameiro, José Alberto Marques Gomes, António Marques, Daniel Freitas, Carlos Marques.
Domingos Maia começou a fazer anilhas para colocar nos cabos das facas, com quatro, cinco anos. Depois, trabalhou na empresa de seu pai até 65 e, em 67, entrou para a Herdmar, onde trabalhou até se reformar e onde ainda vai de vez em quando. Os alunos foram a casa de Domingos Maia e viram muito dos instrumentos da fábrica de seu pai.
Daniel Freitas começou a trabalhar em casa e, aos catorze anos, em 1960, foi trabalhar para as cutelarias. Fez o Curso Geral de Mecânica na Escola Industrial e Comercial de Guimarães, em regime pós-laboral. Em Fevereiro de 1971, fez o Curso para Encarregados (Chefes), dado pelo INII (Instituto Nacional de
Investigação Industrial), que lhe deu uma noção diferente da que tinha sobre chefia. Entretanto, começou a investir-se na tecnologia e, como conhecia o trabalho todo, em 1981, foi convidado a sair da serralharia e a trabalhar na coordenação desde a matéria-prima até à coordenação das encomendas. Passou quarenta e oito anos na Herdmar desde o manual à automatização e, apesar de reformado, ainda ia à fábrica e gostava de acompanhar o que se fazia.
José Alberto, neto de David da Silva (a quem o pai não pôs o apelido de Fertuzinhos, razão pela qual este ramo da família já o não tem), faz parte de uma nova geração de cutileiros, embora já trabalhe na Cutal há vinte anos. A Cutal foi fundada em 1965 pelo avô (David) com os quatro filhos. José Alberto entrou na fábrica pela mão do seu pai (genro de David) que comprou as cotas de um dos filhos (Manuel Marques) quando este quis sair da sociedade em 1974. O facto dos dez filhos terem herdado a parte do pai veio complicar o destino da fábrica. Quando José Alberto entrou para a Cutal, em 1993, eram cerca de quarenta funcionários e, quinze anos depois, produziam mais, com mais qualidade e com menos mão-de-obra. Neste momento, são cerca de dez funcionários e ainda vai reduzir mais, porque o mercado obriga.
Balsemino Gonçalves trabalhou na Herdmar e depois começou uma indústria caseira, onde fazia facas de aço mole das fitas de aço que apertavam os fardos de algodão que vinham para as fábricas de têxteis da região, umas facas que cortavam bem, mas que enferrujavam com facilidade. Só mais tarde veio o aço inox e a criação da sua marca 2000 inox que, desde 1984, estava nas mãos dos filhos, e salientou que, para a Guimarães CEC 2012, foram encomendados talheres com a forma de pequenas espadas (a lembrar o Afonso Henriques) por três hotéis de Guimarães para comer o taco de boi.
Manuela do Sameiro Macedo Faria da Silva, assistente técnica da Escola Básica 2,3, falou sobre a Fábrica de Cutelarias Faria da Silva criada por seu pai, marca 2000, fundada em 1925 e que já não existia em 2012, tendo desaparecido pouco depois do 25 de abril.
Joaquim Castro, filho de cutileiro e neto de garfeiro, cedo começou as lides na cutelaria, quando dava aos foles ou à ventoinha para depois espalmarem o ferro para ajudar o avô. O pai, como cutileiro, trabalhou em várias empresas e o avô tinha uma oficina de garfeiros, com dez - doze empregados, mas nessa altura o
pai já era emigrante e ele habitava com o avô. Com onze anos saiu da escola e foi trabalhar para a fábrica de cutelarias do Berto Silva. Foi cutileiro durante oito meses. A vida era difícil e emigrou para a Alemanha, onde esteve durante cinco anos.
Alberto Silva, marcado por uma vida dura de trabalho, dos sete aos treze anos fez garfos (o pai era garfeiro), garfos de ferro que enferrujavam. Depois, até aos vinte e oito anos, foi trabalhador no Domingos Marques da Costa e na Belo Inox, altura em que emigrou para França.
António Marques falou do início da sua vida dedicada ao trabalho, pois, com apenas oito anos, foi trabalhar para o António da Silva Fertuzinhos, cujo nome está ligado, nas Taipas, à fundação de muitas empresas. Tendo sido o cofundador da Belo Inox, relembrou a origem do nome. Marques e Real (o nome do sócio) não soava bem; então, lembrou-se que o inox que tinha aparecido recentemente era bom e acabou por dar à empresa o nome de Belo Inox. Acabou por vender a sua parte e ser emigrante na Alemanha e em França.
A BECRE desenvolveu também um projeto que chamou “Encontros… com as Cutelarias e os Cutileiros” e decorreram, na Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas, de 23 a 27 de abril de 2012, aproveitando as pessoas que tinham sido entrevistadas para o Youtube e o Blogue. Foram cerca de cento e oitenta alunos do 5º ao 8º ano de escolaridade que ouviram os palestrantes convidados – Alberto Ribeiro da Silva, Balsemino Gonçalves, Carlos Marques, Daniel Matos, Domingos Maia, Joaquim Castro e Mário Marques – falar sobre os tempos antigos em que as cutelarias funcionavam graças aos moinhos movidos a pás hidráulicas ou à força gerada manualmente pelo homem que fazia mover o veio (e depois trocava com o parceiro que estava a trabalhar, pois eram pagos à tarefa), antes da chegada da automatização, já nos anos 70.
De todos os participantes, só um não foi cutileiro: Carlos Marques trabalhou como ajudante de guardalivros na empresa do seu tio, a Herdmar, e, mais tarde, como contabilista, até se estabelecer por conta própria. Estudioso das Taipas e grande conhecedor de quanto lhe diga respeito, debruçou-se também sobre o estudo das cutelarias e das pequenas empresas que proliferavam na zona. O espólio de algumas das empresas que fecharam está na sua mão e possui imensa documentação. Não é de admirar que sonhe com Taipas a concelho e com o Museu da Cutelaria, nas Taipas.
Mário Marques, encarregado e filho de patrão (como foi apresentado), na altura um dos quatro administradores da Herdmar, não quis estudar e foi trabalhar para a fábrica. Habituou-se a dar no duro e é um apaixonado pela cutelaria e responsável por muitas das ideias inovadoras da fábrica, tanto a nível da maquinaria como no design dos faqueiros.
O empreendedorismo ficou bem patente nestes encontros, pois todos venceram na vida. E a fome e a pobreza que foram companheiras de alguns serviram de incentivo para darem a volta por cima.
E foi num tom coloquial e de amena cavaqueira que os alunos ouviram falar da bandeira dos cutileiros, do S. João Baptista (o seu patrono), mas em menino e que pode ser visitado na Igreja de S. Domingos, em Guimarães. Porquê? Talvez porque o batismo tem a ver com a água e é necessária a água para temperar os metais. Segundo Mário Marques, feita uma investigação por toda a Europa, todas as grandes cutelarias estão localizadas em zonas termais. E contou uma historieta sobre um emigrante que, no Brasil, se dedicou à cutelaria, mas não conseguia que as suas facas ficassem temperadas. Então, mandou ir um barril de água das Taipas e, quando as facas saíam da forja, eram mergulhadas naquela água e adquiriam têmpera, ficavam duras. O problema estava na água. Será que as termas têm algo a ver com a têmpera dos metais? Há quem não concorde. Os estudiosos que se debrucem sobre o assunto e o estudem. Entre muita da informação transmitida, de salientar uma última que dizia respeito aos bairros dos cutileiros e que eram construídos ao redor das fábricas, onde viviam os operários. Muitos deles ainda são visíveis na zona da Lameira: Chamoim, Côto/ Charneca, Padre António, Caldinhas, Venda de Secarlos,…
Ao longo destes dias, Balsemino Gonçalves mostrou aos alunos algumas das atividades do tempo do trabalho manual: bater com o martelo no metal para fazer a estampa do garfo; furar as tabuinhas que iam constituir o cabo do garfo com a rabeca, depois de as marcar com o pinador; colocar a tacha e depois cortar o excedente com a cegueta; prendê-las ao torno com um cavalo e retirar a madeira sobrante com uma grosa e depois com uma lima até dar o cabo. Fez uma faca de aço mole com uma cinta, utilizando a punceta para cortar o metal batendo no tais. Depois, mostrou os cabos modernos que já estão feitos com um encaixe para a lâmina, só faltando colocar a tacha.
E muito mais foi dito…
Em simultâneo:
A vila foi enfeitada com presépios espalhados pelas ruas, mostrando bem o engenho e a criatividade com que publicitavam a vila de Caldas das Taipas, capital da Cutelaria, já que se utilizaram desperdícios desta indústria na sua elaboração e outros materiais que reciclaram.
Em FQ, os alunos visitaram, na fábrica de cutelarias Herdmar, a estação de tratamento das águas residuais resultantes das águas de lavagem das cutelarias e a separação de lamas para envio posterior ao aterro sanitário. Nesta empresa, os alunos também tiveram a oportunidade de visualizarem in loco a aspiração e a deposição eletrostática de poeiras da fábrica através de mangas. A ligação metálica é um conteúdo lecionado em FQ do 9º ano. No âmbito desta temática, os alunos pesquisaram, em bibliografia, na internet e nas fábricas da região, a constituição de ligas metálicas ferrosas inoxidáveis que se utilizam nas cutelarias. O uso de outros elementos como crómio (agente de resistência à corrosão) e níquel (agente de resistência aos ácidos e ao calor) também introduzem ductilidade que os torna facilmente deformáveis por forja, laminação e extrusão.
O Português esteve presente em todos os trabalhos e também em trabalhos criativos da Oficina de Jornalismo e Escrita Criativa como: elaboração de aventuras nas fábricas visitadas “Uma Aventura na Herdmar”, “Uma Aventura na Cutal” e ”Uma Aventura na Belo Inox”. Também cronicaram com a ajuda da professora “Já metendo a colherada” e fizeram acrósticos...
Em EV e EVT, os alunos fizeram trabalhos de expressão plástica utilizando várias técnicas e materiais no enchimento do logótipo da CEC sempre com o olho nas Cutelarias.
Na escola, fez-se uma exposição com a colaboração de todas as cutelarias, no fim do ano letivo, tendo os alunos elaborado os próprios expositores e catalogado todos os utensílios em exposição, fossem talheres ou maquinaria utilizada para a sua confeção.
O projeto, a nível local, encerrou, a 8 de junho, com o Sarau de Poesia “Teus ombros suportam mundo” que se realizou na Herdmar, pelas 21 horas, do dia 8 de junho, com a presença da Dr.ª Francisca Abreu,
vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães e de dois dos responsáveis pelo Blogue Cutelarias e Cutileiros- o Eng.º Martins e o Sr. Carlos Marques.
“No âmbito de uma parceria com a CEC através do Blogue Cutelarias e Cutileiros e como corolário do projeto “Cutelarias e Cutileiros – na senda do património material e imaterial”, o espetáculo pretende ser uma exultação e uma crítica social e política ao processo de industrialização, às relações económicas, ao trabalho e à luta laboral, ao ruído cruel da civilização de hoje. Por último, exalta pensamentos, sentimentos, angústias e alegrias inerentes ao quotidiano do ser humano”, assim foi apresentado o sarau em voz off.
Imbuídos do espírito trabalhador dos cutileiros, os oito alunos, os oito professores e Mário Marques, um dos administradores da Herdmar, numa encenação da professora Manuela Martinez, declamaram/ fizeram leitura dramatizada de excertos e poemas. Um espetáculo inesquecível. Ficou um agradecimento à Herdmar pela cedência das instalações, pelo apoio logístico e pela total disponibilidade demonstrada nas atividades de consecução do projeto, à Direção do Agrupamento de Escolas das Taipas e aos seus funcionários. Realizado num cenário insólito, uma fábrica de cutelarias, este sarau teve a qualidade que já vinha sendo usual, sendo um trabalho colaborativo e muito enriquecedor para professores e alunos. No final do espetáculo, a Herdmar serviu um Porto de Honra a todos os presentes, seguindo-se uma ceia para os intervenientes e convidados na Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas.
Em outubro, realizou-se uma exposição de Cutelarias nos Bombeiros Voluntários das Taipas e houve o lançamento do livro “Guimarães, a Tradição das Cutelarias” pela Associação Comercial e Industrial de Guimarães.
A cultura nunca pode ser apenas um meio para um fim económico, ela tem um papel muito mais significativo nas nossas vidas, e na sociedade, para ser reduzida à sua mera função económica. Os eventos da Capital Europeia da Cultura (CEC) são disso um exemplo disso. A posse do título permite à cidade impulsionar a atividade cultural e atingir novos públicos, integrando a cultura e as artes no planeamento do desenvolvimento a longo prazo e adquirindo uma perspetiva mais internacional. Igualmente importante é o seu impacto social, promovendo a coesão e o diálogo intercultural.
As primeiras cinco CEC foram realizadas em centros culturais bem conhecidos: Atenas (1985), Florença (1986), Amsterdão (1987), Berlim Ocidental (1988) e Paris (1989). Em 1990, Glasgow foi a cidade eleita para acolher a CEC e representou um ponto de inflexão na história destas iniciativas. Por um lado, porque não constituía uma referência cultural do mesmo nível das capitais anteriores, estando a experimentar um intenso processo de reconversão industrial, acompanhado de uma profunda transformação social. Por outro lado, porque incluiu na agenda dimensões não culturais, nomeadamente, um vasto programa de renovação urbana. A ideia subjacente a este alargamento programático foi utilizar a cultura como um meio para reconciliar a cidade com os seus habitantes, criando um ambiente que dinamizasse as vivências urbanas (Universidade do Minho, 2012: 10).
Se um dos efeitos económicos mais óbvios é o aumento do número de turistas, as novas parcerias criadas entre o sector cultural e o sector empresarial local reforçam o sector do turismo, mas também oferecem novas oportunidades em termos de desenvolvimento urbano, por via do investimento em novas infraestruturas culturais, regenerando antigas áreas industriais, por vezes transformadas em novos bairros culturais ou criativos. No entanto, para assegurar um impacto positivo duradouro, as cidades e as regiões circundantes devem integrar o seu programa em estratégias de desenvolvimento a longo prazo, reforçando a ligação entre cultura, património cultural, turismo e desenvolvimento socioeconómico.
Em 1999, a União Europeia introduziu regulamentação com o objetivo de tornar a participação dos cidadãos um objetivo central da programação das CEC. Esta perspetiva torna-se ainda mais relevante com a modificação legislativa de 2006, que estabelece que o programa das CEC deve promover a participação dos residentes da cidade e da região e também dos cidadãos de outros países. Estas regulamentações
A Capital Europeia da Cultura e a educação pelo património Helena Pinto CITCEM / AEVST
refletem também as preocupações da União Europeia com o desenvolvimento cultural e social de longo prazo da cidade. (Universidade do Minho, 2012: 11).
Estes eventos proporcionam às autoridades públicas uma oportunidade de implementar uma mudança importante na forma como apoiam a cultura, promovendo a partilha de experiências e de conhecimentos sobre cultura e património como motores para a inclusão social, a regeneração e o crescimento.
No contexto específico de Guimarães, deve destacar-se a reconversão urbanística e económica da Zona de Couros, um importante núcleo de arqueologia industrial, com origem na indústria de curtumes (Figuras 1, 2 e 3), que tem vindo a acolher novos equipamentos dedicados às artes, design e educação (Universidade do Minho, 2012: 17). Um efeito positivo da CEC 2012 foi a sua contribuição para consolidar este projeto.
Instituto do Design, antiga Fábrica de Curtumes da Ramada. (Fonte: autor).
Se os atributos físicos dos espaços públicos proporcionam sinais e evidências visuais e espaciais que estruturam a sua identidade, articulando-se com aspetos culturais e históricos mais latos, para ser válido e, sobretudo, para ter significado, um espaço público deve ser legível, o que significa que deve ser descodificável por qualquer pessoa (Lynch, 2008: 11). Essa leitura do espaço urbano – ou rural – envolvente, e das suas funções na vida quotidiana no passado e no presente, deve ser parte integrante do processo educativo, nomeadamente ao nível formal, em articulação com o currículo escolar e, se possível, de forma transversal a várias disciplinas (História, Geografia, Cidadania e Desenvolvimento, entre outras).
Instituto do Design - interior, antiga Fábrica de Curtumes da Ramada. (Fonte: autor).
No caso específico da História – área em que esta abordagem é particularmente relevante – apesar das escassas referências à dimensão local no currículo nacional, o desenvolvimento de competências específicas relacionadas com a interpretação da cultura material, possibilita a análise de várias dimensões da realidade,
a nível económico, social, político, cultural e a articulação entre espaços históricos distintos, relacionando-os com problemáticas históricas inerentes ao grupo, à localidade, e às sociedades nacional e mundial (Pinto, 2016).
A promoção e divulgação do programa de ação da CEC 2012 dirigiu-se a vários segmentos do público-alvo, entre os quais se destaca a comunidade local, o público dos eventos e da Europa. A programação proposta inicialmente assentava em doze pressupostos, ressaltando-se, neste contexto, a forte ligação à comunidade, um programa que estimulasse o desenvolvimento da consciência e pertença à Europa, que apostasse na realização de projetos de animação urbana e que apresentasse uma forte componente educativa e pedagógica (Universidade do Minho, 2013: 29).
Se o contacto direto com as fontes patrimoniais é um recurso, entre outros possíveis, para elaborar e implementar estratégias educativas, esta área de interesse estende-se também, e cada vez mais, a contextos não formais de aprendizagem. Interessa conhecer, portanto, como os sujeitos aprendem nesses diversos contextos (Pinto, 2016). Daí a necessidade de outros enfoques também na educação não formal, dirigida a públicos diversos, nomeadamente de museus e entidades culturais ligadas ao património, que produzam materiais específicos para adultos e para os mais jovens.
Lynch, K. (2008). A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70.
Pinto, H. (2016). Educação histórica e patrimonial: conceções de alunos e professores sobre o passado em espaços do presente. Porto: CITCEM.
Universidade do Minho. (2012). Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura: Impactos Económicos e Sociais. Relatório Intercalar. http://www3.eeg.uminho.pt/economia/nipe/docs/Policy%20Papers/2012/relatorio_maio_CEC_UMINHO_v02.pdf
Universidade do Minho. (2013). Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura: impactos económicos e sociais. Relatório final. http://www.guimaraes2012-impactos.pt/pdf/relatorio_final.pdf
Mais do que um fenómeno episódico relacionado com eventos específicos, o Turismo em Guimarães representa desde há décadas um ativo económico relevante que, sem prejuízo de variações muito pronunciadas decorrentes diretamente de acontecimentos como a Capital Europeia da Cultura, se pode inscrever numa tendência global de crescimento acelerado da indústria que teve o seu início em meados do século XX.
O Turismo como hoje o conhecemos ainda é subsidiário do enorme crescimento que se começa a desenhar na década de 50 do século XX nas economias ocidentais - sobretudo nos Estados Unidos. O boom deu-se pela ocorrência simultânea de fatores que, então como agora, foram decisivos.
Em primeiro lugar, destacadamente, a paz e a segurança que emergiram do fim da Segunda Guerra Mundial constituíram o pano de fundo que possibilitou a eclosão de uma verdadeira indústria do turismo, massificada e global.
Mas, por si só, a paz não seria bastante. Foi necessário que coincidissem, no mesmo espaço-tempo, a recuperação e o crescimento económicos registados nas economias mais desenvolvidas e as inovações tecnológicas que permitiram a democratização do acesso ao automóvel individual e o surgimento dos primeiros aviões a jato, que tornaram praticáveis - em tempo e em custo económico - as viagens de longa distância e intercontinentais. Curiosamente, celebraram-se recentemente os 70 anos do primeiro voo comercial a jato: em 2 de maio de 1952, 36 passageiros embarcaram, em Londres, num de Havilland Comet I da British Overseas Airways (BOAC) tendo Roma como a primeira de cinco (!) escalas de um voo que, passadas 23 horas e 40 minutos, os levaria a Joanesburgo. O mesmo trajeto que, hoje, se pode fazer sem escalas e em 11 horas, por um preço certamente bem mais acessível!
Por sua vez, as lutas sociais em torno dos direitos laborais originaram o derradeiro fator considerado
essencial para a revolução em curso, com a consagração do direito a férias pagas para a generalidade dos trabalhadores.
Lidos no seu conjunto, é fácil perceber como estes dados objetivos contribuíram para a criação subjetiva de um sentimento muito favorável à viagem, de uma forte predisposição ao conhecimento de outras culturas, povos e paisagens que consubstanciam uma nova cultura global: a cultura do ócio e das férias que fez com que viajar deixasse de ser um luxo ou algo que se fazia por razões imperativas, para se tornar uma necessidade, um elemento indispensável ao novo conceito de conforto e bemestar.
De então para cá, grandes transformações, com destaque para as ocorridas nos países em desenvolvimento, exponenciaram o fenómeno do Turismo à escala global, que só por três vezes conheceu sobressaltos que, de resto, apenas abrandaram o seu crescimento avassalador: a crise petrolífera dos anos 70 do século XX, o atentado das Torres Gémeas de setembro de 2001 e, mais recentemente, a pandemia de COVID-19, com efeitos catastróficos em 2020 e 2021, dos quais a indústria recupera a todo o vapor já em 2022.
Assimilando esta cultura do ócio e das férias, as classes médias com capacidade económica que se formaram nas economias emergentes, sobretudo nas asiáticas, multiplicou várias vezes - e globalizou - o número de turistas e, claro está, as receitas turísticas.
Portanto, simultaneamente, diversas cidades, regiões e países despertam para este novo filão, promovendo e valorizando os seus territórios e provocando um boom também do lado da oferta, com a colocação no mercado de inúmeros novos destinos que se somaram aos tradicionais.
Tal como sucedera nos anos 1950, o final do século trouxe outras inovações que impactaram profundamente o turismo, começando, uma vez mais, pela aviação: o surgimento das companhias low-cost e a feroz concorrência entre companhias nacionais recém-privatizadas não só pulverizaram o número de destinos como os tornaram muito mais acessíveis.
As economias locais, por seu lado, correspondem a esta nova procura, diversificando e modernizando a sua capacidade de resposta com oferta de alojamento, restauração e animação para todos os gostos e bolsas.
Como pano de fundo, agora, as infinitas possibilidades que a Internet e o comércio online abriram ao cidadão comum, possibilitando que cada um passasse a ser o seu próprio agente de viagens, investigando, comparando, escolhendo, planeando e comprando as próximas férias com total autonomia e sem outra intermediação para além dos próprios interesses e capacidades.
Ao mesmo tempo que exauriu e saturou alguns destinos, conduzindo, por exemplo, à gentrificação dos centros das cidades mais procuradas pela voracidade das novas formas de alojamento turístico, a forma acelerada e massiva como se deu o acesso ao Turismo conduziu igualmente à sua “nichificação”, com o
aparecimento de tipos de turismo suscetíveis de corresponder a todos os interesses, por mais marginais à média que possam ser: Agroturismo, Turismo de nascimento, Turismo culinário, Turismo cultural, Turismo sombrio (também chamado de "turismo negro" ou "turismo do luto"), Ecoturismo, Turismo extremo, Geoturismo, Turismo industrial, Turismo de património, Turismo LGBT, Turismo médico, Turismo cinematográfico, Turismo náutico, Turismo religioso, Turismo de guerra, Turismo de bem-estar, Turismo de vida selvagem etc., etc.
Atualmente, um dos maiores setores económicos do mundo, o Turismo cria empregos e impulsiona as exportações nos cinco continentes. Na análise anual do impacto económico global de Viagens e Turismo, o World Travel & Tourism Council (WTTC) estima que o setor representou, em 2017, 10,4% do PIB global e 313 milhões de empregos, 9,9% do emprego total!
Portugal deve ser um caso de estudo por conseguir conter numa área tão diminuta uma tal diversidade paisagística, cultural, social, gastronómica e até vínica. Porém, só recentemente esta singularidade se vem revelando um trunfo turístico significativo, à medida que a procura se densifica e que a oferta qualificada se generaliza.
Portugal tornou-se um destino turístico, antes de mais, porque não ficou excluído da globalização que transformou uma área substancial do planeta num destino turístico acessível.
Mais recentemente, no quadro da Europa, beneficiou da integração no espaço Schengen e da adoção do euro.
Tem, ademais, a seu favor vários argumentos decisivos na hora de escolher um destino: a diversidade da oferta - praias, cidades patrimoniais, paisagem, gastronomia -, o clima, a relação qualidade-preço, os equipamentos e atividades culturais, a proximidade entre regiões e a qualidade das acessibilidades.
Tudo isto no quadro de uma democracia aberta e plural, desenvolvida, com excelentes níveis de estabilidade e segurança, com bons cuidados hospitalares e um povo realmente hospitaleiro.
A seu desfavor, uma dependência excessiva do transporte aéreo, dada sua a excentricidade geográfica, desde logo relativamente à Europa, com vários países com ofertas concorrentes, mas acessíveis facilmente também por automóvel ou comboio. Este fator, portanto, torna Portugal especialmente beneficiário da revolução que se operou com a generalização do acesso à aviação.
Para além dos seus pontos fortes intrínsecos, nos anos mais recentes, Portugal tem beneficiado da
instabilidade política e insegurança de alguns destinos próximos com os quais compete por mercados importantes, designadamente no norte de África.
De acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC), que soma as receitas diretas, indiretas e induzidas, mesmo em 2021, logo, largamente “à custa” de turistas nacionais, 19,1% da riqueza produzida em Portugal teve origem no turismo, o que faz de nós o 5º país europeu onde é mais forte a contribuição do setor para o PIB.
Depois de Grécia e Portugal, os países europeus onde o turismo tem mais peso no PIB são Áustria, com 15,4%, Espanha, com 14,6%, Itália, com 13,2%, Turquia com 12,1%, e Reino Unido, com 11%, todos acima da média da União Europeia, que é de 10,1%.
Em valor absoluto da contribuição do turismo para o PIB, Portugal surge em 29º entre os 40 países especificados na informação do WTTC, com 45 mil milhões de dólares, à frente da Grécia, com 44 mil milhões.
Dados do INE revelam que, de 2014 a 2019, as dormidas no total do alojamento turístico (Hotelaria, Alojamento Local, Turismo no Espaço Rural e Turismo de Habitação) aumentaram de 48,7 para 70,1 milhões, ou 44% em 6 anos!
Sucesso que, ao que tudo indica, é resiliente: a mesma fonte confirma que, pela primeira vez desde o início da pandemia, a atividade turística em Portugal registada em abril de 2022 ultrapassou os níveis que se registavam em 2019, o saudoso ano de todos os recordes que a pandemia parecia ter tornado irrepetível.
Guimarães: contexto e singularidade
Como não podia deixar de ser, Guimarães beneficia, como tantas outras cidades no mundo, do boom que a indústria global conheceu nas últimas décadas.
Todavia, há fatores particulares que, objetivamente, nos diferenciam e que, nessa medida, acrescentam valor ao destino Guimarães.
Guimarães é um destino turístico há décadas, muito embora o nosso turismo primordial tivesse uma natureza muito diferente daquele que hoje nos é mais visível.
Situaria a origem remota do estatuto em 1940, ano da celebração nacional dos centenários da Fundação de Portugal e da Restauração da Independência, de que Guimarães foi um dos principais polos. É dessa época que datam as operações de restauro dos monumentos do Monte Latito e a sua consagração como “Colina Sagrada” da fundação de Portugal. O Castelo é restaurado na década de 30 e a Capela de São Miguel entre 1938 e 1940. Três anos antes, em 1937, inicia-se o restauro do Paço dos Duques de Guimarães, que viria a
ser inaugurado em 1959, tornando-se Residência Oficial do Presidente da República no Norte do País e o principal atrativo turístico de Guimarães.
Ainda em 1940, a valorização do Monte Latito motivada pelas celebrações dos centenários incluiu também a transferência da Estátua de D. Afonso Henriques, de Soares dos Reis, do Toural para o local onde hoje se encontra.
Ao estatuto simbólico da cidade onde nasceu Portugal, muito vincado pelas comemorações nacionais, alia-se agora um conjunto monumental visitável que confere ao imaginário uma expressão material visualmente encantatória e propensa à efabulação.
Guimarães torna-se, assim, um destino turístico para visitantes nacionais e da diáspora lusófona em demanda da origem das origens, assente como está na sua marcante singularidade histórica e simbólica de berço da nacionalidade.
Mas era a época em que o turismo em Guimarães quase se limitava ao que depreciativamente se designa, ainda hoje, como “turismo de excursão”, que peregrinava a Guimarães para conhecer o Monte Latito e seguia viagem sem sequer pisar o Jardim do Carmo, gerando um impacto económico residual.
Para além disso, o único turismo desse dealbar, que “fica” e começa a ganhar certa expressão, que mantém até hoje, é o turismo de negócios e profissional, gerado pela indústria fortemente exportadora de bens e importadora de maquinaria que se começa a implantar em Guimarães.
O perfil do destino Guimarães e o número de visitantes que atrai só começariam a mudar radicalmente na década de 90 com a aproximação e chegada da autoestrada. Com a abertura do troço da A7 GuimarãesFamalicão, em 1996, e o seu posterior prolongamento para oeste (Póvoa de Varzim, com ligação à Galiza) e para leste (até ao então futuro IP3, que faria a ligação a Chaves), Guimarães torna-se facilmente acessível para o mercado espanhol de proximidade, origem dos mais importantes e numerosos clientes turísticos de toda a região, até aos nossos dias.
Por outro lado, para um destino com a dimensão de Guimarães, a escala regional é crucial para o tornar competitivo e, com a rede de autoestradas e ip’s a tornar-se cada vez mais capilar, Guimarães viu-se no centro de uma região com múltiplos ativos turísticos e de natureza muito diversa – praias, património, montanha e gastronomia.
Foram estas condições de contexto que permitiram exponenciar os efeitos de outra singularidade de Guimarães, a distinção mais decisiva para a sua internacionalização e para o seu posicionamento e identidade como destino turístico: a inclusão do Centro Histórico na Lista do Património Mundial da UNESCO.
Sendo um dos principais trends turísticos globais, o Turismo cultural sobrevaloriza os destinos que
ostentam o “selo” da UNESCO, e fá-lo de forma perene e constante, no nosso caso desde 2001.
Os anos seguintes conheceram um acréscimo substancial de frequência turística, com espanhóis e portugueses expressivamente à frente e com uma incipiente penetração noutros mercados, cenário que só se alteraria anos mais tarde, e uma vez mais com a conjugação de condições de contexto e particulares coincidentes no tempo.
Na senda do crescimento explosivo do trânsito aéreo global, em 2009 a Ryanair abre a sua base no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. As viagens low-cost desta e das outras companhias que se lhe seguiram são grandemente tributárias do aumento fulgurante no número de chegadas e partidas: de 4,5 milhões em 2009, o aeroporto movimenta 13,1 milhões de passageiros em 2019, um aumento de quase 300% em 10 anos. No mesmo período, o número de dormidas turísticas na região Norte aumenta de 4,2 para 10,8 milhões.
A região que, entretanto, soma 3 sítios integrando a Lista do Património Mundial da UNESCO e diversas cidades com oferta cada vez mais qualificada, dotada com uma rede de acessibilidades moderna e rápida, torna-se, enfim, um destino internacional relevante.
Ora, é neste contexto amplamente favorável que Guimarães é designada, em 2012, Capital Europeia O ARTIGO DO NYTIMES OU DE COMO A PERCEÇÃO DE SUCESSO É, POR SI SÓ, GERADORA DE SUCESSO. ESTE ARTIGO JÁ HAVIA SIDO PRECEDIDO POR UM OUTRO, DE JANEIRO DE 2011, QUE INCLUIA GUIMARÃES NOS SÍTIOS A VISITAR.
da Cultura. O retumbante sucesso em que o ano se traduziu em termos turísticos e de comunicação (simbolizado pelo multi citado artigo do New York Times) provocou um aumento muito significativo da notoriedade do destino, que se foi prolongando nos anos seguintes, para além de ter otimizado o seu posicionamento, também como destino para o Turismo criativo.
Do lado da oferta, os anos imediatamente anteriores e posteriores a 2012 assistiram a uma significativa diversificação e qualificação do alojamento, da restauração e dos serviços de animação locais, otimizando as condições para que Guimarães se posicionasse para continuar a beneficiar do aumento global de turistas.
O investimento em programação e a disponibilidade de equipamentos, associada à notoriedade e perceção que Guimarães suscita, concorre para a tornar, também, uma cidade de eventos culturais, desportivos, académicos e profissionais que acrescentam frequência turística e diminuem os efeitos da sazonalidade associada ao Turismo de lazer.
De 2013 a 2020, o Paço dos Duques de Bragança, recebeu mais de 2,7 milhões de visitantes, cerca de meio milhão por ano!
De resto, os principais indicadores bateram, em 2019, os “inatingíveis” números de 2012, enquanto o que sabemos de 2022 nos permite antever com alguma segurança que a catástrofe provocada pela pandemia em 2020 e 2021 será rapidamente revertida.
Para o futuro, os objetivos a atingir estão inscritos na estratégia de reposicionamento da marca “Turismo Guimarães” e procuram corresponder aos desafios deste tempo: o reforço da oferta de Turismo de natureza, a valorização do território e consequente diversificação de atrativos turísticos com vista ao aumento da permanência, a afirmação como destino não massificado e a diferenciação pelo fortalecimento do papel dos cidadãos como principais promotores e melhores anfitriões.
A ACTG foi mais uma vez convidada a participar nos "Cadernos" de Osmusiké e fazemo-lo com um texto de continuidade sobre as consequências de "2012 Capital Europeia da Cultura".
Na sequência do texto escrito em OsmusikéCadernos3, no qual alertámos para a desertificação das cidades, voltamos a referir o mesmo problema, mais especificamente em Guimarães.
Temos e teremos sempre uma ferida aberta no coração da cidade e no coração de todos os Vimaranenses que foi a destruição do Mercado Municipal.
O Mercado que começou a desenhar-se em 1863, sendo uma área bem definida onde se concentrava o mercado e a feira (Mercado de Levante).
Em 1927, o Arquiteto Marques da Silva apresentou o projeto do Mercado como o conhecíamos. Em 1930, começaram as obras que só terminariam em 1956.
Anteriormente à destruição do mesmo, os Vimaranenses deslocavam-se regularmente ao centro da cidade para realizarem as suas compras, diárias ou semanais, trazendo uma vida fulgurante à cidade.
Depois destas compras aproveitavam sempre para passear na cidade, tomar o seu "cafezinho" e comer algo, ver montras e efetuar sempre uma "comprinha" que lhe estava a fazer falta...
Os talhos abriam bem cedo (às 6 horas da manhã as portas abriam ao público) e sempre com bastantes clientes. O comércio florescia.
Com a destruição do Mercado, a população deixou de vir ao centro da cidade e começou a fazer as suas compras nos hipermercados, levando à desertificação da cidade e do novo mercado, que assiste a um abandono, nunca conseguindo obter nem metade do movimento que possuía.
Todos os serviços, ao sentirem o abandono da população do centro da cidade, começaram a deslocarse para a periferia.
E a cidade foi ficando cada vez mais deserta...
Outro dos grandes problemas que Guimarães enfrenta e que foi consequência da Capital Europeia da Cultura é o tipo de espetáculos que são realizados nesta cidade.
Com uma agenda cultural bastante preenchida, os espetáculos são realizados para uma minoria elitista
não se tentando fazer espetáculos que agradem à maioria das pessoas. Assistimos a um sem número de eventos, realizados na sua maioria no Centro Cultural Vila Flor, que atrai sempre as mesmas pessoas e não conseguindo cativar a maioria da população.
Os espetáculos de rua foram proibidos e a cidade vive cercada de restrições.
Infelizmente podemos afirmar que “2012 Guimarães Capital Europeia da Cultura” foi o ponto de partida para o início do declínio do comércio em Guimarães.
Depois temos mais um problema que não nos cansamos de referir: A falta de estacionamento.
Na preparação de “2012 Guimarães Capital Europeia da Cultura” as ruas foram estreitadas e os passeios alargados; isto não teria mal algum se o número de transeuntes fosse igual ao anterior a 2012, mas assim temos passeios largos e vazios.
O facto de não haver oferta de estacionamento na cidade leva as pessoas a procurarem locais onde essa oferta existe, como é lógico falo dos centros comerciais que não abdicam de uma boa oferta neste campo. Podemos arranjar mil e uma desculpas, mas a verdade é que se as pessoas não poderem ir de carro pura e simplesmente não vão.
Somos todos comodistas, é verdade, temos falta de tempo e andamos sempre a correr e sem tempo para nada, por isso, se nos obrigam a andar 5 minutos a pé, pura e simplesmente não vamos e procuramos um sítio que nos ofereça outras comodidades.
A oferta de estacionamento é parca em Guimarães e descentralizada e como resultado as pessoas estão a perder o hábito de vir à cidade.
Apelamos a todos os que têm o poder de fazer acontecer as coisas em Guimarães que tentem alterar a trajetória que esta cidade está a tomar.
Para terminar, à laia de conclusão, deixamos a nossa visão final:
A cidade é feita de gente que vive nela, de gente que nela trabalha, de gente que nela passeia todos os dias do ano. Gente que vai aos cafés, aos restaurantes, gente que faz as suas compras nas lojas de rua... e paramos aqui.
Vamos fazer um exercício de imaginação:
Imaginem o que seria passear numa rua sem comércio, sem montras, sem o colorido dos artigos expostos; à noite só a iluminação pública, sem as luzes e as cores das montras...
Ninguém deseja uma cidade assim.
Após a indicação de Guimarães para a realização, em Portugal, da Capital Europeia da Cultura, em 2012, a ACIG, desde logo, avaliou a sua importância potencial para o futuro de Guimarães e sua região, aliás como fizeram outras Instituições e muitos cidadãos.
A oportunidade era irrepetível; havia, pois, que a aproveitar o melhor possível e, por isso, a sua preparação não poderia “deixar nada ao acaso” e teria de ser ambiciosa.
Uma associação empresarial poderia ser tida como tendo pouco a ver com uma CEC, mas, de facto, tem e muito.
Nem as empresas são “só” economia nem há cultura sem (alguma) dependência e consequências económicas.
As empresas sabem cada vez melhor que “tudo é economia”, que lhes importa o bem-estar dos seus colaboradores para atingirem os seus objectivos comerciais.
As obrigações sociais das empresas (há muito) fazem parte das suas responsabilidades.
Os legados que o Caderno de Encargos CEC impõe às cidades candidatas têm, obviamente, os focos principais em:
- ofertas culturais e alargamento de seus públicos;
- reforço da autoestima e orgulho de pertença;
- catalisar o desenvolvimento da cidade;
Mas também: - contribuir para o desenvolvimento económico, e não apenas o que decorre, directamente, do aumento dos fluxos turísticos.
Por isso, a realização da CEC “tinha tudo a ver” com a ACIG.
Assim, a Associação decidiu que se iria envolver e comprometer, o mais que lhe fosse possível, pelo menos naquilo que de si dependesse.
Primeira decisão: solicitar uma reunião com a Presidente do Conselho de Administração da Fundação
Cidade de Guimarães, para se apresentar, se dar a conhecer, para se disponibilizar, para saber como, então (2009), era previsto que as coisas fossem acontecer.
Essa reunião ocorreu em de Outubro de 2009, na Sede da Associação Comercial e Industrial de Guimarães, por vontade/cortesia da Fundação.
Primeiras propostas / sugestões Para esse primeiro contacto com a Fundação, a Associação tinha preparado um sucinto dossiê com uma súmula histórica de uma Associação com quase 150 anos, depois enumerava alguns factores identitários de Guimarães, nos quais fundamentava um conjunto de propostas concretas, a maioria de continuidade, isto é, que deveriam prosseguir após 2012.
Como grande valor identitário, como é natural, apontámos D. Afonso Henriques / Fundação da Nacionalidade; a seguir, foi indicada a sua actividade industrial (desde 1884...), as Festas de Tradição (Gualterianas, Nicolinas), o pendor associativo (ACIG, SMS, VSC) e, mais recentemente, mas a criar raízes, a Universidade do Minho, as actividades culturais, o turismo e a classificação do Centro Histórico como Património da Humanidade.
Como sugestões para um Plano de Intervenções urbanas, o Campo d'Ataca, equipamentos infantis para o Centro Histórico (a partir de um Concurso de Ideias), um Centro Interpretativo e um Anfiteatro, na Penha, como sinal de valorização e aproveitamento do Património Natural, em contraposição simbólica com o património e actividade industrial dominantes.
Naturalmente que foi afirmado que a actividade da Fundação estava circunscrita à actividade cultural propriamente dita.
No campo das actividades específicas foi sugerida uma Exposição sobre D. Afonso Henriques / Identidade Nacional; outra Exposição / Concurso, na área da Indústria, sobre rótulos, etiquetas, catálogos, embalagens para produtos fabricados; um Congresso, a pretexto dos 90 Anos do Vitória Sport Clube que, além dos temas comuns, especificamente trataria do tema “Violência no Desporto” que, não sendo um problema
particular nem do Vitória nem de Portugal, é um fenómeno bem geral e que só encontrará soluções com o envolvimento dos Clubes, sim, mas também de numerosas entidades nacionais e europeias. Fazia sentido tratar o tema em contexto cultural.
O Vitória, que tanto mobiliza populações vimaranenses, ganharia com a sua aproximação à CEC, faria/receberia reflexões de auto-conhecimento, identidade, valorização e poderia ser, certamente, um excelente ponto de partida para as actividades de comemorações do seu Centenário, que agora decorre. (Mesmo considerando que era uma “mera sugestão”, não estaria a ACIG e exceder-se? Com certeza que não, ninguém iria “impor” um Congresso ao Vitória. Para além disso, que é essencial, a ACIG e o Vitória são “velhos amigos”: quantas Assembleias Gerais o Vitória não realizou no Salão Nobre da Sede da ACIG!)
Voltando às sugestões de actividades de continuidade, entre outras, foram sugeridas: a Feira Medieval/Torneios, em consolidação/desenvolvimento da já tradicional Feira Medieval, em Guimarães; Desfiles de Moda, envolvendo, concertadamente, as nossas melhores produções das indústrias de confecção, têxtil, calçado e de ourivesara/joalharia; uma Exposição específica na área do Património Histórico Industrial. Para valorização e envolvimento da nossa componente universitária, uma Bienal/Trienal de Arquitectura e/ou Design e um Encontro/Congresso Nacional de Engenharia.
As seculares Festas Nicolinas, com o actual forte entrosamento com a população vimaranense, justificaram a sugestão de um Festival Nacional de Percussão.
Finalmente, foi sugerida a realização do I Encontro “Pensar Portugal, Pensar a Europa” (a designação, nesta como em todas as sugestões, era simplesmente exemplificativa), considerando a nossa ligação a D. Afonso Henriques, o reconhecimento de Guimarães como “Berço de Portugal” e o capital invulgar de simpatia que Guimarães suscita em tantas cidades e regiões de Portugal, em Instituições e Entidades nacionais, nos cidadãos comuns e nos cidadãos que reconhecemos como notáveis.
Com certeza que, nessa reunião com a Fundação, noutros enquadramentos, também foram abordados os temas “Museu D. Afonso Henriques” e “Museu da Indústria de Guimarães”.
Dos objectivos da Associação não fazia parte nenhuma crítica à constituição do Conselho Geral da Fundação nem, muito menos, qualquer desconforto institucional porque a ACIG não fazia parte.
Ainda que pudéssemos pensar que seria justificado e, também, porque esse Conselho Geral, então, só integrasse a Sociedade Martins Sarmento como única Entidade directamente representativa de Guimarães, num Órgão coletivo de 12 membros.
Mas, na sequência dessa reunião, o Conselho Geral iria, logo depois, decidir cooptar a Associação Comercial e Industrial de Guimarães para membro desse Conselho.
Quatro meses volvidos, em Fevereiro de 2010, foi realizada nova reunião para balanço/ponto de situação dos assuntos tratados em Outubro de 2009 e para reforçar a disponibilidade de colaboração e apresentar algumas novas propostas.
Um ano volvido, nova reunião foi solicitada, e concretizada em Abril de 2011, para novo ponto de situação sobre os assuntos das reuniões anteriores e, de novo, para apresentação de algumas novas sugestões; uma, foi a possibilidade de emissão, pelos CTT, de selos alusivos a Guimarães CEC/2012.
Não se justificando nenhum detalhe, a ACIG levava um conjunto de 20 pontos a abordar.
Por último, em 12 de Setembro de 2011, foi concretizada nova reunião formal, para novo ponto de situação dos assuntos das reuniões anteriores e, ainda, apresentação de novas sugestões.
Uma das sugestões consistia no contacto com o (atual) Instituto Português do Mar e da Atmosfera para que, nas habituais informações diárias, nos canais de televisão, além da nomeação de capitais de distrito, em 2012, passasse a identificar Guimarães. Uma sugestão que, obviamente dependia de terceiros – IPMA e canais de TV –mas cuja recusa seria inesperada já que não se tratava de abrir “um perigoso precedente porque, é sabido, as Capitais Europeias de Cultura, em cada país, só ocorrem, aproximadamente, de 15 em 15 anos. A relevância nacional de ser Capital Europeia de Cultura é consensual e, qualquer serviço de Informação Meteorológica é, naturalmente, serviço de interesse público.
Corações Guimarães/CEC
As reuniões assinaladas não foram os únicos contactos ocorridos. Muitas outras reuniões de preparação e trabalho foram realizadas para actividades concretas.
Aquelas que, provavelmente, tiveram maior repercussão foram as destinadas ao envolvimento dos comerciantes e outros empresários que, concretizando uma excelente fórmula de envolvimento, incluíram, nas suas montras comerciais de rua, em consultórios e outros serviços, o símbolo da Guimarães 2012, exemplificando de forma criativa o seu “Eu faço parte”. Não havia 2 logótipos iguais, em cartolina 3D…. mas centenas de montras ostentavam o seu coração, adornado com motivos específicos do tipo de produtos que cada loja comercializava.
Fomos testemunha da repercussão internacional das “montras CEC de Guimarães”. A sede da ACIG foi, naturalmente, o local central de distribuição das cartolinas-coração.
Actividades no edifício-sede da ACIG
Actividades decorrentes, ou integradas, da programação CEC/2012 ocorreram frequentemente na Sede da ACIG, cujas obras, de restauro criterioso e ampliação, tinham terminado em 2009. Obras que, pela sua localização e natureza foram precedidas por escavações arqueológicas, que se prolongaram por mais de um ano, adiaram o início da execução da obra, mas de que resultou a constituição de um valioso espólio, datado do século XIII/XIV ao século XIX, cujas peças mais significativas constituíram o acervo do “Núcleo Arqueológico da Associação Comercial e Industrial de Guimarães”, exposto “in situ”. Decorrente da Lei, todo o espólio é propriedade do Estado. Algumas das actividades mais significativas realizadas na sede da ACIG:
- Formações na área do associativismo;
- Acção “Fábrica das Associações;
- Exposição Michelangelo Pistoletto (núcleo);
- Exposição na Sala Multifunções;
- Exposições no Átrio de Entrada;
- Guimarães noc-noc;
- Exposição “Guimarães: a Tradição das Cutelarias”;
- Apresentação do Livro “Fotobiografia de Alberto Sampaio”;
- Apresentação do Catálogo “Guimarães: a Tradição das Cutelarias”.
A apresentação da obra “A Paixão das Origens”, sobre Alberto Sampaio, foi realizada na ACIG por escolha expressa dos seus autores (Emília Nóvoa Faria e António Martins) porque Alberto Sampaio foi o primeiro Sócio Honorário da Associação Comercial e Industrial de Guimarães.
Alguns visitantes especiais deixaram a sua presença registada no Livro de Ouro da ACIG, ainda o livro inicial, que tem registos desde o último quartel do sec. XIX.
Jogo “Eu Sou Guimarães”
- Exposição “Edifícios & Vestígios “;
- Catálogo da Exposição “Edifícios e & Vestígios”;
Houve ainda outras actividades da programação CEC/2012, cuja colaboração da ACIG, foi formalmente reconhecida, nomeadamente:
- Planeamento sobre memórias de indústrias tradicionais de Guimarães;
- Filmes sobre Indústrias Tradicionais de Guimarães;
- Edição do Jogo “Eu Sou Guimarães”.
- Impactos Económicos e Sociais da CEC/2012, da responsabilidade da UM.
O jogo sobre Guimarães é um jogo de cartas, de conhecimento essencial, com perguntas-teste sobre História e Património, Inovação e Negócios, Populações Especiais, Capitais Europeias da Cultura.
O Jogo incluía uma edição (com 88 páginas) que dava resposta a todas as 200 perguntas do questionário;
o Jogo incluía também uma brochura (44 páginas) intitulada “Comunicação e Atendimento para comerciantes e seus colaboradores”.
Os filmes sobre indústria tiveram também a colaboração da Escola Profissional da ACIG, CISAVE.
Como já foi referido, uma das sugestões iniciais da Associação consistia numa Exposição-Concurso de objectos de “lembrança turística”. Nas lojas de lembranças de Guimarães há centenas de objectos, funcionais ou decorativos, executados por escolha e encomenda de comerciantes; outros por iniciativa dos seus criadores. Parte deles são iguais, ou semelhantes, aos que se encontram em outras cidades e regiões do país. O objectivo da iniciativa não seria o de impôr um gosto, uma estética, ao que cada comerciante escolhe para vender na sua loja; mas pretendia-se que, com a criação de dezenas de objectos de design, alusivos a Guimarães, seus monumentos, seus espaços públicos, suas gentes, sua história, utilizando, nomeadamente, materiais e matérias-primas da sua produção industrial, contribuíssem para alargar o leque de escolhas de lembranças de turismo, com design, contemporâneo, “de Guimarães”.
À volta desta sugestão, ou coincidindo, houve caminho andado, por terceiros, com proposta bastante desenvolvida e com qualidade. Julgamos que esteve prestes a ser concretizada, mas por se juntar a muitas outras que “ficaram na gaveta”; esta, às vezes, acontece a náufragos, acabou por “morrer na praia”.
O catálogo “Guimarães: a tradição das cutelarias”
Esta iniciativa da ACIG foi realizada por se tratar de uma indústria tradicional, reconhecida, há muito, como produzindo “as melhores cutelarias”, porque, em Portugal, só Guimarães produz cutelaria de mesa e porque também somos os maiores produtores europeus.
O centenário de uma empresa, a Herdmar, reforçou a oportunidade.
Esta iniciativa já foi referida no OsmusikéCadernos3, mas justifica-se ainda referir que o Catálogo, com o mesmo título da Exposição, teve um subsídio da Fundação Cidade de Guimarães de cerca de cinco mil euros e recebeu o prémio Melhor Catálogo 2015 da APOM – Associação Portuguesa de Museologia.
A Exposição histórica de cutelaria foi complementada com uma mostra de produção contemporânea, em que participaram todos os fabricantes de cutelarias de Guimarães.
O Catálogo recebeu também o apoio desses fabricantes e teve o patrocínio de instituições relevantes de Guimarães:
- Avepark, Parque de Ciência e Tecnologia;
- Universidade do Minho;
- Instituto de Design;
- Junta de Freguesia de Oliveira, S. Paio e S. Sebastião;
- Junta de Freguesia de Creixomil.
A Exposição, o Catálogo e outras iniciativas complementares – nomeadamente a edição facsimilada do vol. I de Os Mesteres de Guimarães, de A.L.de Carvalho – representaram um investimento total superior a sessenta mil euros que, sendo muito significativo, não teve nenhuma responsabilidade no que, recentemente, resultou na extinção da mais antiga instituição civil de Guimarães porque os proveitos foram equilibrados com os custos.
Fica, também por isso, esta folha de memória sobre uma Associação que, no seu âmbito, era das mais antigas do país e que, ao longo de mais de 150 Anos de história, se envolveu e, muitas vezes, foi decisiva, no que foi sendo determinante para Guimarães: a Escola Industrial, a Exposição Industrial de 1884, as Exposições industriais e agrícolas de 1910, 1923 e 1953. A ACIG foi também a Instituição a quem Guimarães deve a refundação e valorização das Festas Gualterianas e o Hino de Guimarães, que lhe foi dedicado.
Durante décadas, na sua sede, (comprada, justamente, em 1922), classificada Imóvel de Interesse Público, o seu Salão Nobre foi, literalmente, a Sala de Visitas de Guimarães onde, muitas vezes, foram recebidos os visitantes mais ilustres, que a Cidade ou as suas Instituições quiseram receber com especial acolhimento.
Penha, a nossa montanha sagrada, catedral e joia da natureza, mãe de água e pulmão verde da nossa cidade, berço da nação portuguesa, contribuiu activamente para que a CEC 2012 fosse um êxito e um exemplo para a Europa e para o Mundo.
Cedo a Irmandade da Penha, que tenho a honra de presidir desde 2006, reuniu com os seus técnicos e elaborou um ambicioso plano de requalificação de todo o seu espaço natural, ambiental e edificado, da autoria do Arquitecto Noé Diniz.
Iniciada a execução desse plano em 2007, prolongou-se até 2012 e foram executadas as seguintes obras:
- Recuperação do edifício do Santuário, pintura e restauro do seu interior, substituição da instalação eléctrica, nova iluminação, novo mobiliário, lavagem das fachadas e requalificação do altar-mor;
- Recuperação da cobertura da Capela de Santa Catarina e restauro de todo o seu interior;
- Recuperação da cobertura da Casa das Estampas, impermeabilização, pavimentação da zona envolvente e construção do novo mobiliário no interior;
- construção do novo recinto do Santuário, zonas envolventes, substituição da rede de distribuição de água e construção do sistema de rega automática;
- Construção da nova praça do Cruzeiro e respectivo Anfiteatro para eventos ao ar livre;
- Construção do novo Escadório de acesso ao Santuário, a partir da então EN101-2, via praça do Cruzeiro;
- Construção da nova rede de iluminação pública com cabos de alimentação da electricidade enterrados, para melhorar a imagem paisagística do espaço envolvente do Santuário;
- Construção do novo parque de estacionamento, devidamente sinalizado, na plataforma do Hotel da Penha;
- Construção da nova Praça da Comissão para eventos culturais e populares, com palco permanente;
- Requalificação do nosso parque florestal, livre de espécies invasoras e infestantes, tornando-o mais sustentável e resistente aos incêndios e, ao mesmo tempo, exemplo nacional do trabalho de prevenção de fogos florestais;
- Plantação de várias centenas de novas árvores, autóctones com 10 ou mais anos de vida, com a solidariedade dos vimaranenses, num programa de adopção de uma árvore.
Este foi o nosso grande contributo para a CEC2012 que nos custou várias centenas de milhares de euros, cinco anos de muito trabalho que motivaram a compreensão dos milhares de visitantes tendo em conta que, durante este período, a Penha mais parecia um estaleiro de obras.
Lembro o nosso discurso na cerimónia comemorativa da 119ª Grande Peregrinação à Penha (09.09.2012) perante as autoridades civis e religiosas, que passo a citar:
“Cumpridos dois terços do ano da CEC 2012 julgamos que estivemos à altura do acontecimento, no entanto, permitam-me dizer que temos pena que não nos tenham solicitado mais trabalho e que este palco natural não tenha sido mais utilizado nas várias programações de espectáculos e eventos. A nossa disponibilidade foi, é e será sempre total para servir Guimarães e o País.”
Valeu a pena, valeu muito a pena, porque como dissemos no mesmo discurso: “Trabalhamos em equipa, desde os técnicos aos colaboradores mais humildes e, dessa maneira demos melhor futuro ao nosso futuro. Construímos destino, definimos um rumo, imprimimos um ritmo, lançamos desafios para atingir o objectivo.”
Esse rumo vai conduzir-nos ao Estatuto de Paisagem Protegida e por que não Património Mundial da Humanidade.
É esse futuro que estamos já hoje a preparar para comemorar em 2022, festiva e solenemente:
- 155 anos da nossa fundação da Irmandade da Penha;
- 100 anos da travessia aérea do Atlântico Sul (95 anos do Monumento aos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral);
- 75 anos da inauguração do nosso Monumental Santuário Eucarístico e Mariano, obra do ilustre Arquitecto Marques da Silva.
No ano 2022, em que faz 75 anos da sua inauguração, o nosso Monumental Santuário da Penha ganhou um novo visual com a iluminação do seu campanário, o maior da região norte.
Um milénio, um século, uma década, um ano... O traçado deixado por um destino que entrelaça a história da Casa de Margaride à história da nossa cidade, Guimarães.
Em 2022 é celebrado o milénio de uma casa – a Casa de Margaride; o século do maior símbolo desportivo e social da cidade – o Vitória Sport Clube; a década do expoente máximo da relevância e exposição da nossa cidade num contexto europeu – a Capital Europeia da Cultura (CEC); e o ano da elevação do Jardim de Margaride a Património Nacional, fechando assim este feliz encontro de história num ciclo a quatro tempos. Não querendo testar as minhas sortes frente ao Destino, tentarei fazer justiça a este destino que agora se cumpre, escrevendo estes pensamentos em ciclos de quatro tempos.
Sabendo a Sorte do meu acordo com o Destino, decidiu esta fazer-me a amabilidade de, aquando da conceptualização da Capital Europeia da Cultura 2012, que esta tenha sido pensada a quatro tempos: Tempo de encontrar, Tempo para criar, Tempo para sentir e Tempo para renascer; e de me dar também quatro estações no ano onde me posso inspirar, agora que começo a construir o argumento de que a CEC 2012 não só não acabou, como se renova a cada ano: sob a folhagem das copas das árvores, sobre os caminhos de terra centenária e por entre a vida dos canteiros do Jardim da Casa de Margaride.
Admito que não me era óbvia a dimensão cultural do Jardim. Entendia a raridade do conjunto arbóreo e, acima de tudo, admirava a óbvia beleza da composição, mas o meu conceito de cultura tinha como peça central grandes figuras, criações ou momentos históricos e não uma Camellia japonica ou uma Pereira.
Olhando para o Jardim como para uma obra de arte esta dimensão cultural fica cada vez mais clara e impressionante. Se não, vejamos: Que outra obra de arte pode contar com as mãos de múltiplos artistas que a formaram, esculpiram, trataram ao longo de quase quatro séculos? Que outra obra de arte cresce, vive, morre e renasce anualmente? É uma obra que não é estática e que nunca será um trabalho acabado. Que outra obra de arte faz o artista sentir-se menos artista pela certeza de um trabalho efémero enquanto o faz, e sentir-se mais artista pela possibilidade de reinvenção que ocorre a cada Primavera?
Pois é aí, na Primavera, que se dá o Tempo de Criar.
É tempo de limpar os caminhos, é tempo de plantar, é tempo da obra se reinventar mais uma vez. Aí o artista é mais artista.
O Jardim da Casa de Margaride tem a particularidade, partilhada com outros jardins criados no mesmo período temporal, de ser um jardim assimétrico: floresce nos canteiros nos meses de primavera e verão, e floresce nas copas das árvores nos meses de Outono e Inverno. Esta particularidade mune o artista de novas formas de pensar e recriar o Jardim a cada ano que passa e permite ao observador, inclusive o mais desatento, encontrar algo de novo a cada visita.
Depois de recriada a obra, o artista tem, agora, de a cuidar. Manter a obra, que é também uma ode à vida, é tão ou mais importante que o processo de criação, pois o Verão caminha a ritmo apressado, apressando também a vontade de passear lentamente por entre os
arbustos que ladeiam as flores, agora beijadas por um sol que convida à sombra. Para além deste paradoxo sensacional, passear pelo Jardim permite o encontro com a vida em todo o seu fulgor.
Pois aí, no Verão, é Tempo de Encontrar.
Não é só beleza que se encontra em cada recanto do Jardim, se se olhar com olhos de quem quer ver, podemos também encontrar o esforço de quem trabalha quando o sol ainda (ou já não) brilha. Podemos encontrar a dedicação de gerações a esta obra que vive na sua própria linha cronológica, e que, depois das tórridas tardes de verão, caminha, agora, rumo aos pachorrentos ocasos do outono. As folhas começam a cair, as flores começam a transformar a sua delicada beleza em nutrientes que servirão para alimentar a tela, sobre a qual o artista já sonha a próxima reinvenção. A beleza melancólica de um fim que traz certezas de um novo início. Já não se vê o fulgor do verão, agora abre-se espaço para o tempo em que se pode sentir, numa folha caída ou numa flor em tons de castanho, a efemeridade da obra, a efemeridade da vida.
Pois aí, no Outono, é Tempo de Sentir.
Sentir tristeza por estar próximo mais um dos fins da obra infinita, sentir o desconforto da passagem de uma tarde quente para uma noite fria, sentir a paz no silêncio do ocaso, agora que as cigarras já não cantam. O artista senta-se, agora mais encasacado do que antes, e observa todos os que pela obra passam com ar melancólico. Olha-os com a altivez própria de quem sabe o último tempo da obra. Sabe que nada é final. Sabe que tudo o que nasce tem de renascer, e sabe que a sua obra guarda para o escuro e frio o seu ponto de maior brilho. Sabe que antes de voltar a criar, a obra tem primeiro de renascer.
Pois aí, no Inverno, é Tempo de Renascer.
E o Jardim renasce. Renasce envolvendo todos os seus elementos numa cena com fundo acinzentado, preenchida com o habitual verde agora salpicado em tons de rosa e branco. As camélias tomam conta das copas das árvores dando vida à obra que outrora se pensava acabada.
E quando chega o tempo de dar a sua vida, fazem-no dando a derradeira pincelada na composição, emprestando ao chão a sua cor, ao mesmo tempo que nutrem a tela para que outras cores possam tomar o seu lugar nas longínquas tardes de Verão.
E é assim que o ciclo se completa. Ano após ano, década após década, século após século e agora também, milénio após milénio. Visitar os Jardins da Casa de Margaride é viajar pelo tempo em ciclos de quatro tempos, é visitar a obra, sempre inacabada, dos artistas que por lá passaram. É criar, encontrar, sentir e fazer renascer a CEC a cada ano, a cada estação.
O artista por lá anda a pensar, sonhar e criar a sua reinvenção da obra. Ouvir pela sua voz aquilo que acabo de escrever só faz com que estas linhas percam qualquer relevância. Sente-se o amor, a dor, o orgulho e o sentido de uma missão que este crê ter-lhe sido confiada pelos seus antecessores ao invés de um merecido orgulho pelas pinceladas dadas por si. Mas com o destino não se deve testar as
sortes, e quis o destino que fosse ele o derradeiro artista do milénio e quis a sorte que fosse o meu Pai.
A Capital Europeia da Cultura relembrada 10 anos depois António Magalhães
Já muito se disse sobre este evento que projectou Guimarães. Todavia, e como normalmente acontece, há leituras que se fazem sobre o tema que, ou por desconhecimento profundo do mesmo, ou por interesses que me dispenso de classificar, desvirtuam tão significativo projecto cultural.
Convém relembrar que só foi possível sermos contemplados com tal responsabilidade para sucedermos ao Porto, por vontade do governo de então. Relembro que depois do trabalho político, como remate do mesmo, a decisão foi tomada numa reunião do Conselho de Ministros realizada em Guimarães, o que ainda mais enfatizou a importância do evento cultural em causa.
A distinção que o governo de então nos concedeu, para assumirmos tal responsabilidade, assentou, ainda que de forma indirecta, no reconhecimento do trabalho da reabilitação do Centro Histórico que havia merecido o estatuto de Património Mundial da Humanidade em 13 de dezembro de 2001.
A dimensão do projecto trouxe até nós um período temporal significativo. Ainda na preparação do mesmo, vários vultos da cultura nacional e internacional vieram até nós, concedendo-nos um singular contributo global.
O timoneiro deste trabalho foi o saudoso Presidente Jorge Sampaio, que esteve connosco desde o início do projecto, particularmente quando surgiram inesperados problemas com os quais não sonhávamos. Devemos a tão ilustre figura da política portuguesa e ao seu colaborador, o Prof. João Serra, a travessia com êxito na fase mais conturbada do evento.
Não esqueço, em sintonia com o apoio destes dois cidadãos, o trabalho importantíssimo das várias instituições culturais de Guimarães, que foram, também elas, fundamentais para ganhar esta causa, junto das mesmas e particularmente dos cidadãos vimaranenses.
Passada esta turbulência destaco também o trabalho, conhecedor e competente, da Dra. Francisca Abreu, que nos momentos mais críticos, e quando se impunha uma voz culturalmente avisada, era a sua autoridade que sobressaía em consonância com tantos outros homens e mulheres da cultura de Guimarães.
Devo ainda uma palavra amiga e de agradecimento, ao trabalho específico, em certos momentos conturbados, ao Dr. Teixeira e Melo que, com a competência por todos reconhecida, esteve sempre presente, sobretudo nos momentos mais críticos que foi necessário ultrapassar.
Relembro ainda o contributo de dois ilustres cidadãos, representantes da Sociedade Civil, vozes marcantes do Conselho Geral da Fundação Cidade Guimarães. Refiro-me aos ilustres cidadãos Dr. Fernando Conceição e ao Dr. Óscar Jordão Pires.
A larga maioria dos nossos concidadãos relembram, com saudade, um extenso período festivo que a Capital Europeia da Cultura trouxe a Guimarães.
Naquele ano e ainda hoje, se há um período marcante na projeção na nossa cidade, foi sem dúvida o ano 2012 e os eventos culturais que propiciou a Guimarães, ao país e ao mundo da cultura.
Deixo um pedido de desculpas a alguns cidadãos que deveria destacar, e não o faço neste pequeno texto, sobretudo por não conseguir memorizar, com segurança, o apoio específico que nos concederam.
Muitas associações culturais, gente da cultura, tantos e tantos cidadãos anónimos e a população vimaranense em geral, fizeram jus ao bem conseguido slogan TU FAZES PARTE.
Guimarães 2012
Capital Europeia da Cultura15 Francisca Abreu16 (1954-2020)
A 7 de outubro de 2006, por ocasião do Conselho de Ministros informal, realizado no Centro Cultural Vila Flor, foi anunciada a decisão de nomear Guimarães como cidade Portuguesa candidata a Capital Europeia da Cultura, em 2012. Essa decisão gerou uma onda de alegria e entusiasmo e uma torrente de expectativas, a par de um orgulho tão próprio dos Vimaranenses. Uns porque sabiam e outros porque intuíam que a Capital Europeia da Cultura seria uma oportunidade única para Guimarães, uma cidade que tinha, e tem, sabido conjugar o respeito e salvaguarda do património com uma agenda cultural contemporânea forte e marcante. Ao anúncio seguiu-se um período de reuniões entre a Câmara de Guimarães e o Ministério da Cultura, que estabeleceram as bases para a elaboração da candidatura que teve início em fevereiro de 2007. Num processo amplamente participado foram recolhidos os contributos para o que viria a ser a publicação de candidatura, entregue em Bruxelas, em dezembro do mesmo ano. Depois de um longo tempo de espera e de expectativa, a 12 de maio de 2009, o Conselho Europeu de Ministros da Cultura deliberou aprovar a candidatura e nomeou Guimarães como Capital Europeia da Cultura, em 2012, conjuntamente com a cidade Eslovena, Maribor. Este foi um novo momento de entusiasmo em todo o processo que conduziu àquele que viria a ser um dos anos mais fantásticos da História recente de Guimarães. Como em dezembro de 2001, a decisão da UNESCO de integrar o Centro Histórico de Guimarães na lista de sítios Património Cultural da Humanidade foi o reconhecimento de todo o trabalho de reabilitação liderado pela Câmara de Guimarães, que tão bem soube envolver todos num processo reconhecidamente exemplar. Um envolvimento que reforçou o valor do património, a identidade dos Vimaranenses e o seu orgulho por Guimarães, pela sua História e pelo seu património construído e pelas suas tradições e
15
Agradecemos à SMS (Sociedade Martins Sarmento), na pessoa do Diretor de Revista de Guimarães, Dr. Antero Ferreira, a cedência deste texto que foi originalmente publicado na Revista de Guimarães, volumes 124/125, pp.51-55.
16 Vereadora da Educação, Juventude e Cultura da Câmara Municipal de Guimarães durante a CEC 2012.
lendas. Mas, ao mesmo tempo, significou uma responsabilidade. A responsabilidade de manter viva e dinâmica a riqueza patrimonial, de continuar e alargar a outros espaços o trabalho de reabilitação de uma cidade com tanta História e simbolismo para os Vimaranenses e para os Portugueses. Responsabilidade que a Câmara e os Vimaranenses tão bem e tão orgulhosamente têm sabido honrar.
Também aquela decisão de aprovação da candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura foi um reconhecimento, desde logo da valia da candidatura apresentada pela Câmara, em parceria com o Ministério da Cultura, mas também da visão e estratégia da Câmara que, desde os anos 90 do século XX, havia criado e reforçado uma agenda cultural forte, continuada, contemporânea. Uma estratégia que passou pela criação e reforço de uma forte equipa de técnicos e programadores culturais, pela criação de espaços e equipamentos culturais, sendo, até então, o Centro Cultural Vila Flor, aberto ao público em 2005, o mais importante e significativo. Mas passou também pelo envolvimento e estabelecimento de parcerias com instituições e associações locais, regionais e nacionais, pela criação de iniciativas marcantes, como o Guimarães Jazz, pela criação e formação de públicos, pelo reforço da atratividade de Guimarães, como cidade de cultura. Mas aquela decisão significou também uma responsabilidade e um desafio. A responsabilidade de honrar a História de Guimarães, passada e mais recente, de fazer bem aquilo a que a candidatura se proponha e de construir memória futura. E significou o grande desafio de reforçar e alargar a agenda cultural, de valorizar as competências dos Vimaranenses e de aproveitar a oportunidade única e irrepetível para reforçar a notoriedade e prestígio de Guimarães, a nível nacional e, sobretudo, internacionalmente.
A responsabilidade e o desafio eram grandes e para grandes tarefas são necessárias grandes vontades, muito empenho e humildade, e muita força e tenacidade. E, ao longo dos tempos, os Vimaranenses deram provas da sua força e da sua enorme capacidade, nomeadamente de saber unir esforços para lutar por um bem comum. Apesar das vicissitudes que o processo atravessou, que são expectáveis em todas as iniciativas de grande envergadura e intensidade, Guimarães e os Vimaranenses souberam fazer de Guimarães 2012Capital Europeia da Cultura um ano absolutamente memorável. Imbuídos de um forte “patriotismo de cidade”, nas palavras do Dr. Jorge Sampaio, os Vimaranenses agarraram no slogan “Tu fazes parte” e logo o transformaram em «EU FAÇO PARTE». Sinal inequívoco de que Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura era o seu projeto, um projeto de todos e para todos.
Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura permitiu, num tempo mais curto, a continuação e o alargamento da reabilitação de espaços públicos e devolvê-los à fruição de todos, e, nessa medida, da ampliação da própria cidade. Possibilitou a criação de novos equipamentos culturais, com destaque para a Plataforma das Artes e da Criatividade, e o reforço de uma rede de equipamentos de criação e de produção cultural.
Guimarães tornou-se mais interessante e atrativa, pela reabilitação de espaços, mas pela presença de centenas de criadores e artistas que aqui estiveram e viveram e trouxeram novas formas de sentir, de viver, de estar e de ser. Pelos milhares e milhares de visitantes, Portugueses e estrangeiros, que participaram nos eventos culturais, visitaram Guimarães e a puseram no centro. A Capital Europeia da Cultura permitiu enfrentar a crise que, entretanto, se havia abatido sobre o mundo, a Europa e Portugal, e o fortalecimento do tecido económico, na medida em que possibilitou a oportunidade de abertura de novos negócios e da criação de empregos, nomeadamente nas áreas da restauração, hotelaria, cultura, turismo.
Em 2012 Guimarães cresceu e intensificou-se. Cresceu porque se criaram novas oportunidades de emprego e novas ofertas que contribuíram para o fortalecimento do seu tecido económico. Cresceu porque se alargou a espaços antes esquecidos e que foram reconquistados para a fruição pública. E intensificou-se na medida em que os cidadãos foram chamados a participar num compromisso social e cívico de maior responsabilidade, de mais autonomia, de mais cidadania. Guimarães intensificou-se porque reforçou o trabalho colaborativo que uniu o setor público e o privado, a cultura e a ciência, a arte e a inovação, a cultura e a economia.
Guimarães 2012 alargou o trabalho de colaboração e em redes das suas instituições, que ampliaram o seu âmbito de participação e as suas competências. Na medida em que se soube associar a História, a memória, o presente e a construção do futuro, o local e o global, o de dentro e o de fora, o profissional e o amador, Guimarães tornou-se mais aberta e atrativa. E, por essa via, tornou-se uma cidade mais interessante e cosmopolita e reforçou o seu lugar em Portugal, na Europa e no Mundo.
Guimarães tornou-se mais interessante e atrativa, mais vibrante e vital. Guimarães tornou-se mais atrativa porque soube juntar a História e contemporaneidade, a memória do passado e a construção da memória do futuro. Guimarães tornou-se mais cosmopolita e interessante na medida em que reforçou o seu «patriotismo de cidade» e, ao mesmo tempo, a sua dimensão Europeia. Guimarães tornou-se mais vital porque mais do que no consumo e na produção cultural, Guimarães 2012 centrou-se no processo de criação artística e cultural e na participação, enquanto ideia central para o reimaginar o futuro de Guimarães e dos Vimaranenses.
Guimarães é uma cidade histórica, carregada de magia e simbologia, que se soube regenerar e pensar o futuro coletivo, ancorada numa visão estratégica coerente, tendo no centro das suas políticas a regeneração urbana, a educação e a cultura. E Guimarães 2012 contribuiu sobremaneira para a construção desta visão renovada que Guimarães e os Vimaranenses têm de si próprios e que o país, a Europa e o mundo reconhecem. Guimarães 2012 associou a cultura à regeneração urbana, à educação, ao social, à economia, à
inovação, à ciência. E potenciou a participação democrática e a inclusão. Nesta medida, foi sobretudo nas pessoas que Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura teve um impacto extraordinário. Primeiro porque se colocou no centro da sua estratégia o envolvimento e a participação dos cidadãos e porque os cidadãos fizeram seu esse grandioso programa. Saíram à rua e participaram. As pessoas comprometeram-se e participaram com entusiasmo, com alegria, com atrevimento, com vontade de se superarem, de se surpreenderem e de surpreenderem os outros. E fizeram de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura uma festa, de emoções, de criatividade, de participação, de compromisso com o nosso futuro individual e coletivo.
Guimarães CEC 2012: factos, acontecimentos e ambições para o futuro Paula Remoaldo17
Recordar uma das duas Capitais Europeias da Cultura (CEC) de 2012, nomeadamente a protagonizada por Guimarães e pensar no que foi e no que poderia ter sido, é sempre um exercício muito difícil de ser concretizado. Avaliar que impactes a CEC Guimarães gerou torna-se igualmente difícil, atendendo a que há inúmeras variáveis que devem ser consideradas e que se interrelacionam. O presente ensaio pretende refletir sobre algumas dessas variáveis.
Entre 2008 e 2019 participámos em vários estudos concretizados sobre Guimarães e sobre a CEC Guimarães 2012, insistindo nos turistas, nos residentes e nos agentes políticos, ou seja, em três relevantes stakeholders em todo o processo.
Concluímos que todos os estudos que ambicionam ser completos nesta temática devem pressupor três períodos: o ex-ante, o on-going e o ex-post (Remoaldo et al., 2016). Tal pressupõe dispêndio de recursos, a recolha de amostras representativas dos turistas, dos residentes, dos agentes políticos e das estratégias de marketing encetadas, além de uma distância política e uma abordagem com alicerce científico.
A nível internacional foram poucos os estudos que conseguiram concretizar uma abordagem holística e que cobriram estes três períodos, e o mesmo aconteceu no caso da CEC Guimarães 2012, ainda que estejamos a referir-nos ao projeto Europeu cultural colaborativo mais ambicioso (Remoaldo e Cadima Ribeiro, 2017). Estamos a recordar uma das mais antigas abordagens culturais (existe desde 1985, intitulando-se, na altura, “Cidade Europeia da Cultura”), que têm sido realizadas no âmbito da União Europeia e com elevado sucesso, que deveria envolver as comunidades locais de forma dinâmica e que almeja criar uma “Europa dos Cidadãos”.
A primeira Capital Europeia da Cultura que foi realizada em Portugal ainda continua a deter, hoje em
17 Professora Catedrática do Departamento de Geografia da Universidade do Minho. Presidente do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade do Minho, desde 24 de maio de 2022 Membro do Lab2PT – Laboratório de Paisagens, Património e Território e Departamento de Geografia da Universidade do Minho premoaldo@geografia.uminho.pt
dia, poucos estudos sobre a mesma, resultando de várias condicionantes, estando entre elas o facto de só no ano 2000 ocorrer uma viragem nos requisitos europeus em termos da sua avaliação. A CEC de 2001 trouxe algumas novas abordagens, nomeadamente relativamente aos públicos que a experienciaram.
Tendo ligações sólidas à cidade de Guimarães, relacionadas com acontecimentos familiares, tive a oportunidade de acompanhar a realização da CEC Guimarães 2012, quer como cidadã, quer como investigadora.
Em termos da avaliação da CEC Guimarães 2012 importa recordar alguns factos e acontecimentos ligados à mesma.
1. Foi a primeira vez que os cidadãos de uma cidade Portuguesa, que acolheu uma CEC, reivindicaram, de forma efusiva, um papel mais ativo no processo e desenvolvimento deste ambicioso projeto do foro cultural. Os Vimaranenses quiseram envolver-se no mesmo e, antes mesmo do seu início, em 2011, solicitaram uma maior atenção da classe política para as suas propostas. Os Vimaranenses são assim! São combativos, orgulhosos e prontos a dar contributos, assim como a enaltecer o seu município. Gostam de mostrar o que valem. Os políticos que não entenderam que deveria ser assim, tiveram que retificar a sua ação ainda antes do início da CEC.
2. A CEC foi, sobretudo, uma grande festa (Remoaldo e Cadima Ribeiro, 2017), mas não esteve tão visível como se previa a nível internacional. Um dos fatores que conduziu a este resultado foi a menos positiva estratégia de comunicação e difusão internacional. Uma das missões de uma CEC é a “unidade na diversidade”, que, além de tentar promover e valorizar a riqueza e a diversidade cultural Europeia, almeja promover uma maior compreensão entre os cidadãos europeus (Sassatelli, 2008). Devido à menor difusão internacional da CEC Guimarães, somos de opinião de que tal não foi atingido. Na realidade, em estudos que realizámos entre 2011 e 2019, conseguimos diagnosticar em 2019, numa amostra de 492 residentes em Guimarães, que os impactes ligados aos “Investimentos e Benefícios Imateriais” foram, novamente, e comparando os mesmos com os das amostras que recolhemos, em 2011 e em 2013, os mais relevantes em termos da sua perceção (comparação com os “Custos Económicos, Sociais e Ambientais”, a “Segurança e Infraestruturas”, as “Mudanças nos Costumes Tradicionais e Tradições” e os “Benefícios Económicos e Sociais”, este último com pouco significado para os residentes). A “Melhoria da Imagem do Município” destacou-se como impacte na amostra de 2019, contrariando o que aconteceu nas perceções dos Vimaranenses nas duas amostras anteriores.
3. Os sete agentes locais que foram por nós entrevistados em 2016 comprovaram que o acolhimento
da CEC não reverteu de forma clara a favor da diversificação e renovação do tecido produtivo local e de desenvolvimento (Remoaldo e Cadima Ribeiro, 2017). Tal resultou, entre outros fatores, de um ano de realização da CEC não ser suficiente para possibilitar essa diversificação. O crescimento do turismo parece ter sido evidente, mas nos últimos anos o excursionismo tem condicionado a presença mais duradoura dos visitantes no destino.
4. O problema da sustentabilidade da “Plataforma das Artes e da Criatividade” (espaço multifuncional que está vocacionado para a atividade artística, cultural e económico-social - https://www.cm-guimaraes.pt/pages/1428?poi_id=68 – acedido a 08.05.2022), da “Casa da Memória” e do “Laboratório da Paisagem”, e a ausência do apoio do governo central relativamente aos equipamentos culturais (e.g., Plataforma das Artes e da Criatividade). Tal aconteceu contrariamente ao que foi decidido a nível governamental relativamente à “Casa da Música” e ao “Centro Cultural de Belém”, que estão ligados às duas anteriores Capitais Europeias Portuguesas.
5. Proporcionou alguma infraestruturação e reabilitação urbana, induzindo uma maior diversidade de elementos visitáveis (relacionados, sobretudo, com o património tangível) e com um maior poder de atração de turistas internacionais, ainda que o orçamento atribuído tenha sido bastante inferior ao que foi concedido, por exemplo, à CEC Porto 2001.
6. A elevação da autoestima da população talvez seja um dos elementos mais positivos, ainda que as expetativas iniciais, antes da CEC, fossem mais elevadas por parte da população vimaranense e parte delas não tenham sido confirmadas após a realização da CEC (Remoaldo e Cadima Ribeiro, 2017).
7. Não foi possível criar, o que inicialmente parecia ser exequível, i.e., um cluster das indústrias criativas.
8. Uma mudança no tipo e perfil dos turistas que passaram a visitar a cidade de Guimarães, tal como tem acontecido noutros destinos internacionais ligados ao turismo cultural. A nossa amostra recolhida da perceção de 233 turistas em 2015 confirmou que passou a existir um equilíbrio entre os homens e as mulheres comparativamente com o que acontecia, antes da CEC, em 2010/2011 (visto as mulheres reportarem uma maior atração por destinos ligados ao turismo cultural). Também foi visível um aumento dos visitantes entre 46 e 65 anos (com maior poder económico e mais exigentes em termos da qualidade cultural do destino) e os que detêm um mais baixo nível de instrução (Remoaldo e Cadima Ribeiro, 2017). Estes resultados foram confirmados recentemente na Estratégia Turística delineada para 2019/2029 (Câmara Municipal de Guimarães. Divisão de Turismo, 2019).
E o que se pode ambicionar para o futuro? Avançamos com várias possibilidades.
1. Uma maior definição de novos eventos que permitam que os visitantes permaneçam mais tempo em Guimarães e que consigam mais pernoitas que são asseguradas por outros destinos, como Braga.
2. A pandemia da COVID-19 tem-nos ajudado a entender que as cidades médias (como Guimarães) ganharam um novo potencial em termos de procura turística, visto em muitas das grandes cidades terem ocorrido situações de overtourism. Desde o início da COVID-19 passou a existir uma vontade de contrariar esta situação por parte de inúmeros políticos. Veneza é um destes exemplos, visto, no presente ano de 2022, se ter iniciado a implementação de quotas de visitantes e o pagamento da entrada no centro da cidade, tentando contrariar o overtourism que fustigava aquela cidade até ao eclodir da pandemia.
3. Porque não concretizar um maior investimento em atividades complementares, exempli gratia, no Turismo Criativo? Por exemplo, aquando da realização da Feira Afonsina, que tem revelado uma razoável capacidade de atração de visitantes, começar pela participação ativa dos visitantes em Workshops, na elaboração da Cantarinha dos Namorados ou na confeção dos Bordados certificados? Uma experiência memorável e com produtos certificados fará, com facilidade, parte da memória de cada um e será mais um elemento de convencimento de potenciais visitantes a Guimarães.
4. Ainda que não seja um evento criado em Guimarães, detendo uma difusão muito consistente à escala internacional e em Portugal, a Noite Branca necessita de uma estratégia de maior divulgação e capacidade de atração de visitantes. Há que avaliar que elementos distintivos podem ser utilizados na Noite Branca de Guimarães.
5. Uma maior aposta na análise dos legados, que só são possíveis de avaliar com alguma distância temporal da CEC Guimarães 2012. O ano de 2023 parece-nos ser o ideal, visto existir uma distância de caráter emocional que não existia nos anos imediatos à CEC e permitindo uma análise mais racional.
6. Vários projetos têm sido desenvolvidos no município de Guimarães, mas ainda é cedo para associálos a algum tipo de sucesso, pois o período de COVID-19 induziu uma drástica paragem no tempo. Destaca-se a Set.Up Guimarães, um projeto que visa a criação de sinergias entre empresas incubadoras, com o objetivo de fomentar três grandes áreas: a criativa, a tecnológica e a industrial. Constitui uma parceria das incubadoras LabPac (na área criativa – em atuação na Plataforma das Artes e da Criatividade), do TecPark (na área tecnológica – ligado ao AvePark) e da futura PevFactory (na
área industrial em Pevidém). Esta última pressupõe o funcionamento como polo de atração de empresas já existentes, prevendo-se uma área de 5.000 m2
7. (https://marca.guimaraes.pt/?s=Set.up+Guimar%C3%A3es – acedido a 08.05.2022).
8. O projeto Guimarães Marca, com 75 membros (https://marca.guimaraes.pt/membros/page/5/acedido a 08.05.2022), que surgiu em 2018, também poderá aproveitar este novo período de viragem. “De Guimarães para o mundo”, foi como se apresentou antes da COVID-19, ambicionando a promoção e afirmação, pelos cinco continentes, do tecido económico e cultural do município (https://marca.guimaraes.pt/apresentacao/ - acedido a 08.05.2022).
9. Em abril de 2022 foi noticiada Guimarães como uma das 100 cidades escolhidas, de entre 362 candidaturas (juntamente com Lisboa e Porto), para a “Missão Cidades” da União Europeia, tentando posicionar-se numa componente tão delicada e importante da nossa vida coletiva, individual e económica, como é o atingir da neutralidade climática. Este facto elenca no Projeto “Visita Verde” da Estratégia Turística delineada entre 2019 e 2029 (Câmara Municipal de Guimarães. Divisão de Turismo, 2019 a), decorrente da constatação do território preservado e limpo, das ecovias, dos produtos locais e do património natural, entre outros aspetos. Parece-nos ser uma boa aposta, que poderá cativar os mais jovens. Por seu turno, o Projeto “Experiências Acompanhadas”, com a participação mais ativa dos Vimaranenses, com voluntários Vimaranenses que guiarão os turistas pelo território, afigura-se como uma iniciativa conforme com o espírito Vimaranense.
10. Encontra-se também em processo de possível candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) o Projeto “Bairros Comerciais Digitais”, que pretende levar a inovação a quase 500 lojas da cidade de Guimarães, que poderá conduzir à incorporação de tecnologia numa área de relevo comercial (Alameda São Dâmaso, Largo do Toural, Rua de Santo António, Rua de Gil Vicente e Rua de Paio Galvão). Perspetiva-se a criação até 50 bairros comerciais tecnológicos, relacionados com 500 lojas (57% comércio, 32% restauração e bebidas e 11% serviços - https://www.cm-guimaraes.pt/viver/noticias/noticia/projeto-bairros-comerciais-digitais-pretende-levar-inovacao-a-perto-de-500lojas - acedido a 08.05.2022). Este Projeto poderá também ajudar à criação de vários serviços conjuntos e ajudar a cativar Nómadas Digitais, assim como mais visitantes. Os dados de abril de 2022 reportam um recuperar do setor turístico no período da Páscoa (Câmara Municipal de Guimarães. Divisão de Turismo, 2019 b).
11. Por último, dar ainda mais voz aos Vimaranenses arriscando formas mais abertas de participação política e estratégica, porque estamos cientes que o papel ativo dos Vimaranenses é que ditará o
sucesso de grande parte das iniciativas que serão desenvolvidas.
Câmara Municipal de Guimarães (2018). Relatório de atividades. 10 de fevereiro de 2018 a 10 de abril de 2018, Guimarães.
Câmara Municipal de Guimarães. Divisão de Turismo (2019a). Guimarães. Estratégia Turística 2019/2029, Guimarães.
Câmara Municipal de Guimarães. Divisão de Turismo (2019 b). Síntese de resultados estatísticos Guimarães. Páscoa 2022, Guimarães.
Remoaldo, P.; Vareiro, L.; Cadima Ribeiro, J.; Santos, J.F. (2016). Resident’s perceptions on impacts of hosting the Guimarães 2012 European Capital of Culture: Comparisons of the Pre- and Post- Periods, in A. Matias, P. Nijkamp e J. Romão (Eds.), Impact Assessment in Tourism Economics, Switzerland, Springer Series, pp. 229-246.
Remoaldo, P.; Cadima Ribeiro, J. (2017). O legado de Guimarães Capital Europeia da Cultura: a leitura dos residents e dos visitantes, Porto, Edições Afrontamento.
Sassatelli, M. (2008). European cultural space in the European cities of culture, European Societies, 10(2), pp. 225-245.
https://www.cm-guimaraes.pt/pages/1428?poi_id=68 – Site da Plataforma das Artes e da Criatividade (acedido a 08.05.2022).
https://www.cm-guimaraes.pt/viver/noticias/noticia/projeto-bairros-comerciais-digitais-pretende-levar-inovacao-aperto-de-500-lojas - Site da Câmara Municipal de Guimarães (acedido a 08.05.2022).
https://marca.guimaraes.pt/membros/page/5/ - Site da Marca Guimarães (acedido a 08.05.2022).
O meu olhar retrospectivo para 2012 é, inevitavelmente, não só o olhar do criador que foi fortemente apoiado pela Capital Europeia de Cultura durante esse período, mas também um olhar informado em políticas culturais, área que sempre me apaixonou.
Como artista, represento uma geração que foi acolhida em Guimarães, durante os anos em que o Porto mergulhava numa profunda crise cultural, resultante de uma política minimalista, insensível à criação artística e à cultura em geral, que caracterizou o tempo de Rui Rio como autarca dessa cidade. Nesses anos, sobretudo a partir de 2005, ano da inauguração do Centro Cultural Vila Flor, a cidade ocupou progressivamente a missão de refúgio e incubadora criativa, impondo-se como o mais importante espaço de criação e apresentação no norte do país, envolvendo-se num extenso trabalho de apoio à criação, co-produzindo obras, desenvolvendo novos festivais e lançando as raízes de um eco-sistema cultural, onde a população igualmente se envolveu. Foi por isso, natural, a escolha que recaiu em Guimarães para em 2012 ser Capital Europeia da Cultura. Conheço bem este dossier já que a minha forte relação com o território se traduziu à época num convite generosamente repetido para comissariar esse apaixonante evento, não o tendo aceitado apenas por razões pessoais. Deixo aqui uma enorme palavra de apreço ao trabalho visionário e abnegado de José Bastos, mas também de Francisca Abreu e João Serra, entre tantos outros, que lutaram e souberam entender o momento histórico que a região viveu. Se a presença de José Bastos no executivo camarário nos anos seguintes foi essencial para a consolidação do pós Capital da Cultura, não posso deixar de reconhecer Rui Torrinha, que soube, silenciosamente e com tranquilidade, dar continuidade ao trabalho de programação e ação cultural, nas artes performativas, nesses anos iniciado. Com todos eles trabalhei e desenvolvi cumplicidades. Para todos eles, bem como para a robusta e dedicada equipa que os apoiava, uma palavra de admiração e reconhecimento.
Após esta introdução, inevitavelmente pessoal, gostaria de tecer algumas considerações em tempo de balanço, já que este 10º aniversário obriga a um olhar retrospectivo que permite iluminar o futuro.
É inegável o balanço positivo desta Capital Europeia de Cultura. A cidade abriu-se ao mundo como nunca antes, com enormes ganhos na economia, no turismo, na reabilitação urbana, na empregabilidade e na qualificação dos seus cidadãos. A cidade aproveitou esta ocasião excepcional para se repensar e projectar o
futuro, e não mais parou de receber visitantes, sempre em número crescente.
É claro que houve percalços e solavancos pelo caminho, desde logo o fim do deslumbramento, uma quase depressão que se seguiu à euforia, ampliada pelo ambiente de violenta recessão da nossa economia durante os anos de intervenção da Troika. No entanto, no apoio às artes, foi como se a Capital tivesse atrasado por 2 anos o vendaval que varreu o país, particularmente no ano horribilis de 2012, investindo fortemente e em contra-ciclo com a realidade que vivíamos. Por outro lado, muito do emprego gerado com a requalificação urbana e a criação de novas infra-estruturas, bem como a criação de novos serviços, contribuiram para que, durante a crise, a região pudesse encontrar formas de sobreviver economicamente, formas que a catapultam hoje para o futuro. A Capital Europeia da Cultura veio no momento certo, permitindo a robustez da região, a criação de novos públicos para a cultura e a ampliação do sonho inicial.
No futuro, será natural que Guimarães enfrente novos desafios, mantendo e ampliando a sua economia criativa, e a sua programação cultural, umbilicalmente ligada à criação de risco e ao apoio às artes. A Cultura é um catalisador das potencialidades humanas, um fermento que eleva o horizonte de cada um e que, em articulação com a educação, agiliza o pensamento - e por isso os gastos com a cultura são um investimento, algo que, desde cedo, Guimarães entendeu. Nas complexas sociedades de hoje, de pouco serve apenas o conhecimento sem este estar em osmose com a criatividade. Por isso, acredito ser da maior importância uma forte mediação cultural em território escolar bem como uma penetração constante das actividades criativas nesse contexto.
2012 / Guimarães Capital Europeia da Cultura foi essencial, pelas novas dinâmicas que gerou, deixando uma marca indelével no território. Estou certo que, a continuidade do investimento na cultura nesta maravilhosa região, continuará a ser estratégica para o seu futuro.
Diz Fernando Pessoa “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Por outras palavras, qualquer projeto tem por detrás de si um pensador, um organizador, um efetivo autor. Longas e longas horas caldeadas em inconfessáveis receios, planos mais ou menos aceites, num lento burilar de ideias e intenções que, projetadas no cadinho dos sonhos, constituem o que pretendemos, o que aspiramos. Guimarães sonhou, os obstáculos superaram-se e o sonho surgiu. Surgiu da e na mente de toda uma comunidade, corporizado na ação e vontade de uma vereadora que todos temos de recordar, valorizar e homenagear. Francisca Abreu, queiram ou não, surgirá sempre aliada a um feito que Guimarães durante um ano viveu, que a Europa toda reconheceu e que ficará para sempre marcado na história e nos memoriais da cidade.
Mas a sucessão de momentos, a que chamamos tempo, corre veloz no nosso quotidiano, indiferente às necessidades ou desejos de quem quer, alheio à sua intemporal cronometria. E quando repousamos nas imagens que constituem a nossa mente vemo-nos imersos no espanto de um tempo que correu demasiado depressa, de um conjunto de anos que perpassaram e cuja celeridade as nossas memórias quase recusam aceitar.
Vinte anos é tempo! E, no entanto, parece que ainda foi ontem que juntos, na praça do Toural, celebrávamos a elevação de Guimarães a ‘Capital Europeia da Cultura’.
Capital encerra na idiossincrasia do seu conceito a ideia de cabeça, de comando. Derivada do étimo latino ‘caput’ (cabeça) deixa desde logo no ar a ideia de comando, já que é neste local fisiológico que se encontra a ’máquina’ coordenadora de todas as nossas condutas, o cérebro. Semanticamente conectado surge o termo ‘capitão’, que é quem comanda, quem dirige. Ou seja, e para sermos mais lineares no nosso raciocínio, Guimarães teve, há vinte anos atrás, o privilégio de ser a ‘cabeça cultural’ da Europa, o comandante das sinergias socioculturais de um vetusto continente, efetivo mosaico de manifestações, tradições e riquezas culturais.
É uma honra que muito ansiaram e anseiam, que tantos outros procuraram e procuram, e que vivenciamos no espaço do nosso concelho, no âmago do nosso ‘burgo’. Atividades diversificadas, culturalmente enriquecedoras e gratificantes, a lembrar que a cultura é um elo fundamental da nossa vida, já que, como lembra Damásio (2017), se alicerça nas nossas emoções na herança de um percurso em que a humanidade foi burilando a sua herança genética na interação diária com o meio, assumindo-se como uma das expressões fundamentais da nossa própria evolução.
Com uma evolução de cerca de 700 milhões de anos, o cérebro foi-se progressivamente adaptando às exigências do meio, onde a convivência entre os diversos elementos foi lançando as bases do que hoje podemos denominar de cultura. Ou seja, a cultura é uma herança que se vai dialeticamente transformando, caldeando em axiologias e costumes, expressões, em última análise das idiossincrasias de quem as vive, de quem as constrói e que por elas acaba por ser ‘formatado’.
Hoje é axiomático o princípio de que o ambiente influencia o homem. Portador de uma herança genética, cada um de nós vai moldando a sua individualidade nas interações com o meio, recebendo dele as respetivas influências, mas tendo igualmente um papel na sua própria transformação. Como diz Bronfenbrenner (1998), na sua perspetiva bioecológica do desenvolvimento, o meio influencia o homem, mas o homem também influencia o meio, numa dialética em que cada um se realiza, afirma a sua identidade.
É nesta interação homeostática que se entrecruzam as dinâmicas da cultura, as sinergias da existência.
Por isso, ser ‘capital europeia da cultura’ é muito mais vasto do que ser um representante de um país ou de uma região, muito mais lato do que ser a expressão de um povo ou de um concelho. Ser ‘capital da cultura’ tem de ser a afirmação da congregação de vivências, caldeada pelas e nas emoções, que sirvam de faróis axiológicos, que ‘capitaneiem’, de facto, modos de ser, de pensar e de viver, que ultrapassam as redutoras fronteiras de um local e extravasam sinergias para todo um vasto conjunto de comunidades, de países.
Expressão das nossas imagens mentais, os nossos pensamentos traduzem, em última análise, a descodificação neural dos estímulos recebidos do meio. Ora, entre tais estímulos estão os que se caldeiam no crisol das interações humanas, os que alicerçam o quotidiano das pessoas, as suas relações e vivências. Mas tais interações são trifocais, já que implicam sempre um ‘EU’, um ‘Outro’ e um ‘Algo’, sendo que esta última vertente mais não é do que o conjunto de valores, saberes e conhecimentos que servem de ‘scaffold’ ao que podemos denominar de cultura e que acaba, ao fim e ao cabo, por ‘enformar’ toda a nossa existência.
A cultura surge assim como um substrato onde a identidade de cada um se plasma numa individualidade caraterizada em grande parte pela ‘acomodação’ às sinergias daqueloutra. Por isso, falar de cultura não pode redutoramente confinar-se a domínios estritos, antes tem de plasmar-se em dimensões que dialeticamente vão delineando as vivências dos povos, vão configurando as relações e interações de todos e cada um com o meio onde se desenvolve e realiza.
Nesta ótica, e tendo como parâmetro da reflexão os prolegómenos anteriormente referidos, importa saber se 10 anos volvidos as sinergias, de um ‘capitanear da cultura’ a nível da Europa por parte do nosso concelho, deixou esse substrato caldeador das interações socio emocionais dos nossos conterrâneos, se foi capaz de, durantes estes dez anos, se tornar farol interativo noutros locais da Comunidade, se teve capacidade de estender e potencializar essa vertente dinamizadora à Europa, de quem recebeu tal missão.
Não basta ter eventos que, por tempos efémeros, passem por nós. É preciso saber tirar deles as sinergias que os prolonguem no tempo, que os tornem fatores de desenvolvimento, de ‘saber ser’, de bem-estar, de sobrevida. A brisa que por nós perpassa pode ser refrescante, agradável em determinadas circunstâncias, mas se não for permanente, se se apresentar como meramente circunstancial, deixará de ter significado, de deixar marcas existenciais. Qualquer memória a longo prazo terá tanto impacto, quanto a significância e emocionalidade de que vier revestida, tantos os efeitos significativos que conseguir prolongar no tempo. Se não existirem uma e outra dimensão, facilmente será remetida para o escaninho do esquecimento, da insignificância, da mera circunstancialidade.
Volvidos que foram dez anos sobre o facto de Guimarães ter sido escolhida para ‘Capital Europeia da Cultura’ é tempo conveniente de nos interrogarmos com toda a frieza, sinceridade e espírito crítico sobre os
proventos advindos de tal facto, não só para nós, como para toda a Europa, que circunstancialmente representámos. É tempo de, numa introspeção desapaixonada questionarmos se efetivamente, hoje, há uma herança viva de tal fenómeno; se as populações do concelho e arredores foram culturalmente influenciadas, se a sua ‘identidade’ mostra, ainda hoje, tais efeitos; se a Europa reflete as vivências de Guimarães como efetiva ‘capitã’ de uma vivência cultural; se cada um de nós, olhando com seriedade para o seu íntimo, sente que algo ficou, que alguma semente desabrochou da sua personalidade, nas suas vivências, nas suas interações, fruto daquele fenómeno que há dez anos tivemos entre nós. Não basta terem remanescido um ou dois edifícios onde pontualmente se desenrolem atividades socioculturais. É um legado, uma herança, é certo. É importante e de louvar, não o nego. Mas, francamente, parece-me deveras redutor. O verdadeiro e mais importante edifício que deveria estar de pé era uma nova maneira de viver a cultura, uma nova maneira de ser, uma nova maneira de partilhar vivências e emoções. Sem de modo algum relativizar a importância daquele feito e do legado que nos ficou, não posso deixar de querer mais, de pretender ir mais além, pois, para mim, a cultura é bem mais do que meras manifestações ou eventos, embora estes também possam expressar dimensões socioculturais.
A cultura pode muito bem e genericamente ser encarada como um conjunto de mapas mentais que alicerçam significâncias, valores e vivências e que foram sendo construídos ao longo dos tempos e são vivenciados por cada um de nós, numa ´moldagem axiológica’ e interacional. Nesta perspetiva e tendo como referência o ambiente criado pela e na cultura, o que importa perguntar é quais as dimensões axiológicas que local e internacionalmente ficaram, ao fim de dez anos, da efeméride que Guimarães então viveu.
É muito fácil, porventura bonito e socialmente correto, bater palmas a efemérides e a pessoas que a elas estiveram ligadas. A mim o bonito pouco me interessa. Preocupo-me muito mais com o útil, com o que fica depois da passagem dos ventos, depois da vivência dos factos. E, já agora, o que terá ficado, dez anos depois de ‘Guimarães Capital Europeia da Cultura’? Que reconhecimento existe em nossos dias dos responsáveis do país, da Europa, pelas reminiscências de tal efeméride?
Tanto quanto sei, há estruturas advindas do evento que não recebem, nem de perto nem de longe, o sustento financeiro que outras, de iguais circunstâncias, auferem no Porto e em Lisboa. Por que será? Se as ressonâncias socioculturais fossem as mesmas, certamente que os subsídios não seriam muito díspares. Algo não bate certo e talvez tal discrepância resida precisamente na incompetência da nossa comunidade, expressa em primeira pessoa pelo poder autárquico, se afirmar, fazer valer a voz de um facto que teve impacto sociocultural, mas que, progressivamente, foi estiolando, foi ficando confinado ao mundo redutor de uns quantos, esquecendo que a cultura é uma herança comunitária, construída na comunhão das sinergias de
cada um, mas sobretudo de todos.
Guimarães teve, nos finais do século passado e nos inícios do presente, oportunidades únicas de se afirmar perante a Europa, de se afirmar perante o país. Todavia, ter oportunidades, não basta. Por isso questionamos sobre o que é que delas ficou para uma melhor qualidade de vida dos vimaranenses. Em que é que tais oportunidades vieram contribuir para melhorar o seu índice de bem-estar?
Estavam, certamente, à espera que respondesse. E, francamente até creio que o devesse fazer. Mas isso seria limitar a capacidade de cada um, substituir as respetivas análises, intrometer-me nas próprias avaliações. Não o farei. Deixarei que cada um, séria e criticamente pense e que veja se, afinal, ainda hoje podemos agradecer o facto de termos tido honra tão alta; se o que hoje ficou de tais eventos valeu o que do nosso erário saiu. E, acima de tudo, se houve uma visão perspetivadora de um futuro capaz de ser alimentado pelas sinergias advindas de tais fenómenos, uma visão capaz de catapultar Guimarães para um ‘hoje’ mais risonho e propiciador de bem-estar.
Governar um concelho é muito mais do que gerir orçamentos, é muito mais do que equacionar um conjunto de obras, mais ou menos centralizadas e centralizadoras. Governar um concelho é ter perspetivas de futuro; é não ficar presos a visões redutoras de um presente que cedo se transformará e onde, geralmente, há interesses sub-reptícios.
O legado de uma capital europeia da cultura implicava e implica olhares criativos, desafiadores, estimulantes e, porque não, agressivos no sentido de rasgar as cortinas do presente rumo às montanhas do futuro. E preferi montanhas a planícies ou vales, pelos desafios que uma subida implica, pela realização que tais atitudes implicam face à facilidade apaziguadora da planície.
Estou decisivamente a desviar-me (será que estou?) da temática central. Mas francamente: estou farto de amargos de boca pela falta de horizontes na gestão da nossa vida concelhia, pela falta de audácia, pela submissão a forças menos claras, mesmo que pretensamente culturais. Se alguma herança deveria ficar de ‘Guimarães Capital Europeia da Cultura’, e com isto termino, seria o arrojo de enfrentar o amanhã, o arrojo de assumir a idiossincrasia das nossas populações, sem submissões, mas com o rosto voltado para o Castelo, onde uma bandeira desfraldada ao vento afirma, sem quaisquer vergonhas ou medos, que somos bem capazes de mais e de melhor!
Às vezes podem encontrar-se boas ideias em más obras de arte. Pedro Abrunhosa já tinha deixado para trás os seus melhores anos quando lançou “Silêncio” (1999). Mas, na adolescência, as letras das canções –por piores que estas sejam – encrustam-se na nossa memória para sempre. Era nesse disco que estava “O que vai ser de mim”, um tema que começa com uma frase que, nos primeiros dias deste ano, voltou a não sair da minha cabeça.
Cantava Abrunhosa: “Prometeram-me um futuro e eu sem querer acreditei”. Nos dias em que se tenta fazer um balanço do que significou Guimarães ter sido Capital Europeia da Cultura (CEC), há uma década, é dessa frase de que sempre me recordo. “E tudo se transforma”, antecipava o slogan original do evento. Anunciava-se um futuro novo, motivos de sobra para planear a vida a partir desta cidade. Nesse tempo, muito se disse e escreveu sobre os vimaranenses que voltavam ou que daqui não quiseram sair, motivados pelo devir que se projetava. E também sobre quem de novo aqui chegava, inspirado pela mesma ideia.
Essa ambição de mudança – de refundação mesmo, diria – enunciada pelo primeiro slogan da Guimarães 2012 não era apenas hipérbole para efeitos publicitários. Traduzia o discurso político da época. Desde que, em finais de 2006, o Governo anunciou que Guimarães seria a candidata nacional a CEC, tornou-se recorrente a enunciação de que aquela era uma “oportunidade única” de metamorfose, um remédio contra as sucessivas crises que o tecido económico e social da região tinha enfrentado nas décadas anteriores. Foram feitos paralelismos com momentos de charneira da história da cidade, com um sublinhado especial para o ano de 1884. Dez anos volvidos, afinal o que se transformou no território?
Diziam-nos também, pela mesma altura, que 2020 seria o ano em que entenderíamos a mudança por que teria passado a cidade. O primeiro sinal de que talvez a realidade não tenha correspondido à ambição veio do facto de, nesse ano, ninguém se ter lembrado de fazer o balanço prometido – não, não foi por causa da pandemia, que chegou em março, sem que existissem indícios de que essa reflexão estivesse a ser preparada.
Que a avaliação sobre estes dez anos desde 2012 se faça apenas agora permite-nos, contudo, ter dados mais robustos para refletir acerca das transformações prometidas. Numa coincidência bastante feliz, o penúltimo exercício censitário nacional aconteceu no ano imediatamente anterior ao da CEC. No momento em que escrevo, temos na nossa posse os primeiros resultados dos Censos 2021. São uma ferramenta bastante útil para medir a evolução. Seguramente, a análise que aqui proponho sairá enriquecida quando o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgar os dados de forma completa.
O discurso sobre a oportunidade de mudança que representava a Guimarães 2012 perpassou todo o momento de construção do certame – não era apenas um slogan. Recupero o Plano Estratégico 2010-2012, que traçava as linhas gerais de preparação do evento, no momento em que esse trabalho se iniciou: “Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura pode e deve constituir-se como modelo de desenvolvimento para centenas de cidades europeias de dimensão semelhante”.
Isto é, a ambição não era apenas mudar radicalmente este território. Era que esse processo de metamorfose fosse exemplar para o resto da Europa. Dez anos volvidos, desconheço que haja cidades europeias que apontem Guimarães como a sua referência transformadora.
Escrevia-se no mesmo plano estratégico – contaminado por uma visão utilitária da cultura – que Guimarães 2012 via a cultura “como um catalisador e um motor de regeneração urbana, social e económica”. Eram, portanto, três os vetores da modificação prometida ao território: ao nível urbano, social e económico.
Começo pela regeneração urbana por ser, sem grande margem para dúvida, a dimensão mais bemsucedida de todo o processo de 2012. Não aconteceu por acaso. A renovação do espaço público proposta pela CEC assentava numa larguíssima experiência local, iniciada ainda nos anos de construção do regime democrático, e que foi capaz de mobilizar quase transversalmente os atores políticos e sociais locais.
Esse movimento já tinha resultado na classificação do centro histórico da cidade como Património Cultural da Unesco, em 2001. O lastro prévio também permitiu que a maioria dos projetos infraestruturais em que a cidade decidiu investir estivessem já suficientemente maturados. Além disso, a sua concretização foi discutida num amplo debate público, que tornou mais participada e ponderada a decisão.
Ao nível da regeneração social e económica, o plano estratégico da Guimarães 2012 prometia “capacitar a comunidade local com novos recursos e competências”, ajudando a fixar uma nova geração de criadores na cidade, bem como “iniciar uma mudança de paradigma, de um modelo de economia industrial clássica para um modelo de economia baseada na criatividade e no conhecimento e com significado a nível europeu”.
“O programa da CEC deve trazer contributos relevantes para a competitividade local e regional, no âmbito da nova economia do conhecimento, fazendo convergir talento criativo, espírito empreendedor e
atratividade territorial”, sintetizava o mesmo documento. Não lhe faltava ambição.
Olhemos para o que nos dizem os dados. Entre 2011, o ano imediatamente anterior ao da CEC, e 2021, a população do concelho de Guimarães caiu quase 1%, segundo os primeiros resultados dos Censos. O concelho não só não tem sido capaz de fixar a população que com este já tem laços, como revela fortíssimas dificuldades em atrair população nova. Nem da região e, ainda menos, de fora dela.
Se a Guimarães 2012 almejava ter impacto europeu e posicionar a cidade no contexto do continente, não houve, seguramente, impacto na capacidade de atrair os criadores da Europa a aqui viverem. Segundo dados do INE, compilados pelo portal da Pordata, o número de estrangeiros que vivem em Guimarães é residual: pouco mais de 2500 em todo o concelho. Ao todo, somos 157 mil vimaranenses.
Volvidos dez anos da “mudança de paradigma” que fosse capaz de transformar a economia do concelho de um modelo industrial clássico, num modelo baseado na criatividade, também não se vislumbram grandes sinais. A indústria transformadora tradicional continua a ser o principal empregador do concelho, responsável por praticamente metade (48,9%) de todos os postos de trabalho gerados, segundo os dados mais recentes.
Ou seja, não só o modelo baseado na criatividade preconizado pela Guimarães 2012 não foi capaz, ao longo desta década, de se impor, como o tecido económico e social da região continua assente em pilares que vêm do século XIX. Mantêm, por isso, expostos aos problemas estruturais que eram bem identificados pelo próprio plano estratégico da CEC: as baixas qualificações dos trabalhadores e os salários baixos; a grande exposição a flutuações do mercado, com impacto no nível de emprego.
Os últimos dados oficiais são, uma vez mais, bastante claros: no final de 2021, o concelho de Guimarães era o 11.º do país com mais desempregados inscritos nos centros de emprego; o salário médio dos trabalhadores por contra de outrem fixava-se abaixo dos 1000 euros (971,9 euros), ficando abaixo da mediana nacional; e o poder de compra dos vimaranenses é 9% inferior ao da média dos restantes portugueses.
Ao nível económico, talvez o único impacto positivo desta última década se veja ao nível do turismo. As receitas do sector mais do que duplicaram desde 2011 e o número de visitantes estrangeiros aumentou muitíssimo no mesmo período, representando agora os turistas internacionais quase 50% do total. Mais uma vez socorro-me de números elencados no portal da Pordata.
Esta evolução não pode ser desligada do caminho de crescimento do sector turístico sentido em todo o país na última década. A Guimarães 2012 pode ter desempenhado um papel positivo, tornando a cidade mais reconhecida a nível internacional, mas a mudança que os números atestam vai muito para além do efeito da
CEC.
Além disso, por mais positiva que seja a evolução dos indicadores turísticos, estes têm impactos limitados. Desde logo, em termos geográficos: a atividade turística concentra-se quase exclusivamente no miolo urbano da sede de concelho, ao passo que os atores mais fortes do tecido económico tradicional estão nas vilas e nas periferias destas; está longe, portanto, de representar qualquer “mudança de paradigma” na economia local.
“E tudo se transforma”? Bem longe disso, mostra-nos a realidade.
Ainda que a Guimarães 2012 tenha optado por uma visão utilitária da cultura, não podemos, porém, deixa de considerar que uma CEC é fundamentalmente um projeto cultural e artístico. Vejamos os números que nos permitem medir a última década nestas dimensões.
O aspeto mais positivo, que os principais indicadores nos mostram, é um franco crescimento do número de espetáculos apresentados em Guimarães, passando de 0,7 por cada 100 habitantes em 2010 para 2,5 em 2019. É uma evolução importante, que reflete o surgimento de novas estruturas de produção e programação e também de um reforço na programação diretamente assumida pelo Município.
No entanto, nos restantes indicadores, Guimarães está bem longe de apresentar os resultados de uma cidade que foi Capital Europeia da Cultura. O concelho posiciona-se apenas como o 26.º concelho a nível nacional ao nível dos públicos de espetáculos ao vivo e o 23.º ao nível das receitas de bilheteira com o mesmo tipo de eventos. Os dados são, uma vez mais, do INE.
Segundo o último Cultural and Creative Cities Monitor, publicado em 2019 pela Comissão Europeia, Guimarães está bem longe das principais cidades na avaliação feita – e que cruza parâmetros como as qualificações da população, a abertura e tolerância da sua sociedade ou a dimensão e vitalidade da economia criativa. Este relatório alinha as cidades pela sua dimensão. Ou seja, Guimarães não está na mesma lista das grandes urbes europeia.
Entre 90 municípios avaliados, o território vimaranense situa-se na 58.ª posição. E está bem atrás das congéneres nacionais que surgem na mesma lista, como o Porto (9.º a nível europeu), mas também Faro e Coimbra, que não foram Capitais Europeias da Cultura – nem passaram sequer a primeira avaliação das candidaturas ao título em 2027, recentemente conhecida.
A Comissão Europeia analisa também os espaços culturais existentes e a capacidade de atração dos equipamentos existentes, tanto para público local como para visitantes, para medir a “vibração cultural” das cidades. Guimarães tem, uma vez mais, uma classificação muito baixa: 16,7 pontos, sob a média global (26,5).
É o 69.º território entre os 90 considerados.
Ou seja, o impacto da Guimarães 2012 tem também fortíssimas debilidades na sua dimensão mais fundamental, a da cultura. Não me atrevo a querer explicar sozinho o que aconteceu na última década. Creio mesmo que essa reflexão que merece um trabalho mais aprofundado e participado.
No entanto, elenco algumas hipóteses de resposta para a inquietação que deixa a perceção de que este processo ficou aquém das suas ambições. Há que considerar, por um lado, os erros de planeamento da própria Guimarães 2012 – a história da sua conturbada gestão é bem conhecida. Mas também há erros cometidos na preservação do legado ao longo da última década.
Por exemplo, antes de 2012, Guimarães tinha uma companhia de teatro profissional, com atores residentes, capaz de produzir novas criações regularmente. Hoje, não tem. Nos primeiros anos após a CEC, outras estruturas de criação fixaram-se na cidade, mas não houve capacidade para fixá-las.
Por outro lado, os modos de atuação das associações locais são, grosso modo, os mesmos que existiram até 2011, não se vislumbrando, pelo menos a esse nível, qualquer impacto da promessa de “capacitar a comunidade local com novos recursos e competências”.
A um nível mais institucional, importa sublinhar que, antes de Guimarães 2012, o Centro Cultural Vila Flor tinha uma frequência de programação incomparavelmente superior à de hoje; e os equipamentos criados para a CEC, Centro Internacional de Artes José de Guimarães e Casa da Memória, mantêm dificuldades de afirmação.
Nada disto pode, também, ser desligado da errância na gestão do principal veículo da política pública para a Cultura, a cooperativa a Oficina. Na última década, teve três diretores artísticos, outros tantos diretores executivos e perto de uma dezena de mudanças na direção de equipamentos ou serviços fundamentais à sua missão.
Há, como não podia deixar de ser, aspetos positivos resultantes do processo da CEC. O mais relevante é a emergência de Guimarães como segundo maior polo de produção cinematográfica do país, fruto em boa medida de um projeto muito acertado para essa área, desenvolvido pela Guimarães 2012.
Outras iniciativas nascidas a propósito da CEC, como o CAAA ou a Outra Voz, sedimentaram-se, tendo igualmente surgido um conjunto de novos atores: estruturas de produção e programação e um conjunto crescente de artistas, que tem sabido aproveitar bem os instrumentos de apoio que o Município sabiamente foi capaz de reforçar nos últimos anos.
Não se pode dizer que seja um balanço negativo. Só que não é – nem de perto, nem de longe – o futuro que nos prometeram.
Fiz parte da equipa que organizou a cerimónia de abertura de "Guimarães, 2012, Capital Europeia da Cultura". Estive noutros projectos, nesse mesmo ano, mas a abertura foi um episódio único, por tudo.
Sei, ainda hoje, passados que estão 10 exactos anos, toda aquela cerimónia (Os Nossos Afectos) de trás para a frente, da frente para trás, som por som, nota por nota, sequência por sequência.
Ninguém, a não ser quem por lá andou, imagina as peripécias. E eu andei mais tempo do que a grande maioria, portanto, vi e vivi muita coisa, durante quase 11 meses. Há páginas da Capital Europeia da Cultura que ainda não foram escritas, e a verdade é que a realidade é muito mais complexa do que se possa pensar: sim, foi um triunfo indescritível dos vimaranenses, porque esteve em risco de não se realizar, mas os custos, para muitos, foram insuportáveis. Há sempre mais do que um lado para qualquer narrativa.
A Capital Europeia da Cultura abriu-me portas, umas boas, outras que eu preferia ter evitado. Houve muito espertalhão que, à míngua de "botar figura", quis apanhar o comboio da "cultura", e a esse propósito, aproveito para citar a minha amiga, a Dra. Francisca Abreu, que costumava catalogar essa espécie como "os voluntariosos, os jeitosos: desses é que tenho medo". A verdade é que a responsabilidade disso é só de uma pessoa: do Paulo César. Não há culpados. Houve eu. A confiança é que não volta.
Vejo a Capital Europeia da Cultura como uma extraordinária oportunidade, mas à qual, à distância de uma década, falta cumprir parte dos seus desígnios.
"Guimarães, 2012, Capital Europeia da Cultura" foi uma celebração da comunidade, salva pela comunidade. É à comunidade que a efeméride, e a forma como pode ser celebrada, precisa de ser oferecida: temos praças de sobra para isso. Na cidade, nas vilas, nas freguesias. A comunidade precisa, a comunidade merece ser envolvida e escutada.
Foi a envolvência dos vimaranenses, como já referi, que "salvou" o certame, depois de todas as peripécias iniciais que quase colocaram em risco a sua realização. A frase "tu fazes parte" foi muito bem escolhida. Acredito que a cidade ficou mais exposta. E acredito que temos um papel a desempenhar e a defender. Sem parentes "pobres", note-se. É preciso equiparar e equivaler. Dar condições.
É pena que parte substancial da oferta cultural da cidade não aponte aos vimaranenses em geral, mas a nichos. Sinto que o Município tem dado provas em contrário, mas também sinto, ao mesmo tempo, que os palcos das estruturas culturais, ou as "montras", negligenciam os criadores locais. Atenção, eu não acredito em auto-suficiência, e acho que podemos e é preciso estarmos abertos ao que é exterior, apontar para lá, trazer até cá, mas isso não significa, pura e simplesmente, não poder oferecer a possibilidades de voar a alguém.
Façamos parte, os que quiserem. Haja envolvência. E, sobretudo, que se valorize quem cria: a cultura não é mais do que a manifestação do nosso quotidiano. Não se encerra na arte, nem em cima do palco. Pode sê-lo, também, enquanto mimética de uma determinada forma de viver, mas para encontrá-la basta colocar os dois pés na rua. E chegar ao outro.
“Se desfalecesse, desfalecia de pé!”. Foi assim que um Amigo meu descreveu, em janeiro de 2012, a primeira noite de Capital Europeia da Cultura, em Guimarães. Um Toural, repleto como um ovo, abraçou a Europa e o seu Povo – que saiu à rua em mês de inverno para celebrar o primeiro dia de primavera cultural da CEC 2012.
O calor humano que se conheceu naquela noite deixou antever o que seria o certame europeu em solo vimaranense: envolvente, atrativo, dinâmico, culturalmente esmagador. Hoje, completa-se a primeira década de realização da Capital Europeia da Cultura 2012, em Guimarães!
Sem darmos conta, já se passaram 10 anos do grande evento que, durante mais de 300 dias, privilegiou uma programação cultural de forte dimensão europeia, inserido numa estratégia de desenvolvimento económico, cultural, social e urbano que transformou Guimarães.
Um dos segredos do sucesso foi o envolvimento das pessoas. “Eu Faço Parte” tornou-se no slogan mediático, rapidamente difundido em vários suportes de comunicação, depois de um processo inicial de receios e dúvidas no êxito da CEC 2012.
Com uma mudança estratégica no Conselho de Administração da entidade que geria o certame, renasceu a esperança. Os vimaranenses acreditaram, a máquina começou a ficar oleada, o empenhamento foi coletivo, e a União Europeia reconheceu Guimarães como uma das melhores capitais europeias da cultura. Muitos contribuíram para que esse estatuto fosse atribuído à Cidade Berço. Afinal, foram as pessoas que construíram a CEC e que fizeram (mesmo) parte na edificação mensal de novos paradigmas culturais. No início de 2022, por ocasião da primeira década de CEC 2012, as comemorações começaram, em Guimarães, com a atribuição do nome de Francisca Abreu ao Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor. Porque a ex-vereadora foi… Grande! A todos os níveis. No trato pessoal. No trato da cultura. No trato das coisas simples, como a oferta de um sorriso que distribuía frequentemente. E que fazia parte… da sua cultura! Esta homenagem é, também, um reconhecimento da herança que os seus mandatos legaram a Guimarães. Construído o Centro Cultural Vila Flor, cuja inauguração decorreu em setembro de 2005, é com Francisca Abreu que é promovida a política de promoção cultural que leva o Governo da República a escolher Guimarães para o grande evento de cultura na Europa.
Ainda com Francisca Abreu, Guimarães viveu outro momento muito relevante. Há 20 anos, foi a mensageira da elevação do Centro Histórico a Património Cultural da Humanidade. Faltavam poucos minutos para as 16 horas. Uma chamada telefónica com António Magalhães, então Presidente de Câmara, confirmava o estatuto mundial atribuído pela UNESCO, que os vimaranenses tanto desejavam.
Uma década depois da CEC, Portugal candidata-se para ter a sua quarta Capital Europeia da Cultura e o ano de 2022 revela-se determinante para a escolha da cidade que acolherá um ano de programação cultural em 2027, simultaneamente com uma cidade da Letónia.
Doze cidades portuguesas tinham manifestado vontade de se tornarem Capital Europeia da Cultura, mas em março último apenas foram apurados quatro nomes para a “shortlist”: Ponta Delgada, Braga, Aveiro e Évora. Ou seja, um terço das cidades que se candidataram. Fora da corrida ficaram Faro, Funchal, Vila Real, Coimbra, Guarda, Leiria, Oeiras e Viana do Castelo.
A seleção final está prevista para o final do ano ou início de 2023, sendo que a escolha da cidade vencedora será feita por um júri composto por dez peritos independentes, nomeados por instituições europeias, e para o qual Portugal tem dois elementos.
Até agora, a distinção de Capital Europeia da Cultura foi concedida a três cidades portuguesas: Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012). Em 2027, uma cidade de Portugal e da Letónia dividem o título de Capital Europeia da Cultura. Que o exemplo vimaranense, à imagem da Fundação da Nacionalidade, seja uma verdadeira inspiração...
Osmusiké: 20 anos ao serviço da cultura vimaranense
Foram vinte anos de aventuras no teatro, na poesia, na música, enriquecidos pelas visitas culturais e por esta última odisseia denominada OsmusikéCadernos. Aqui testemunhamos o nosso esforço em prol de Guimarães e da cultura vimaranense.
Apresentamos textos e fotografias que sintetizam essas décadas sentidas e vivenciadas emocionalmente com a alegria e o orgulho do dever cumprido
De amor, empenho e reconhecimento aliados à capacidade inigualável de fazer com que os outros se sintam felizes através do nosso teatro, da nossa música, da nossa poesia e de outras atividades culturais. Vinte anos de alegria, de valorização e empatia que, ao longo do tempo, refortalecem os laços entre o ser e o querer ser mais e melhor. Nestas vinte primaveras, acredito que a alegria e a esperança, os arco-íris e os sorrisos prevalecem nos milhares de pessoas que tocamos com uma simples melodia, peça de teatro ou poema. Temos sido o combustível que abastece os corações dos cidadãos vimaranenses. Temos sido o aditivo sentimental compartilhado entre todos aqueles que, ano após ano, se encontram no nosso caminho, no caminho da cultura.
Quando descrevemos a cultura e o papel fulcral que nela desempenhamos, esquecemo-nos, por vezes, do leitmotiv que nos anima: as pessoas. De pessoas para pessoas temos articulado vontades e talento em projetos diversificados que, de distintas formas e sob diversos pontos de vista, entusiasmam crianças, jovens, adultos e idosos, criando momentos de pura magia no seu imaginário para que, apesar das dificuldades, o seu dia a dia seja vivenciado e salpicado de momentos de felicidade. As pessoas fazem de Osmusiké um projeto de sucesso. Somos todos antropólogos. Esta dinâmica cultural altera a forma como pensamos, agimos, colaboramos e vivemos, desde há vinte anos, perseguindo o mesmo objetivo que continua atual.
Um ponto chave desta história foi o “Cantar Guimarães”, pois, apesar de algumas dificuldades, imortaliza a nossa cidade, o seu centro histórico, a sua gastronomia, os seus costumes, os seus heróis e santos, as suas gentes. Cantamos a cidade, o Castelo e o Paço dos Duques, o nosso primeiro rei, a fundadora da cidade, as ruas e ruelas ou até a simplicidade das muralhas e do sabor gastronómico que nos erradia e inspira desde há vinte anos. O grupo mantém uma identidade com o concelho de Guimarães, que facilita a
compreensão de todos os que pretendem saber mais sobre o nosso trabalho contínuo em prol da diversificação e da união cultural.
Que o grupo continue a partilhar e a espalhar sorrisos, emoções e conforto entre todos. O desafio é chegar a todos aqueles que se identificam com o nosso projeto. Acaba por ser um privilégio inigualável, pois todo este amadurecimento relata a mudança e a perspetiva de crescimento que tanto almejamos. O meu orgulho e a minha gratidão continuam em alta, pois, desde menina, fui atriz com as minhas avós e, hoje, do alto dos meus 15 anos, entendo a gratidão e uno o pensamento com todas as avós teatreiras que me acolheram e, atualmente, sinto o quão importante foram esses tempos e essas vivências na formação do meu carácter. Ser quem sou foi extremamente influenciado pelos ensinamentos que cada uma delas me trouxe: bondade, compreensão, paz, harmonia, atitude e união, disciplina, trabalho colaborativo. Que a vida presenteie cada um dos participantes, que os momentos felizes se sucedam vezes e vezes sem conta, que a janela esteja sempre aberta para a diversão e para a cultura.
Osmusiké Teatro no programa “A tarde é sua”, TVI, 2011 Era uma vez uma ecocarochinha, paço dos Duques, 21/03/2016
Hoje, perante tudo isto, guardo esta data como um marco para todos os vimaranenses pois é no amor ao próximo e à cidade que nos revemos e continuaremos a rever.
Vinte anos de tudo isto e de muito mais que, no papel, não se consegue descrever!
Estávamos em junho de 2002, quando um grupo de Educadores e Professores concluíram uma ação de Formação, promovida pelo Centro de Formação Francisco de Holanda (CFFH), do qual exercia as funções de diretor, subordinada ao tema “Musiké: a experiência musical na arte de ensinar”. A ação decorreu na
sequência de outras18 no âmbito da expressão musical, cujo formador do CFFH era Óscar Ribeiro. O clima de entusiasmo gerado na sessão de encerramento entre formador/formandos e eu próprio incentivaram à constituição de uma valência cultural do CFFH. Ora, é esta valência que está na origem de Osmusiké nas suas duas fases distintas: uma de caráter mais informal19 e outra, após a legalização, enquanto entidade autónoma. O seu nome provém das palavras gregas musiké téchne que significa música, a arte das musas e tem por símbolo o louva-a-deus, entendendo-se assim a música como uma arte divina, segundo afirma o pintor Salgado Almeida, autor dos símbolos da Associação – logotipo e bandeira. Aceitei o desafio de coordenar este projeto e, hoje, muito me orgulho, pois, com a adesão, envolvimento e apoio de todos os colegas marcamos um tempo na identidade do CFFH (já lá vão vinte anos) e no desenvolvimento cultural de Guimarães.
“Todos sabemos o quanto nos ocupa (mas a ideia também era ocupar! Quebrar o stresse!) embora tenha sido um prazer enorme conceber e implementar projetos diversos envolvendo a comunidade vimaranense”, referiu Jorge do Nascimento. Na circunstância revelaria ainda que, inicialmente, a retaguarda foi assumida pela estrutura do CFFH (e que equipa!); depois, na formalização da primeira direção, procurou-se envolver todos aqueles que tinham um espírito voltado para o ensino pela arte e que comungavam de uma dinâmica associativa e cultural que se tem revelado muito estimulante.
A experiência musical na arte de ensinar I – Paço dos Duques, 14 de janeiro de 2002
Ensinar com a arte é uma forma extraordinária de formar indivíduos tornando-os mais participativos, disciplinados, motivados e atentos aos outros, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade mais livre, mais equitativa e justa, mais solidária e mais feliz. E, quando essa arte é a música, o teatro, a poesia… ela assume uma importância particular e especial, sobretudo no entender destes educadores e professores, que acreditam que o desenvolvimento musical das crianças e a sua capacidade de comunicar através da música florescem em ambientes que propiciam a sua experimentação e reconhecem a Expressão Musical e o
181999 - Modelos Curriculares para a Educação de Infância; 2000 - Implementação de Modelos Curriculares - Motivação e Aprendizagem em contextos educativos: Pré-escolar e 1.º Ciclo; 2001 - Aprendizagem em contexto escolar: produção e rentabilização de materiais; 2003 - Musiké - A experiência musical na arte de ensinar II; 2004 - Todos ao palco; 2005 - Musiké - A experiência musical na arte de ensinar III; 2005 - Cantar Guimarães; 2006 - Cantar Guimarães na sala de aula, na escola e na vida; 2009 – Cantar Guimarães na sala de aula, na escola e na vida II.
19 A 1.ª fase vai até 15 de dezembro de 2008, com a elaboração da ata constitutiva e com a eleição dos corpos sociais para o biénio 2008/2010, concluída com a escritura celebrada em 24 de julho de 2009. A 2.ª fase inicia nessa data.
Teatro como tendo um papel fundamental e imprescindível na sua prática pedagógica.
Este movimento associativo é importantíssimo, é uma forma de todos os profissionais da educação, quer estejam na vida ativa quer já se encontrem jubilados, terem um papel ativo em prol da cultura e do bem comum. Mais tarde, o grupo alargou-se, através da proposta “Anda cantar e traz um amigo”, na altura das Reisadas”, reforçando o que tem sido um trabalho gratificante e correspondido pelas pessoas da cidade e da periferia do concelho.
Contudo, também houve algumas dificuldades ao longo destes 20 anos. Desde logo com as dores de crescimento da associação. De facto, a Escola Secundária Francisco de Holanda (ESFH) foi a instituição que nos viu nascer e era o local onde reuníamos e realizávamos os ensaios musicais; por sua vez, o teatro ensaiava em espaços diversificados pertencentes aos elementos do grupo, pois, de início, era constituído por um pequeno número de elementos. Mas a logística começou a complicar-se e a esbarrar em horários rígidos e espaços próprios por parte da Instituição de Ensino que nos servia de sede, mas que, para nós, será sempre a nossa casa mãe. Com efeito, criar e produzir cenários, adereços, figurinos e guardá-los exigia um espaço próprio. Foi assim que, em 27 de março de 2013, solicitamos à Câmara Municipal a cedência de um espaço no Mercado Municipal, em regime de comodato, por forma a colmatar essa necessidade mais nítida por parte do teatro. A Câmara prontamente satisfez o nosso pedido. Mais tarde, entendemos que seria mais produtivo para todos se a música e o teatro partilhassem o espaço, pois os espetáculos começaram a incluir as diversas valências. Assim, decorrido algum tempo, verificamos que o espaço se tornara exíguo, o que nos levou a fazer novo pedido à Câmara. Deste modo, hoje utilizamos duas lojas (24 e 25) que unificamos e apelidamos
As formigas e a cigarra cega rega, dia 1 de junho de 2022, em Brito
de “Espaço Criativo Osmusiké”, pomposamente inaugurado, em 4 de julho de 2019. Possuímos também um espaço, na sala de refeições do Mercado, onde guardamos todo o nosso espólio.”
Decorreram, então, vinte anos e a gente quase nem deu por isso, tão entretidos que estávamos em fruir cada segundo das nossas vidas, partilhadas voluntariamente com a comunidade, em geral, e com os vimaranenses em particular! Foram momentos de emoções, alegrias e prazeres....
Foram momentos únicos, de compromisso afetivo que se foram acumulando em iniciativas criativas, culturais, educativas e sociais construídas com afetos e vontades que se foram acastelando num manancial de relatórios semestrais e anuais (as evidências a quanto obrigam!...) onde se comprovava a dedicação e compromisso da nossa existência como coletivo, que era e é a substância magna da nossa Associação. Trata-se, portanto, de um grupo com caraterísticas muito peculiares e muito próprias, únicas mesmo! Tem uma forma de estar divertida, desalinhada, irreverente e a sua alegria é contagiante, dizem-nos os nossos fãs e nós ficamos felizes. Riem, divertem-se, fazem teatro, declamam poesia, descobrem becos e ruelas, capelas e santuários, o património histórico, cultural, ecológico, social e humano da cidade (e do concelho) e das gentes de Guimarães. Ademais, animam a cidade e o concelho…dão-lhe um colorido cromático que não passa indiferente a nenhum transeunte, seja ele habitante da nossa urbe seja turista.
Cantamos porque gostamos de cantar! Representamos porque gostamos de representar! Declamamos poesia porque queremos partilhar sentimentos e emoções. Com alegria, com vontade, com gozo, com entusiasmo…umas vezes “sai muito bem… outras nem por isso…”, como reza o nosso HINO. Mas o objetivo é sempre atingido.
Deste modo e a nosso modo, representamos indiferentemente quer junto do público infantojuvenil quer junto da população adulta e desempenhamos um papel relevante no envolvimento de milhares de alunos por ano, quer no concelho quer onde nos solicitam.
Percorremos todo o território vimaranense pois as nossas representações adaptam-se com facilidade a espaços diferenciados, levando ao povo anónimo as histórias e figuras presentes na fundação de Portugal, como foi exemplo a iniciativa “Tempos Cruzados”, em plena Capital Europeia da Cultura 2012, com “As aventuras e desventuras do Gato das Botas”, espetáculo que emana da fusão entre a expressão "Guimarães esfola gatos e mata cães" que faz alusão às indústrias de curtumes e cutelarias, e a conhecida obra “O Gato das Botas” de Charles Perrault. Uma criação enriquecida por um guarda-roupa inspirado nos trajes regionais e animada por uma seleção de músicas populares adaptadas do cancioneiro tradicional, que marcaria o ponto de viragem do grupo, como acima referimos. Além disso, apresentamos “Ecocarochinha”, “Reflexo da estátua”, “Gata Borralheira”, “O aniversário da Carochinha”, “Portugal Amordaçado”, “Os Saltimbancos”… textos inéditos do grupo, mas também textos de autores consagrados, dos quais destacamos: O “Avejão” e “Rei Imaginário” de Raul Brandão; “Maria Parda” e “Auto da Visitação” de Gil Vicente; “A Estrela e o pequeno Grão de Areia” de João Falcão; “O Rei da Helíria” de Alice Vieira e “Guimarães Tesouros Clandestinos”, peça de teatro com base no livro com o mesmo título, de Teresa Macedo, que dá a conhecer as convulsões socias e
ideológicas que se operaram com a chegada da Revolução dos Cravos. No fundo e em substância, um trabalho de exaltação à Cidade Berço e ao Povo, que assistiu às mutações de um contexto subitamente transformado, dando a conhecer os vícios, a resistência, a esperança, mas, sobretudo, a força inequívoca da chegada da LIBERDADE, com recurso evocativo às canções de José Afonso e José Mário Branco.
Por outro lado, o NOC NOC permitiu que o grupo apresentasse as performances: “Ecostyle” - Para quem acredita que não dá para cuidar do mundo e da beleza ao mesmo tempo, “Ecostyle” tornou-se um novo conceito que veio justamente unificar tudo isso (2016); Acrescente-se “A Insustentável leveza do casar - O Casamento é para toda a vida. Até que a morte nos separe," mas, a vida teima em não acabar.... (2017); “Colombina e seus dois amores” (2018) … “Peças de Peças”, Instalação/Performance, que procurou resgatar a componente plástico-simbólica de alguns espetáculos, realizados pelo Grupo e salientar/evidenciar o lugar do figurino em cena. Para o efeito, foram apresentados figurinos da autoria de Emília Ribeiro e Milita Marinho, pintados pelas artistas plásticas Ni Xavier e Maria Terra. Então, em dado momento, “Os Saltimbancos chegaram à cidade” e depararam com uma Colombina na referida Instalação... e o espetáculo aconteceu! … (2019).
Por sua vez, com “Guimarães – Sítio de memórias” – a 13 de dezembro de 2017, a música e a expressão dramática fundem-se ao resgatar a memória do património material e imaterial de Guimarães, que fazem Sítio de
história e que contam estórias, reavivando o conhecimento de lendas, de personagens míticas e de monumentos do nosso tesouro coletivo.
Efetivamente, “Guimarães – Sítios e memórias” – 13 de dezembro de 2020, "Ad vos homines qui venistis populare in Vimaranes et ad illos qui ibi habitare volerint" - “A vós homens que viestes povoar em Guimarães e àqueles que aqui quiserem habitar”, constituiria uma imaginária viagem inesquecível aos locais mais emblemáticos do nosso património histórico onde as personagens mais marcantes da nossa história local surgiram, magicamente, para partilhar com os viajantes o que faz desta urbe uma das mais importantes terras a visitar e deixa recordações para toda uma vida.
Do nosso ponto de vista é ainda de destacar a iniciativa “Animação dos espaços urbanos de Guimarães –Memórias da nossa Terra – Santo António no Rio de Couros”, espetáculo itinerante de Artes Performativas, com base na vida dos curtidores e surradores de Couros. O povo de Couros cria um Hino para ir à Penha em peregrinação
Prontos, iniciamos e peregrinamos assim a caminhada desde a capela de S. Crispim e S. Crispiniano em direção à Penha, quando somos surpreendidos por Santo António… em plena zona de Couros… Como é óbvio, o ecletismo das nossas VALÊNCIAS contribui para a inclusão. E sentimo-nos bem assim!
No que concerne à poesia, diremos que esta ganha mais força, em 2013, com singelas atuações em torno do CFFH para abrilhantar as apresentações da Revista Elo. Com efeito, até 2019 foi surgindo, discretamente, diria até um pouco timidamente, pois o foco desta Associação sempre esteve mais voltado para a música e o teatro. Realmente, esta valência precisou, portanto, de seis anos para ocupar um lugar mais significativo nas atuações programadas ao longo de cada ano,
como nos concertos anuais “Sons e Vozes da Liberdade” e “Sons de Outono”. Porém, em 2020, aventurarse-ia em iniciativas próprias, começando pelo “Chá com poesia”, que foi cancelado devido à pandemia do Covid, a que se seguiram o cancelamento de quase todas as atividades programadas durante os dois anos seguintes. Todavia, mantivemo-nos ativos usando as redes sociais e as novas tecnologias, produzindo e apresentando projetos com muita criatividade.
Durante o ano em curso, esta Associação propôsse realizar vinte atividades, tantas quantos os anos de vida, das quais duas a cargo da valência da poesia. A poesia no seu melhor, salientou Beatriz Roberto.
Deste modo, “Chá com Poesia” pôde, finalmente, concretizar-se e acrescentar-se-ia ainda “Palavras que voam - estendal de poesia” que destaco devido ao seu sucesso:
“Aconteceu numa manhã de março, num lugar onde antes tudo era vulgar, e eis que, em menos de nada, tudo se transformou” – concluiria a nossa interlocutora.
Realmente, as árvores que até aí eram apenas mais algumas entre tantas, seriam embelezadas e úteis, oferecendo a quem passava flores como versos, ramos como palavras, e troncos com nomes de autores em cordas atadas, exibindo poemas que iriam ser admirados por uns, declamados por outros, recolhidos por quem quisesse, ou até lidos e levados para casa e guardados com carinho…
Igualmente, os bancos de pedra do local, até aí usados para descanso ou pousio de cargas, de repente transformaram-se em palco de onde voavam palavras para o coração de quem ali passava e se deliciava com aquele belo e inesperado momento de poesia.
E, então, o dia tornou-se único.
De facto, o jovem que corria parou, o ciclista encostou a bicicleta, os amigos desviaram-se do seu destino e aplaudiram com satisfação! Uma senhora absorveu uma poesia de humor que levou consigo, depois de agradecer o momento feliz que ali fruiu; um filho, acompanhado pelo pai, escolheu e ouviu uns bonitos versos, levando-os consigo, neste Dia do Pai! Uma filha orgulhosamente homenageou seu pai declamando poemas de sua autoria, colegas declamaram poesias que trouxeram consigo e até o nosso presidente declamou um poema atualíssimo de uma poetisa vimaranense sobre a guerra na Ucrânia. “Viveram-se momentos inesquecíveis!” – acrescentaria a nossa interlocutora.
É nesta partilha com os outros e para os outros que Osmusiké proporciona felicidade e satisfação a quem connosco se cruza e convive. A nossa associação tem a capacidade de se envolver em qualquer contexto, fazendo com polivalência a diferença, quer seja ao ar livre, quer seja num salão emblemático da nossa cidade, nos Lares de Idosos, nas Escolas, no interior ou à porta de monumentos ou nas praças e ruas da cidade.
Na rua e nas quelhas, nas igrejas e nos auditórias, nos canais de televisão ou onde quer se seja, temos levado a cabo espetáculos multidisciplinares em que se cruzam o passado histórico e o presente contemporâneo, revisitando as tradições vimaranenses e reinventando a expressão artística, através da articulação das artes performativas da música, da dança, da poesia e do teatro.
Performance de Osmusiké “A Vós homens que viestes povoar Guimarães e àqueles que aqui quiserem habitar” in Museu Alberto Sampaio (13 de dezembro de 2020)
Foi assim com o “Órion” , um roteiro turístico da cidade de Guimarães, onde se apresentaram os principais monumentos, personalidades, tradições e lendas locais e onde brilham, como na referida constelação, três estrelas da expressão artística - canção, bailado e teatro - numa postura colaborativa com as instituições
de solidariedade social, as associações culturais e recreativas e as escolas do concelho.
Foi assim também com projetos como o “Cant’Histórias” que se adaptava a espaços diferenciados, mas sempre com a mesma mensagem: levar ao povo anónimo histórias e figuras presentes na fundação de Portugal.
Efetivamente, desde as cantatas aos concertos de Gala, com música tradicional popular ou mais clássica, desde a animação de lares a infantários; desde a inauguração do ADARVE à da Estátua da República, desde a comemoração do 25 de ABRIL ao Dia UM de Portugal ou ao 10 de junho; desde a Marcha Gualteriana e da Feira Afonsina, até à comemoração do dia da República e/ou à festa de Santa Luzia, onde emergem passarinhas e sardões, ou de S. Torcato (Romaria Grande); desde a recreação do Mercado à moda Antiga, às Galas de Beneficência… nós estivemos lá! Realmente, desde o intimismo do Espaço Criativo Osmusiké, ao auditório da UM, ao da Plataforma das Artes, da casa da Memória, ao Grande Auditório Francisca Abreu, ao Multiusos, ao Teatro Jordão, ao Paço dos Duques de Bragança, ao Castelo, ao Largo da Oliveira, à Praça de Santiago, ao Largo de Donães, à Biblioteca Raúl Brandão, marcamos presença! Percorremos a cidade de lés a lés, desde o Coreto da Alameda ao Toural, à rua de Santo António, pelo Largo da Misericórdia, rua de Santa Maria, ao Domus Vitae, à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, de Nossa Senhora da Oliveira, de S. Francisco, calcorreando Ceca e Meca…Do Santuário da Senhora do Alívio ao Santuário de S. Torcato…aos Couros…à televisão… (RTP, TVI, SIC) …ou à Prisão de Guimarães…
em 29/10/2022
Recorde-se que o primeiro Sarau pluridisciplinar, realizar-se-ia em 17 de Outubro de 2014, Integrado na Comemoração do XII Aniversário de Osmusiké, subordinado ao tema “Contos...Recontos e Encontros”, com o qual pretendemos divulgar o caminho percorrido pela Associação até então. Uma sessão que contou com a atuação de Osmusiké teatro, Osmusiké Cantar Guimarães, Osmusiké Cantares Populares, Osmusiké Poesia
e com os grupos convidados, como os Pequenos Cantores de Guimarães, Os Vilancico, Grupo de Alunos da Escola Secundária Francisco de Holanda. O palco escolhido seria o auditório da UM para tão digna comemoração e cheio como um ovo. Porém, o êxito do espetáculo seria o ponto de partida, a alanvacagem para a criação e produção de outros grandes espetáculos..., como aquele que serviu para apresentação do CD “GENTES DE GUIMARÃES”, que a valência “CANTAR GUIMARÃES” gravou. Esta produção contou com a participação de Sandra Azevedo, Óscar Ribeiro, Dino Freitas - TETR´ACORD´ENSEMBLE, que cantaram êxitos de Osmusiké com uma roupagem ao estilo dos próprios artistas. Neno seria, na altura, o convidado especial, num espetáculo que constituiria uma bela homenagem às “gentes de Guimarães”, à sua história, aos seus monumentos e aos seus heróis. Seguir-se-ia o quarto e o último sarau que teve como tema “Sons de Outono”, que abriu com a peça de teatro “A derrota da Bruxa Poluição” e prosseguiria com música, poesia e bailado. Entrementes, com os mesmos objetivos de saraus passamos para concertos, ora em quintas de eventos, com jantares de gala, ora em salas de espetáculos. Mas, como sempre, no decorrer da sua história, perseguimos os objetivos associativos de contribuir, de forma relevante, na formação dos seus membros, assim como tornar-se um elo de cultura, de motivação, de convívio, de conhecimento, de investigação e de socialização entre professores, alunos e a comunidade vimaranense, em partilha entre associações diversas.
Ora é neste contexto que surgem os Concertos de Gala “Sons de Outono” – já realizados três, que incluem as diferentes áreas artísticas – música, teatro, poesia, dança. Uma realização que conta ainda com artistas convidados, entrecruzando diversas e plurais aportações criativas. “Sons de Outono” aporta efetivamente valor, evidencia cultura, acentua qualidade e mostra Guimarães igual a si mesma, nas suas diversas facetas, quanto popular, clássica, turística, cosmopolita e monumental.
De facto, quando olhamos para trás, são vinte anos de aventuras que partilhamos com aqueles que cá estão, os que fizeram um intervalo e os que vão chegando de novo. Somos um conjunto de pessoas conscientes, ativas, orgulhosas da sua condição e da obra que construíram, que juraram continuar e promover – Osmusiké.
No entanto, com a chegada do confinamento imprevisto, preocupante e sacrificador, que parecia pôr em causa toda a dinâmica social, Osmusiké reinventouse e deu início a uma linha editorial E-book consubstanciada em OsmusikéCadernos (depois passaram a ser editadas também em suporte de papel), um espaço plural e agregador, livre e independente, onde todos têm voz. O número 1 foi lançado na plataforma ZOOM, em junho de 2020, com a presença de mais de cem participantes, redundando num êxito. Surgiu do nada, mas vingou, como outros projetos identitários que prosseguiram com paixão e envolvimento.
Fechado este capítulo, surge o número 2 de OsmusikéCadernos que teve como grande tema ABRIL E A LIBERDADE, sem abandonar ou esquecer as vivências de Guimarães, enquanto território, património e gentes que o habitam e o sentem. Foi esta a forma encontrada para comemorar quarenta e sete anos do ABRIL!
Porém, novas missões se vislumbraram nos horizontes da cidade que, de forma imparável, levaram Osmusiké a novas batalhas e a novas conquistas. Com efeito, aproximava-se inexoravelmente uma data muito especial para Guimarães - o 13 de dezembro de 2021 - que há duas décadas atrás levaria a UNESCO a consagrar o Centro Histórico de Guimarães como Património Mundial da Humanidade.
Obviamente, OSMUSIKÉ, enquanto instituição cultural e intergeracional, não podia ficar alheia a esta conquista, pugnada com empenho e esforço, que conduziria à vitória. E assim surgiu OsmusikéCadernos3, celebrando, em parceria com a Câmara Municipal e a cidade, duas décadas da elevação de Guimarães a património mundial da UNESCO.
Mas a vida não para! Por isso, no dia 10 de dezembro de 2022, ano em que Osmusiké festejam 20 anos de vida, aqui está OsmusikéCadernos4, tendo como temática central a celebração de 10 anos de Guimarães – Capital Europeia da Cultura, bem como o centenário do Vitória Sport Clube e 30 anos da Biblioteca Raul Brandão. E muito mais… convidamos-vos a ler.
Contudo, prometemos que continuaremos o nosso caminho… ao serviço da cultura, ao serviço de Guimarães.
De facto, estamos aqui para prosseguir em frente, ainda que quantas vezes nos tenhamos coibido e arrepiado de prazer e folia?! Por conseguinte, choramos e rimos discretamente, mas sempre contentes e admirados com a nossa obra?!!!
Quantas vezes nestes 20 anos, musikés?!!! Lembram-se do espetáculo Sítio de Memórias?! Em plena Oliveira…ou no Castelo…ou nos jardins do Paço dos Duques?...ou por toda a cidade?
Assumimo-nos, por isso, como uma instituição com um espaço próprio na dinamização cultural, musical, artística, literária, recreativa e associativa do concelho de Guimarães, pelo que, durante o ano de 2022, e na sequência da comemoração de vinte anos de existência, propusemo-nos levar a cabo um conjunto de vinte atividades que contribuíram para a formação humana, cultural, artística, técnica e científica de todos os seus membros na dinamização da cultura local. Tarefa que ainda contribuiu para a correção de assimetrias no acesso à cultura e na promoção de igualdade de oportunidades.
Sons de outono, em 29 de outubro de 2022, no grande auditório de Francisca Abreu, CCV
Conjugados neste coletivo denominado Osmusiké, tantas vezes cantado, nunca nos perguntem quando vamos parar! A resposta será sempre muito dolorosa para todos nós! Para cada um de nós!
Decididamente, partilhamos, neste tempo todo, a dádiva da existência com quem pode não comungar das mesmas ideias! Atrás de nós virão mais 20 anos…. É preciso acreditar…. Contem connosco…
Há vinte, vinte anos Estavas tu no nascimento Que Nascimento a fez florescer. Tinhas ânsias de crescer E fome de aventura De renascer a cultura em Guimarães.
Há vinte, vinte anos Era eu uma formanda Que animava a banda na Xico de Holanda. Começaram os ensaios Das canções e das danças Do teatro para animar crianças.
Vem viver a vida, amor, Que o tango do ardor Não se dança mais! Dança que se apagou E para nós ficou Nestes jograis (bis)
Vinte anos mais tarde Encontrei –te sem aviso No palco de uma escola na cidade. Trocamos um sorriso Como quem vive outra idade Entoamos as canções em improviso.
Dei-te o telemóvel Convidei-te a sair Para um Chá de Poesia, aos Sons de Outono. E pelo tempo fora Continuamos amigos A cantar nossas canções e sempre unidos.
Hino aos 20 anos dos Osmusiké Poema de Álvaro Nunes
Vem viver a vida, amor, Que o tempo nos deixou Belas canções. Sonho que o tempo já levou Mas para nós ficou Nos corações. (bis)
Daqui a vinte anos Manterei o teu retrato Como musa inspiradora de meus versos! Iremos às Gualterianas, Às festas vitorianas, À Feira Afonsina e Nicolinas …
Há vinte, vinte anos Tu e eu, ainda meninos, Que em palcos vicentinos fazem planos. Cantaremos Guimarães, Cantaremos as Reisadas, Voltaremos muito alegres de mãos dadas.
Vem viver a vida, amor, Que o tempo do outono Mantém calor. Tempos que o tempo já guardou Mas que em nós ficou P’ra toda a hora.
Vem viver a vida, amor, Que os tempos d’Osmusiké Me dão fulgor. Tempos que a vida já guardou E quem em nós ficou Neste clamor.
Aos vinte anos o fruto está maduro, Suculento, doce e sumarento Cultivado nesta árvore do futuro Qu’ Omusiké regam com alento.
Afagam-na Sons de Outono melodiosos Verões Afonsinos, Nicolinos Invernos, Cadernos de Guimarães estudiosos Nascidos de colos maternos e ternos.
Assim, em Chás de Poesia açucarados
Em palco improvisado, bairro ou praça, Continuamos da cantarinha (e)namorados.
Sempre alegres, contra a desgraça!
Vinte anos de saudade, risos, graça! Vinte anos de porvir já desejados …
Como cereja em cima do bolo de aniversário, nestes 20 anos de vida ativa dos Osmusiké, o nosso presidente Jorge Nascimento foi contemplado com uma medalha de mérito cultural pela Câmara Municipal de Guimarães, no decurso das cerimónias comemorativas do 24 de junho, Dia um de Portugal.
De facto, um merecido reconhecimento pelo seu “inestimável contributo como autor de inúmeros artigos em revistas e livros no âmbito da formação e da educação,” mas também e principalmente “pela sua intervenção sociocultural que enriquece as vivências e conduz à partilha e ao trabalho colaborativo”.
Com efeito, ligado a Guimarães desde o verão de 1963 e aqui residente desde 1970, Jorge Nascimento, provindo de Mujães (Viana do Castelo), desenvolveu, na cidade-berço, um importante trabalho no movimento associativo, iniciado na associação JUNI, (Costa), no longínquo ano de 1971, da qual foi sócio fundador e dirigente. Porém, o seu trabalho associativo estendeu-se ainda ao Motor Clube de Guimarães, ERDAL, Sociedade Musical de Guimarães e Chorus Anima Populi.
Ademais, enquanto licenciado em Português/Francês exerceria também prestigiantes funções docentes no ensino básico, secundário e superior, entre 1973 e 2013, destacando-se ainda os trabalhos de professor e consultor da Universidade Católica Porto para Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e o desempenho de funções de coorientador de Teses de Mestrado em Administração e Gestão Escolar na Universidade Portucalense.
Foto oficial das autoridades nacionais e locais e dos condecorados pelo Município de Guimarães em 24 de junho de 2022 (Ministro da Administração Interna (José Luís carneiro) Ernesto Soares, Teresa Gama Brandão, (Mérito Social), Jorge do Nascimento (Mérito Cultural), Vasco de Faria (Mérito Artístico), Presidente da Câmara municipal de Guimarães (Domingos Bragança), Presidente da Assembleia Municipal de Guimarães (José Torrinha))
No entanto, é sobretudo pela sua dimensão interventiva no âmbito sociocultural, que o nosso presidente Jorge Nascimento vê reconhecido o seu valioso trabalho. De facto, em 2002, fundaria OSMUSIKÉ –Associação Musical e Artística do Centro de Formação Francisco de Holanda, a cuja direção ainda preside, que pelo seu dinamismo se assumiu como um dos mais relevantes atores associativos do Município, quer com o grupo musical e teatral, quer mais recentemente na área da edição, com a publicação periódica dos denominados OsmusikéCadernos, aqui presente neste quarto número, em cujas páginas são parcialmente evocadas algumas linhas de ação do nosso trajeto, inerentes a estes 20 anos de trabalho.
É, pois, neste quadro de dinamização e intervenção cultural, centrado “no património material e imaterial de Guimarães, num ambiente contagiante de generosidade, alegria e partilha de conhecimentos e saberes” que o nosso presidente tem sabido liderar incansavelmente, que também nos congratulamos por esta distinção que honra o galardoado e por extensão a associação, cientes que fazemos parte desta equipa.
Vamos continuar este serviço …
Outra distinção digna de registo e dos maiores encómios foi a atribuição do prémio Gil Vicente a Emília Ribeiro, responsável pela coordenação do projeto teatral dos OSMUSIKÉ, instituído pela União de Freguesias da Cidade, no Dia Mundial do Teatro, no passado 29 de março/2022.
Com efeito, Emília Ribeiro tem desempenhado um relevante papel de protagonista nos palcos Osmusiké, como se constata e pode ler em detalhe no artigo intitulado “Osmusiké – vinte anos de aventuras”, que não só alude à sua participação ativa como também à sua criatividade.
Ademais, esta professora, nascida em 1953, na freguesia da Costa, tem praticamente dedicado toda a sua vida pessoal e docente ao teatro, de forma abnegada, que iniciaria no Teatro Amador da JUNI, quer como atriz quer como monitora, durante cerca de duas décadas.
Outrossim, uma vida que passaria não só pela formação específica nas áreas do movimento, música e dança, como também pela expressão plástica, musical e dramática na sala de aula, a que acrescentaria
formações diversas nas vertentes da literatura infantil e oficinas de expressão da mais variada índole.
De destacar ainda a coordenação de vários projetos desenvolvidos no âmbito da escola e Ministério da Educação, no contexto do Plano Expo 98, nomeadamente o “Marujinho que perdeu o Norte” e “A Rota dos Navegantes”.
Acrescente-se que este troféu, constituído por uma estatueta do dramaturgo Gil Vicente, visa enaltecer e homenagear os cidadãos e cidadãs de Guimarães que têm uma vida dedicada à arte de Talma, o teatro. Um prémio de reconhecimento cultural atribuído por um júri de três pessoas que, por deliberação anual, presta devido preito àqueles que apresentam provas dadas de dedicação em prol do teatro, nos palcos de Guimarães.
Recorde-se ainda que esta distinção já em 2018 tinha sido atribuída a F. Capela Miguel, e, no ano passado, a Luís Almeida.
Perpassam também 30 anos da Biblioteca Raul Brandão, cujo patrono nos legou o seu húmus existencial e a sua dramaturgia intemporal. Deste modo, nesta peça em vários atos, contam-se esses tempos cronológicos de três décadas, desde a origem e história desta instituição até à sua estrutura organizativa e funções, mas sobretudo ao seu relevante papel no tecido social vimaranense em prol da cultura e da leitura.
Biblioteca Raul Brandão:
Nos 30 anos da sua inauguração e 155 anos do nascimento do escritor Equipa redatorial
Passaram já 30 anos que a Biblioteca Raul Brandão foi inaugurada, concretamente em 7 de março de 1992.
O Notícias de Guimarães dá conta dessa ocorrência:
“O passado sábado, dia 7 de Março do ano da graça de 1992, foi um dia de excelência para a Cultura, em Guimarães, de transcendência singular”
Com efeito, sob o título “Cultura com sinal mais em Guimarães”, o periódico vimaranense reportaria o ato inaugurativo que, na altura, contaria com a presença do Subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, e do Presidente da Câmara Municipal, António Magalhães, a quem caberia dar continuidade e conclusão aos trabalhos iniciados sob a presidência de António Xavier, em 1987.
De facto, “o milagre aconteceu” há 30 anos atrás e mereceu manchetes jornalísticas, como de “O Comércio de Guimarães” de 12 de março, que titula “Biblioteca já temos - Venha o Tribunal de Trabalho”.
Efetivamente, tudo ocorreu quando se comemoravam os 125 anos do aniversário de Raul Brandão, que permitiu instalar na oitocentista “Casa dos Carneiros”, após notável recuperação, a biblioteca que homenageia o escritor, ali defronte do antigo Convento de Santa Clara e atual edifício da Câmara Municipal. Uma inauguração que seria também destacada pelo semanário vimaranense “O Povo de Guimarães” de 13 de março de 1992, que cita palavras proferidas pelo representante do governo:
“Cumpre-me saudar a Câmara Municipal de Guimarães e o seu Gabinete Técnico pelo magnífico trabalho realizado, que permitiu a adaptação do imóvel onde se sediava uma antiga Casa de Lavoura (…) Longínquo de opções morais, filosóficas e políticas do autor de “A Farsa”, “Os Pobres”, “Húmus” e “O Pobre de Pedir”, curvo-me perante a memória do historiador, novelista e psicólogo que escreveu “El-Rei Junot” e “A Conspiração de 1817 – Gomes Freire”, pois é nestas obras e nas suas “Memórias” que, em meu entendimento, o escritor se revela mais criador, apesar das incompreensões das críticas que certos técnicos de História intoleravelmente lhe dedicam.
A cultura tem de continuar como o ponto de encontro dos portugueses, enriquecida pela divergência de opiniões, mas dinamizada por um espírito de querer construir e de querer ir mais além”.
Ora, J. Santos Simões ouviu atentamente as palavras de Sousa Lara e, de imediato, sem se fazer rogado e desde logo deitando barro à parede, quis ir mais além. Com efeito, como documenta o Comércio de Guimarães de 12 de março de 1992: “… também o Dr. Santos Simões aproveitou para falar de Raul Brandão e da Casa do Alto, em Nespereira, fazendo, aí mesmo, entrega ao Subsecretário de Estado da Cultura, de uma cópia de um dossier que visa transformar aquele casarão em casa de turismo de habitação e museu”.
Sabemos, hoje, que a questão não fora mais além e que o repto não fora ouvido, pelo que, lamentavelmente, a Casa do Alto perdeu-se para os fins propostos.
Quanto ao programa inaugurativo, teve um pouco de tudo e foi bem recheado culturalmente, ao longo de vários dias. Houve música com um Recital de Canto e Piano, projeção de filmes, conversas com escritores convidados e deslocações das crianças às instalações da nova biblioteca, num envolvimento pleno do público infantojuvenil. Assim, na circunstância, seria também apresentada uma “Antologia de Poesia Infantil”, com poemas selecionados por Sophia de Mello Breyner Andresen, com desenhos de mestre Júlio Resende e o último livro de António Torrado, bem como atividades diversas de teatro infantil e de fantoches.
Como é óbvio, e paralelamente, Raul Brandão seria também o centro da inauguração. Destarte subiria a palco a peça brandoniana “O Doido e a Morte”, que motivaria uma palestra por parte do professor da Universidade de Coimbra José Barata Oliveira sobre o teatro do autor e uma conferência a cargo do escritor David Mourão Ferreira, intitulada “Raul Brandão, o escritor e a obra”.
De facto, um programa cultural em cheio e para todos, ao qual não faltaram sequer momentos caricatos. Com efeito, como também documenta o Comércio de Guimarães dessa época, sob o subtítulo “Foi pena”:
“Muitos convidados só viram duas salas porque se fazia tarde e muitas pessoas desejaram ouvir, pela rádio, o debate entre Fernando Alberto e Pimenta Machado…”
No concernente à história de uma biblioteca pública em Guimarães, esteve sempre o dedo de J. Santos Simões. Com efeito, recorde-se que já antes e desde 1966, por intercessão da Direção do Círculo de Arte e Recreio, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que a biblioteca funcionou nesta coletividade, impulsionada por J. Santos Simões e, posteriormente, a partir de 1975, nos antigos Paços do Concelho, como a Biblioteca Fixa nº. 127 da Fundação Calouste de Gulbenkian.
Um espaço que “foi a Biblioteca com maior movimento a nível nacional”, que teve como animadores e colaboradores diversos nomes, como o próprio J. Santos Simões reconhece:
“
Mas sem deixar de referir aqueles que tornaram viável a existência da Biblioteca, nomeadamente dos dificílimos tempos em que arrancou. Joaquim Fernandes foi não só o catalisador de vontades e energias desde os primeiros instantes, como trouxe à contribuição inestimável a sua companheira de sempre, Aninhas, como carinhosamente era tratada, e que aguentou anos sucessivos a orientação da Biblioteca à custa de uma simbólica renumeração. E com ela a Lena e o João Melro.
A cidade deve-lhes, pelo menos, a dádiva generosa de um esforço que ninguém pode avaliar. (…)”
O ano de 2023 é por certo um ano propício a lembrar este e outros legados de J. Santos Simões, uma vez que se perfazem 100 anos do seu nascimento, no decorrer do próximo ano de 2023. Curiosamente, um ano em que Raul Brandão e Gil Vicente, seus patronos literários e autores de eleição nos palcos do Teatro Ensaio Raul Brandão, celebram também efemérides comemorativas. Com efeito, passam também 100 anos da publicação de “Teatro” de Raul Brandão, que engloba as peças “O Gebo e a Sombra”, “O Rei Imaginário” e o “Doido e a Morte”. Centenário a que igualmente se ajunta a obra brandoniana “Os Pescadores”. Mas outrossim um ano em que decorrem 500 anos da “Farsa de Inês Pereira”, de Mestre Gil Vicente.
Há pano para mangas…
Foi o vereador da Cultura do CDS quem, pela primeira vez, me propôs, na Assembleia Municipal. Mais tarde, o presidente do PS fez-me chegar uma proposta convite para vir trabalhar para Guimarães.
Afinal era um vimaranense a trabalhar em Braga e, assim, seria a oportunidade de voltar à terra…
No dia um de setembro de 1986 cheguei aos serviços culturais do Município de Guimarães com a função de os dinamizar. Organizar um manancial de energias que andavam perdidas, abandonadas neste território…
Entretanto, tinham-se realizado eleições e o município tinha, agora, novos edis, novos protagonistas na política autárquica, com uma balbúrdia partidária de difícil apaziguamento! Era moda!!!
O vereador da minha área cultural era, agora, um ilustre do PSD que toda a gente conhecia pela sua capacidade de polémica constante…
Um dia, o meu “chefe de serviços”, com quem partilhava gabinete, entra de rompante com um papel na mão que me entrega e declara:
- Professor, veja isto que mandou o Senhor Vereador.
Tomei o ofício que li e reparando na data questionei:
- Mas este documento tem mais de dez dias!!! Por onde andou até agora?!!
Sem me responder, voltou a questionar:
- Acha que podemos corresponder ao solicitado?!!
- Parece-me pouco viável! Isso é um pedido de candidatura para a criação de uma biblioteca municipal no âmbito de um programa do Ministério da Cultura e só nos restam 48 horas para o prazo terminar! - Acrescentei.
O senhor olhou para mim sem saber que dizer e virando-me as costas saiu desembestado em direção ao edifício principal do Município.
Fiquei a remoer o acontecimento sobretudo porque me intrigavam as circunstâncias, a saber:
Um ofício assinado pela Ministra Teresa Patrício Gouveia conter um projeto de proposta para Guimarães;
Somente dez dias depois estarem a olhar para ele, dando pela sua presença.
Toca o telefone que atendo de seguida…
- Meu filho conto contigo para o almoço!!! Beijos!!!
- Assim será minha mãe… beijos!!!
Toca novamente o telefone.
- Sr. Professor, o Sr. Vereador pede para vir ao seu gabinete.
- É para já?!! Questionei.
- Sim senhor… Já de seguida!!!
Atravessei a praça José Maria Gomes e logo me vi a bater à porta do vereador da cultura…
A porta abriu-se e logo dei de frente com os dois protagonistas: O vereador e o chefe de serviços. Viase que tinham estado em amena conversa…
- Como já lhe disse, aqui o professor Miguel declarou-me que era impossível responder a este ofício… O vereador mirou-me do outro lado da secretária e levantando voz dirigiu-me uma série de impropérios e responsabilidades que me apanharam de surpresa e nem consegui registar todos!!!
- E se o Município ficar prejudicado vou responsabilizá-lo e vai-se embora!!!
Esta foi a parte que registei e por isso somente respondi calmamente quase em surdina…
- Agora já sei por onde andou este ofício durante dez dias e por que não se fez nada!!!
Arranquei o ofício das mãos do “chefe de serviços” e pedi autorização para sair…
- Sr. Vereador, sou funcionário do Ministério da Educação e não do Município. No fim da minha comissão de serviço vou-me embora!
Saí dali olhando para o relógio. Meio dia e trinta minutos, quase. Deixei-os a combinar os treinos para os jogos de ping-pong ou ténis de mesa ali prós lados do Jardim do Carmo, como faziam quase todos os dias à hora do almoço…
Com um novelo nas tripas pensava na situação e não me agradava nada…
Entretanto, cheguei a casa de meus pais em frente ao Liceu e, quando dei por mim tinha a sopa à minha frente. Fiquei à espera da chegada do Senhor meu pai para me sentar. Uma hora em ponto aí estava ele. Deilhe um beijo e sentamo-nos.
Logo percebeu que algo se passava, pois, foi ele quem quebrou o silêncio. Cá por mim olhava para a colher da sopa plena e ainda não tinha engolido uma.
- Que se passa rapaz?! Deve ser grave!!! Nunca te vi assim!!!
Desengatilhei e contei todos os pormenores daquela manhã sem esquecer os mais ínfimos
pormenores…
- Tramaram-te! Eu tinha-te dito para não vires cá para Guimarães.
- Mas pai que fiz?... Mal comecei este trabalho!
- Já fizeste mais do que eles em dois anos, não foi?!
Não se pode mexer com essa gente!
- Bom, vou dar-te uma informação que pode ser a solução que procuras: O meu colega Vasco disse-me um dia destes, no caminho, que queria vender a sua casa dos Carneiros.
- Em frente à Câmara?!...
- Exatamente e deve valer a pena pois é demasiado grande para eles que estão velhos!!!
Os meus olhos sorriam e eu saí abandonando a sopa, a correr sem me despedir de ninguém e fui bater à porta do colega do meu pai – o Sr. Vasco Carneiro.
A porta abre-se e o Vasco filho, meu colega, e eu pergunto de rapada.
- Teu pai está?!!! Preciso de falar com ele urgentemente!
Voltando-se para dentro chama a velha criada dizendo-lhe:
- Maria leva este meu amigo ao meu pai que está na marquise à volta das máquinas de fotografar.
Fui entrando atrás da empregada até à marquise. O Sr. Vasco que me conhecia desde pequenino olhoume meio derreado e com voz meia rouca:
- Então Miguelinho a que devo esta tua visita?!!
Depois de uma amena conversa, o Sr. Vasco, além de confirmar a sua vontade de sair para espaços condizentes com a sua velhice, manifestou um contentamento único por o seu património poder ser adquirido pelo Município.
Sem mais delongas pedi autorização para sair para ir buscar alguém que soubesse os trâmites necessários
…
Atravessei novamente o Largo do Cónego e dei comigo encostado ao balcão do património a solicitar audiência com o responsável. A menina saiu lesta para voltar e dizer-me:
- Só um momento que a Sr. Dona Rita vai recebê-lo.
Ainda não tinha acabado o agradecimento e vejo uma senhora austera, mas com um sorriso na minha direção. Apresento-me quase sem formalidades…
- Ah!! Você deve ser o nosso novo técnico da cultura!
- Assim é e vou dizer ao que venho!
Escutou-me atenciosamente até ao momento em que referi a data do documento que ainda trazia na
mão. Olha-me uns segundos e declara:
- Disse que o Sr. Vasco está à nossa espera e a gente não o fará esperar. Vamos já lá. Só um momento para tomar um casaco.
Atravessamos novamente o Largo do Cónego e a Dona Rita foi-me dizendo:
- Se os deuses estiverem do nosso lado ainda hoje faremos o contrato de compra e venda e será possível preparar esse dossier para chegar a Lisboa… a tempo e horas!!!
O meu coração saltou de alegria e levei o resto do dia em busca das démarches e da “documentação necessária”:
Um topógrafo para o levantamento da planta do edifício;
A aprovação do gabinete do presidente;
A memória descritiva do projeto;
Uma proposta de conteúdos para a biblioteca.
Nesse dia deixei os serviços às 22:30 da noite, mas estava satisfeito!
No dia seguinte, sem mais delongas fui à Dona Rita que me mandara chamar para me informar que todo o dossier seguiria para o Instituto do Livro e da Leitura do Ministério da Cultura no correio oficial daquele dia e ela mesma já tinha informado Lisboa desse facto.
Os tempos passaram e quase me esqueciam todos estes acontecimentos. Já tinha saído do Município de volta para a Educação. Já tinha cumprido o Projeto de Animação das Bibliotecas do Rio, de Jardim e de Praia do Ministério da Cultura e um dia encontrei a Dona Rita que me informou:
- Sabe, professor, sou eu que estou em Lisboa no Instituto do Livro a acompanhar a nossa candidatura da Biblioteca. Sempre se confirma. Vem para Guimarães!
Rejubilei de contentamento com a notícia e declarei a minha satisfação:
- A Dona Rita é a verdadeira Mãe desta Biblioteca.
- Ora! E você é o pai ou o padrinho! - Ripostou, soltando uma gargalhada divertida, e lá fomos às nossas vidas…
Claro que fiz questão de estar presente na inauguração da nova Biblioteca Pública de Guimarães e já nessa altura eram às centenas aqueles que estando presentes se congratularam com o acontecimento e era evidente a euforia de alguns e o desgosto de outros.
Afinal tinham acontecido novas eleições e os edis tinham novamente mudado de lugar no grande tabuleiro de jogo político.
O vereador acerca-se de mim e declara-me:
- O professor também está de parabéns; você pode dizer-se que foi o padrinho e eu o pai desta obra magnífica!
Não quis dizer-lhe nada. Há muito tempo que a Biblioteca tinha mãe, pai e padrinho pois os obreiros das grandes obras são os que as fazem, que suam, que se emocionam que se abespinham com as dificuldades, que retiram “as pedras do caminho” para se cumprir a obra.
Mas esta não foi, para mim, a verdadeira inauguração.
É indigitada a Dr. Isabel Sousa para primeira diretora que constrói um programa com grande substância cultural e numa conversa apresento-lhe Santos Simões, o meu encenador do TERB. Como ela tinha manifestado muito empenho na participação de Raul Brandão, construímos um programa Brandodiano.
No dia e hora aprazados o auditório recebia 44 pessoas interessadas e curiosas pelo que ia acontecer. A diretora, na primeira fila, rejubilava de contentamento. Tomou a palavra e dando asas à sua alegria anunciou a inauguração da nova Biblioteca Pública de Raul Brandão.
O TERB estava bem preparado e a voz do Zé Rocha tonitruante ouviu-se dando início ao espetáculo.
- Abram a porta!!! Abram a porta!!! Canalhas!!!!
Fabulosa interpretação do “Sou um Homem de Bem”, logo seguido pelo “Gebo e a Sombra” com o Delfim Lobo a Fernanda Macedo e, no ponto, o nosso amigo José Nobre.
O público adorou de tal maneira que o Zé Rocha declamou, como presente, aquele soberbo poema “Aquela Menina Gorda”.
Todos saíram, mas nós, os do TERB ficamos a fruir o sossego e o silêncio do espaço conquistado que viríamos a utilizar muitas vezes, nestes 30 anos, com Raul Brandão, mas também com Camões e Gil Vicente e Tchecov e Miguel Torga e Teixeira de Pascoais.
Neste dia chegamos a recear que esta Biblioteca fosse denominada de Senhora da Oliveira. Senhora da Guia! credo! Abrenúncio.
Bom, depois o tempo foi-se escondendo atrás do tempo e a Biblioteca Raul Brandão transformou-se numa exemplar estrutura de dinamização cultural do livro e da leitura com espaços únicos de criatividade e estímulo da imaginação das novas gerações que a invadiam!!!
Foram dias e dias de manhãs e tardes cheias a contar histórias aos pequeninos que arreguilavam os olhos de prazer e contentamento e com a certeza de voltar!
Eu estava lá a partilhar com eles essa alegria!
Foram tardes e dias de “escrita criativa” com jovens que faziam da leitura e da escrita o seu melhor passatempo.
Eu partilhava com todos o prazer da escrita!
E as tardes com livros nos jardins?! Fabuloso!
E as conversas com os escritores Raul Brandão, Mestre Gil e Bernardino Ribeiro e Camões a quem faziam perguntas e descobriam as suas obras com as vontades e contributos do Bando do Gil…
Posso declarar-me cidadão residente de muitas Bibliotecas, mas desta em particular, porque estive na sua origem e fui-a vivenciando em diferentes partilhas, na sua existência de três dezenas de anos.
Foi espaço privilegiado da minha formação onde estudei horas e dias com os livros das prateleiras que eu não tinha!
Guardo muitos dos meus segredos dos textos que escrevi, dos livros que aqui apresentei e que sempre me recebeu de braços abertos:
- Os técnicos onde tenho grandes amigos;
- As diferentes diretoras que comigo foram exemplares e mantiveram viva a chama Brandoniana e o segredo maior do livro e da leitura.
Este ano a Biblioteca Raul Brandão faz 30 anos. Estamos todos de parabéns: cidadãos, vimaranenses, homens e mulheres, estudantes, leitores.
O melhor presente que podemos dar neste aniversário será a criação de um movimento de apoio ao rejuvenescimento, atualização, restauro e revificação da nossa, muito nossinha Biblioteca RB.
Barroso da Fonte (vereador da Cultura de Guimarães entre 1986 e 1990)
A Biblioteca Municipal Raul Brandão comemorou 30 anos de existência em Março último. Sendo um dos equipamentos culturais mais emblemáticos da cidade e do concelho de Guimarães, poucas pessoas conhecem a sua verdadeira história. Quem consultar o site da instituição pode ler uma história oficial em três parágrafos20 . Mas não foi bem assim.
Eis aqui a verdadeira história da Biblioteca Municipal de Guimarães.
O Executivo municipal que presidiu aos destinos de Guimarães na segunda metade dos anos 80 do século passado, tomou posse em 1 de Fevereiro de 1986 e cessou funções em 11 de Janeiro de 1990. Esse executivo resultou das eleições autárquicas que decorreram em fins de Dezembro de 1985. António Augusto Duarte Xavier foi o mais votado dos candidatos. Era cabeça de lista pelo PSD e a margem que lhe deu a vitória foi da ordem dos 118 votos. Mesmo assim chegaram para ser o líder desse Executivo. Mas, em número de vereadores, o PS meteu 4, tantos como o PSD. O CDS, que no segundo ato eleitoral (1982-1985) concorrera em coligação com o PSD, sob a sigla AD (Aliança Democrática), nesta eleição, não houve acordo para repetir a experiência e meteu 2 vereadores. A CDU elegeu 1. Resultado: se o CDS tivesse anuído à «geringonça», Guimarães teria pernas para andar, nos quatro anos de mandato, porque haveria sempre uma maioria coerente. Mas foi o inverso.
Deste somatório resultou a ingovernabilidade mais azarenta de sempre, em democracia, para o
20 «A atual Biblioteca Municipal Raul Brandão tem origens no Serviço de Bibliotecas e Apoio à Literatura da Fundação Calouste Gulbenkian, criado há cerca de 40 anos sob a direção de Branquinho da Fonseca. Em 1964, a direção do Círculo de Arte e Recreio (CAR) fez um pedido de apoio à Fundação Calouste Gulbenkian e em 1966 foi inaugurada a Biblioteca Fixa número 127 da Fundação Calouste Gulbenkian na sede do CAR. Em 1975, esta Biblioteca é instalada no antigo edifício dos Paços do Concelho, mantendo-se aí até 1992. Em maio de 1987 dá-se ênfase ao projeto de criação de uma Biblioteca Municipal há tanto desejada pela população, e tão necessário para todos aqueles que apreciam a leitura e um espaço de lazer. Este projeto indicava que a biblioteca se construísse sobre a “Casa dos Carneiro”, um edifício do séc. XIX, propriedade da família vimaranense SEMÃES, vindo posteriormente a pertencer à família CARNEIRO, situada em pleno centro histórico, em frente ao edifício da Câmara Municipal de Guimarães.
A 7 de março de 1992, é inaugurada a Biblioteca Municipal Raul Brandão. O seu patrono foi um grande escritor e dramaturgo que viveu de 1886 a 1901 em Guimarães.» (https://www.bmrb.pt/A- Biblioteca/Sobre-a-Biblioteca#tab-1)
concelho de Guimarães. Três fatores advieram: O CDS aliou-se ao PS formando, ipso facto, 6 votos, contra os 4 do PSD. O único eleito da CDU era livre e, por isso, nunca o PSD pôde negociar com a oposição. António Magalhães, que nunca deixou o cargo de deputado da Assembleia da República, acumulou essa experiência política e liderou a oposição, infernizando esses dois primeiros anos. A meio do mandato municipal, houve eleições legislativas. Dois vereadores desse Executivo foram candidatos e, além de A. Magalhães que foi reeleito, Lemos Damião, que António Xavier designara como vice-presidente, optou pelo Parlamento, onde já tinha estado em dois mandatos anteriores.
Os dois anos que restavam do exercício municipal trouxeram algum alívio, permitindo ajustar, em meios tempos, as competências legais. António Xavier, que fora o maior mártir dessa infernização partidária, pôde respirar e salvar esse mandato, com obras inéditas e até então nunca imaginadas, a nível cultural, como: a Euroarte, as Bodas de Fígaro, as Quartas Feiras Culturais e, sobretudo, a ansiada Biblioteca de Leitura Pública, que viria a chamar-se Biblioteca Municipal Raul Brandão.
De facto, o forte simbolismo e a grande ausência que a Cidade Berço reclamava, desde 1882, era um espaço físico, para acolher o manancial bibliográfico, riquíssimo, em quantidade e qualidade.
A Sociedade Martins Sarmento (SMS) foi o sacrário cultural e industrial de Guimarães desde essa década do séc. XIX até 1992. Ninguém compreendia que, sendo Guimarães o concelho do norte do país mais industrializado, mais rico e com maior simbolismo histórico, não tivesse um espaço físico, digno e apropriado, para centro de leitura, de colóquios e de consultas permanentes. Uma biblioteca coerente com as origens da Portugalidade, do simbolismo e das origens da Nação que «deu novos mundos ao Mundo».
Só em 1882 esse equipamento urbano deu os primeiros passos na sua concretização, a partir do movimento cívico das estruturas básicas, bastando, para isso, seguir o nobre exemplo e preocupação de Mumadona - a fundadora de Guimarães – que se sabe ter tido um espólio bibliográfico invejável, então guardado nos cofres da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira.
Sendo Guimarães berço de tantos e tão fecundos autores, não se compreende que o Executivo da antiga Vila de Guimarães, precisasse de assinar um regulamento acerca de duas bibliotecas que a Sociedade Martins Sarmento iria acolher. Esse projeto seria dividido em duas secções: 1ª - a Biblio teca pública; e 2ª - a Biblioteca popular.
No artigo 2º clarifica-se, desta forma: «A Biblioteca Pública constaria de todas as obras de erudição e ciência pura, de todas as obras e coleções de grande valor artístico, das edições raras, dos manuscritos e, em
geral, de todas as produções literárias e artísticas que não tenham imediata aplicação ao ensino popular».
No artigo 3º lê-se «a Biblioteca popular conterá duas classes de produção: a geral e a especial. A primeira classe abrange os livros de religião, moral, história, direitos e deveres políticos, viagens, literatura, higiene, obras recreativas e quaisquer outras necessárias aos usos de vida das classes populares. A segunda classe abrange revistas, modelos, manuais industriais, agrícolas, comerciais, desenhos e inventos relativos às artes e ofícios, conforme as especiais condições económicas e industriais do concelho de Guimarães».
Fac-simile do comunicado distribuído à imprensa, anunciando a adjudicação das obras da Biblioteca Raul Brandão.
O artigo 4º informa que «a administração da primeira secção é da exclusiva competência da Sociedade; a da segunda fica sujeita, na conformidade das leis e do presente regulamento, à vigilância do Governo e da Câmara»21 .
Este Regulamento, com 50 artigos, entrou em funcionamento logo que assinado pelas duas partes. Lêse ainda que houve uma alteração em 7 de Março de 1934.
Deixa-se, aqui e agora, esta parte importante do acordo que foi aprovado por sete membros da Sociedade Martins Sarmento, e fará 140 anos, em 11 de Outubro próximo. É uma data redonda para ajuizar do
21 Enquanto vereador convidei duas colaboradoras, mais tarde, ambas licenciadas e pós-graduadas, que procederam à inventariação das obras existentes na Biblioteca Pública. Fizeram um trabalho exemplar, bem elaborado e comprovativo de que era absolutamente urgente mudar a Biblioteca Pública para espaço próprio.
Tinha lido em várias fontes, nomeadamente em cartas de ex-presidentes da Direção que - eles próprios - andavam baralhados com as quantidades e qualidades dos espólios. Tenho comigo esse levantamento que irei publicar integralmente. Eu próprio fiquei desiludido. E foi também por isso que, em 1990, encetei uma acesa polémica com o historiador viseense A. de Almeida Fernandes que, por essa altura, escreveu diversos livros e artigos nas Revistas de Guimarães e Beira Alta. Mais tarde deu o dito por não dito, renegando o que escrevera no I volume da G.E.P.B., prejudicando, não só, Guimarães mas também a verdade histórica nacional. Fiquei com a ideia que abusou da confiança que teve durante os anos em que fez da SMS o seu oratório, e que lhe permitiu o acesso e uso de fontes bibliográficas que gostarei de consultar… As 80 páginas do relatório que brevemente irei tornar público, pelo confronto de números que irá permitir, talvez venham lamentar que a Biblioteca Raul Brandão tenha vindo excessivamente tarde.
impacto que teve a decisão que o Executivo da Câmara Municipal tomou, em 1987, ao dar o pontapé de partida para que, de uma vez por todas, Guimarães pudesse orgulhar-se de ser a primeira “grande” cidade do país a ter uma Biblioteca de Leitura Pública, que viria a ter como patrono Raul Brandão.
Em 1882, uma comissão constituída por sete ilustres Vimaranenses, a saber: José da Cunha Sampaio, Avelino da Silva Guimarães, Domingos Ferreira Júnior, Domingos Castro Meireles, António José Silva Bastos, Avelino da Costa Freitas e Domingos Leite de Castro, todos ligados à direção da Sociedade Martins Sarmento, revolucionaram positivamente o ambiente cultural de Guimarães, inspirados na competência e poder económico de Martins Sarmento, para instalarem a SMS que foi o motor do grande salto que a Cidade e o concelho deram. Foi desse movimento que emergiu o impacto da Exposição Industrial de Guimarães, realizada em 1884.
Em 11 de Outubro de 1882, esse grupo de notáveis e o executivo da Câmara gizaram o Regulamento de uma Biblioteca Municipal, dividida em duas secções distintas, a ser instalada na sede da Sociedade Martins Sarmento. A intenção de criar duas bibliotecas naquele nobre edifício terá sido interessante e prática. Mas, quando me fixei em Guimarães e conheci a Sociedade Martins Sarmento, quer como jornalista, quer como secretário da direção, quer, ainda e sobretudo por isso, quando escolhi Alberto Sampaio e Alfredo Pimenta como temas para a elaboração das dissertações na Universidade do Minho, pude reconhecer que terá sido um erro grave a existência das duas bibliotecas, em vez de apenas uma. Talvez se lhes possa aplicar o aforismo: ovelheiro que ia buscar lã, voltou tosquiado.
Ou seja, em meados dos anos 80 do século XX, não havia, em Guimarães, uma verdadeira Biblioteca Pública ao serviço das pessoas e do concelho. Havia a Biblioteca nº 127 da Fundação Gulbenkian, instalada no Largo da Oliveira que, embora modesta, foi de grande utilidade e a vetusta biblioteca bicéfala da Câmara, a “apodrecer” na sede da SMS.
Guimarães precisava de uma verdadeira Biblioteca Municipal, funcional e ao serviço de toda a população.
Mais vale tarde do que nunca
Foi o mais digno espólio Vimaranense a contrastar com o Castelo, as Muralhas e o Tesouro da Senhora da Oliveira. A «biblioteca» que Mumadona Dias construiu e legou à Real e Insigne Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira era um verdadeiro tesouro. A perda desse espólio, levado a mando de Alexandre Herculano para
Lisboa, supostamente para a Torre do Tombo, foi relatada por muitos e competentes historiadores vimaranenses, que culparam - isso sim - historiadores e priores da Colegiada que travaram acesas polémicas, entre si, para não o deixarem levar para Lisboa, com promessas de regresso que nunca se cumpriram.
Se esse precioso património bibliográfico ainda estivesse em Guimarães, as coisas seriam diferentes e talvez já houvesse uma verdadeira Biblioteca há mais tempo. Ou então, talvez a comunidade histórica não esperasse pelo Decreto-Lei 111/87, de 11 de Março de 1986, que o 1º ministro Cavaco Silva fez aprovar no Conselho de Ministros, do dia 30 de Dezembro desse ano, e que fosse promulgado em 14 de Fevereiro de 1987. Contudo, não foi promulgado para resolver qualquer deficiência, lacuna ou reivindicação contra a Biblioteca número 127 da Gulbenkian, que fora concedida a Guimarães. Honra e glória à sua direção presidida por Jaime Martins e, em especial, ao buliçoso Joaquim Fernandes. Repito: a Biblioteca Municipal Raul Brandão não teve nada a ver com essa da Gulbenkian.
Fac-simile de ofício do IPLL, com data de 26.05.1988, declarando a aprovação do projeto de execução da Biblioteca Municipal.
Joaquim Fernandes e a sua D. Aninhas foram, durante 26 anos, os patronos da Biblioteca 127 da Gulbenkian, instalada em Guimarães. Através de um seu irmão (Fernando Fernandes) proporcionou-se um encontro com este benemérito casal.
Sem preconceitos de qualquer espécie, Joaquim Fernandes ofereceu-me «o melhor livro que tinha em casa: “In Memoriam de Camilo”, porque ele não queria morrer sem ver os livros da Biblioteca da sua Terra, em Casa própria».
Faleceu dois meses depois deste gesto cultural. Foi um ilustre Vimaranense, autodidata e fotógrafo de profissão, que nos deixou, em livro, um Álbum fotográfico precioso: «Guimarães - Do passado e do Presente».
Podem os leitores mais céticos, e aqueles dogmaticamente sempre desagradados com o vereador da cultura da época, ficar na dúvida, tanto mais que os mass media e alguns candidatos ao lugar sempre boicotaram a verdade. Leia-se o livro: Biblioteca Guimarães - Fundação Calouste Gulbenkian (Bosquejo Histórico) -
1966-1992 - Edição da Câmara Municipal de Guimarães, da autoria de Santos Simões e com uma nota do, já então e até 2013, presidente da Câmara António Magalhães. Aí se limita a elogiar os 26 anos dessa Biblioteca Gulbenkian: «um dos principais pólos irradiadores de cultura e de conhecimento desta cidade e deste concelho». Nessa breve nota, A. Magalhães esclarece que «todas as instituições ligadas à Biblioteca, como o Círculo de Arte e Recreio, onde nasceu e de onde veio (até se integrar na Biblioteca Municipal Raul Brandão) para o edifício da Domus Municipalis».
O vereador da Cultura que deu o pontapé de saída para o nascimento da Biblioteca Municipal Raul Brandão, e que passados 30 anos escreve este relato, pretende contextualizar as circunstâncias temporais em que o poder político produziu legislação, de âmbito nacional, para que as cidades e as vilas do país pudessem candidatar-se a um equipamento bibliográfico urbano, independentemente de já terem, ou não terem, um espaço equivalente e acessível ao público em geral.
Guimarães tinha, desde 1882, o recheio de uma biblioteca. Como na altura a autarquia já tinha necessidade de concentrar esse espólio, em sítio seguro, protegido e com regulamento específico para acesso, aceitou celebrar um acordo com a Sociedade Martins Sarmento que, por essa altura, estava em construção, para aí arrumar essa espécie de cofre forte pertença da Câmara. Pelas mesmas razões e pela circunstância de a SMS ser pertença de uma obra privada, mas de interesse público, e pelo bom relacionamento entre os responsáveis de ambas as partes, a Direção da Sociedade entendeu, também ela, ter uma biblioteca própria visto que Martins Sarmento também pretenderia aí arquivar o seu próprio património, já existente, e outro que viesse a ser destinado ao futuro da Instituição. Para que tudo ficasse acautelado, aceitou-se um Regulamento em que ficasse tudo escrito, o que era de quem, aquilo que se arquivava e usava, para aumentar, consultar, ler e distribuir, ao longo dos anos.
Passaram 140 anos (1882-2022) entre o ano em que foi aprovado esse Regulamento e o ano em que este artigo virá a público.
Em Março de 1987, o entendimento político estava ao rubro no órgão executivo da Câmara. O vereador da cultura que era o menos experiente e aquele que menos falava em questões demagógicas, optara por falar pouco e tentar entendimentos com os vereadores da oposição. Dada a diversidade de áreas que lhe estavam acometidas para dar seguimento aos assuntos mais delicados, evitava a demagogia.
Como a divisão da DASC (Divisão de Acção Social e Cultural) se encontrava desconcentrada e controlava os dossiers de que mais precisava, desde o início do mandato, empenhara-se em dar seguimento a assuntos que herdara e pretendia continuar, por necessários e urgentes. Sirva o exemplo da Casa de Cultura que Manuel Ferreira, quando presidente da Câmara, apresentara em 7 de Maio de 1985, à reunião do Executivo. Aí se dizia que, «em 15 de Abril de 1985, reunira a Comissão Instaladora da Casa de Cultura e que havia sido tratada em reunião de 22 de Março». Nesse documento aludia-se a três pontos: «À Casa dos Coutos para aí instalar o Arquivo Municipal. Esse espaço, que ficaria disponível, poderia acolher acções culturais e também a Assembleia Municipal. E a Casa de Cultura poderia ter um anfiteatro para 200 a 300 pessoas, um espaço administrativo e uma sala de espetáculos».
O vereador entendeu retomar esse projeto e levou-o a três reuniões de Câmara. Apenas alterava o espaço que Siza Vieira previra no plano de Urbanização da Zona dos Pombais, paredes meias com a Avenida de Londres. A oposição, por três vezes, votou contra. Primeiro queria o concurso público, depois concurso de ideias e, finalmente, o ajuste direto.
Foi nesse mar revolto que se pediu conselho ao Eng.º Eurico de Melo. Prometeu ele falar com a Secretária de Estado da Cultura, Patrícia Gouveia. E foi feliz.
No dia 11 de Março de 1987, chegava o Diário da República com o Decreto-Lei 111/87. Era quarta-feira, I série, numero 58, página 998.
No lead desse Decreto-Lei lá estava: «o diploma que instituiu um programa de Cooperação técnica e financeira, entre o Ministério da Educação e Cultura, através do Instituto Português do Livro e da Leitura e os municípios, para execução de uma política integrada de desenvolvimento da leitura pública no quadro de rede de bibliotecas municipais».
Foi este o clic de nascimento da Biblioteca de Leitura Pública de Guimarães a que, por sugestão de Santos Simões, se atribuiria o nome de Raul Brandão.
Quando Santos Simões chegou a esta cidade, dinamizou muitas áreas do saber e da cultura, através do Círculo de Arte e Recreio (CAR). Aí nasceu e se desenvolveu o Grupo de Teatro Raul Brandão. Ele foi também uma das mais fortes personalidades da Biblioteca 27 da Gulbenkian, que era propriedade daquela Fundação. Mas é preciso esclarecer que não deu nenhum passo para que a primeira Biblioteca Pública de Guimarães fosse uma realidade. Pelo contrário, foi o próprio Santos Simões que, quando se procurava um espaço, dos três possíveis, no centro histórico, para preparar a candidatura, sendo ele o presidente da Direção da SMS, foi perentório: «o Prédio do Largo do Carmo, onde viveu e morreu Martins Sarmento, é intocável». Do mesmo modo respondeu o Padre Peres, dos Redentoristas, que detinha poderes para negociar a Casa dos Coutos, na
Rua da Rainha. «Enquanto fosse viva uma senhora idosa que ali vivia, era inegociável». Anos depois essa Senhora faleceu. E a Câmara diligenciou para ali instalar o Tribunal da Relação de Guimarães.
A solução, e talvez aquela que seria mais prática para o futuro, foi a «Serração dos Helenos» que era a terceira hipótese e aquela que mereceu pronta aceitação por proposta do IPLL.
É importante salientar que o IPLL nasceu em 1986 para cobrir o território nacional.
Para possibilitar o envio da candidatura, em 13 de Maio, de modo a dar entrada oficial, impreterivelmente, até 15 de Maio, no respectivo departamento do IPLL, não se podia perder tempo. O vereador da cultura, mais os técnicos intervenientes do sector e do Gabinete Técnico Local (GTL) foram incansáveis.
O vereador da cultura ainda foi chamuscado pela oposição. Sobretudo por Joaquim Cosme, que liderava o CDS e que dera origem ao imbróglio político que não só tolheu aquele mandato, ao se aliar ao PS, a ponto de nunca mais o PS ter perdido o poder em eleições posteriores. Por essa altura ainda semeou umas bocas contra a compra da Casa dos Carneiros. E por parte do PS, também Raul Rocha, Francisco Teixeira e Amadeu Portilha, no semanário O Povo de Guimarães, na Rádio Fundação e na Assembleia Municipal, deixaram rasto de discordâncias que, apesar de tudo, não impediu que no final do mandato se tivessem rendido à criação da Biblioteca Municipal Raul Brandão.
Um boicote ou descuido que poderiam ter sido fatais
Como prometi ao diretor desta Revista que iria aproveitar este convite para escrever, pela primeira vez, a minha versão sobre a criação da Biblioteca Municipal, devo aqui exarar dois instantâneos breves:
– No dia 11 de Março de 1987, logo que recebi o diário da Republica com o decreto-lei que criou as Bibliotecas de Leitura Pública, solicitei a presença dos dois técnicos a quem tinha solicitado a preparação do dossier para seguir, via correio registado, no dia 13 de Maio, de modo a dar entrada no IPLL dia 15, último dia útil do prazo. Mal chegaram ao meu gabinete, sem qualquer pasta, ou sinal de qualquer indício, perguntei:
- Dr. Fernando Trigo, como é?
- O Professor Capela Miguel diz-me que não conseguiu acabar o processo de modo a seguir hoje… Sem que eles acabassem de explicar-se, percebi que o animador cultural, requisitado ao Ministério da Educação, pelo executivo anterior, estaria mentalizado para não cumprir as instruções que eu lhes tinha dado. Instintivamente dei dois murros na mesa de trabalho. E com aquele espírito de Ranger que se me entranhou na guerra, disse em voz de comando:
- O Senhor está a boicotar-me o processo, mas já lhe digo: preparem as peças que já estão em condições de seguir hoje. E o que falta seguirá amanhã, de modo a entrar com o carimbo do correio. E fica já a saber que, se perdermos a Biblioteca, o Professor regressará ao seu serviço de origem…
Saíram da sala, certamente embaraçados e sem qualquer palavra. No dia seguinte foram enviadas as peças que faltavam ao processo. Em Setembro o processo foi aprovado. Só nessa altura dei conhecimento ao Executivo.
Quando, em Março de 1992, foi a inauguração da Biblioteca, reencontrámo-nos durante a sessão e disse-lhe: - Obrigado professor. Valeu a pena... e, se eu sou o pai, você poderá considerar-se o o padrinho...
Fac-simile de “O Comércio de Guimarães” de 16 de Janeiro de 1992, anunciando a inauguração da BMRB
- Se ainda tiver saúde e alguma clarividência, irei contar, em livro, algumas peripécias da minha passagem pela Câmara e pela Assembleia Municipal.
O Diretor desta revista deu-me a oportunidade de explicar a versão correta do historial da Biblioteca Raul Brandão. A par de alguns Vimaranenses que muito estimo, desde há 55 anos que luto pela dignificação do Berço da Nacionalidade.
E quase tenho vergonha de reconhecer que, sendo um dos autores vivos vimaranenses com maior número de obras monográficas, históricas e literárias, os meus livros estão ali «vetados». Os poucos que lá se encontram foram oferecidos à extinta biblioteca da Gulbenkian.
A baixa política tem caprichos deste calibre. Mas disso tratarei em livro que está em preparação.
Recorte do jornal Toural
Recorte do jornal Toural
“Se a arte arrasta um grande manto de púrpura, desconfiem dela: Nunca é mais do que quando traz um manto coroado em que ninguém repara. É assim os livros: há-os que falam alto, que pregam e os que falam baixinho; mas os que sabem ouvir as palavras só murmuradas despertam mais emoção; às vezes, passando muito tempo, ainda elas acordam coisas adormecidas.”
Raul Brandão sobre a poesia de Júlio Brandão, In Campeão, Semanário de Literatura
A atual Biblioteca Municipal Raul Brandão tem origens no Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura, da Fundação Calouste Gulbenkian, criado há cerca de 40 anos sob a direção de Branquinho da Fonseca. Em 1964, a direção do Círculo de Arte e Recreio (CAR) fez um pedido de apoio à Fundação Calouste Gulbenkian e, em 1966, foi inaugurada a Biblioteca Fixa nº 127 da Fundação Calouste Gulbenkian na sede do CAR. Em 1975, esta Biblioteca é instalada no antigo edifício dos Paços do Concelho, mantendo-se aí até 1992.
Assinatura do protocolo para a construção da Biblioteca Pública em 1987. (António Xavier, Presidente da Câmara Municipal de Guimarães; José Afonso Furtado, presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura; Maria José Moura, responsável pela criação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas
Em 1986, por despacho da então Secretária de Estado da Cultura, foi criado um Grupo de Trabalho a quem foi incumbida a tarefa de definir as bases de uma política nacional de leitura pública, a qual assentaria "fundamentalmente na implantação e funcionamento regular e eficaz de uma rede de bibliotecas municipais”.
Assim, o Instituto Português do Livro e da Leitura (IPLL)
desenvolveu e aplicou desde 1987 um plano de leitura pública, através do apoio à criação de bibliotecas públicas municipais.
Com o objetivo de "assegurar a planificação e execução da política nacional de leitura pública, através, nomeadamente, da colaboração entre a administração central e autárquica”, logo em 1987, foi publicada legislação que viabilizou o estabelecimento de contratos-programa com os Municípios, para "execução de uma política integrada de desenvolvimento da leitura pública, no quadro da rede de bibliotecas municipais".
Em maio de 1987, dá-se ênfase ao projeto de criação de uma Biblioteca Municipal, há tanto desejada pela população, e tão necessária para todos aqueles que apreciam a leitura e um espaço de lazer. Este projeto indicava que a biblioteca se construísse sobre a “Casa dos Carneiros”, um edifício do séc. XIX, propriedade da família vimaranense SEMÃES, vindo posteriormente a pertencer à família CARNEIRO, situada em pleno centro histórico, em frente ao edifício da Câmara Municipal de Guimarães.
A 7 de março de 1992, é inaugurada a Biblioteca Municipal Raul Brandão. É assim batizada em honra ao grande escritor e dramaturgo que viveu de 1886 a 1901 em Guimarães, e sob indicação e sugestão do Dr. Santos Simões, em proposta apresentada em reunião de Câmara de 19 de abril de 1991.
Desde 23 de abril de 1997, a Biblioteca Municipal Raul Brandão presta um serviço que facultava a um maior número de pessoas, o acesso ao livro e à leitura - a biblioteca itinerante. Esta percorria uma área de 8 freguesias do Município de Guimarães, e foi substituída (ao abrigo de uma candidatura ao QREN) a 7 de março de 2012, altura em que a Biblioteca festejou o seu 20º aniversário, por um outro veículo mais moderno e com novas valências, nomeadamente o acesso às novas tecnologias. É constituída por um fundo documental de cerca de 5000 documentos, entre livros, periódicos, cds e cd-roms, onde estão contempladas todas as valências, nomeadamente, balcão de atendimento, infantil, adultos, infantojuvenil, audiovisuais e multimédia.
Por forma a integrar outras instituições, quer do concelho, quer de fora dele, na promoção da leitura pública, a Biblioteca Municipal Raul Brandão decidiu constituir, um acervo documental destinado ao empréstimo a Associações, Lares, Centros de Dia, ATL’s, Escolas, Infantários e Cafés.
A Biblioteca Municipal Raul Brandão tem um serviço de apoio às bibliotecas escolares designado por SABE, com o objetivo de proporcionar apoio técnico e recursos de informação às escolas.
Serviço de Leitura ao Estabelecimento Prisional de Guimarães
O Serviço de Leitura prestado ao Estabelecimento Prisional de Guimarães foi iniciado em 1996 com a disponibilização semanal de livros. Tem como objetivo proporcionar à comunidade de reclusos o livre acesso aos livros e publicações periódicas (jornais e revistas).
Algumas exposições organizadas/produzidas pela Biblioteca Municipal Raul Brandão destinam-se, sempre que solicitadas, à itinerância por outras instituições.
Era uma casa com características senhoriais, com criação de animais, com cavalariças e cultivo de vinho. Após as obras, manteve-se a parte exterior, sendo disso testemunho uma série de esteios que ainda hoje se podem ver nos jardins da Biblioteca, bem como a existência do poço que servia para a rega dos campos, numa procura de interligar a filosofia do espaço existente, antiga casa de lavoura, com sua nova função de Biblioteca de Leitura Pública.
De notar, a existência de uma escadaria dupla de acesso ao jardim interior, bem como de duas claraboias, entretanto removidas.
O projeto do edifício esteve a cargo do Gabinete Técnico Local (GTL), sendo um projeto da autoria da arquiteta Florisa Gonçalves.
A secção de Adultos é direcionada para um público com preferências e interesses mais alargados, dispõe de um vasto fundo documental (no início do seu funcionamento, continha apenas um fundo geral de cerca de 20.000 volumes), organizado por assuntos segundo a Classificação Decimal Universal – CDU, atualmente conta com cerca de 300.000 volumes.
Em 1989, este espaço, era ocupado por um estreito corredor com acesso a algumas divisões interiores. Nas obras de recuperação, a parede que dividia o corredor dos restantes compartimentos, foi demolida dando lugar a uma ampla sala de leitura.
Em 1989, representava um conjunto de quartos. Esta área tinha um pé direito alto, pelo que se construiu um meio piso, que hoje funciona também como espaço de leitura, consulta e de trabalho.
Entrada da Biblioteca e local de boasvindas onde, periodicamente, se podem visitar exposições e mostras. Como “Casa dos Carneiros” era ponto de convergência e de acesso aos restantes espaços, função que mantém atualmente.
Com a reestruturação, foram mantidos o pátio da entrada lajeado a granito e a escadaria nobre.
Espaço de descoberta de sons e imagens, onde se podem visionar e ouvir documentos eletrónicos (VHS, CD, DVD) de características e temáticas diversas.
Esta secção contempla ainda uma área para leitura de publicações periódicas, com jornais de âmbito local, regional e nacional bem como revistas gerais e de temáticas específicas. São ainda organizados dossiês
de imprensa de notícias de maior interesse para os leitores.
No passado, esta área era ocupada por um grande celeiro, com silos de reserva, testemunho das atividades quotidianas dos seus ocupantes.
É uma sala com capacidade para 80 pessoas, possui um sistema de projeção de vídeo, som, microfones, mesa de mistura e amplificador.
Aqui são realizados colóquios, debates, apresentações de livros, ações de formação, sessões de cinema, etc.
Em fotos antigas, do espólio da biblioteca, pode ver-se a cozinha regional (pequena parte do auditório) e a chaminé que foram mantidas nas obras de restauro, esta última apenas visível do exterior.
4.3.1.12
A receção/balcão de atendimento é, essencialmente, um espaço de acolhimento e orientação dos utilizadores da biblioteca. Aqui realizam-se todos os procedimentos de empréstimo domiciliário e gestão de leitores.
No passado funcionou como sala de estar.
As bibliotecas conservam e divulgam a memória do mundo, mas também têm como função recolher, tratar, explorar, conservar e divulgar a memória da sua vida local, é essa a função deste espaço. Disponibilizar aos leitores toda a documentação sobre a história do concelho e da cidade de Guimarães.
Em 1989, este lugar era ocupado por quartos e uma sala.
Sala dedicada a crianças e jovens até aos 13 anos, disponibiliza um conjunto de espaços e de recursos diferentes, adequados às suas idades.
Originalmente, neste espaço, localizavam-se as cortes de gado e num passado mais recente, funcionou um escritório e armazém de matérias primas de apoio à carpintaria da Praça de S. Tiago, pertencente à Firma José da Silva Neves e sucessores.
O espaço multimédia infantil albergava uma adega e lojas com material agrícola.
A Biblioteca Municipal Raul Brandão tem três polos em diferentes pontos do concelho de Guimarães, de forma a garantir maior proximidade aos seus leitores, são eles: Pólo de Lordelo; Pólo de Pevidém e Pólo de Taipas.
da Biblioteca Municipal Raul Brandão
Considera-se biblioteca toda a coleção organizada de livros, periódicos ou qualquer outro tipo de documento que ocupa um determinado espaço proporcionando o acesso a essa informação de modo que considere as necessidades dos utilizadores.
A Biblioteca Municipal Raul Brandão, e suas extensões, são serviços públicos que têm como finalidade facilitar o acesso à informação, cultura, educação e lazer, regendo-se o seu funcionamento pelas normas definidas num regulamento elaborado ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 112.º e artigo 241.º da Constituição da República Portuguesa, e nos termos da alínea k) do n.º 1 do artigo 33.º do Anexo I da Lei n.º
75/2013, de 12 de setembro, tendo em vista o estabelecido na alínea e) do n.º 2 do artigo 23.º do mesmo diploma legal.
A estrutura
“Estrutura organizativa é a forma como as autoridades e as atividades são divididas e coordenadas, e a delimitação do sistema de comunicação que possa permitir que as pessoas realizem as atividades e exerçam a autoridade que lhes compete para o alcance dos objetivos organizacionais” (Pertuz e Rodriguez, 2007 & Morais, 2004).
As organizações são compostas por Pessoas, Estrutura e Equipamento.
As pessoas são o sistema social interno da organização. Intrínseca aos indivíduos estão suas necessidades, valores, aptidões, conhecimento, capacidade mental e física. As organizações existem em função das pessoas e para servi-las e as bibliotecas estão metodicamente estruturadas para a eficiência e atendimento ao “cliente”.
Estrutura organizativa da Biblioteca Municipal Raul Brandão.
A definição de como as pessoas se relacionam dentro de uma organização é, em grande parte, explicada pela estrutura organizativa adotada, ou seja, os níveis hierárquicos e as interações entre os mesmos. A estrutura formal é necessária para que o trabalho individual e em grupo seja eficazmente coordenado e estabelece funções, cargos e hierarquias. A Biblioteca Municipal tem a seguinte estrutura organizativa: O equipamento fornece determinados meios com os quais as pessoas trabalham e afeta diretamente as tarefas que estas realizam. O equipamento provoca impacto nos relacionamentos e na produtividade das
pessoas, porque nenhum colaborador faz nada sem utilizar alguma tecnologia, seja ele arquiteto, médico, carpinteiro ou bibliotecário. Duas organizações da mesma área – o equipamento usado no seu processo laboral vai influenciar o seu sucesso ou o seu fracasso.
Com o crescimento das Bibliotecas, cujo ambiente de atuação vê-se ampliado pela globalização e alterado pela modernização tecnológica, a tarefa de as gerir, tem sofrido pressão no sentido de proporcionar respostas rápidas e competentes ao contexto, de modo a criar maior visibilidade organizativa para os serviços oferecidos e, por conseguinte, promover a geração de benefícios para os utilizadores. Neste contexto, a identificação e análise das exigências de uma realidade, que são as indispensabilidades da Biblioteca Municipal Raul Brandão, na questão da gestão de informação, por forma a compreender a sua estrutura organizativa e funcional, bem como os conceitos associados aos documentos existentes, no intuito de analisar o sistema de informação que a suporta e das tecnologias utilizadas nos processos informacionais, é fundamental ter o desenho do diagrama de atividades que descreve o circuito interno do documento na Biblioteca Municipal Raul Brandão.
Conhecer a estrutura organizativa de uma instituição, como a das bibliotecas públicas, representa uma ferramenta que permite Diagrama de Atividades – Utilizado para descrever cada um dos serviços, realçando o encadeamento de atividades por cada um dos utilizadores do sistema.
a realização da sua estratégia e concretização dos seus objetivos.
O planeamento de uma biblioteca pública pressupõe a definição de áreas de trabalho, como articulálas e que fins atingir em cada uma delas. As determinações devem ter como base a missão e objetivos da biblioteca, com orientações e ações bem definidas. Como nas organizações em geral, as bibliotecas públicas são influenciadas pelo meio onde se inserem.
Nestes tempos, a informação é considerada tão importante e fundamental quanto os recursos naturais para o desenvolvimento de um país. Sendo considerada, como o quarto fator de produção na estrutura de uma organização, ao lado da mão-de-obra, da matéria-prima e do capital. Não tem importância se sua exposição se dá na forma de dados empíricos ou na forma processada, a que chamamos "conhecimento".
Mas como fazer para estruturar essa enorme quantidade de informação que é produzida atualmente, para que ela possa ser "utilizada"? Existe uma área do conhecimento especializada em estudar, desenvolver e utilizar os mais eficazes métodos para resolver esse problema – é a Biblioteconomia, que tem como objeto de estudo e trabalho – a Informação – e não importa se a mesma está sob forma de livro, revista, filme, fotografia ou slides... o suporte é irrelevante.
Neste contexto, a Biblioteconomia assenta na interação de três elementos básicos: utilizadores, informação e bibliotecário.
O Bibliotecário é um profissional reconhecido como Agente da Informação, desempenha a função de gestor da informação, usando para isso, tecnologias de informação e comunicação disponíveis.
“A biblioteca moderna, nascida na Renascença, trouxe também o bibliotecário como um profissional reconhecido. Até meados do século XIX as bibliotecas empregavam eruditos e escritores para esta função. Porém, devido à especialização do público e do acervo, sentiu-se necessidade de um profissional com formação especializada que pudesse tratar tecnicamente os materiais existentes na biblioteca e essa especialização continua até então pela produção científica e sua divulgação” (Morgi e Souto, 2005).
As tarefas desenvolvidas pelos membros da biblioteca (Bibliotecários e Colaboradores), também estão bem definidas, a saber: Catalogação; Classificação; Serviço de Referência; Elaboração de inventário; Planeamento de tarefas; Elaboração da lista para aquisição de novos materiais; Elaboração de projetos de incentivo à leitura; Elaboração de manuais de serviço; Formação de técnicos e Elaboração do relatório de atividades.
As Bibliotecas da Rede Pública do Município de Guimarães integram a Divisão de Bibliotecas da Câmara Municipal de Guimarães e é constituída fisicamente por uma Biblioteca Central, três Polos (Taipas, Pevidém e Lordelo) e 54 Bibliotecas Escolares.
A Biblioteca Municipal Raul Brandão tem uma página Web (www.bmrb.pt) e está presente nas redes sociais, nomeadamente Facebook, Instagram e Youtube, e tem um Catálogo Coletivo Concelhio disponível para consulta através da internet (https://gib.bmrb.pt/opac/default.aspx?cli=guimaraes).
Presencialmente, para além do serviço de empréstimo, a Biblioteca oferece diferentes atividades de dinamização e promoção do livro, da leitura e do conhecimento, definidas mais à frente.
Começamos em 1992 com 15 000 documentos, hoje contamos com mais de 300 000.
O Fundo Documental da Rede de Bibliotecas do Município de Guimarães é constituído da seguinte forma:
TIPO DOCUMENTO
Total
Total de exemplares existentes até 31-12-2021 328 515
Monografias (total) 296 726
Monografias (adultos) 182404
Monografias (infantil) 114322
Periódicos 990 Livros Antigos 513
Documentos sonoros 18553
Documentos audiovisuais 8957 Outros 2776
O número de leitores inscritos, por escalão, em 2021 em toda a Rede de Bibliotecas do Município de Guimarães é:
LEITORES
Total
Utilizadores Inscritos até 31-12-2021 50 066
Adultos (>ou= 18 anos) 44 011
Crianças (<ou= 18 anos) 6055
Novos utilizadores inscritos durante o ano de 2021 1522
Com mais de 70 empréstimos por dia e aproximadamente 6 000 documentos em circulação diariamente, o total de empréstimos durante o ano de 2021 foi o que se segue:
Total
Total de exemplares emprestados em 2021 19 242
Monografias 19 126
Monografias (adultos) 10211
Monografias (infantil) 9092
Documentos sonoros 21
Documentos audiovisuais 64
Outros 10
Como dinamizadora social de informação e conhecimento, a Biblioteca Municipal Raul Brandão, ao longo destes 30 anos, tem mantido papel fundamental na promoção da literacia, nos seus diferentes níveis, principalmente ao conseguir a inclusão dos recursos informativos disponibilizados nos diferentes formatos, disponibilizar os meios técnicos e também o apoio aos seus utilizadores para que estes adquiram as competências necessárias a uma utilização útil da informação e das novas tecnologias.
A leitura continua a desempenhar um papel importante na nossa sociedade, e as bibliotecas não devem descuidar esta missão para a qual foram designadas, e que o Manifesto da Unesco mantem atual.
A Biblioteca Municipal Raul Brandão está inserida na Rede Nacional de Leitura Pública e constitui um dos equipamentos mais estruturantes da vida do município. Assume-se por isso como um verdadeiro centro cultural, assente num conceito de polivalência, que lhe é dado através da multiplicação de espaços de diferentes funções e por vezes com públicos específicos, na aposta na divulgação e animação cultural, assumindo o seu papel de mediação e aproximação a públicos alargados, mediante a proliferação de iniciativas, direta ou indiretamente relacionadas com o livro.
Dando prioridade às estratégias de Democratização Cultural, pauta-se pelo princípio de que o que é prioritário é servir o interesse das pessoas, estabelecer redes de contactos e parcerias de forma a estimular a partilha de recursos e saberes e a sua abertura ao exterior, promovendo a inclusão social, tendo uma especial atenção com os públicos mais desfavorecidos e / ou com necessidades especiais.
A Biblioteca está assim perfeitamente integrada no seu meio, direcionada para servir os interesses e necessidades dos seus utilizadores, com um quadro de pessoal qualificado, dispondo de fundos documentais atualizados e diversificados, em livre acesso e para empréstimo domiciliário.
O conceito de biblioteca foi evoluindo, abandonando-se cada vez mais o conceito tradicional, imposto pela forma como os profissionais da informação e a sociedade em geral as vê, consequência também do tipo
de documentos introduzidos nos seus acervos com o desenvolvimento tecnológico. A utilização dos diferentes tipos de informação, em diferentes suportes, veio criar às bibliotecas a necessidade de saberem tirar o melhor partido deles, como forma de atraírem novos leitores, adotando estratégias que até agora estavam associadas ao mundo dos negócios, das instituições com fundos lucrativos.
As bibliotecas começam agora a preocupar-se com a sua imagem e com a forma como ela chega ao leitor, de que forma o incentiva, o provoca. As bibliotecas tomaram já consciência de que os seus utilizadores são a razão da sua existência.
A Biblioteca Municipal promove e sempre promoveu muitas e diversificadas iniciativas de animação cultural e de promoção da leitura, tornando-as verdadeiros centros culturais, onde, para além das iniciativas que tem por base o acervo documental como as Leituras Animadas (hora do conto, teatro de fantoches) são desenvolvidas outras que oferecem uma diversidade de propostas culturais, nomeadamente com a apresentação de espetáculos de dança, peças de teatro, espetáculos musicais, ciclos de cinema, debates, conferências, etc.
Neste trabalho de promoção da leitura e de animação cultural que carrega já uma história de 30 anos, a Biblioteca desenvolve a par, um trabalho de captação de públicos que vai muito para além das ofertas apresentadas, pois tem subjacente a isso uma política de divulgação e de estratégias de incentivo e marketing que vão muitas vezes determinar o sucesso das iniciativas e o alcance das mesmas.
Instalada num edifício de sec. XIX, com características de uma casa senhorial e em pleno centro histórico de Guimarães revela o espírito de um concelho marcado pelo peso da sua tradição histórica.
Ocupa uma área de cerca de 2000 m2 e é constituída por diversos espaços adequadas aos vários níveis etários, tipos e suportes de leitura e informação.
Consignada sobre os princípios do Manifesto da Unesco sobre as Biblioteca Públicas possui, em regime de livre acesso, fundos documentais pluralistas que procuram abarcar todas as áreas do saber, em diferentes suportes, para além de uma vasta coleção de publicações periódicas, desde as revistas mias generalistas às mais especializadas, passando pelos jornais de âmbito nacional, regional e local. É sua preocupação a atualização regular dos fundos documentais, assegurando o acesso a informação útil e atualizada em diversos suportes. O impacto da Biblioteca junto da comunidade que serve também depende do acervo documental que põe à disposição do público.
Em colaboração estreita com as escolas e várias instituições do concelho disponibiliza serviços permanentes em que as caixa-biblioteca, exposições itinerantes, bibliocafé, empréstimo domiciliário ao Estabelecimento Prisional de Guimarães são alguns dos bons exemplos.
A aposta na consolidação de uma Rede de Leitura Pública traduz-se na criação e extensão de diversas infraestruturas que ao longo dos últimos 30 anos foram criadas, nomeadamente a Biblioteca Itinerante, os Polos de Pevidém, Taipas e Lordelo e a Rede de Bibliotecas escolares que conta atualmente com 52? bibliotecas nos diferentes Agrupamentos de Escolas do concelho.
Aderiu, em 1995, à então, Rede Informática de leitura pública (RILP), fazendo constantes upgrades ao sistema bibliográfico. Disponibiliza o seu catálogo bibliográfico on-line e tem vindo a construir o Catálogo Coletivo Concelhio, agregando ao seu, os documentos das bibliotecas escolares, da biblioteca do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, da biblioteca da Fraterna e perspetivando-se num curto prazo a biblioteca do Círculo de Arte e Recreio e de estruturas de leitura entretanto criadas em Juntas de Freguesia.
É membro associado da UNAL – Rede de Bibliotecas da Unesco. Os primórdios desta adesão começam em 1993 quando a Biblioteca de Guimarães é palco da Revisão do Manifesto da Unesco para as Bibliotecas Públicas, a qual reuniu mais de 50 especialistas de todo o mundo. A este seguiram-se outros encontros marcantes para a discussão de temas que ainda hoje são importantes no papel que as bibliotecas públicas têm na sociedade, nomeadamente no reforço do seu papel enquanto agentes de uma sociedade democrática, alicerçando assim a imagem de que a Biblioteca é um espaço de liberdade, tolerância e solidariedade ou ainda na discussão do documento da IFLA “Linhas Orientadoras para o Serviço de Bibliotecas para Jovens”. Passados que são quase 30 anos da Adesão à Rede de Bibliotecas da UNESCO, a Biblioteca Municipal Raul Brandão continua a trabalhar para reforçar a sua função social, aproximando do livro e da informação os grupos sociais mais discriminados e sem recursos, combatendo o analfabetismo funcional, melhorando a qualidade de vida das populações e minimizando os fatores que determinam uma exclusão prática da leitura, com projetos e serviços capazes de promoverem a coesão social, a igualdade de oportunidades e a promoção de uma sociedade do conhecimento e da cultura. São exemplo disso, para além do Serviço de Empréstimo ao Estabelecimento Prisional de Guimarães, o serviço de leitura nos lares e centros de dia ou ainda o projeto (Re)Descobrir (projeto com enfoque na 3ª idade que alia a aprendizagem ao longo da vida ao combate ao isolamento e à discriminação social).
10 anos depois de Guimarães assumir a organização da Capital Europeia da Cultura, a Biblioteca continua a aliar a essa grande manifestação cultural, a leitura como eixo fundamental de uma sociedade que precisa conhecer, questionar e decidir. É desta vontade e necessidade de marcar o nosso património literário e de leitura que surge em 2017 o Festival Literário de Guimarães – HÚMUS.
O Festival HÚMUS foi pensado para reforçar a dimensão literária no panorama da oferta cultural do concelho e da cidade ao mesmo tempo que celebrando a vida e a obra de Raul Brandão, através e a propósito
deste grande escritor, se conquistaram novos públicos para a leitura, se aproximou autores e leitores e potenciou o perfil cultural da cidade, posicionando-a como um lugar de troca e transmissão de saberes.
Pensar uma Biblioteca, pensar a Biblioteca Municipal Raul Brandão na passagem dos seus 30 anos é planear o presente e perspetivar o futuro. Nunca como agora o presente confunde-se com futuro. Porque queremos uma biblioteca moderna, atenta á mudança de paradigma, assente em objetivos reais, mas ambiciosos, capazes de acompanhar os anseios e necessidades de uma comunidade que precisa mais do que livros, precisa de respostas aos seus problemas, de acompanhar os desafios que uma sociedade de informação exige, de permitir a aquisição de competências úteis que os tornarão cidadãos de pleno direito.
Neste pressuposto trabalha-se agora na criação do Plano Local de Leitura de Guimarães que tendo por base o diagnóstico da população que serve seja capaz de desenvolver as ações que melhor responderão às carências nas competências leitoras por um lado, e enriquecerão as já existentes por outro, numa perspetiva de cada vez mais e melhor, elevar os níveis de leitura e conhecimento.
O Plano Nacional de Leitura entrou agora na segunda fase de desenvolvimento e implementou-se com o lançamento dos Planos Locais de Leitura (PLL). Esta designação foi adotada para exprimir a participação das autarquias numa política articulada de promoção da leitura e de melhoria das competências de literacia.
O Plano Local de Leitura de Guimarães “Ler é Património”, agora apresentado, e da responsabilidade do Município de Guimarães através da Biblioteca Municipal Raul Brandão, apresenta um plano global onde os vários atores culturais, educativos e sociais são envolvidos com vista a uma política integrada de leitura. Tem como principais objetivos a mobilização dos parceiros e a promoção do trabalho colaborativo, a potenciação dos meios já existentes, assente em metodologias participativas que envolvam os stakeholders e os cidadãos. As áreas de foco deste Plano passam pela valorização de todas as literacias, o alargamento de públicos, o incentivo à escrita, o reforço da leitura por prazer, a colocação da leitura e da escrita no centro de contextos de aprendizagem, a aproximação da população à literatura, ciências, artes e tecnologias.
A primeira fase de atuação do PLL (diagnóstico) pretende conhecer o perfil leitor de grupos residentes em Guimarães e de mapear os projetos de promoção da leitura que os diferentes intervenientes locais já estão a desenvolver.
Este mapeamento permitirá não apenas coletar informação pertinente acerca do comportamento leitor, como igualmente possibilitará reflexões sustentadas em dados objetivos para a tomada de decisões,
capazes de orientar as políticas públicas e ações para melhorar os indicadores de leitura e de acesso ao livro e às literacias.
Espera-se com esta primeira fase o estreitamento de laços de trabalho com a comunidade e entidades locais, base essencial de passagem para a fase seguinte, a da operacionalização do PLL com a concretização de projetos de promoção da leitura, a formação de parceiros operacionais e a disseminação de informação científica relativa à leitura e às literacias.
Focados nos impactos esperados de mais hábitos de leitura em família, mais socialização da leitura em contextos vários, mais contactos e estímulos para a leitura e mais reconhecimento da utilidade e instrumentalidade da leitura, será feita uma avaliação destes impactos tendo em vista o reforço, alteração ou melhoria das ações práticas entretanto implementadas.
A Biblioteca a partir da ótica de Paulo César, (antigamente) jovem, frequentador e amante de livros Paulo César Gonçalves
Em 2022, a Biblioteca Municipal Raul Brandão, tal como a conhecemos, comemora o seu 30.º aniversário.
Devo muito à BMRB (não necessariamente dinheiro), por tudo em que me ajudou, sobretudo na minha formação intelectual (por mim procurada).
As bibliotecas públicas são uma enorme conquista democrática: ajudaram, dentro do possível, naquilo a que chamo a dessacralização do livro, colocando-o ao serviço das comunidades.
Ainda há muito a fazer, estou certo, mas o caminho para a equidade está aberto.
Passei muitas tardes na Biblioteca Municipal: a mesma abriu ao público na mesma altura em que comecei a estudar no centro da cidade (João de Meira e ESMS/Liceu). Ainda há dias escrevi sobre o "Dark Side of The Moon", a propósito da Biblioteca, mas recordo-me de ouvir, pela 1ª vez, o "Unplugged in New York", dos Nirvana, na sala de audiovisuais.
O 1º filme que me marcou a sério foi "Platoon", e foi lá que o vi, assim como um documentário sobre deus: o do Kusturica viria muito depois, porque a loucura em torno de Maradona nunca mingou.
Foi na BMRB que apresentei a 1º obra que levou o meu nome (embora não a considere minha, por várias razões), e foi na BMRB que efectuei o meu primeiro beijo na boca.
Estou, de momento, a trabalhar com a Biblioteca Municipal, e com o Município de Guimarães, num projecto verdadeiramente pioneiro, de uma visão que se quer integral, tanto quanto o possível, e agradeço, em partes iguais, à Marcela, a minha companheira destas batalhas, à Dra. Juliana e à Dra. Adelina pela confiança.
Há várias pessoas, no meu percurso, de quem nunca me esqueci, porque me facultaram, ou deixaram, ou possibilitaram, algo inestimável: o poder da escolha. Coloco a BMRB, muito mais do que qualquer escola, no mesmo patamar, com todos os seus responsáveis e funcionários que para isso trabalham. Essas pessoas do meu percurso, algumas professoras, alguns Amigos e Amigas, e a Biblioteca, ajudaram a criar o Paulo César Autor (com tudo o que isso tem de bom e de mau).
Muito, muito obrigado.
NOTA 1: a parte do 1.º beijo na BMRB não é verdade, mas soou-me bem, enquanto escrevia.
NOTA 2: há uma grande curiosidade: Raul Brandão, patrono da biblioteca, conheceu Maria Angelina, sua futura esposa, na rua da Biblioteca (Rua de Santa Maria), ele a cavalo, ela de vestido às bolinhas, numa varanda, em dia de Ronda da Lapinha.
Andei a ler sobre a extraordinária origem das primeiras bibliotecas. As bibliotecas – depósitos ou coleções de livros – surgiram de uma vontade de organizar e de preservar os livros. Ainda longe do conceito de biblioteca pública, a geometria dos espaços e dos armários foi pensada para que o livro não saísse dali. Ele era precioso demais para que sofresse dano ou desaparecesse, mas nem esta imensa preocupação impediu que incêndios e outras catástrofes tivessem levado à destruição de um indeterminado número de livros. Desse longínquo tempo até aos dias de hoje passamos pelo império romano em que as bibliotecas surgiam em meios acessíveis e muito frequentados; assistimos à clausura dos livros durante a Idade Média, em
que o acesso era permitido apenas a alguns. Tempos de uma penumbra sufocante, em que se vivia com asas recortadas para que não se pudesse voar; no Renascimento, vimos o abrir de asas dos livros e o conceito de Biblioteca, enquanto estrutura com responsabilidade na difusão de conhecimento, aproximou-se do conceito de Biblioteca dos nossos dias.
As Bibliotecas Públicas, hoje, são como aves que voam livres e que fazem anúncio da Primavera. Estão em rede, como o mundo está em rede e são tão mais democráticas, quanto os sistemas políticos são democráticos. Nelas habita o clássico silêncio das bibliotecas antigas, o urgente e primordial silêncio essencial à leitura, que vem antes de tudo, antes da primeira linha de um livro, o “Silêncio na era do ruído” (Erling Kagge). Nelas habitam também os tempos comunitários e intergeracionais, multiculturais, onde somos conduzidos pelas asas uns dos outros aos livros – fazem-se apresentações com a presença de escritores, tertúlias, cinema, horas de conto, dramatizações de histórias…
Entro numa Biblioteca como quem entra num território em que é permitido experimentar leituras. Esse território de experimentação leva-me a tocar em livros esquecidos, ou então, em livros muito lidos e folheados. O lugar da experimentação de leituras é essencial. É assim que me predisponho à leitura e começo então a ler, como se não tivesse mais o que fazer. Aí podemos fazer a descoberta da exigência de alguns livros e da leveza de outros. Aí podemos insistir no encontro com os livros que nos arrebatam e deixar para trás os que criam em nós a sensação de perda de tempo.
Gosto de dizer que o livro se apropria de mim e não eu dele. Deliberadamente deixo-me conduzir. Umas das questões que me coloco é “O que é isto de ter acesso a uma Biblioteca?”
Na verdade, numa Biblioteca Pública estão disponíveis todos os trilhos que me levam às estantes, aos livros. Acessos livres a todos e para todos. Mas o que me move ao livro? O que me afasta da leitura? Há uma espécie de consagração que uns fazem aos livros e um esvaziamento que outros fazem da leitura. Ainda que os livros não estejam fechados a sete chaves, eles continuam a não estar ou a não ser acessíveis, no sentido em que não são motivo de desejo, para uma grande franja da população.
Creio ser muito importante provocar este desejo de ir à biblioteca, nos mais pequenos. Mesmo que ainda não saibam ler, a proximidade com bibliotecas pode contribuir para o nascimento desta sede de leituras de que são feitos os leitores. Lembro-me da Biblioteca Calouste Gulbenkian a chamar por mim no Largo da Oliveira. Sentia-a como uma extensão da casa da minha avó, que vivia ali ao lado. Que ritmo bonito aquele: poder fazer escolhas das minhas leituras, em liberdade, levar os livros para casa, respeitar os livros, ser responsável por eles e regressar à Biblioteca para entregá-los e fazer novas escolhas.
Mais tarde surgiu a Biblioteca Municipal Raul Brandão. Soube que iria abrir, na primeira sala da Biblioteca Calouste Gulbenkian. Logo me inscrevi - número 161. Isto coincidiu com a minha saída de Guimarães para estudar na Universidade e depois para trabalhar. Ainda assim lá regressava eu nem que fosse para ver publicações de revistas, ou livros necessários ao estudo, ou para estar em silêncio. Lembro-me de visitar o fundo de livros doado por Emídio Guerreiro. Consegui o acesso por ser de Matemática e ter feito menção a isso. Deixei-me ali maravilhar por tratados de Álgebra, em Francês, livros de Geometria…maravilhada, como “Alice no País das maravilhas” (Lewis Carol), a pontos de desejar que se esquecessem que eu estava lá dentro. Nos locais onde vivi e por onde viajei procurei sempre as bibliotecas. Elas pertencem aos pontos de paragem e de visita nos meus roteiros. Se houvesse um passaporte de bibliotecas eu teria muitos carimbos. Elas abriram-me as páginas de muitos livros que depois vim a adquirir e por isso são responsáveis pela gestão que faço da minha biblioteca pessoal. Bibliotecas públicas são vitais por mais que nos atirem com as redes digitais, porque enquanto espaços físicos elas podem proporcionar lugares de encontro connosco próprios e com outros leitores, ao virar de uma estante e ao folhear livros inesperados. Diria que ainda que, se houvesse um apagão mundial e um reset às imensas bases de dados, aqueles que tocaram em livros e que se deixaram tocar por eles saberiam como reorganizar o mundo de novo e novas bibliotecas, com conceitos que ainda nem sonhamos, surgiriam. Eles seriam “O fiel jardineiro” (John Le Carré), nesses “Cem anos de solidão” (Gabriel García Márquez), em busca da “Insustentável leveza do ser” (Milan Kundera), viajando ao “Mundo do fim do mundo” (Luis Sepúlveda). Não regressaríamos ao tempo de “O nome da Rosa” (Umberto Eco). Eles saberiam como encontrar “O principezinho” (Antoine de Saint-Exúpery) ou os “Capitães da Areia” (Jorge Amado). Antes das sms deixaram-se espantar pela “Mensagem” (Fernando Pessoa) e a poesia está nas suas mãos ainda que os dedos teclem muito diante do azul de écrans.
Leitores são feitos de voos que aconteceram nas asas dos livros que leram. Dão “A volta ao mundo em oitenta dias” (Júlio Verne) e descansam com livros a fazer de almofadas. Ao contrário do que se possa pensar, leitores não vivem alienados dentro de um livro, eles fazem longas viagens desde os tempos ancestrais e comovem-se com as fogueiras feitas com livros proibidos, livros capazes de mudar o mundo; eles abrem os olhos ao “Admirável mundo novo” (Aldous Huxley) e antecipam novos mundos.
Adelina Paula Pinto
Vereadora da Educação da Câmara Municipal de Guimarães, responsável pela Biblioteca Municipal Raul Brandão
A Biblioteca é para mim o centro do mundo. Do meu mundo, do teu mundo! É o lugar da equidade, responde a todos conforme as suas necessidades, é o lugar da democracia, partilha o conhecimento com todos, é o lugar do conhecimento que se transforma em sabedoria!
Fiz-me leitora quando frequentava o então Ciclo Preparatório, aqui no Convento de Santa Clara, nos idos anos de 1974/1975. A Biblioteca da Gulbenkian funcionava, à data, nos antigos Paços do Concelho, lugar de passagem diária a caminho do meu autocarro. Tinha 10 anos e olhava embevecida para tantos livros, lembro o cheiro, lembro que não lhe podíamos tocar, lembro a reverência com que olhava para a funcionária! Como é que se podia chamar trabalho a algo tão encantador, viver o dia todo rodeado de livros?
Só podíamos requisitar três livros de cada vez e aí me iniciei na saga dos Cinco, dos Sete, das Gémeas e afins! Como mergulhava em cada um daqueles livros, como sofria com eles, como rejubilava com os finais felizes!
E nunca mais deixei de ser frequentadora de Bibliotecas e de fazer a minha Biblioteca. Fui (infelizmente hoje já não o consigo ser) leitora compulsiva que passou por todas as fases possíveis, os livros acompanhando sempre as várias fases da minha vida! Assim como a redução da minha leitura acompanha também, infelizmente, a vida mais complicada que tenho!
Podia contar a minha vida pelos livros que li, da fase apaixonada à fase mais depressiva, da fase mais filosófica, à fase mais pragmática, da fase mais reflexiva à fase mais objetiva.
Foi a partir dos livros e da Biblioteca, das Bibliotecas, que me fiz enquanto pessoa, que assumi o meu papel cultural. A cultura enquanto modo de estar, enquanto interpretação do mundo, enquanto capacidade de ler o outro, de interpretar e reinterpretar! A cultura como forma de estar, de capacidade de ser mais flexível, mais capaz de conhecer o outro, de o perceber!
Ao longo da minha vida fui construindo Bibliotecas, a minha biblioteca pessoal, mas também as Bibliotecas das escolas por onde passei. E fui Professora Bibliotecária, consegui estar rodeada de livros, consegui que esse fosse o meu “trabalho”!
Foi da minha experiência pessoal, do meu trabalho na escola sempre motivando para a leitura e para a
frequência da Biblioteca, do meu percurso de Professora Bibliotecária e de Coordenadora da Rede de Bibliotecas Escolares, que conheci bem a Biblioteca Municipal Raul Brandão (BMRB), que hoje tenho o grande prazer de assumir nas minhas áreas de competência enquanto Vereadora da Educação! Aliás, nos três mandatos que assumi na câmara fiz sempre questão de ter, na minha área de competência, a Biblioteca!
Acredito que a minha história pessoal é comum a milhares de Vimaranenses. Acredito mesmo que a Biblioteca foi a base cultural de Guimarães. Foi nos vários locais por onde a Biblioteca andou que se fizeram as personalidades culturais da cidade! Foi aqui, através dos livros, das sessões de leitura, dos milhares de livros, periódicos, músicas, filmes, que muitos vimaranenses tiveram acesso a outro mundo! Foi a partir daqui que se fizeram novas apostas em outras áreas da Cultura!
A disponibilidade duma equipa sempre sorridente, um programa de atividades forte, diversificado e atualizado, uma estreita ligação às Bibliotecas Escolares e a outras associações fazem da BMRB uma casa de cultura, de afetos, uma casa que pertence um bocadinho a cada um de nós!
Ter como patrono Raul Brandão é a nossa grande responsabilidade, honrar este grande homem que nos convida a uma leitura reflexiva, exigente, mostrando-nos caminhos mais densos! E a Biblioteca vai fazendo esse trabalho cativando com coisas simples e mostrando que há outros caminhos mais densos, verdadeiramente dando a cada um aquilo de que precisa. Sem juízos de valor, sem ares doutorais, agarrando cada um dos nossos leitores da forma que melhor o consegue! Sabendo bem que a leitura é a verdadeira porta de entrada para a Cultura. Porque ler é Cultura!
Esta Casa da Cultura é uma casa cheia de histórias, histórias partilhadas por tantos de nós. Histórias que fazem parte da nossa vida, que fizeram a nossa vida!
Muito se fala no fim dos livros, no fim das Bibliotecas. Nada mais errado! Nunca se editaram tantos livros como hoje, nunca se leu tanto! Lê-se de forma diferente? Sim! Leem-se coisas diferentes? Sim? Lê-se mais na diagonal? Sim! Lê-se em vários formatos? Sim! Mas a leitura continua bem presente na nossa vida!
E as Bibliotecas? Estarão condenadas a ser museus de uma época? Não o creio, cada vez são mais necessárias, os mediadores de leitura, as várias literacias que hoje são tão necessárias à nossa vida, passam pelas Bibliotecas. E a BMRB tem esta consciência, esta vontade sempre presente de se adaptar aos novos desafios, aos novos tempos. A pandemia obrigou-nos a ficar em casa? Entregamos livros ao domicílio! A crise económica leva as pessoas a comprar menos livros? Diga-nos o que precisa e nós compramos! A utilização dos computadores é cada vez mais uma necessidade? Venha ter connosco! Não consegue vir à Biblioteca? Nós vamos ter consigo!
É este o ADN da nossa Biblioteca e da sua cultura interna, olhar para os leitores, para os já feitos e os
que ainda não sabem que vão ser leitores! Ser o espaço de todos, um lugar de bem-estar apesar do edifício antigo que conta as nossas histórias nas madeiras estragadas ou nas paredes menos bem conservadas! Mas um lugar onde todos nos sentimos bem!
Trinta anos ao serviço dos Vimaranenses e da Cultura! Trinta anos a ajudar a construir novos cidadãos e uma nova cidade e um novo território! Venham mais trinta!