Capoeirando

U m t r i b u t o à C u l t u r a P o p u l a r

U m t r i b u t o à C u l t u r a P o p u l a r
É com grande alegria que trazemos a 3a edição, agora realizada como curso de graduação!
Iniciamos com contribuição convidada de Mestre Bel que fala sobre Cosme de Farias o rábula dos capoeiras, e seguimos conversando com Alessandra Ribeiro, líder do Jongo Dito
Ribeiro e nossa mestra da capa!
E seguem diversas matérias realizadas durante o semestre: a visita dos Racionais MCs, o Samba da feira do São Bernardo a lavagem das escadarias da Catedral um especial sobre a Casa dos Saberes Ancestrais, o acolhimento dos estudantes indígenas e o Acampamento
Terra-Livre! o Slam NPN o encontro House o Projeto Oziel - e ainda sobre as atléticas o Bumba-boi do Morro do Querosene, e muitos outros eventos visitados e registrados imageticamente na coluna de rolê!
A participação dos estudantes de graduação - escolhendo, preparando e desenvolvendo pautas de seu interesse editando e levando-as até a comunidade acadêmica e principalmente fora dela - é o foco deste projeto, que em 2023 se realiza plenamente! Agora é se deliciar com tanta cultura e troca de saberes e aguardar pela próxima turma que fara mais uma edição!!!
Adriana Barão e Cristiano M Gallep
Direção e Editoria: Adriana Barão e Cristiano M Gallep
Conselho Editorial: Christian da Silva Rodrigues, Gina Monge Aguilar e Luciano Medina
Logotipo: Luciana Barbeiro
Colaboradores desta Edição:
Alessandra Melo Beatriz Luizari Matias de Oliveira Gabriela Bandeira Pereira Francielly
Queiroz Brazão Isabella Carolina Silva de Araújo Joyce Nobre Dourado Lilia Cordeiro França Maryane Comparoni Manuela Camargo Pereira Lima Rachel Marques Rafael Rodrigues, Thais Cristina Santana Souza, Vitor Miranda Ciochetti, Yugo Mafra Kuno e prof Josivaldo Pires de Oliveira (Mestre Bel),
direção de arte: Beatriz Luizari Matias de Oliveira, Maryane Comparoni fotografia: Beatriz Luizari Matias de Oliveira, Cristiano M Gallep, Joyce Nobre, Lilia Cordeiro
França, Manuela Camargo Pereira Lima Maryane Comparoni e Rachel Marques Ilustrações: Beatriz Luizari Matias De Oliveira Isabella Carolina Silva de Araújo Maryane Comparoni
Capa: Beatriz Luizari Matias De Oliveira e Maryane Comparoni
Editoração: Beatriz Luizari Matias De Oliveira Cristiano M Gallep Isabella Carolina Silva de Araújo Manuela Camargo Pereira Lima e Maryane Comparoni Thais Cristina Santana Souza Edição de vídeo: Cristiano M Gallep
Redes Sociais: Isabella Carolina Silva De Araújo e Lilia Cordeiro França
História - Cosme de Farias, o rábula dos capoeiras, pg 4
Fala Mestra! - Alessandra Ribeiro, pg 8
Registro - Racionais MC na UNICAMP, pg 10
Diga Parente! - Acolhimento Indígena, pg 14
Quem vem lá? - Conexão Jamaifrica pg 18
Especial - Lavagem da escadaria, pg 22
Estudante é que faz - Atléticas, pg 26
ATL - Acampamento Terra Livre 2023, pg 28
NPN019 - BATALHA J A e os 50 anos do Hip hop pg 30
Especial - Casa dos Saberes Ancestrais, pg 34
Educação - OZIEL pg 46
Fora da Roda - Samba no São Bernardo, pg 52
Bumba meu boi, pg 56
de rolê - eveline pjl, pg 58
de rolê - 21° Arraiá afro julino Comunidade Jongo Dito Ribeiro pg 60 em caso de dor, dance! - Encontro House, pg 62
Poesia - Ser pequenininha grande do meu tamanho, pg 64
Saideira e dicas, pg 68
mande seus pedidos, sugestões e críticas para: capoeirandorevista@gmail com https://issuu com/revistacapoeirando
O rábula que se notabilizou como o advogado dos pobres vagabundos e prostitutas, e sua experiência com os capoeiras baianos na Primeira República Mestre Bel
Em uma das várias seções do Tribunal do Grande Júri, na Cidade do Salvador no ano de 1895, um juiz de nome Vicente Tourinho perguntou à platéia quem poderia defender um negro acusado de ter roubado a importância de 500 réis, e que fora abandonado pelo seu advogado à beira do Júri. Foi quando um rapazola mulato com cara de menino se pronunciou aceitando o desafio, sem ao menos conhecer as peças do processo e o acusado. Depois de uma rápida leitura nos autos e uma estratégica intervenção do defensor, o réu foi absolvido. O argumento da defesa foi nada mais que: “a falta de oportunidade na vida o conduzira ao crime”.
O referido rapazola mulato com cara de menino era Cosme de Farias, o último rábula da Bahia e um dos advogados que mais ganhou causas consideradas perdidas. Cosme de Farias tinha apenas o curso primário, entretanto, atuou durante sua trajetória de vida em mais de 30 mil processos judiciais, foi apontado como o campeão de habeas corpus da Bahia e, talvez, de todo o Brasil.
Nasceu no dia 02 de abril de 1875, em São Tomé de Paripe, subúrbio de Salvador, então Província da Bahia, filho de Paulino Manuel e Júlia Cândida de Farias; cursou apenas o primário. Foi vereador, deputado estadual, ativista social tendo, como rábula, defendido mais de 30 mil ladrões, prostitutas, bicheiros, homicidas, homens e mulheres caluniados, pobres que mofariam na cadeia sem dar a sua versão dos fatos. Cosme de Farias faleceu em Salvador, em 14 de março de 1972, e foi sepultado com grande prestígio popular.
Muitos criminosos ou ludibriados réus defendidos por Cosme de Farias eram capoeiras, agentes culturais identificados em sua vida social como valentes, brigões, desordeiros e capadócios, além de capangas que prestavam serviços a figuras políticas da capital baiana. Os casos que se seguem ilustram a prática do rábula na defesa de capoeiras, entre os quais nomes bastante conhecidos na época pelas forças policiais, como foi o caso de Pedro Porreta e Chico Três Pedaços, famosos pelas suas práticas de desordem nas ruas da capital baiana, na Primeira República.
Também conhecido por Aprovisionado rábula era no Brasil desde o período colonial o advogado que não possuia bacharelado em Direito Os interessados solicitavam a autorização para advogar do órgão competente do Poder Judiciário ou da entidade representante de classe Expedia-se a pedido do pretendente uma Provisão que tornava habilitado o rábula a exercer a prática de advogado Com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB no início dos anos 1930 o sistema de rábula foi legitimado por este órgão de classe sendo extinto apenas nas décadas de 1960-70 quando a advocacia passou a ser prerrogativa exclusiva dos bacharéis em Direito
Os Capoeiras
Uma das peculiaridades de Cosme de Farias era o “componente emocional”, ou seja: valorizava mais o psicológico dos acusadores, dos jurados e da audiência do que o aparato jurídico, a lógica forense e os preceitos legais. Um outro elemento muito recorrente em suas elaborações era a negação da razão do indivíduo no momento em que cometeu o crime. Este foi, inclusive, o argumento que utilizou em defesa do capoeira Pedro Porreta, bastante conhecido pelos prepostos da polícia.
No dia 6 de maio de 1931, Pedro Porreta se desentendeu com sua companheira Josepha Alves de Araújo à porta de uma venda, situada nas proximidades da Rua da Assembléia, no distrito da Sé. Porreta agrediu a sua companheira que, tombando ao chão, teve o rosto seriamente machucado. Efetuada a prisão do agressor, o mesmo foi denunciado pelo promotor público da Primeira Circunscrição Criminal, incurso no art. 303 do Código Penal, em vigência, por crime de lesões corporais.
Nos autos de perguntas, anexos ao processo-crime que acusava Pedro Porreta, Josepha Alves de Araújo, afirmou que o seu “offensor é conhecido como desordeiro e tem sido preso diversas vezes pela polícia”. De fato, os jornais que circulavam na cidade de Salvador, nas primeiras décadas do século XX, registraram uma série de conflitos envolvendo Pedro Porreta, inclusive contra policiais e prostitutas, portanto não teria o valente capoeira um grande currículo para argumentar em sua defesa. Mas não foi preciso, alguém faria isto por ele.
O termo de resposta do júri que o absolveu utilizou a seguinte argumentação: “o réu no acto de commetter o crime achava-se em estado de completa perturbação de sentido e de inteligência”. Curiosamente, em nenhum momento da acusação e dos autos de perguntas do processo ele foi identificado como sendo portador de algum tipo de doença ou de qualquer limitação que caracterizasse o argumento do júri. Era obra do rábula dos capoeiras.
Cosme de Farias entrou em ação para livrar Pedro Porreta da acusação de crime de lesão corporal. A negação da legitimidade do crime pela acusação de insanidade mental do réu era uma marca de Cosme de Farias e funcionou muito bem no caso de Pedro Porreta. Quanto a Josepha Alves de Araújo, companheira e vítima do notório capadócio, foi encaminhada para a enfermaria da Assistência Pública, depois de ter sido esmurrada pelo valente capoeira, que foi autuado em
Denominação utilizada desde o século XIX para identificar os praticantes da arte-luta-dança de matrizes africanas conhecida no Brasil por Capoeira Durante o século XIX e primeira metade do século XX estes indivíduos eram estigmatizados como marginais arruaceiros e perigosos capadócios das ruas de grandes centros urbanos brasileiros A prática dos capoeiras denominada capoeiragem foi criminalizada no Código Penal de 1890 só deixando de ser considerada contravenção com a reforma penal dos anos 1930 ganhando status de esporte nacional Em 2008 a capoeira foi tombada como patrimônio cultural brasileiro e seus praticantes atendem pela denominação de capoeiristas
flagrante delito.
O argumento de Cosme de Farias, veiculado em um documento intitulado “pelo denunciado” e anexo aos autos do processo, foi a não caracterização da figura jurídica do art. 303 do Código Penal, ou seja, o acusado não tinha a intenção de ferir a vítima. Entretanto, em documento endereçado ao juiz da referida Circunscrição Criminal, o rábula utilizou um recurso eficiente, enalteceu exacerbadamente a pessoa do magistrado insinuando ser ela um símbolo da justiça baiana. Foi o bastante. Pedro Celestino dos Santos, vulgo Pedro Porreta, acusado do crime de lesões corporais foi absolvido pela justiça baiana.
O termo de resposta do júri que absolveu Pedro Porreta dizia que “o réu no acto de commetter o crime achava-se em estado de completa perturbação de sentido e de inteligência”. Como já observado, essa era uma característica peculiar de Cosme de Farias, ele influenciou o júri a tal decisão. A soma de valentes capoeiras defendidos pelo Major ainda iria acrescentar os casos envolvendo o capadócio que respondia pela alcunha de Chico Três Pedaços.
Na noite de 23 de julho de 1927, no centro antigo da cidade do Salvador (atual Centro Histórico do Pelourinho), João Francisco Pires, conhecido por Três Pedaços, foi acusado de ferir com uma cabeçada a José Raymundo dos Santos. Segundo a vítima, Três Pedaços teria entrado no estabelecimento comercial de nome “Café Para Todos”, situado naquela localidade, e pedido um pouco de café, o que lhe foi servido. Logo em seguida, o referido capoeira teria proferido obscenidades e ao ser advertido, agrediu o espanhol José Raymundo, lesionando seus lábios com uma violenta cabeçada, golpe típico da prática da capoeira. Naquele instante teria comparecido um praça de polícia e conduzido o agressor à Delegacia da Segunda Circunscrição.
Por mais que o capoeira Três Pedaços tenha negado as ofensas físicas a José Raymundo dos Santos, nos autos foram ouvidas três testemunhas que a ele deram a autoria. Entretanto, o exame de corpo de delito realizado na vítima negou todas as acusações feitas ao réu, livrando-o de ser incurso no art. 303 do Código Penal, que punia o crime de lesões corporais. A intervenção de Cosme de Farias garantiu a liberdade de João Francisco Pires, vulgo Três Pedaços. Dentre os vários recursos de retórica utilizados pelo rábula, como já foi referido, eis aqui um exemplo, no qual o defensor sensibilizou o representante da Justiça Pública, lembrando que o réu já havia sido absolvido e que continuando preso sofria constrangimento por parte da lei e da justiça.
Argumentava que Três Pedaços já não representava perigo algum, pois se tratava de um “desvalido e confiado na rectidão da justiça” daquela autoridade.
Existem no Arquivo Público do Estado da Bahia quatro processos movidos contra Chico Três Pedaços, sendo um por furto e os três restantes por lesões. Além deste, o Major Cosme de Farias é citado em um outro movido contra Três Pedaços no ano de 1923. O capoeira foi denunciado pelo promotor público da 2ª Circunscrição Criminal por ter ferido a navalha o praça de polícia Ludgero Alves de Sant’ Anna.
Pedro Porreta e Chico Três Pedaços, obviamente, não foram os únicos agentes culturais da capoeiragem baiana a serem defendidos pelo rábula Cosme de Farias. Somam-se a estes: Bastião, Samuel da Calçada, Nozinho da Cocheira, Pedro Porreta, Duquinha, Scalvino, dentre outros revelados pela memória e historiografia da capoeira na Bahia.
Muitos desses capoeiras eram apontados como capangas de líderes políticos partidários de Cosme de Farias, entre eles os exgovernadores Joaquim José de Seabra (1855-1942) e Antônio Moniz (1881-1940), assim como o ex-secretário de Segurança Pública José Álvaro Cova, o qual já fora apontado como “padrinho dos capoeiras”, pelos escritos memorialistas do mestre Noronha (1909-1979).
Teriam essas filiações políticas alguma relação com a participação de Cosme de Farias nos processos movidos contra os referidos capoeiras? O velho rábula teve uma história de ativismo social que não se deve negar, o que justificaria o seu empenho em livrar os capoeiras das malhas da justiça, mesmo aqueles apontados como capangas do grupo liderado por J. J. Seabra. O fato é que os bastidores da história revelam Cosme de Farias como o rábula dos capoeiras.
Mestre Bel - Josivaldo Pires de Olivei
Membro do Malungo Centro de Capo
Bahia e no Pará É professor titular d - UNEB Campus XIII – Itaberaba e do História Regional e Local (PPGHIS/UNEB
Doutor em Estudos Étnicos e Africa
Bahia Autor dos livros O urucungo arco musical no espaço atlântico (M Valentes: os capoeiras na cidade da B do livro Capoeira identidade e gêner da Capoeira no Brasil (Edufba 2009)
A professora, pesquisadora
lider religiosa e ativista cult Alessandra Ribeiro nos rece na sede do Jongo Dito Ribei
Fazenda Roseira, para uma conversa sobre sua trajetór lutas e resistência.
#1 A Família Ribeiro e o Jo
#2 A Fazenda Roseira e o
#3 Os antigos e as tradiçõ
#4 A Feijoada, a política e
#5 A Salvaguarda
#6 A Candidata...
#7 Os laços comunitário sustentabilidade
#8 A Capoeirando e os registros
fotos e vídeos: Cristiano M Gallep Ilustrações: Beatriz LuMO imagens nos vídeos: @comunidadejongoditoribeiro
Racionais roubando a cena! Com sua música o mais importante grupo de rap do país tem o poder de conscientizar as pessoas sobre as questões sociais e políticas enfrentadas por muitos brasileiros. Suas letras são reflexivas provocando discussões importantes sobre justiça e igualdade e por esse motivo tornaram-se porta-vozes da periferia. São eles que produzem a cultura negra com a qual as dezenas de estudantes, convidados e autoridades se reconhecem. A importância dos Racionais MC's na cultura e na música brasileira e sua influência se estende além do cenário do rap. O grupo é conhecido por retratar as realidades e lutas enfrentadas pelas comunidades periféricas do Brasil ao abordar em suas letras questões como desigualdade social, racismo, violência, corrupção e a falta de oportunidades, dando voz a uma parcela da sociedade negligenciada.
A história do movimento negro ganha uma marcante página ao trazer os Racionais MC´s para uma aula aberta da disciplina "Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro", ministrada pela Prof. Dra. Jaqueline Santos.
A atividade foi realizada em conjunto com o Centro de Estudo das Migrações-IFCH, Arquivo Edgard Leuenroth - IFCH e Afro-CEBRAP. Contando com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Unicamp, Open Society, Porticus, Tide Setubal, FAPESP, além de integrar a programação do Unicamp Afro. Estiveram no evento de homenagem ao grupo e finalização da disciplina três dos integrantes: Brown, KL Jay e Ice Blue, o grupo Racionais MC’s, fundado em 1988, é integrado ainda por Edi Rock.
Trazer os Racionais Mc´s para a UNICAMP é muito mais que um evento, é escrever uma importante página da memória do movimento negro na universidade. Trata-se do reconhecimento de referências negras nesse contexto de ações afirmativas que têm sido realizadas pela UNICAMP. A Universidade busca trazer uma certa abertura em relação às demandas da sociedade e dessa forma dar respostas, assim como é o sistema de cotas um fruto das grandes lutas dos estudantes e do imenso trabalho realizado pelos estudantes do NCN (Núcleo de Consciência Negra da UNICAMP). Conquistas essas que tingem de negro o auditório da UNICAMP já que ele estava repleto de jovens negros e trata-se de uma geração critica em uma uma noite histórica.
O rap dos Racionais MCS lhes ensinou a olhar as problemáticas sociais numa perspectiva crítica, dizer sobre a vida cotidiana a partir das experiências vividas e observadas e interpretar a realidade. Existe uma geração pop formada na universidade, uma geração que tentou resolver tudo em uma geração só. Historicamente essa geração produziu e
Desde a década de 90 o que é chamado de hip hop tornou-se um verdadeiro campo Internacional de estudos. Exemplo desse processo é o grande número de instituições e revistas acadêmicas, conferências, acervos de museus, projetos e assessorias que englobam o universo da cultura.
Os Racionais trazem uma interpretação do Brasil que fundamenta as raízes históricas da transformação social que alavancam na periferia: falam de orgulho. Os alunos fizeram diversas homenagens nessa importante noite relembrando quantas mudanças e quanta força as letras do grupo lhes proporcionaram.
Histórias da busca incessante de uma “ Fórmula mágica da paz”, de um viver em meio ao caos, escassez e violência. Histórias de pais que escolheram não ter filhos ou de filhos que têm pais na estrada ou encarcerados assim como na música dos Racionais. Relatos de alunes que foram os primeiros de sua família a entrar no ensino público superior e que só realizaram essa conquista, pois puderam, partindo das reflexões provocadas pelas músicas dos Racionais, pensar em outras possibilidades de viver.
Como muitos disseram, em depoimentos emocionados durante essa grande homenagem, a dimensão do Rap poderia ser descrita por um trecho de música do próprio grupo “apenas um rapaz latino americano apoiado por mais de 50 mil manos”. A grandiosidade dessa representatividade foi explicitada quando cada estudante participante da disciplina subiu ao palco e trazia seu depoimento de luta, dedicação, superação e vitória, todos movimentos apoiados e embalados pelas músicas do grupo.
Palavras como “descanse seu gatilho”, cantadas pelo grupo, deram força para que os hoje esses estudantes continuassem seu processo, sua caminhada que vem de muito tempo e hoje ocupem seu lugar na UNICAMP abrindo caminho. Músicas que embalaram a lida, a vida e sonhos, pois hoje cada um deles compreende que é sonho de seus ancestrais.
Texto: Alessandra Melo. Fotografia: Maryane Comparoni.
a c o l h i m e n
No dia 30 de março de 2023, na Casa do Lago, ocorreu o Acolhimento Indígena em Barão Geraldo - Campinas-SP.
O evento teve como objetivo dar boas-vindas aos calouros indígenas, apresentar a Unicamp e oferecer um espaço para tirar dúvidas com a presença da reitoria, da presidente da CAIAPI e dos professores.
A presidente da CAIAPI, A enfrentou desafios devido à
Como presidente da CAIAP da coordenação do percurs indígena, surgiu a neces apresentar não apenas a U calouros, mas também os Unicamp A ideia foi propo reitor Ivan Toro, que pron apoiou
Artionka destacou a transfo mencionou que a implemen à
A estudante Lilia França compartilha um pouco de sua jornada com o Acolhimento Indígena da Unicamp. Lilia, de 21 anos, pertencente ao povo Baré, veio de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e foi aprovada no vestibular indígena de 2023. Ela destaca a importância desse evento de recepção e compartilha sua experiência ao chegar na universidade.
"Meu nome é Lilia França, sou do povo Baré e passei no vestibular indígena de 2023. Participar do Acolhimento Indígena deste ano foi incrível! Quero contar como foi chegar aqui e o quanto essa recepção foi importante para mim", diz ela com entusiasmo.
Lilia ressalta a importância dessa recepção para unir os estudantes indígenas e transmitir a mensagem de boas-vindas: "Desde antes de minha chegada em Limeira-SP, o pessoal do coletivo indígena entrou em contato comigo e me orientou em todos os aspectos, desde a matrícula até a documentação necessária. Eles também me ajudaram a conseguir a ajuda de custo oferecida pela Unicamp para comprar a passagem de avião. A maioria dos estudantes indígenas que estão aqui este ano são do Amazonas."
Lilia destaca a importância da luta coletiva dos acadêmicos indígenas e dos coletivos para conquistar respeito e combater o preconceito: "Nossa união, como acadêmicos indígenas, e o apoio dos coletivos têm sido fundamentais para conquistarmos nosso espaço na Unicamp. Lutamos juntos contra qualquer forma de preconceito, injúria e discriminação, simplesmente por sermos diferentes e pertencermos a minorias."
Lilia ressalta a importância da recepção aos calouros indígenas e expressa seu entusiasmo ao ver tantos estudantes indígenas presentes: "A importância dessa recepção vai além das boas-vindas. É uma forma de unir todos os estudantes indígenas e mostrar que a Unicamp nos apoia. Queremos ser ouvidos, queremos ter voz e queremos sentir o apoio da universidade para nossa permanência aqui.
Foi maravilhoso ver tantos estudantes indígenas presentes. Cada um de nós tem uma história única e um sonho de fazer a diferença e conquistar espaço e respeito. A pandemia trouxe alguns desafios, mas foi incrível poder participar dessa recepção importante para nós, estudantes indígenas da Unicamp."
Textos: Lilia C. F. Fotos: Lilia C. F. Ilustração: Isabella C. S.
O Serviço de preto é o melhor serviço do mundo, anuncia o DJ Will
Da Leste, subvertendo a lógica racista que predomina em várias expressões usadas no Brasil.
Will da Leste (nome artístico do doutorando Willians Santos)
realiza A pesquisa musical Conexão Jamaifrica que trata das conexões diaspóricas entre Jamaica, África e Brasil desde 2016.
Em seus drops musicais publicados no instagram e em revistas especializadas, ele traz inúmeras informações sobre as apropriações musicais realizadas por artistas que se “inspiraram” em músicas negras. O termo inspirar cabe aqui entre aspas, pois a pesquisa “Atlântico negro” desenvolvida pelo artista, salienta que as conexoes entre musicalidades africanas e afro diaspóricase no mundo pop e underground.
C o n e x ã o j a m a i f r i c a
Da Leste, que nasceu em São Paulo, atualmente desenvolve seu doutorado na UNICAMP (Universidade de Campinas, SP) e afirma que não existe o termo brasilidades no que se refere a música brasileira. O que existe é música negra ou afrobrasileira, dispara Will. Chamar a música Negra de brasilidades é uma forma de branquear sua origem. Esse apagamento que o embranquecimento gera é trazido à tona pela ação na cena musical e por seu trabalho de pesquisa. Willians traz em seu pensamento o viés sociológico, ainda que não exista um público politizado necessariamente para compreender essas reflexões. Mas eis aí mais um motivo para pô-las em marcha em um grande trabalho coletivo desenvolvido por artistas negros de Campinas e São Paulo.
O trabalho de Will mistura-se à sua ação acadêmica na cena artística cultural deste eixo Campinas-SP no qual atua como DJ e pesquisador.
C o n e x ã o j a m a i f r i c a
Para Wil da Leste, o termo brasilidades pode ser encarado como uma metáfora do pensamento racial brasileiro, a chamada democracia racial, ideia que se vendeu no século XX. Ideia, pois na prática o que existe é uma desigualdade racial brasileira que é mascarada de várias formas. Will aponta vários problemas no termo brasilidades. Primeiro que não existe um selo brasilidade, na raiz da maioria das músicas existem samplers, batuques, vocais ou mesmo músicas inteiras feitas por pessoas negras. Fora que toda a música brasileira é influenciada pelas diversas nações africanas que foram trazidas para o Brasil e escravizadas ou ainda pelas recentes migrações.
Nessa grande travessia Atlântica, essa grande diáspora tingiu o Atlântico de negro. E constatada a origem da musicalidade brasileira, de verdade mesmo só se toca música preta, afirma Will. Essas formulações e reflexões se desenvolvem partindo da elaboração da pesquisa do projeto Conexão Jamaifrica que começou ainda em 2016 por causa do doutorado. No entanto, ela é muito mais abrangente que isso, pois para pesquisar música tem de se estar vinte e quatro horas trabalhando, afirma o DJ. Não é só ouvir a música, é pensar a música, tocar, pensar também na pista, no que faz os corpos vibrarem, pensar toda a técnica que envolve a mensagem, além é claro de dominar os aspectos sociais de uma música. Ser DJ é entender a arte do ritmo e saber o que põe fogo na pista.
C o n e x ã o j a m a i f r i c a
Promovendo bailes diversos e construindo eventos que tem por base o fortalecimento da cena artística Negra, Will Da Leste tem-se envolvido na execução de trabalhos como a realização do “Serviço de Preto” como Dj residente, baile promovido por diversos coletivos negros atuantes na cidade de Campinas. É DJ residente da festa “ O jazz é primo do samba”, realizada pela Revista antiracista Sikudani da editora Anansi e do grupo N´Goma. Além disso, realiza bailes e discussões no Centro Cultural Áfrika da cidade de São Paulo.
Will é um representante da nova cena musical preta e nos mostra que ação social, pesquisa, atuação política, pesquisa acadêmica e o som da pista se costuram no modo que a imersão na música perpassa técnicas ou estudos ou teorias e transborda em pulsão de vida. Diante de tudo isso como sempre diz Will Da Leste é só lembrar: Foco no progresso e mete marcha!!!!
Texto: Alessandra Melo
Fotografia: Maryane Comparoni
C o n e x ã o j a m a i f r i c a
“A cidade de Campinas (SP) é um espaço vivo da manifestação do povo de matriz africana, seja por meio de fragmentos urbanos, seja pelas formas de uso e de manutenção de suas raízes culturais latentes, mesmo quando aparentemente estas não são vistas pela maioria de sua população. As marcas estão lá imbricadas nas transformações urbanas e sociais, sendo necessário, para observar a ritualização dessa memória, manter diálogos com os mais velhos dessa matriz africana, que preservam nas lembranças e em suas ações cotidianas essa materialidade ofuscada no espaço físico como âncora na transformação de um tipo de representação nas cidades atuais ”
RIBEIRO, Alessandra, 2017
O trecho do artigo da Alessandra abre de maneira muito precisa a discussão sobre o impacto e a importância de acontecimentos como a Lavagem da Escadaria da Catedral Central de Campinas, que neste ano teve suas atividades retomadas, após 2 anos de pandemia.
A cidade é marcada por um histórico escravocrata cruel, uma vez que era reconhecida como referência de tortura das pessoas escravizadas - muitas vezes eram tranferidos para este território aqueles que se rebelaram ou tentaram fugir, como punição - além de ser a última cidade do Brasil a abolir a escravidão. Os impactos desse passado ainda ressoam por Campinas, e como bem colocou a mestra Alessandra - que está no quadro “Fala, mestra” dessa edição -, é necessário dialogar e entoar a presença dessa história e das culturas que aqui foram marcadas, para que se rompa o silêncio que paira sobre a população acerca de nossa história. Entretanto, apesar de ser imprescindível rememorar as feridas gigantescas que o racismo da história campineira provocou e provoca, ressoar o canto, as cores e a fé das religiosidades de matriz africana é garantir que a reestruturação da imagem não seja apenas pautada no sofrimento, mas afirme a presença das formas, cores, crenças e alegrias que já fazem parte da nossa cultura de maneira tão enraizada, mas ainda perseguida.
A procissão se iniciou na Estação Cultura, outro local importante para a população campineira - que reúne diversas atrações culturais, como festivais, apresentações, exposições e até cursos -, e seguiu seu caminho até a catedral, localizada no Largo do Rosário
A Rua 13 de maio - que tem eu seu nome o dia da luta contra o racismo e o dia da falsa abolição - foi tomada por um mar de branco, onde se encontravam mulheres segurando vasos de flores na cabeça, marcados com os nomes de suas famílias. O maracatu celebrava no meio da multidão e a capoeira abria o caminho para o cortejo passar.
A lavagem da escadaria, do começo ao fim, é uma experiência emocionante que enche os olhos de beleza, música e, principalmente, de ancestralidade. Se inicia com o encontro dos nossos, exibindo todo o seu talento com a roda de capoeira, e depois partindo para a caminhada rumo à igreja, impactando as pessoas que olhavam, surpreendidas com tanta força e delicadeza. Parece que os guardachuvas coloridos nas ruas sabiam que ali iria passar uma multidão vestida de branco, onde tudo iria se harmonizar naquele instante. Os cantos continuam até o encontro da igreja, e o cheiro de lavanda começa a aparecer. Todos se preparam para o grande momento e ele de repente acontece: cada varrida, cada jorrar de água é um ato de resistência.
“É pra lavar mesmo”, foi o que uma das mulheres que direcionam o ritual afirmou com força e certeza, para certificar que aquilo que precisasse fosse limpo e renovado, para dar espaço e bençãos para uma nova realidade.
Reforçando que essa manifestação da fé permite a observação da ritualização da memória, como coloca Ribeiro, mas também afirma dentro da subjetividade e da perspectiva cosmológica a vivacidade dessa fé. Abrir um espaço seguro para cultivar a fé é abrir espaço para corações vivos, corpos identificados e com mais autoestima, para além de promover a articulação da comunidade. É garantir saúde para o povo.
Por fim, o final do ritual foi marcado por um show belíssimo de Leci
Brandão, que veio para selar as bênçãos daquele dia. Além de nos encantar com sua arte, a cantora entoou a importância da arte e da educação, celebrou a abertura de um novo tempo, onde vamos poder respirar um pouco mais depois de tanta barbárie, e continuar trabalhando e resistindo por um mundo menos regido pela monocultura.
As Associações Atléticas Acadêmicas (A.A.A.s) são organizações sem fins lucrativos que tem como objetivo integrar os estudantes universitários através do esporte, contribuindo para a promoção da saúde dentro do ambiente universitário. As atléticas representam para muitos estudantes um dos primeiros contatos com a universidade devido a estas estarem envolvidas em eventos como a Calourada que é um evento que ocorre na primeira semana de aula, voltado ao acolhimento dos estudantes ingressantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na edição anterior desta revista foi realizada uma matéria contando um pouco sobre a importância das atléticas para a vida universitária, além de como esta atravessa esse muro impactando através de suas ações o público fora desta. Esta edição, através do bloco Esporte no Campus, visa dar extensão a edição passada, trazendo desta vez depoimentos de participantes de atléticas sobre a percepção da sua importância, visto que a edição anterior trouxe uma percepção aos olhos da coordenação/gestão.
“As atléticas são muito importantes para os estudantes universitários por promoverem o acesso ao exercício físico coletivo de qualidade e a consequente socialização entre os alunos que acontece nesse ambiente.”
Flávia Laine-AASE
Muito importante para a integração entre os alunos, trazendo algo em comum e construindo laços fortes entre diferentes indivíduos.”
Josué da Rocha -Axxo
“Treinos- As atléticas são importantes para o desenvolvimento dos estudantes da área de esportes, que podem trabalhar como treinadores de diferentes modalidades e aprender muito com a experiência. Também são importantes como um meio de conhecer pessoas que fazem parte do mesmo grupo que o indivíduo, aumentando a sensação de pertencimento na nova realidade de vida dos estudantes como um todo, que em maioria vem de outras cidades e não conhecem muito sobre a nova cidade em que terão que morar (>sensação de pertencimento, reduz a chance de desistência por conta da distância da base familiar).
Sobre isso também, vale ressaltar que os treinos são uma ótima forma de aumentar o vínculo com pessoas da própria turma. Ademais, tem a relevância de manter o indivíduo em atividade, mesmo que a situação financeira não seja favorável. Isso, como bem se sabe, tem reflexos na prevenção de doenças crônicas, de doenças mentais e no bom funcionamento do organismo como um todo.
Por fim, mais do que a atividade em si, os treinos proporcionados podem ensinar novas modalidadesaosestudantes,expandindonovoshorizontespormeiodoesporte.”
MariaLetíciaVieiraMedeiros-AAASE
"As atléticas são importantes para a universidade pois promovem a integração; são importantes para a saúde; é um espaço importante para se realizar network; proporciona experiência profissional, pois os treinadores da atlética AAASE são estudantes deCiênciasdoEsporte."
Depoimentos de Julia Santos, Gabriela Zamariam PierroeLarissaMoreiraDias-AAASE
“Integração dos alunos por meio do esporte e festas”
Sarah(AssociaçãoAtléticaAcadêmicaXdeOutubro)
“Dificuldade financeira e de captação de pessoas.”
Sarah(AssociaçãoAtléticaAcadêmicaXdeOutubro)
“A falta de verba e a pouca aderência dos alunos novos”
JosuédaRocha(Axxo)
“A minha atlética enfrenta dificuldades relacionadas à estrutura das quadras e seus acessos, além da escassezdematerialparaosesportes”
Flávia Laine (Associação Atlética Acadêmica de Saúde e Esporte)
“Falta de verba para a compra dos equipamentos de treino, dificuldade para aplicação de algumas modalidades (como tênis de mesa) por conta do local necessário para treino (muita burocracia) e resolução de problemas gerados por gestões passadas.”
MariaLetíciaVieiraMedeiros-AAASE
Para saber mais: https://issuu.com/revistacapoeirando/docs/capoeirando ed 2
Textos: Thais Cristina Santana Souza
Nos dias 24, 25, 26, 27 e 28 de abril, ocorreu a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Confira as fotos enviadas pelo estudante do curso de Artes Cênicas da Unicamp Genilson Benedito dos Santos, que participou do evento:
Recebemos o relato da estudante do curso de Pedagogia da Unicamp Kátia Paz, que também esteve presente no acampamento:
A 19° edição do Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano ocorreu entre os dias 24 e 28 de abril, em Brasília. E esta foi a primeira vez que participei da grande mobilização dos povos indígenas. Posso dizer que foi uma experiência maravilhosa, pois pude ver a diversidade dos povos indígenas que ali estavam presentes, era como se eu estivesse em casa. Senti orgulho da minha identidade indígena. Em todos esses cinco dias, tive a oportunidade de compreender mais as singularidades de cada povo, tais como seus grafismos, artesanatos, cantos, língua e lutas. Através das plenárias do ATL, tive o conhecimento de muitas lutas e das atuais reivindicações. Também tive a clareza dos trabalhos das sete organizações regionais indígenas. Foi gratificante participar dessa luta e espero continuar somando nas próximas edições do ATL. Por fim, com essa mobilização tive consciência da importância dessa luta e de fazer parte dela ao lado de muitos anciões, foi o que mais me impactou.
Texto: Francielly Queiroz Brazão
No ano de comemoração de 50 anos do movimento Hip Hop, o coletivo Nós por Nós, vulgo NpN, organizou a Batalha J A no primeiro dia de abril, reunindo todos elementos que compõem a cultura Hip Hop - Rap, MC, Break e Graffiti. O coletivo emerge do movimento da quebrada para a quebrada - “o coletivo nasceu no Amanda e vai morrer no Amanda”, como disse Daniel Miranda, um dos idealizadores do projeto O seus eventos abraçam a comunidade do Jardim Amanda, o maior bairro da da Cidade de Hortolândia, composto por volta de 100.000 pessoas. O espaço é aberto para diversas formas de troca e manifestações: criança dançando, cortes de cabelo gratuitos, batalhas de rima e dança, exposição de artes visuais dos artistas do entorno, famílias participando do evento, graffiti ao vivo e música sempre presente, desde os djs até a apresentação artistas locais que ascendem e fomentam a cena do Rap, dentro e fora das suas quebradas - como Jovem MK, Punka e Ruana Voz Armada.
A palavra comunhão emerge não como ausência de conflito, mas como um lugar em que as trocas de experiências e vivências são possíveis e vicejantes: “entender que você pode, sim, criar espaços para que outras pessoas brilhem”, demonstrando a vontade e engajamento de fazer não apenas para si, mas também pelo próximo, como disseram Daniel Miranda e Daniel Matias.
O coletivo nasceu do desejo justamente do sonho de dar espaço para expressões artísticas, de ver famílias e suas crianças vivendo momentos de lazer, de mobilizar o bairro que participa da formação dessas pessoas de maneira muito afetiva, como uma mãe - como seus integrantes contaram - é o que traz o ímpeto para a produção desses eventos, que tem crescido exclusivamente através de sua rede de apoio não se resumindo apenas aos que compõem o NpN, mas também se articulando com outros coletivos que cresceram na cidade, se enraizando e inspirando a propagação desse movimento pela cidade.
É grande semelhança entre os contextos históricos do Hip-Hop hoje no Brasil e no momento de seu surgimento, em 1970, nos EUA. A população marginalizada sofre uma forte repressão em um contexto de uma violenta guerra antidrogas, que vitimiza jovens, principalmente negros, desde seu início, e uma imensa tensão política que estabelece uma
permanente alerta a barbárie, o que não impede dos princípios fundamentais do movimento ainda florescerem - paz, amor união e diversão. O Hip Hop surge justamente do ímpeto de criar melhores alternativas, pois em uma sociedade em que o racismo é estrutural, é preciso uma forte mobilização para transformar a vida da juventude negra e periférica É por meio desses espaços de expressividade e visibilidade que isso acontece: o graffiti abre caminho para a escrita e visibilidade, o rap para a voz, o breaking para o corpo e os dj’s e mc’s celebram a união e o conhecimento, um cenário completamente diferente para aqueles que, muitas vezes, são impelides para um caminho onde a morte - física e subjetiva - o assombra o tempo inteiro É a vida abrindo caminho no meio da guerra.
E é desse fio condutor que flui o NpN. A Batalha do J.A. estabeleceu mais uma vez essa atmosfera, em que a expressividade e o aprendizado podem fluir com segurança e incentivo.
A presença das crianças foi uma das partes mais bonitas do evento: se aventurando no Breaking, outras atentas às rimas lançadas, mas todas interagindo com o coletivo - o ambiente de aprendizado e de conhecimento da realidade se tece nessas vivências. Também marcaram o evento a Geloteca, que sempre oferece doações de livros, cortes de cabelo, exposição de arte - composta por Yuri Santos, Bianca Camargos e Beatriz LuMO; mais uma vez conhecimento, cuidado e cultura da e para a comunidade.
As batalhas de rima e dança também incitaram o evento, pois é ali em que os jovens se encontram para praticar e se desafiar no desenvolvimento de suas falas, ideias e movimentações - as batalhas de dança contaram como jurados experientes no Breaking enquanto a batalha de rimas, como de costume, contou com a avaliação do público - o tempo todo o que brilhava era justamente o olhar sobre a habilidade daqueles que estavam se jogando na partida, o desafio de estar no palco se expondo é o que lapida e constróis as suas expressividades.
Para além de todo esse movimento, algo que deve ser ressaltado no evento do NPN são as mulheres na voz. Nas batalhas de dança e de rima, na produção e materialização do evento, na exposição das artes visuais e nos shows apresentados, elas dominam esse espaço, convidando a população a perceber questões que envolvem ser mulher na sociedade. Nessa perspectiva, Aline, 20 anos, dançarina e moradora do Jardim Amanda relata a importância do evento: “Eu me isolava muito, porque querendo ou não, é difícil ser mulher LGBTQIA+ numa sociedade machista pra caramba, e o NpN me acolheu”
Ainda sobre as mulheres, uma performance que mexeu com os sentidos de quem passou por lá foi a da bailarina e intérprete Jana Jara. Ela fez uma apresentação incrível e sinestésica, usando bambolê com luz de LED e bambolê com fogo. As minas ainda marcaram presença com os shows de Rap, como foi o da Jovem Mk, que é, inclusive, natural de Hortolândia. MK começou muito cedo inserida na cultura Hip Hop, cantando e compondo. Outra artista de peso que compareceu foi a Ruana Voz Armada, que vem das quebradas de Campinas e tem influência no soundsystem e no trap. Outra artista da região que entregou música foi a Punka MC. Ela é muito conhecida pela facilidade de rimar em diversos beats e ter muito flow e conteúdo em seus Raps. A abertura de espaço para mulheres e pessoas discidentes dentro do Hip Hop é outro tópico que poderia se estender por muitos parágrafos aqui, mas vale dizer que é um movimento em expansão. Apesar de ser um movimento baseado no desejo de revolucionar a realidade das pessoas ignoradas pelo sistema, ele não escapa de muitas ferramentas de opressão, incluindo o machismo. A cena é ocupada em sua maioria por homens, que se divertem com tranquilidade, enquanto as mulheres muitas vezes precisam lapidar a segurança e a validade dos seus trabalhos. Realidade que vem mudando com a nossa presença, conversas e apoio, aquelas presentes na Batalha marcaram e influenciaram fortemente o evento.
Enfim, Batalha J.A. é mais uma das potentes e impactantes manifestações do Hip Hop, o dia primeiro de abril foi um dia bonito no Jardim Amanda, onde a paz, amor união e diversão fluíram com força nas crianças que corriam e aprendiam a dançar. Mais um exemplo de que muitas vezes é a comunidade que faz por si e que das trocas culturais podem emergir novos caminhos para construirmos nossas relações com o todo, para garantir que jovens possam desenvolver suas identidades e autoestima fora da opressão esmagadora.
Sob uma perspectiva crítica, sabe-se que historicamente as universidades latino-americanas se constituíram como um dispositivo da colonialidade do saber, institucionalizando saberes legítimos - as escolas do pensamento branco, europeu e Ocidental - e excluindo uma série de saberes presentes nestes territórios, os de tradições indígenas, africanas, afro-brasileiras. Não apenas os saberes estavam excluídos do espaço universitário, mas também suas coletividades, ou seja, as populações negras e indígenas, quadro este que tem sido alterado com a implementação das Cotas Étnico-Raciais e do Vestibular Indígena nas universidades públicas brasileiras. Vale lembrar que as universidades públicas estaduais paulistas, especialmente a UNICAMP e a USP, foram praticamente as últimas “grandes” universidades do país a adotar o sistema de cotas para o ingresso dos estudantes nos cursos de graduação, após forte pressão e atuação dos movimentos negro, indígena e estudantil. Nessa perspectiva, nota-se que as universidades públicas brasileiras têm se transformado com o ingresso das classes populares, das populações negra e indígena no corpo discente. Contudo, a entrada desse novo público colocou em evidência as ausências que até então não tinham a visibilidade que tem hoje: a ausência dos saberes de tradição não europeia Ocidental e ausência de professores e pesquisadores não-brancos. A partir desse contexto de lutas sociais presentes no espaço público universitário, novas formas de se pensar o currículo e a formação têm emergido, de modo a intensificar a presença destas coletividades e epistemologias.
Uma delas é o projeto Casa dos Saberes Ancestrais, que tem como uma de suas ações, prevista para ser implementada no segundo semestre de 2023, no campus Zeferino Vaz da Unicamp, a edificação uma casa tradicional do povo indígena Kiriri do Acré. Iniciado em 2017, o projeto se propõe a repensar a cultura e o espaço público universitário, especialmente no que tange ao acolhimento e permanência dos estudantes indígenas em seus saberes, culturas e modos de vida.
Nas próximas páginas, apresentaremos um breve histórico do projeto, desde sua concepção até o atual momento. Para tanto, conversamos com algumas pessoas diretamente envolvidas nesse sonho coletivo que é a Casa dos Saberes Ancestrais, de modo a compreender seu processo de elaboração e futura implementação, destacando pontos importantes de sua história. Em seguida, apresentamos um relato de Jeremias AkroáGamella, estudante indígena do curso de Arquitetura que atualmente é bolsista no projeto.
Gestado institucionalmente reitoria de Saberes Ancestrais
Instituto de Rodrigues de Educação, dos Saberes professora se via no meio uma “imensa caminhava desses pássaros catártico, ela fazer como diretora de cultura seria plantar essa semente.” (p. 34).
A partir desse pessoas, de um desejo pessoal. Nesse processo, construir um compuseram arquiteta da construção no contexto da Conferência Global dos Povos Indígenas (2012), e a obra Ágora: OcaTaperaTerreiro, do artista Bené Fontelles, apresentada na 32ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo (2016) . Sabedora dos labirintos institucionais, Malu Arruda entrou no projeto contribuindo para, em suas palavras no Ebook já citado, “acompanhar e articular conversas, debates e discussões e dar-lhes a forma de um projeto institucional, aproximando-o das condições de implantação na Unicamp.” (p. 75). Nessa articulação de conversas, Ailton Krenak e Almires Martins foram convidados a participar e contribuir com o projeto. Em conversa com essas lideranças, como relembra Malu Arruda, Ailton Krenak fez uma fala que marcou a história do projeto:
A gente tava numa sala, com um monte de gente. Uma sala pequena até, lá na Diretoria de Cultura Sentou todo mundo E aí a Verônica contou o sonho dela A gente foi complementando e falando E ele ouvindo, ouvindo, ouvindo Faziam parte desse grupo também as meninas que eram da Frente Pró-Cotas. E assim Ailton Krenak parou, virou e falou assim: “Essa Oca já está sobrevoando a Unicamp, ela vai pousar, uma hora ela vai pousar Sigam em frente” (Malu Arruda, em entrevista ao autor deste texto)
Com a aprovação das Cotas Étnico-Raciais e do Vestibular Indígena, a primeira turma de estudantes indígenas entrou no ano de 2019. Nesse contexto, o projeto Oca foi apresentado, em 2018, como uma das possibilidades de apoio à permanência dos estudantes indígenas na Unicamp. A Pró-Reitoria de Graduação criou o GT de Inclusão Indígena, para a chegada e permanência dos estudantes indígenas na universidade, convidando membros do projeto Oca para compô-lo. Como relata Malu Arruda, esses estudantes que chegaram lançaram um olhar crítico ao projeto Oca:
Nessa turma de 2019, veio muita gente madura, e que já chegou questionando a gente. O primeiro questionamento foi o nome: Oca. Porque Oca? não é uma coisa comum para todas as culturas indígenas. (Malu Arruda, em entrevista ao autor do texto)
Também houve, e segue havendo, uma série de controvérsias que atravessam a ideia de uma construção tradicional indígena na universidade, justamente por se propor como um projeto intercultural que busque acolher uma diversidade de povos e culturas. Malu Arruda também destacou a complexidade da proposta e ressaltou o risco de se produzir um lugar excêntrico e folclorizado no espaço universitário que não reflita os anseios e interesses dos próprios indígenas. Nesse sentido, defendeu a necessidade de que os indígenas sejam parte ativa da construção desse espaço.
A partir desses questionamentos, o projeto foi sendo reelaborado, até se reconfigurar com o nome de Casas dos Saberes Ancestrais. A professora da Faculdade de Educação e também integrante do projeto, Alik Wunder, nos conta como surgiu a proposta do nome:
“Foi o Daniel Munduruku, que esteve aqui como professor visitante da Faculdade de Educação em 2018, e foi uma das pessoas com as quais a gente trabalhou e conversou Ele falou: “acho que vocês podiam ampliar, porque um nome indígena, Guarani, Oca vem do Tupi Guarani, pois cada povo tem seu nome Talvez a palavra “Casa” em português acolha.”. Aí que vem a Casa Saberes Ancestrais, que envolve os povos indígenas, mas também os povos quilombolas, e outras ancestralidades "
(Alik Wunder, em entrevista ao autor deste texto)
Duas ações importantes foram realizadas no segundo semestre de 2019, de modo a pensar e construir o projeto de forma coletiva e participativa: oferecimento de uma disciplina de difusão cultural e a realização de Ciclos de Conversas. Na disciplina, participaram como ministrantes a arquiteta da PROEC, Renata Marangoni, e os professores Evandro Monteiro e Rafael Urano, professores da Faculdade de Arquitetura. Como Renata relata no livro Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogo com Sabedorias Indígenas, conforme o curso avançou, a ideia de construir um único lugar para abarcar a pluralidade dos saberes indígenas transformou-se na ideia de construir diferentes espaços espalhados pelo campus, de modo a formar uma rede, tendo como base cinco elementos: Cosmologia, Fogo, Água, Terra e Ar. Nessa concepção, cada elemento teria uma função específicaPara o Ciclo de Conversas da Casa dos Saberes Ancestrais, foram convidados Ailton Krenak, Claudia Wanderley (do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - CLE), o professor Wilmar D’Angelis (do Instituto de Estudos da Linguagem - IEL) e Vika Martins, arquiteta de projetos colaborativos com indígenas. As falas desses Ciclos de conversas foram transcritas e publicadas no já citado Ebook Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogos com sabedorias Indígenas.
Nesses encontros, a presença do líder indígena Ailton Krenak tornou-se marcante novamente. Realizada inicialmente no Centro de Convenções da Diretoria de Cultura, a conversa com Krenak se estendeu mais do que o previsto. Planejada para acabar às 17h30, com a forte presença de estudantes indígenas, instigados em ouvir e falar sobre o projeto, Ailton sugeriu de continuar a conversa no espaço de fora, no gramado do Centro, após o fim do tempo estipulado.
Tal conversa ainda durou mais duas horas, como relata Wenceslao Oliveira, professor da Faculdade de Educação e diretor da Diretoria de Cultura à época:
Essa era a fala que tinha que ter gravado Ninguém pensou em gravar, porque estava todo mundo só encantado em ouvir o Ailton Ele ficou ali até às sete e meia da noite, foram duas horas (no gramado] Ali, a gente falando, os meninos falando com ele, basicamente os estudantes indígenas, falando com ele e discutindo efetivamente nossa questão Afinal de contas, como é que a gente faz para solucionar esse problema? E tem um determinado momento que o Ailton fala Ele falou mil coisas, mas eu acho que a fala mais importante dele foi quando disse:
“vejam bem, de maneira alguma, nós podemos pensar uma Casa de Saberes
Ancestrais Indígenas para a Unicamp a partir das etnias que já estão aqui Porque a gente tem que pensar que esse vestibular da Unicamp pode trazer para cá todas as etnias indígenas O que significa que, a única coisa que a gente não pode fazer, é partir do que já tem ” (Wenceslao Oliveira, em entrevista ao autor deste texto)
Em 2020, com a paralisação das atividades presenciais por conta da pandemia do Coronavírus, novas estratégias foram tomadas para que o sonho da Casa dos Saberes Ancestrais permanecesse vivo. Nesse período, com o professor Wenceslao Oliveira à frente da direção, surge uma parceria da DCULT com a Diretoria de Direitos Humanos (na época, sob a direção da professora Neri Barros de Almeida) para a criação de uma coleção e publicação de Ebooks, de modo que a Casa pudesse “pousar” de uma outra forma. Assim nasce a coleção Jurema. Publicado ainda no ano de 2020, o Ebook Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogos com Sabedorias Indígenas, reúne textos de diversas autoras e autores que relatam sua experiência e participação no projeto, além de reunir as falas transcritas dos Ciclos de Conversa, como dito anteriormente. Vale ressaltar que não apenas foi publicado o Ebook Diálogos com Sabedorias Indígenas, mas também outros dois Ebooks: Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogos com Sabedorias Africanas e Afroamericanas e Debates Interdisciplinares sobre Direitos Humanos, os três Ebooks com o selo da coleção Jurema e disponíveis online no site da Diretoria de Cultura da Unicamp. Ao abordar a publicação dos Ebooks, Wenceslao ressalta que:O processo de criação do Ebook foi um catalisador de forças, de intensificação da presença dessas culturas.
E assim que a gente começou a montar esses livros,falei com o Próreitor da época, que era o Fernando Hashimoto, e ele comprou a ideia também. O que dificultava naquele momento é que a gente quase não tinha estudantes indígenas. Inclusive, outro dia, eu comentei exatamente isso: falei que estava na hora de publicar um livro, Casa dos Saberes Ancestrais - Sabedorias Indígenas, escrito pelos estudantes indígenas Agora a gente já tem condição de fazer isso. (Wenceslao Oliveira, em entrevista ao autor deste texto)
Cabe lembrar da realização do Seminário Casas dos Saberes Ancestrais, no dia 12 de maio de 2023, no Teatro de Arena da Unicamp, com a participação de Malu Arruda, Naldo Tukano, Adriano Matos, Marcela Pankararu e Daiara Tukano, além da presença institucional de Cacá Machado, diretor da Diretoria de Cultura, de Fernando Coelho, Pró-reitor da Pró-reitoria de Extensão e Cultura, e da Carolina Cantarino Rodrigues, Diretora Adjunta da DCULT e mediadora do debate. Privilegiando as falas dos estudantes e lideranças indígenas, apresentamos abaixo um breve relato do evento.
Naldo Tukano, estudante de Linguística e membro do Coletivo de Estudantes Indígenas da Unicamp, iniciou sua fala saudando a todos em sua língua. Naldo foi convidado para participar do projeto da Casa dos Saberes por Wenceslao, sendo bolsista da DCULT em 2019. Naldo lança importantes problematizações, de modo que o projeto seja pensado de um ponto de vista crítico. Primeiro, faz crítica ao nome inicial atribuído ao projeto, “Oca”, dizendo que “para mim, nada representa, somos mais de 40 povos indígenas que estão na Unicamp, como vamos construir algo como uma Casa dos Saberes Ancestrais? Qual arquitetura? Qual lugar essa Casa irá ocupar dentro da universidade? Por que construir isso dentro da universidade? Por que não distante? Nossos corpos estão em todos os institutos, não queremos estar isolados em um lugar designado para nós.”. Nessa linha, Naldo faz uma crítica ao lugar que a universidade oferece para os povos indígenas, um espaço ainda muito reduzido e limitado, destacando que, para ele, a Casa dos Saberes Ancestrais
E continua: “um dia, quero ver um indígena pintado, pelado na Universidade, e isso não ser motivo de assunto ou de alguém tirar uma foto. Esse projeto tem que pensar sobre esses assuntos, com indígenas e não indígenas, até agora só estamos sendo “recebidos” nos espaços alheios a nós, “estudados” pelo pessoal da academia, quando isso vai mudar? Não é porque sou indígena que sou “especial”, a gente tem que mostrar que a gente é capaz de fazer igual, dentro ou fora da universidade”.
Na sequência, Marcela Pankararu, estudante de Ciências Sociais e representante do Coletivo das Acadêmicas da Unicamp, nos fala que a Casa dos Saberes seria fruto de um sonho e de uma construção coletiva. Relata história e memória do seu povo, Pankararu, na Caatinga. Ela cantou um canto de seu povo, do qual trago um breve trecho que pude recordar: “Eu estava na mata, colhendo mel, quem foi que chegou? Foi Pankararu, quem foi que chegou? Foi Pankararu.” Diz a importância da Casa no sentido de se preservar os rezos, preservar as ancestralidades e ser um espaço de acolhimento. E levanta um questionamento: onde estão os indígenas do sudeste? E completa: “espero que seja um espaço que ecoe várias vozes, somos 47 povos já, aqui na Unicamp.”.
Por fim, Daiara Tukano, artista, ativista, educadora e comunicadora indígena, fala em defesa de se fazer da universidade um “saber com sabedoria”. Faz referência ao artista Makuxi Jaider Esbell, sobre a noção de Pussanga (feitiço).
A Pussanga seria uma estratégia indígena em defesa de uma justiça histórica e epistêmica. Nesse sentido, defende a perspectiva na qual a universidade possa ser também uma roça.
Durante sua fala, faz circular um abaixo assinado para a criação de uma disciplina sobre o Ensino das Histórias e das Culturas Indígenas e Afrobrasileiras.
Crítica a universidade que se constitui como um grande labirinto eurocêntrico do pensamento branco, e nos fala que a Unicamp é a universidade que mais acolhe os estudantes Tukanos. Faz referência à presença das missões Salesianas em território Tukano. Daiara relata como tal presença impactou fortemente a cultura desse povo, pois foram proibidos de falar a própria língua. Fala que, para construir uma Maloca, existe um processo espiritual para pedir que a casa possa brotar ali.
Aborda o conceito de Cosmovisão (uma das palavras que aprendeu com os brancos) e questiona: “como a universidade está ensinando os jovens a verem o mundo? Apenas naturalizando a exploração, consumo e adoecimento?” Constata como a sociedade naturalizou esses processos e está adoecida, com depressão, consumindo veneno, destruindo as florestas. Esse é o resultado de um modelo de vida instaurado.
Fala sobre seu povo Ye'pamahsã (Tukano), dizendo que o conceito de transformação está no centro do seu pensamento: “o pensamento só existe quando está em transformação”, e fala em defesa de uma transformação na universidade: “que a universidade possa se transformar nessa roça e nesse terreiro.”
Fazendo referência à fala de Ailton Krenak, a Casa dos Saberes Ancestrais em breve irá pousar. Como dito anteriormente, está previsto para este ano, 2023, a construção de uma casa tradicional do povo Kiriri do Acré. A professora Alik Wunder, uma das responsáveis por intermediar o contato com os Kiriri, nos conta um pouco como ocorreu essa parceria
O trabalho agora - que está envolvendo a construção, que é essa construção que deve começar agora em julho, tem a ver com outras relações que eu fui estabelecendo com os Kiriri nos últimos cinco, seis anos, quando os Kiriri migraram da Bahia para o sul de Minas, e a gente também começa a criar uma rede de apoio a eles na cidade de Caldas, Minas Gerais, onde eles estão hoje estabelecidos, inclusive já com terra demarcada. E aí, esse é um outro movimento que eu acabei estabelecendo também com projetos de extensão. (...) Eles [indígenas Kiriri] estiveram aqui [na Unicamp], apresentando um toré no ENEI - Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas No ENEI, a gente então apresentou os Kiriri para a Diretoria de Cultura, para a Carol Cantarino, as pessoas que estavam envolvidas nesse projeto, e começou esse sonho com os Kiriri de construção.
Infelizmente, não é fácil a gente sabe, todos os processos e orçamentários da universidade, enfim, as autorizações, tudo que envolve construção é bastante complexo, mas a gente conseguiu criar uma linha, que o que eles vão fazer é realmente uma intervenção artística, uma residência artística com uma obra, não é uma obra arquitetônica dentro das lógicas todas da universidade, que envolve licitação, enfim. E aí a diretoria conseguiu produzir, levantar um recurso dentro da lógica e não é uma mentira, na verdade, efetivamente é isso, é uma residência artística, é uma criação artística. (Alik Wunder, em entrevista ao autor deste texto)
Que esse seja apenas o início de uma mudança necessária do currículo e da formação universitária, de modo a ampliarmos os horizontes de saberes e experiências. Como diz Ailton Krenak, no texto Casa como um corpo vivo, também publicado no Ebook Casa dos Saberes AncestraisDiálogo com Sabedorias Indígenas:
“A Casa dos Saberes convoca essa vontade de estabelecer um tipo de contato entre visões de mundo que não seja excludente, que tenha disposição de fazer o longe estar perto, de reconhecer o outro como uma necessidade inerente à nossa própria localização no mundo” (p. 146)
Jeremias é estudante indígena, natural do Maranhão, do povo Akroá-Gamella. Ingressou na Unicamp em 2020 no curso de Arquitetura. Atualmente faz parte do projeto da Casa dos Saberes Ancestrais como bolsista.
Eu me chamo Paulo Jeremias, mas venho sendo reconhecido mais como Jeremias, assim incorporei o nome do meu povo a esse nome o meu sobrenome, e me reconheço agora como uma pessoa que se chama Jeremias Akroá-Gamella! enho lá do oeste do Maranhão, numa região que é conhecida como Baixada Maranhense, e nessa época do ano costuma ficar inundada, desse modo formando-se lagoas. Sair da minha comunidade em 2018, quando fui fazer a faculdade de engenharia química na Federal do Maranhão. Cursei dois anos de engenharia química e dentro desse percurso todo, eu descobri que eu não queria mais fazer aquilo. Portanto,
depois disso busquei aquilo que o meu coração estava pedindo, né?, foi na época que conheci o vestibular indigena da unicamp através de uma amiga. Me inscrevi no vestibular e passei, e em 2020 me desloquei para Campinas. Logo que entrei na faculdade veio a época de pandemia, praticamente fiquei uma semana na Unicamp e voltei para minha cidade novamente, fiquei mais ou menos um ano e meio de ensino remoto (EAD).
Cheguei aqui em 2021 comecei a me envolver mais com o coletivo, daí em diante entrei na organização. No ano seguinte, a gente já estava na organização de acolhimento dos estudantes indígenas.Nessa época a gente tinha um outro cenário, era uma rede de apoio, que era formada por estudantes indígenas e não indígenas. E dentro desse período de 2020 até 2022, até o final do ano passado, a rede dos estudantes indígenas funcionava de modo informal, sem apoio da universidade, com apoio principalmente dos professores. E esse ano a gente chega com outro cenário: estavam acontecendo muitas coisas dentro do coletivo, principalmente relacionadas à nossa própria saúde. E com a morte de duas pessoas indígenas, a gente acabou tendo que, de certa forma, forçar a Unicamp a tentar nos ouvir e tentar buscar maneiras de encontrar soluções para as coisas que a gente tem passado. A partir desse ano, a própria Unicamp se responsabilizou por estar à frente da recepção dos estudantes indígenas. Com isso a gente conseguiu também a ajuda da própria universidade para que ela comprasse passagem para os estudantes que não tinham condições. Porque até então, em 2020, até antes dessa edição agora, eram os próprios estudantes indígenas que arrecadavam, faziam vaquinhas e levantamento para poder comprar passagem. Com relação à Casa dos Saberes Ancestrais, acredito que ela vem muito de todos esses contextos anteriores que a gente passou, os estudantes indígenas chegam na Unicamp, percebendo que a Unicamp de certa forma, não tem muito a oferecer. Apesar de ela estar pelo menos os estudantes que não tinham condições. Porque até então, em 2020, até antes dessa edição agora, eram os próprios estudantes indígenas que arrecadavam, faziam vaquinhas e levantamento para poder comprar passagem. Com relação à Casa dos Saberes Ancestrais, acredito que ela vem muito de todos esses contextos anteriores que a gente passou, os estudantes indígenas chegam na Unicamp, percebendo que a Unicamp de certa forma, não tem muito a oferecer. Apesar de ela estar pelo menos uns dois, três passos à frente de muitas outras universidades com relação à implementação de vestibulares indígenas. Sabemos que a Unicamp tem uma política de permanência melhor que muitas universidades.
A gente percebe principalmente com relação às nossas vivências e do contexto que a gente vem, precisa melhorar muito nesse sentido, sabe?
As políticas específicas para a gente. Desse modo a Casa dos Saberes Ancestrais vem justamente para isso! A gente percebeu que a Unicamp tinha que se associar também a essas questões. Principalmente a questão da saúde mental, ela está muito ligada a essa questão cultural e de vivência que a gente tem dentro da moradia. Temos alguns espaços aqui, mas de certa forma foi a gente que se apropriou desses espaços. “Quando chegamos aqui, de vez em quando queríamos fazer uma fogueira, e se reunir para podermos trocar ideias e saber como o outro estava, especialmente nessa época de frio”. Porém a coordenação da moradia contrariava e falava que não poderíamos fazer fogueira, pois não tínhamos permissão para isso!. E assim percebendo que a partir disso a gente não poderia viver dentro de uma gaiola e de certa forma cortar nossas asas e dizer, tá. Vocês vem de um contexto específico que é de vocês, mas aqui vocês estão em outro lugar e nesse lugar vocês não podem fazer as coisas que vocês faziam antes, compreende?
E esse foi o primeiro passo para a gente também levar isso para a reitoria e dizer que não, a gente não pode aceitar isso!. Dentro dessa conversa surgem cinco GTS , esses GTS são o GT cultura e esporte, GT de permanência, GT de saúde, fora mais duas que eu não me recordo. Eu faço parte do grupo GT de Cultura e Esporte, e a partir disso me incorporei ao projeto da Casa dos Saberes Ancestrais. Percebemos que essa construção não pode se dar a passos lentos, pois para realizar uma construção dentro da Unicamp é um processo muito burocrático e pode levar vários anos para que essa ideia saia do papel. E uma das soluções encontradas foi justamente essa: fazer um projeto que esteja relacionado a uma residência artística. Desse ponto ele surge justamente por essa emergência que a gente está tendo, para termos um espaço dentro da Unicamp que a gente possa chamar de nosso. Uma das propostas que levei para dentro da discussão que a gente estava tendo, era um projeto que, de certa forma, abarcasse todas as etnias que a gente tem, por exemplo, dentro da Unicamp tem 47 etnias..
A Casa dos Saberes Ancestrais, ela está ligada a questões culturais, os estudantes indígenas que são aldeados entendem que a cultura é algo que é vivenciado, sabe? Vivências físicas mesmo desses próprios estudantes. E outra, talvez aos finais de semana, a gente quisesse ter esse espaço mais próximo da gente, principalmente dos estudantes que estão aqui na moradia. Cerca de 90% dos estudantes que estão aqui na moradia são indígenas. E no final de semana a gente talvez não teria esse espaço aberto para a gente, porque a Unicamp também tem essas
questões de controle de acesso. Por este motivo queríamos um espaço em que, aos finais de semana, a gente se reunisse dentro dessa construção, mas sinto que também é muito distante daqui, de onde estão os estudantes.
Mas acredito que realmente esse é um primeiro passo pra gente se pensar também em outras situações, em outras questões. Principalmente aqui na moradia, que a gente sabe que precisa realmente de um espaço, praticamente de certa forma a maioria dos moradores são indígenas. Talvez, não tenho certeza, eu acredito muito que os estudantes indígenas vão se apropriar desse espaço, também precisamos de um espaço que seja fechado para que a gente guarde as nossas coisas, por exemplo.Visitamos a comunidade, e falamos com as pessoas que vão fazer essa construção, levamos também um pouco das questões que a gente queria e as que não queria, levando em consideração que não é um projeto que passa por todas aquelas vias burocráticas, levando em consideração que é um projeto que não pode ter parede. E vai ser um projeto que não vai ter um piso de concreto, vai ser um piso batido de terra, um projeto que tenha uma planta circular, terá mais ou menos uns 10 de raio, vai ser grande nesse sentido. Temos em mente construí-lo do lado da Casa do Lago, perto da Faculdade de Geociências. É uma construção que é simples nesse sentido material, mas que tem todo um processo histórico que está envolvido com a cultura dos Kiriri. A gente tem pensado, de certa forma, como que a gente abarca essas 47 etnias que a gente tem presente na Unicamp. Daí a gente tem a metade de tipo, tá, esse pilar central pode ser grafismo, também podemos acrescentar os grafismos que estão presentes dentro da Unicamp. Podendo levantar meia parede de um metro e meio e de certa forma colocar algumas cestarias de palha e dentro disso a gente poderia fazer algumas pinturas. Tamos pensando ainda de como que a gente vai conceber isso colocar alguns troncos que estejam o nome das etnias que estão presentes dentro da Unicamp, a gente tava pensando de como que a gente também faz desse espaço, um espaço que tem as memórias dos que já não estão mais presentes neste plano aqui.
Portanto, pensamos em chamar os estudantes indígenas a participarem do processo da construção, apesar de eles não serem contratados para isso. Estamos pensando em fazer algo no audiovisual também, tudo de um pouco. Se estudantes indígenas quiserem ir lá e fazer parte disso, por exemplo, quando forem fazer o piso, quando forem fazer o levantamento dos pilares, enfim a gente está pensando em algo nesse sentido: de que os estudantes indígenas estejam presentes dentro dessa construção quando for se concretizar mesmo.
Texto: Vitor Miranda Ciochetti
Ilustrações: Beatriz LuMO
Entrevistamos o professor Wilson Queiroz, que leciona matemática há 13 anos na EMEF/EJA Oziel Alves Pereira, localizada no bairro do Parque Oziel, em Campinas - SP. A escola é conhecida pelo trabalho com a educação para as relações étnico-racias e a educação antirracista, e Wilson tem papel crucial nesses projetos.
“Eu localizo o Oziel, do lugar que eu vejo, como uma das maiores ocupações da América Latina, isso pensando do ponto de vista das estatísticas. Ela completou 25 anos esse ano, a ocupação. Ela vem de uma ampliação de conquista de direitos à cidadania, iniciada com a organização do Movimento dos Sem Terra (MST), a partir da morte de um adolescente (de) Eldorado dos Carajás, que tinha o nome de Oziel.
Ele era, dentre outras coisas, militante do Movimento dos Sem Terra, mas sobretudo um adolescente que tinha consciência dos direitos que a ele competiam, do ponto de vista do direito à cidadania, terra, da luta por melhores condições de vida, no confronto com o Estado que não os reconhece, não lhes garante direito e, sobretudo, lhes tiram a vida com instrumentos e instituições que deveriam garantir o melhor possível do ponto de vista da vivência. Então acontecendo esse crime - foram mortos cerca de 10 a 20 trabalhadores sem terra -, e nesse movimento, Eldorado dos Carajás e Campinas coincidiu, ou as coisas se interligam de maneira tal que foi feita a ocupação de um lote, de um terreno (...)”
Na escola desde 2010 a qual, inicialmente, o professor frequentou para complementar sua carga horária, Wilson se deparou com seus alunos sendo vítimas de racismo, e assim nasceram projetos de enfrentamento:
“Quando foi 2012, um aluno me procurou, um aluno da FUMEC (Fundação Municipal para Educação Comunitária), e denunciou que o patrão dele fala para ele que ele não precisa estudar, e que no caderno dele deve estar escrito aqueles estereótipos como: ‘macaco, banana, estepe, asfalto’. Filosofando um pouco sobre isso, um aluno chega pra mim e fala assim “O que eu faço professor?”. E aí você sabe, honestamente ele já tinha estabelecido uma confiança comigo de dizer assim ‘eu vou conversar com aquele professor, que ele vai me orientar de maneira adequada”. Então quando o aluno me procurou, eu encaminhei ele pra Seppir, que é um órgão aqui de Campinas que é a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, e falei pra ele os telefones, no ponto de vista do advogado, da denúncia, da queixa, são esses”. Mas eu não me satisfazia, e não achei naquele momento que isso era suficiente. E num desses processos de dizer o que estava acontecendo com ele, ele me trouxe o boletim de ocorrência, após orientação, que ele tinha ido na delegacia denunciar e ele trouxe o boletim pra mim. Aí eu peguei uma cópia e vi que estava um pouco exagerado, mas pelo menos uns 4 meses com esse boletim de ocorrência: março, abril, maio, junho e julho, o primeiro Informa áfrica ativo tava pronto. (...)
“Também ele põe pra circular outras ideias que não são só as que foram negativadas, assim eu acho que as narrativas entram nesse campo porque até onde eu estudei, pela compreensão, a filosofia nasce da oralidade, e durante muito tempo parecia que, mas só os negros eram orais, e aí quando você pega o grande nome da filosofia dita europeia, a gente sabe que a pessoa não escrevia, ele tinha os escribas, ele tinha as pessoas que escreviam pra ele. Então assim, tem muita coisa na escola que ao escrever a gente percebe o quanto elas são filosóficas, o quanto transcendentes elas são, e quando libertadoras, o quanto emancipadoras são.”
Outro projeto desenvolvido por Wilson e a equipe da escola, é a elaboração de bonecas Abayomis
“A abayomi fala por si e movimenta coisas”
“A escola que não tiver TNT, EVA e glitter, pode fechar”
Wilsonnoscontoualgumasexperiênciassobreapinturadecorpos retintos:
"Vocêentregaumdesenhopracriançanegracolorir,paracriança brancacolorir,équaseque imposição,assim,umaauto-consciência dequeoolhopodeserazul,dequeoolhotemdeserverde.Aívocê temdedizer:
‘Não’
‘Professoreupossopintardeclarinho?’
‘Não.Vocênãopodepintardeclarinhoporqueeuqueroversevocê temhabilidadeparapintarretinto.Euqueroquevocêmostrepramim quepelomenosnacoordenaçãomotora,vocêjádiferenciauma pinturaretintaeum
borrão feito de marrom.’
E aí você vai desconstruindo. ‘Ah eu quero fazer um cabelo crespo’.
Por quê? É mais fácil didaticamente do jeito que está, a gente não tenciona nada disso, e achar que ele tá fazendo aquele cabelo liso só porque ele acha. Não, não é só o que ele acha, é o que ele tem de referência, que foi colocado historicamente num currículo para que ele respeitasse e valorizasse.”
“Um povo que inventou o samba, você não pode transformar, na escola, num povo enfadonho. Que transformou o pelourinho no pelourinho (risos). E a gente, dentro desse processo, apesar das agruras, a gente celebra a vida, diariamente, cotidianamente. Com todos os motivos pra chorar e a gente insiste em rir. Tem hora que a gente chora também, porque a gente não é de ferro, mas a insistência na vida, na felicidade, no modo de ser diferente, mas respeitado, ele vai ficando evidente na escola. E aí o projeto se compromete, se comprometeu e há de se comprometer durante muito tempo (...)”
“cabelo vem de dentro e por isso não se esqueça por mais que você o alise a consciência é crespa”
“Nunca estive só Nunca estive só Nunca estive só”.
Conheça: CONEPPA - Coletivo Negro com Práticas Pedagógicas em Africanidades (Unicamp)
“(...) a gente vai correndo atrás de coisas que dá pra fazer e que a gente se veja minimamente representado, de forma humanizada (...) naquele coletivo pode tudo.”
https://www.facebook.com/coneppa.coletivonegroafricanidades/
Os Informafricativos estão disponíveis no site da Faculdade de Educação da Unicamp: https://www.fe.unicamp.br/a-fe/biblioteca/recursos-line/boletiminformafricativo
Assista a entrevista completa em: https://drive.google.com/file/d/1rfr7UWzb8CUESfxWiwiyYn1ZMf4W Uf9Z/view?usp=sharing
Texto: Rafael Rodrigues
As palavras “união” e “confraternização” são a filosofia que faz manter viva uma tradição muito importante do bairro de São Bernardo em Campinas, o "Samba na Feira". Há cinco anos, Renato e Carlão produzem a roda de samba que acontece um domingo por mês na esquina com a feira do bairro, das 10h da manhã às 14h da tarde, atraindo pessoas de Campinas e região, e também de outros estados, o que demonstra o tamanho e a força que a roda de samba evoca.
"Um dia a gente parou o samba e pediu pro vocalista perguntar, tem gente de piracicaba ai? (Sim) Indaiatuba? (Sim) Jaguariúna? (Sim) Minas Gerais? (Sim) Do Lins? (Sim)". (Renato, 43 anos, um dos idealizadores do Samba na Feira).
Muito conhecido por apresentar um ambiente familiar, caloroso e democrático, lá no Samba na Feira dá pra comer pastel com caldo de cana e vivenciar uma celebração popular e de resistência em um espaço cheio de alegria. E isso tudo em domingos sempre ensolarados (nunca, em cinco anos, choveu). Outra característica importante que faz o Samba na Feira ser super emblemático, é o fato da colaboração de 1 quilo de alimento por visitante ser o medidor de
tempo em que vai ser tocado o pagode, ou seja, a duração vai estar sempre ligada ao tamanho da montanha de alimentos localizada na mesa no interior da roda. Caso não tenham alimentos equivalentes à quantidade de pessoas, o samba simplesmente PARA.
O projeto nasceu quando os amigos, que sempre seguiam o hábito do bairro de comer um pastel na feira de domingo, decidiram começar a reviver o costume de se encontrar para tocar na feira, entre amigos. A proporção desses encontros foi aumentando, a ideia de arrecadar roupas para a Campanha do Agasalho surgiu, depois a de arrecadar alimentos, e a estrutura só cresceu, até chegar no Samba na Feira que hoje lota a Rua Ceará mensalmente, nos domingos de manhã.
Os sambas atendem a um vasto público, de crianças a idosos. Contando com músicos que integram grupos diversos e também com pessoas que tocam só nos eventos mensais; sem ensaios, o grupo se conecta pelo olhar, sentindo o público e tocando de forma eclética. Também acontece o convite, no meio da roda, para que visitantes e conhecidos que saibam tocar algum instrumento, integrem o grupo e participem dessa energia.
O coletivo é composto por pelo menos 25 pessoas voluntárias, todos homens, que tocam pagode e samba. Eles são amigos e fazem tudo acontecer com o propósito de compartilhar. Para isso, eles se encontram em reuniões semanais, a fim de organizar e manter a qualidade do que propõem. Isso tudo, sem fins lucrativos. A maior parte das coisas estruturais do evento, como a tenda para delimitar o espaço dos músicos, os instrumentos musicais e o banheiro químico, por exemplo, são angariados a partir deles mesmos, muitas vezes do próprio bolso.
Para conhecer sobre os fundadores do projeto, perguntamos sobre quem são e quais as suas histórias no São Bernardo: Renato tem 43 anos, nascido e criado no bairro do São Bernardo, é um dos idealizadores do Samba na Feira. É empresário, economista e sambista. Seus pais são falecidos. A mãe de Renato faleceu faz dois
anos. Trabalhou como secretária na Unicamp, e depois de se aposentar, construiu no auge de seus 60 anos uma carreira linda no samba. Ela tinha o sonho de cantar e se tornou a dama do samba em Campinas. Aureluce Santos foi a única mulher a cantar na roda de samba de São Bernardo. Ela era, principalmente, a madrinha do Samba na Feira. Dona de uma voz absolutamente poderosa, com um timbre muito único, Aureluce foi referência não só para Renato, seu filho, mas para toda a comunidade de sambistas, principalmente no São Bernardo.
Carlão, nascido e criado no bairro do São Bernardo, é um dos idealizadores do Samba na Feira. Trabalha como segurança e dá aulas de jiu-jitsu. Teve sua escola de samba no bairro, Acadêmicos de Madureira, e frequentava a antiga Avenida do Samba, que tinha sambas semanais e gerou grupos como o Partido Alto e o Serrinha. Vive o samba desde criança.
E com eles dois, são formados os pilares que mantém o Samba na Feira na resistência do samba enquanto educação, como a marca do São Bernardo:
“Esse é o projeto. Projeto que a gente fez acontecer, a gente tem um carinho muito grande. Esperamos dar continuidade. Dependemos de mais apoio, da prefeitura, reconhecimento da Secretaria da Cultura. (...) Enquanto a gente estiver na frente do projeto, e manter a filosofia do Samba na Feira, o projeto só tende a crescer”
Nossa primeira visita no Samba na Feira, o qual acontece mensalmente no São Bernardo, foi marcada pelo cancelamento do evento por motivo de luto: um morador do bairro, Leandro Rodrigues (Boi), havia falecido. Notamos a movimentação do projeto em não fazer o samba naquele mês, retornando somente em maio. Quando cobrimos o evento, o samba foi iniciado com 1 minuto de silêncio, em homenagem ao Boi. Percebemos através desses gestos, o quão comprometido o projeto está com a comunidade do São
Bernardo, o quão esse coletivo se enraíza e gera conexões de vida no dia a dia da comunidade. Para além disso, percebemos o quão importante é o samba na vida social das pessoas ali presentes, um momento de encontros, de celebração da cultura popular preta, de auto-estima (sempre há, por exemplo, trancistas no local; as pessoas se arrumam para estar ali).
Por fim, vale a pena vivenciar a energia do Samba na Feira, comer um pastel e apreciar uma tarde em prol da solidariedade: “Tudo que a gente tá fazendo aqui é pra ajudar o próximo e fazer o bem”
Sigam as redes sociais do Samba na Feira: Instagram: @snf_oficial (https://www.instagram.com/snf_oficial/) Facebook:@SNFcampinas (https://web.facebook.com/SNFcampinas)
Texto: Gabriela Bandeira, Rafael Rodrigues Fotos: Manuela Camargo Pereira Lima
O Morro do Querosene é um dos bairros de São Paulo com grande quantidade de nordestinos fora de sua região, e é na praça do alto do morro onde a tradição da festa do Boi iniciou-se, em 1990, com o grupo Cupuaçu e o mestre Tião de Carvalho. A festa permite às pessoas, em sua maioria maranhenses, reviver sua cultura e permanecer dentro dela.
O colorido das vestimentas dos brincantes se potencializa com a aquarela do céu quando chega o fim da tarde, e os pandeiros começam a ser afinados com o calor da fogueira Os músicos começam a ensaiar com o apito e o maracá, essenciais para a condução das canções e a entrada dos pandeiros e matracas. O mestre inicia com as músicas de guarnecer, para chamar e reunir os brincantes.
A festa começa com o Boi-mirim que,apesar de ser um boi menor, não perde sua grandiosidade e seus adornos. O boi é todo trabalhado no bordado com símbolos que remetem à festa com o desenho de São João, assim como a bandeira do Maranhão e a bandeira de São Paulo, simbolizando a união de culturas. Além disso, é o grande momento das crianças participarem.
Algumas estão vestidas de vaqueiras com chapéus de fitas coloridas e outras de indígenas, com alusão à participação indígena na história do boi. É lindo ver essa diversidade associada a outras crianças compondo a festa, tocando matracas e pandeiros desde pequenas, se percebe a internalização da cultura nordestina desde cedo.
Enquanto não chegava o Boi Bumbá, a praça era preenchida com comidas típicas e artesanatos. A comunidade se une para vender os alimentos, a fim de arrecadar recursos para o bairro e para o grupo Cupuaçu, enfatizando a todo momento ao público o respeito com o espaço e a preservação deste. Além disso, foi formada uma roda de capoeira Angola com uma receptividade incrível a todas as idades e gêneros. Inicialmente, as crianças entravam na roda e, quem não sabia capoeira, era ajudado por elas mesmas, demonstrando a receptividade dessa cultura popular. Em seguida, vieram os mais velhos e mestres, que jogaram capoeira com muito respeito um com o outro.
E, lógico que na “Jamaica Brasileira” - o Maranhão - não poderia faltar o reggae.
As radiolas enormes típicas dos maranhenses não estavam presentes, mas a energia era instaurada com muita dança e diversão.
Mais tarde, chegou a tão esperada atração principal - o Bumba-meu-boi. Esse já era maior e inclemente, em que os adornos brilhavam com a iluminação do local encantando qualquer um. Para fazer a tradição acontecer, o boi vinha acompanhado das indígenas, dos amos, do caboclo de pena e, principalmente, de Mãe Catirina e Pai Francisco, contando a história do boi. Nesse dia, comemorava-se a ressurreição do boi.
A mando de Catirina, Pai Francisco foi procurar a língua do animal, para ela comer. Entretanto, não era um boi qualquer, mas sim um com o couro preto e brilhoso, com o qual ela havia sonhado. Então, o Pai Francisco encontra o bovino em uma fazenda, onde acontece a festa de São João, e tenta negociar com o proprietário, mas sua oferta é negada. Com isso, Chico resolve roubar o boi e dar mesmo assim a língua para Catirina. Contudo, Francisco é capturado e obrigado
a confessar onde está o boi.
Após muitas tentativas, ele cede e o dono da fazenda encontra seu boi falecendo e pede socorro às entidades espirituais, que conseguem fazer o boi reviver.
Desse modo, essa bela história é encenada em partes no Morro do Querosene. As representações dos personagens estão devidamente caracterizadas e alguns participam encenando e outros, realizando passos típicos das indígenas, amo e vaqueiro. Os instrumentos - pandeiros, matracas, onça, maracá - complementam a festa e ficam mais ao fundo, para abrir espaço para as danças. O público participava ativamente da festa, dançando e cantando, o que era lindo de ver. A comunidade fazia questão de que as pessoas se divertissem. Desse modo, instaurava-se uma atmosfera festiva em que todos eram brincantes e faziam parte da tradição, uma das essências da cultura popular.
texto: Rachel Marques ilustração: Maryane Comparoni
e v e l i n e p j l d j c l a n d e s t i n a
II vozes nesgras na filosofia
e v e l i n e p j l d j c l a n d e s t i n a
j o n g o d i t o R i b e i r o
2 1 ° A r r a i á a f r o j u l i n o
d a c o m u n i d a d e j o n g o d i t o r i b e i r o b a q u e m u l h e r
e m c a s o d e d o r ,
Aconteceu neste ano, em um fim de semana de abril, nos dias 21, 22 e 23, um dos eventos de dança mais consagrados do Brasil: o Encontro House. Para todos os amantes do movimento House, o evento foi cheio de experiências inesquecíveis, com aulas de professores nacionais e internacionais, batalhas de dança com premiações, festas embrasadas por Djs de muito nome dentro do House Music e showcases de grupos de dança que fomentam o house vindos do Brasil todo até Campinas.
Para contextualizar, o movimento House surgiu no final da década de 70, nos clubs de Chicago, com influência da disco music, baseada na música eletrônica e afrodiaspórica. A dança House emergiu nestes clubs, em festas ocupadas principalmente por pessoas pretas e LGBTQIA a fim de estar em um lugar onde pudessem vestir a roupa que quisessem usar, ser quem quisessem ser, livres de preconceitos e racismo. O club era, principalmente, um lugar pra se sentir EM CASA. Com o tempo, o movimento house foi ganhando força e pessoas com existências diversas se incorporaram dentro dessa cultura, o
c
que deu vazão para a demanda de batalhas e aulas de house pelo mundo. Isso tudo quem nos conta é um dos precursores dessa dança no Brasil, o Clévio de Souza, mais conhecido como Nene.
O Nene foi quem criou o Encontro House, agindo muito pela vontade de ter um espaço para vivenciar a cultura. "Dançar house, ouvir house, respirar house" (Nene). As primeiras edições foram em 2015. Edições pequenas, dentro de uma sala de academia de dança, com 10 a 15 pessoas inscritas. Já na terceira edição, o encontro house começou a expandir seus horizontes e se instalou no Clube Bonfim, em Campinas. A partir dessa evolução e com ajuda de amantes do movimento, o Encontro House 2023 foi gigante e contou com a presença de cerca de 300 pessoas.
Uma das coisas brilhantes da edição de 2023 foi a singularidade dos professores. Apesar de todos terem a dança house como ponto de partida, cada professor trouxe sua referência e mistura para que a troca fosse ainda mais rica. Entre os professores estavam dois grandes nomes do movimento:
o Yugson e o Kapela, vindos diretamente da França. Além deles, outros fomentadores da dança que deram aula foram: Simone Vieira, de BarbacenaMG, que misturou danças populares brasileiras com house; Ariela Leiva, da Argentina, que incorporou a salsa em sua dança; Hugo Campos, de Recife, que trouxe bastante referência do coco de roda; Vivian Shimizu, de Florianópolis, que tem um estudo encruzilhado entre o house e o sapateado; entre outros. As aulas fornecidas foram para iniciantes e também para quem dança a mais tempo. Junto das aulas, as festas foram muito importantes para unir ainda mais a comunidade dos houseiros e lembrar que esse movimento é nascido das festas para a comunhão de pessoas. E assim foram as duas festas, com os Djs Kapela e Mari Rossi, tocando house music de muita qualidade. E outro lugar extremamente importante para entender a comunhão do house é a batalha. Essas foram enormes! Verdadeiros shows daqueles que brincam o house. Tiveram batalhas em dupla iniciante e batalhas avançadas, um versus um. e m c a s o d e d o r ,
A batalha final foi também o final do evento, os dois últimos competidores, Jo Tavares e Marcelo Costa, mostraram ancestralidade e força através do house. Eles celebraram suas existências. E no fim, a palavra que mais surgiu das pessoas quando perguntadas sobre o que é House, foi essa mesmo: CELEBRAÇÃO.
O encontro house é da cidade de Campinas e acontece todo ano no clube Bonfim. Mas, também faz pontes em outros estados do Brasil.
Texto: Gabriela Bandeira Pereira Fotografia: Manuela Camargo Pereira Lima
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Sons de África e da diáspora
atlântica: história, musicologia e interfaces
Álbum Biográfico das Guerreiras da Ancestralidade: biografia de 75 Indígenas
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