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BATALHA J.A. eos50anosdoHipHop
from Revista Capoeirando no. 3 (Ago/23)
by Revista Capoeirando - um tributo à cultura popular; UNICAMP
No ano de comemoração de 50 anos do movimento Hip Hop, o coletivo Nós por Nós, vulgo NpN, organizou a Batalha J A no primeiro dia de abril, reunindo todos elementos que compõem a cultura Hip Hop
- Rap, MC, Break e Graffiti O coletivo emerge do movimento da quebrada para a quebrada - “o coletivo nasceu no Amanda e vai morrer no Amanda”, como disse Daniel Miranda, um dos idealizadores do projeto. O seus eventos abraçam a comunidade do Jardim Amanda, o maior bairro da da Cidade de Hortolândia, composto por volta de 100 000 pessoas O espaço é aberto para diversas formas de troca e manifestações: criança dançando, cortes de cabelo gratuitos, batalhas de rima e dança, exposição de artes visuais dos artistas do entorno, famílias participando do evento, graffiti ao vivo e música sempre presente, desde os djs até a apresentação artistas locais que ascendem e fomentam a cena do Rap, dentro e fora das suas quebradas - como Jovem MK, Punka e Ruana Voz Armada.
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A palavra comunhão emerge não como ausência de conflito, mas como um lugar em que as trocas de experiências e vivências são possíveis e vicejantes: “entender que você pode, sim, criar espaços para que outras pessoas brilhem”, demonstrando a vontade e engajamento de fazer não apenas para si, mas também pelo próximo, como disseram Daniel Miranda e Daniel Matias

O coletivo nasceu do desejo justamente do sonho de dar espaço para expressões artísticas, de ver famílias e suas crianças vivendo momentos de lazer, de mobilizar o bairro que participa da formação dessas pessoas de maneira muito afetiva, como uma mãe - como seus integrantes contaram - é o que traz o ímpeto para a produção desses eventos, que tem crescido exclusivamente através de sua rede de apoio não se resumindo apenas aos que compõem o NpN, mas também se articulando com outros coletivos que cresceram na cidade, se enraizando e inspirando a propagação desse movimento pela cidade.

É grande semelhança entre os contextos históricos do Hip-Hop hoje no Brasil e no momento de seu surgimento, em 1970, nos EUA. A população marginalizada sofre uma forte repressão em um contexto de uma violenta guerra antidrogas, que vitimiza jovens, principalmente negros, desde seu início, e uma imensa tensão política que estabelece uma permanente alerta a barbárie, o que não impede dos princípios fundamentais do movimento ainda florescerem - paz, amor união e diversão. O Hip Hop surge justamente do ímpeto de criar melhores alternativas, pois em uma sociedade em que o racismo é estrutural, é preciso uma forte mobilização para transformar a vida da juventude negra e periférica. É por meio desses espaços de expressividade e visibilidade que isso acontece: o graffiti abre caminho para a escrita e visibilidade, o rap para a voz, o breaking para o corpo e os dj’s e mc’s celebram a união e o conhecimento, um cenário completamente diferente para aqueles que, muitas vezes, são impelides para um caminho onde a morte - física e subjetiva - o assombra o tempo inteiro É a vida abrindo caminho
E é desse fio condutor que flui o NpN. A Batalha do J.A. estabeleceu mais uma vez essa atmosfera, em que a expressividade e o aprendizado podem fluir com segurança e incentivo.
A presença das crianças foi uma das partes mais bonitas do evento: se aventurando no Breaking, outras atentas às rimas lançadas, mas todas interagindo com o coletivo - o ambiente de aprendizado e de conhecimento da realidade se tece nessas vivências. Também marcaram o evento a Geloteca, que sempre oferece doações de livros, cortes de cabelo, exposição de arte - composta por Yuri Santos, Bianca Camargos e Beatriz LuMO; mais uma vez conhecimento, cuidado e cultura da e para a comunidade.
As batalhas de rima e dança também incitaram o evento, pois é ali em que os jovens se encontram para praticar e se desafiar no desenvolvimento de suas falas, ideias e movimentações - as batalhas de dança contaram como jurados experientes no Breaking enquanto a batalha de rimas, como de costume, contou com a avaliação do público - o tempo todo o que brilhava era justamente o olhar sobre a habilidade daqueles que estavam se jogando na partida, o desafio de estar no palco se expondo é o que lapida e constróis as suas expressividades.
Para além de todo esse movimento, algo que deve ser ressaltado no evento do NPN são as mulheres na voz. Nas batalhas de dança e de rima, na produção e materialização do evento, na exposição das artes visuais e nos shows apresentados, elas dominam esse espaço, convidando a população a perceber questões que envolvem ser mulher na sociedade. Nessa perspectiva, Aline, 20 anos, dançarina e moradora do Jardim Amanda relata a importância do evento: “Eu me isolava muito, porque querendo ou não, é difícil ser mulher LGBTQIA+ numa sociedade machista pra caramba, e o NpN me acolheu”

Ainda sobre as mulheres, uma performance que mexeu com os sentidos de quem passou por lá foi a da bailarina e intérprete Jana Jara Ela fez uma apresentação incrível e sinestésica, usando bambolê com luz de LED e bambolê com fogo. As minas ainda marcaram presença com os shows de Rap, como foi o da Jovem Mk, que é, inclusive, natural de Hortolândia. MK começou muito cedo inserida na cultura Hip Hop, cantando e compondo. Outra artista de peso que compareceu foi a Ruana Voz Armada, que vem das quebradas de Campinas e tem influência no soundsystem e no trap. Outra artista da região que entregou música foi a Punka MC. Ela é muito conhecida pela facilidade de rimar em diversos beats e ter muito flow e conteúdo em seus Raps. A abertura de espaço para mulheres e pessoas discidentes dentro do Hip Hop é outro tópico que poderia se estender por muitos parágrafos aqui, mas vale dizer que é um movimento em expansão. Apesar de ser um movimento baseado no desejo de revolucionar a realidade das pessoas ignoradas pelo sistema, ele não escapa de muitas ferramentas de opressão, incluindo o machismo A cena é ocupada em sua maioria por homens, que se divertem com tranquilidade, enquanto as mulheres muitas vezes precisam lapidar a segurança e a validade dos seus trabalhos. Realidade que vem mudando com a nossa presença, conversas e apoio, aquelas presentes na Batalha marcaram e influenciaram fortemente o evento.
Enfim, Batalha J.A. é mais uma das potentes e impactantes manifestações do Hip Hop, o dia primeiro de abril foi um dia bonito no Jardim Amanda, onde a paz, amor união e diversão fluíram com força nas crianças que corriam e aprendiam a dançar. Mais um exemplo de que muitas vezes é a comunidade que faz por si e que das trocas culturais podem emergir novos caminhos para construirmos nossas relações com o todo, para garantir que jovens possam desenvolver suas identidades e autoestima fora da opressão esmagadora.
