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DOSONHOÀCONSTRUÇÃODACASADOSSABERES

COMOSKIRIRIDOACRÉ

Fazendo referência à fala de Ailton Krenak, a Casa dos Saberes Ancestrais em breve irá pousar. Como dito anteriormente, está previsto para este ano, 2023, a construção de uma casa tradicional do povo Kiriri do Acré A professora Alik Wunder, uma das responsáveis por intermediar o contato com os Kiriri, nos conta um pouco como ocorreu essa parceria

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O trabalho agora - que está envolvendo a construção, que é essa construção que deve começar agora em julho, tem a ver com outras relações que eu fui estabelecendo com os Kiriri nos últimos cinco, seis anos, quando os Kiriri migraram da Bahia para o sul de Minas, e a gente também começa a criar uma rede de apoio a eles na cidade de Caldas, Minas Gerais, onde eles estão hoje estabelecidos, inclusive já com terra demarcada E aí, esse é um outro movimento que eu acabei estabelecendo também com projetos de extensão ( ) Eles [indígenas Kiriri] estiveram aqui [na Unicamp], apresentando um toré no ENEI - Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas. No ENEI, a gente então apresentou os Kiriri para a Diretoria de Cultura, para a Carol Cantarino, as pessoas que estavam envolvidas nesse projeto, e começou esse sonho com os Kiriri de construção

Infelizmente, não é fácil a gente sabe, todos os processos e orçamentários da universidade, enfim, as autorizações, tudo que envolve construção é bastante complexo, mas a gente conseguiu criar uma linha, que o que eles vão fazer é realmente uma intervenção artística, uma residência artística com uma obra, não é uma obra arquitetônica dentro das lógicas todas da universidade, que envolve licitação, enfim. E aí a diretoria conseguiu produzir, levantar um recurso dentro da lógica e não é uma mentira, na verdade, efetivamente é isso, é uma residência artística, é uma criação artística. (Alik Wunder, em entrevista ao autor deste texto)

Que esse seja apenas o início de uma mudança necessária do currículo e da formação universitária, de modo a ampliarmos os horizontes de saberes e experiências. Como diz Ailton Krenak, no texto Casa como um corpo vivo, também publicado no Ebook Casa dos Saberes AncestraisDiálogo com Sabedorias Indígenas:

“A Casa dos Saberes convoca essa vontade de estabelecer um tipo de contato entre visões de mundo que não seja excludente, que tenha disposição de fazer o longe estar perto, de reconhecer o outro como uma necessidade inerente à nossa própria localização no mundo” (p. 146)

Jeremias é estudante indígena, natural do Maranhão, do povo Akroá-Gamella. Ingressou na Unicamp em 2020 no curso de Arquitetura. Atualmente faz parte do projeto da Casa dos Saberes Ancestrais como bolsista.

Eu me chamo Paulo Jeremias, mas venho sendo reconhecido mais como Jeremias, assim incorporei o nome do meu povo a esse nome o meu sobrenome, e me reconheço agora como uma pessoa que se chama Jeremias Akroá-Gamella! enho lá do oeste do Maranhão, numa região que é conhecida como Baixada Maranhense, e nessa época do ano costuma ficar inundada, desse modo formando-se lagoas. Sair da minha comunidade em 2018, quando fui fazer a faculdade de engenharia química na Federal do Maranhão. Cursei dois anos de engenharia química e dentro desse percurso todo, eu descobri que eu não queria mais fazer aquilo. Portanto, depois disso busquei aquilo que o meu coração estava pedindo, né?, foi na época que conheci o vestibular indigena da unicamp através de uma amiga. Me inscrevi no vestibular e passei, e em 2020 me desloquei para Campinas. Logo que entrei na faculdade veio a época de pandemia, praticamente fiquei uma semana na Unicamp e voltei para minha cidade novamente, fiquei mais ou menos um ano e meio de ensino remoto (EAD).

Cheguei aqui em 2021 comecei a me envolver mais com o coletivo, daí em diante entrei na organização. No ano seguinte, a gente já estava na organização de acolhimento dos estudantes indígenas.Nessa época a gente tinha um outro cenário, era uma rede de apoio, que era formada por estudantes indígenas e não indígenas. E dentro desse período de 2020 até 2022, até o final do ano passado, a rede dos estudantes indígenas funcionava de modo informal, sem apoio da universidade, com apoio principalmente dos professores. E esse ano a gente chega com outro cenário: estavam acontecendo muitas coisas dentro do coletivo, principalmente relacionadas à nossa própria saúde. E com a morte de duas pessoas indígenas, a gente acabou tendo que, de certa forma, forçar a Unicamp a tentar nos ouvir e tentar buscar maneiras de encontrar soluções para as coisas que a gente tem passado. A partir desse ano, a própria Unicamp se responsabilizou por estar à frente da recepção dos estudantes indígenas. Com isso a gente conseguiu também a ajuda da própria universidade para que ela comprasse passagem para os estudantes que não tinham condições. Porque até então, em 2020, até antes dessa edição agora, eram os próprios estudantes indígenas que arrecadavam, faziam vaquinhas e levantamento para poder comprar passagem. Com relação à Casa dos Saberes Ancestrais, acredito que ela vem muito de todos esses contextos anteriores que a gente passou, os estudantes indígenas chegam na Unicamp, percebendo que a Unicamp de certa forma, não tem muito a oferecer. Apesar de ela estar pelo menos os estudantes que não tinham condições. Porque até então, em 2020, até antes dessa edição agora, eram os próprios estudantes indígenas que arrecadavam, faziam vaquinhas e levantamento para poder comprar passagem. Com relação à Casa dos Saberes Ancestrais, acredito que ela vem muito de todos esses contextos anteriores que a gente passou, os estudantes indígenas chegam na Unicamp, percebendo que a Unicamp de certa forma, não tem muito a oferecer. Apesar de ela estar pelo menos uns dois, três passos à frente de muitas outras universidades com relação à implementação de vestibulares indígenas. Sabemos que a Unicamp tem uma política de permanência melhor que muitas universidades.

A gente percebe principalmente com relação às nossas vivências e do contexto que a gente vem, precisa melhorar muito nesse sentido, sabe? As políticas específicas para a gente. Desse modo a Casa dos Saberes Ancestrais vem justamente para isso! A gente percebeu que a Unicamp tinha que se associar também a essas questões. Principalmente a questão da saúde mental, ela está muito ligada a essa questão cultural e de vivência que a gente tem dentro da moradia. Temos alguns espaços aqui, mas de certa forma foi a gente que se apropriou desses espaços. “Quando chegamos aqui, de vez em quando queríamos fazer uma fogueira, e se reunir para podermos trocar ideias e saber como o outro estava, especialmente nessa época de frio”. Porém a coordenação da moradia contrariava e falava que não poderíamos fazer fogueira, pois não tínhamos permissão para isso!. E assim percebendo que a partir disso a gente não poderia viver dentro de uma gaiola e de certa forma cortar nossas asas e dizer, tá. Vocês vem de um contexto específico que é de vocês, mas aqui vocês estão em outro lugar e nesse lugar vocês não podem fazer as coisas que vocês faziam antes, compreende?

E esse foi o primeiro passo para a gente também levar isso para a reitoria e dizer que não, a gente não pode aceitar isso!. Dentro dessa conversa surgem cinco GTS , esses GTS são o GT cultura e esporte, GT de permanência, GT de saúde, fora mais duas que eu não me recordo. Eu faço parte do grupo GT de Cultura e Esporte, e a partir disso me incorporei ao projeto da Casa dos Saberes Ancestrais. Percebemos que essa construção não pode se dar a passos lentos, pois para realizar uma construção dentro da Unicamp é um processo muito burocrático e pode levar vários anos para que essa ideia saia do papel. E uma das soluções encontradas foi justamente essa: fazer um projeto que esteja relacionado a uma residência artística. Desse ponto ele surge justamente por essa emergência que a gente está tendo, para termos um espaço dentro da Unicamp que a gente possa chamar de nosso. Uma das propostas que levei para dentro da discussão que a gente estava tendo, era um projeto que, de certa forma, abarcasse todas as etnias que a gente tem, por exemplo, dentro da Unicamp tem 47 etnias.. A Casa dos Saberes Ancestrais, ela está ligada a questões culturais, os estudantes indígenas que são aldeados entendem que a cultura é algo que é vivenciado, sabe? Vivências físicas mesmo desses próprios estudantes. E outra, talvez aos finais de semana, a gente quisesse ter esse espaço mais próximo da gente, principalmente dos estudantes que estão aqui na moradia. Cerca de 90% dos estudantes que estão aqui na moradia são indígenas. E no final de semana a gente talvez não teria esse espaço aberto para a gente, porque a Unicamp também tem essas questões de controle de acesso. Por este motivo queríamos um espaço em que, aos finais de semana, a gente se reunisse dentro dessa construção, mas sinto que também é muito distante daqui, de onde estão os estudantes. Mas acredito que realmente esse é um primeiro passo pra gente se pensar também em outras situações, em outras questões. Principalmente aqui na moradia, que a gente sabe que precisa realmente de um espaço, praticamente de certa forma a maioria dos moradores são indígenas. Talvez, não tenho certeza, eu acredito muito que os estudantes indígenas vão se apropriar desse espaço, também precisamos de um espaço que seja fechado para que a gente guarde as nossas coisas, por exemplo.Visitamos a comunidade, e falamos com as pessoas que vão fazer essa construção, levamos também um pouco das questões que a gente queria e as que não queria, levando em consideração que não é um projeto que passa por todas aquelas vias burocráticas, levando em consideração que é um projeto que não pode ter parede. E vai ser um projeto que não vai ter um piso de concreto, vai ser um piso batido de terra, um projeto que tenha uma planta circular, terá mais ou menos uns 10 de raio, vai ser grande nesse sentido. Temos em mente construí-lo do lado da Casa do Lago, perto da Faculdade de Geociências. É uma construção que é simples nesse sentido material, mas que tem todo um processo histórico que está envolvido com a cultura dos Kiriri. A gente tem pensado, de certa forma, como que a gente abarca essas 47 etnias que a gente tem presente na Unicamp. Daí a gente tem a metade de tipo, tá, esse pilar central pode ser grafismo, também podemos acrescentar os grafismos que estão presentes dentro da Unicamp. Podendo levantar meia parede de um metro e meio e de certa forma colocar algumas cestarias de palha e dentro disso a gente poderia fazer algumas pinturas. Tamos pensando ainda de como que a gente vai conceber isso colocar alguns troncos que estejam o nome das etnias que estão presentes dentro da Unicamp, a gente tava pensando de como que a gente também faz desse espaço, um espaço que tem as memórias dos que já não estão mais presentes neste plano aqui.

Portanto, pensamos em chamar os estudantes indígenas a participarem do processo da construção, apesar de eles não serem contratados para isso. Estamos pensando em fazer algo no audiovisual também, tudo de um pouco. Se estudantes indígenas quiserem ir lá e fazer parte disso, por exemplo, quando forem fazer o piso, quando forem fazer o levantamento dos pilares, enfim a gente está pensando em algo nesse sentido: de que os estudantes indígenas estejam presentes dentro dessa construção quando for se concretizar mesmo.

Texto: Vitor Miranda Ciochetti

Ilustrações: Beatriz LuMO

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