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SEMINÁRIO DE EXTENSÃO E CULTURA: CASAS DOS SABERES ANCESTRAIS
from Revista Capoeirando no. 3 (Ago/23)
by Revista Capoeirando - um tributo à cultura popular; UNICAMP
Cabe lembrar da realização do Seminário Casas dos Saberes Ancestrais, no dia 12 de maio de 2023, no Teatro de Arena da Unicamp, com a participação de Malu Arruda, Naldo Tukano, Adriano Matos, Marcela
Pankararu e Daiara Tukano, além da presença institucional de Cacá Machado, diretor da Diretoria de Cultura, de Fernando Coelho, Pró-reitor da Pró-reitoria de Extensão e Cultura, e da Carolina Cantarino Rodrigues, Diretora Adjunta da DCULT e mediadora do debate. Privilegiando as falas dos estudantes e lideranças indígenas, apresentamos abaixo um breve relato do evento.
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Naldo Tukano, estudante de Linguística e membro do Coletivo de Estudantes Indígenas da Unicamp, iniciou sua fala saudando a todos em sua língua. Naldo foi convidado para participar do projeto da Casa dos Saberes por Wenceslao, sendo bolsista da DCULT em 2019. Naldo lança importantes problematizações, de modo que o projeto seja pensado de um ponto de vista crítico. Primeiro, faz crítica ao nome inicial atribuído ao projeto, “Oca”, dizendo que “para mim, nada representa, somos mais de 40 povos indígenas que estão na Unicamp, como vamos construir algo como uma Casa dos Saberes Ancestrais? Qual arquitetura? Qual lugar essa Casa irá ocupar dentro da universidade? Por que construir isso dentro da universidade? Por que não distante? Nossos corpos estão em todos os institutos, não queremos estar isolados em um lugar designado para nós.”. Nessa linha, Naldo faz uma crítica ao lugar que a universidade oferece para os povos indígenas, um espaço ainda muito reduzido e limitado, destacando que, para ele, a Casa dos Saberes Ancestrais
E continua: “um dia, quero ver um indígena pintado, pelado na Universidade, e isso não ser motivo de assunto ou de alguém tirar uma foto. Esse projeto tem que pensar sobre esses assuntos, com indígenas e não indígenas, até agora só estamos sendo “recebidos” nos espaços alheios a nós, “estudados” pelo pessoal da academia, quando isso vai mudar? Não é porque sou indígena que sou “especial”, a gente tem que mostrar que a gente é capaz de fazer igual, dentro ou fora da universidade”.
Na sequência, Marcela Pankararu, estudante de Ciências Sociais e representante do Coletivo das Acadêmicas da Unicamp, nos fala que a Casa dos Saberes seria fruto de um sonho e de uma construção coletiva. Relata história e memória do seu povo, Pankararu, na Caatinga. Ela cantou um canto de seu povo, do qual trago um breve trecho que pude recordar: “Eu estava na mata, colhendo mel, quem foi que chegou? Foi Pankararu, quem foi que chegou? Foi Pankararu.” Diz a importância da Casa no sentido de se preservar os rezos, preservar as ancestralidades e ser um espaço de acolhimento. E levanta um questionamento: onde estão os indígenas do sudeste? E completa: “espero que seja um espaço que ecoe várias vozes, somos 47 povos já, aqui na Unicamp.”.
Por fim, Daiara Tukano, artista, ativista, educadora e comunicadora indígena, fala em defesa de se fazer da universidade um “saber com sabedoria”. Faz referência ao artista Makuxi Jaider Esbell, sobre a noção de Pussanga (feitiço).
A Pussanga seria uma estratégia indígena em defesa de uma justiça histórica e epistêmica. Nesse sentido, defende a perspectiva na qual a universidade possa ser também uma roça.
Durante sua fala, faz circular um abaixo assinado para a criação de uma disciplina sobre o Ensino das Histórias e das Culturas Indígenas e Afrobrasileiras.
Crítica a universidade que se constitui como um grande labirinto eurocêntrico do pensamento branco, e nos fala que a Unicamp é a universidade que mais acolhe os estudantes Tukanos. Faz referência à presença das missões Salesianas em território Tukano. Daiara relata como tal presença impactou fortemente a cultura desse povo, pois foram proibidos de falar a própria língua. Fala que, para construir uma Maloca, existe um processo espiritual para pedir que a casa possa brotar ali.
Aborda o conceito de Cosmovisão (uma das palavras que aprendeu com os brancos) e questiona: “como a universidade está ensinando os jovens a verem o mundo? Apenas naturalizando a exploração, consumo e adoecimento?” Constata como a sociedade naturalizou esses processos e está adoecida, com depressão, consumindo veneno, destruindo as florestas. Esse é o resultado de um modelo de vida instaurado. Fala sobre seu povo Ye'pamahsã (Tukano), dizendo que o conceito de transformação está no centro do seu pensamento: “o pensamento só existe quando está em transformação”, e fala em defesa de uma transformação na universidade: “que a universidade possa se transformar nessa roça e nesse terreiro.”