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DA OCA PARA A CASA DOS SABERES ANCESTRAIS: CONSTRUINDO JUNTES

Um Sonho

Com a aprovação das Cotas Étnico-Raciais e do Vestibular Indígena, a primeira turma de estudantes indígenas entrou no ano de 2019. Nesse contexto, o projeto Oca foi apresentado, em 2018, como uma das possibilidades de apoio à permanência dos estudantes indígenas na Unicamp. A Pró-Reitoria de Graduação criou o GT de Inclusão Indígena, para a chegada e permanência dos estudantes indígenas na universidade, convidando membros do projeto Oca para compô-lo. Como relata Malu Arruda, esses estudantes que chegaram lançaram um olhar crítico ao projeto Oca:

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Nessa turma de 2019, veio muita gente madura, e que já chegou questionando a gente. O primeiro questionamento foi o nome: Oca. Porque Oca? não é uma coisa comum para todas as culturas indígenas.

(Malu Arruda, em entrevista ao autor do texto)

Também houve, e segue havendo, uma série de controvérsias que atravessam a ideia de uma construção tradicional indígena na universidade, justamente por se propor como um projeto intercultural que busque acolher uma diversidade de povos e culturas. Malu Arruda também destacou a complexidade da proposta e ressaltou o risco de se produzir um lugar excêntrico e folclorizado no espaço universitário que não reflita os anseios e interesses dos próprios indígenas. Nesse sentido, defendeu a necessidade de que os indígenas sejam parte ativa da construção desse espaço.

A partir desses questionamentos, o projeto foi sendo reelaborado, até se reconfigurar com o nome de Casas dos Saberes Ancestrais. A professora da Faculdade de Educação e também integrante do projeto, Alik Wunder, nos conta como surgiu a proposta do nome:

“Foi o Daniel Munduruku, que esteve aqui como professor visitante da Faculdade de Educação em 2018, e foi uma das pessoas com as quais a gente trabalhou e conversou. Ele falou: “acho que vocês podiam ampliar, porque um nome indígena, Guarani, Oca vem do Tupi Guarani, pois cada povo tem seu nome Talvez a palavra “Casa” em português acolha ” Aí que vem a Casa Saberes Ancestrais, que envolve os povos indígenas, mas também os povos quilombolas, e outras ancestralidades."

(Alik Wunder, em entrevista ao autor deste texto)

Duas ações importantes foram realizadas no segundo semestre de 2019, de modo a pensar e construir o projeto de forma coletiva e participativa: oferecimento de uma disciplina de difusão cultural e a realização de Ciclos de Conversas. Na disciplina, participaram como ministrantes a arquiteta da PROEC, Renata Marangoni, e os professores Evandro Monteiro e Rafael Urano, professores da Faculdade de Arquitetura. Como Renata relata no livro Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogo com Sabedorias Indígenas, conforme o curso avançou, a ideia de construir um único lugar para abarcar a pluralidade dos saberes indígenas transformou-se na ideia de construir diferentes espaços espalhados pelo campus, de modo a formar uma rede, tendo como base cinco elementos: Cosmologia, Fogo, Água, Terra e Ar. Nessa concepção, cada elemento teria uma função específicaPara o Ciclo de Conversas da Casa dos Saberes Ancestrais, foram convidados Ailton Krenak, Claudia Wanderley (do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - CLE), o professor Wilmar D’Angelis (do Instituto de Estudos da Linguagem - IEL) e Vika Martins, arquiteta de projetos colaborativos com indígenas. As falas desses Ciclos de conversas foram transcritas e publicadas no já citado Ebook Casa dos Saberes Ancestrais - Diálogos com sabedorias Indígenas.

Nesses encontros, a presença do líder indígena Ailton Krenak tornou-se marcante novamente. Realizada inicialmente no Centro de Convenções da Diretoria de Cultura, a conversa com Krenak se estendeu mais do que o previsto. Planejada para acabar às 17h30, com a forte presença de estudantes indígenas, instigados em ouvir e falar sobre o projeto, Ailton sugeriu de continuar a conversa no espaço de fora, no gramado do Centro, após o fim do tempo estipulado.

Tal conversa ainda durou mais duas horas, como relata Wenceslao Oliveira, professor da Faculdade de Educação e diretor da Diretoria de Cultura à época:

Essa era a fala que tinha que ter gravado. Ninguém pensou em gravar, porque estava todo mundo só encantado em ouvir o Ailton. Ele ficou ali até às sete e meia da noite, foram duas horas (no gramado]. Ali, a gente falando, os meninos falando com ele, basicamente os estudantes indígenas, falando com ele e discutindo efetivamente nossa questão. Afinal de contas, como é que a gente faz para solucionar esse problema? E tem um determinado momento que o Ailton fala Ele falou mil coisas, mas eu acho que a fala mais importante dele foi quando disse:

“vejam bem, de maneira alguma, nós podemos pensar uma Casa de Saberes Ancestrais Indígenas para a Unicamp a partir das etnias que já estão aqui Porque a gente tem que pensar que esse vestibular da Unicamp pode trazer para cá todas as etnias indígenas O que significa que, a única coisa que a gente não pode fazer, é partir do que já tem ” (Wenceslao Oliveira, em entrevista ao autor deste texto)

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