ALL EM REVISTA 8.3 - JULHO/SETEMBRO 2021

Page 295

O ÚLTIMO DOS POETAS DE UMA BOEMIA ESQUECIDA

FELIX ALBERTO LIMA

José Maria Nascimento chega aos 81 anos hoje como o último remanescente maranhense de uma poesia forjada por décadas nos becos soturnos da boemia, sob o éter que encobre as ruas estreitas do Centro de São Luís. Poesia, como vida, de altos e baixos. Poesia como meio de vida, quando vida e poesia são quase uma coisa só, e se confundem. Mimetizam. Autodidata, mal frequentou o ensino básico e logo cedo se jogou no mundo para começar a desaprender nos livros emprestados, nos puteiros e nos bares. Foi “desaprendendo as coisas”, como que ruminando involuntariamente as invenções de Manoel de Barros – e cada vez mais se agarrando no acaso das palavras - que ele virou poeta. Aos 17 anos, publicou os primeiros versos na imprensa. Para se sentir verdadeiramente um poeta, imaginava ele, precisava andar com poetas, conviver com a poesia no seu nascedouro, em estado bruto. Começou então a frequentar a roda de intelectuais no Bar do Castro. Foi beber na fonte. E se entregou, como um poeta maldito que se achava, aos primeiros tragos. Um dia, fora alertado por Erasmo Dias: – Sai desse meio, aqui só tem cachaceiro. Vai estudar! Mas era tarde. Ele já era o próprio meio. Aos 20 anos, José Maria Nascimento sofreu o golpe da morte do pai, João Pereira, um homem simples, vigia de matadouro, que ansiava um futuro menos dolente para o filho e a família. Construiu das sobras, e de alguma dor, a sua obra, que flutua entre o lirismo – o olhar onírico sobre a cidade que o pariu –, o berro social e a desesperança. É de 1960 o seu primeiro livro, “Harmonia do conflito”. Foram 15 livros publicados em 60 anos de poesia, alguns deles premiados em concursos literários da prefeitura de São Luís e do governo estadual. Ao longo de todo esse tempo de escritura há momentos de delicadeza e profundo desapego (‘Vai por mim que a vida é uma valsa’) e, como diz o próprio poeta, há dias de lírios jogados à sarjeta (‘... A vida ainda flameja e explode/ Por debaixo dos círculos da esperança). Não foi uma caminhada fácil. O autodidata, obviamente, não tinha tanta intimidade assim com a língua portuguesa e, por inúmeras vezes, no início da jornada, recorreu a amigos como José Chagas e Jorge Nascimento na revisão de seus poemas, nos apontamentos, nas boas dicas de leitura. Nos anos 1960, José Maria Nascimento foi viver a sua temporada hippie no Recife e de lá embrenhou-se pelas estradas do Nordeste. Andou sobre o tempo. Experimentou amores novos nas madrugadas, por muitas vezes ele impregnado na fumaça do relento. “Até que um dia acabou o dinheiro. E com isso acabou também o encanto dessa experiência hippie”, conta. De volta a São Luís, engatou uma jornada boêmia de longos anos com o seu companheiro de copo e de cruz, o poeta Nauro Machado. Juntos, eles foram a paraísos impuros, purgatórios e inferninhos nos quarteirões


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

A DIFUSORA OPINA

4min
pages 265-266

IRANDI MARQUES LEITE MEU PATRONO - ANTÔNIO HENRIQUES LEAL, PLUTARCO DE CANTANHEDE, JUDAEL DE BABEL-MANDEB COLABORADORES

1min
page 291

FELIX ALBERTO LIMA

3min
pages 295-297

SÁLVIO MENDONÇA, UM VIANENSE, DE MENINO POBRE A CONCEITUADO MÉDICO ÁUREO VIEGAS MENDONÇA O ÚLTIMO DOS POETAS DE UMA BOEMIA ESQUECIDA

7min
pages 292-294

CHEIA

1min
page 290

JOÃO BATISTA DO LAGO

4min
pages 287-288

PREFÁCIO (ao livro "Há Pedras e Poesia no Meu Habitat", de Wybson Carvalho, 2021

30min
pages 276-286

RUA DE SÃO PANTALEÃO

3min
page 267

PREFÁCIO (ao livro “De Graça – Poetizando a Vida”, de Graça Assunção. Editora Estampa, 2021

3min
pages 273-275

EDITORA DE IMPERATRIZ PUBLICA OBRAS DE AUTORES CAXIENSES

5min
pages 271-272

ESCREVENDO MEMÓRIAS

3min
page 268

RECREAÇÃO, GINÁSTICA/EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE NO MARANHÃO – uma memória antes dos “paulistas”

1hr
pages 113-196

O GAGO

3min
page 264

UMA MANHÃ

3min
page 263

DELEITE

4min
pages 261-262

OS “PAULISTAS” ESTÃO CHEGANDO

47min
pages 213-252

O PRONTUÁRIO POÉTICO DO DOUTOR RAFAEL

4min
pages 258-259

A PRAÇA GONÇALVES DIAS E A MAGIA DOS PATINS

5min
pages 255-256

RECORDAÇÕES DA PROVÍNCIA NA METRÓPOLE

3min
page 254

PORTO FRANCO – TOCHA OLIMPICA

1min
pages 111-112

ACONTECEU EM TÓQUIO 2020(21

11min
pages 100-110

O MARANHÃO EM TÓKIO – OLIMPIADAS 2020/1

11min
pages 92-99

CARTA AO CONFRADE AYMORÉ – OU A ARTE DE CURAR NO MARANHÃO

13min
pages 87-91

PROFESSOR E PESQUISADOR BRASILEIRO, LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ, TOMA POSSE NA ACADEMIA POÉTICA BRASILEIRA

3min
pages 84-86

D. JOÃO E A ESCOLA DE MEDICINA DO MARANHÃO

5min
pages 79-80

A ESCOLA COMERCIAL DA ACREP

3min
pages 81-82

BRASILEIRO EM ESTADO PURO

4min
pages 74-75

ESCOLA DECENTE, HOJE E SEMPRE

4min
pages 76-77

APRENDEMOS COM A PANDEMIA?

3min
pages 72-73

SOU MULHER

3min
pages 70-71

IGUALDADE SEM DESIGUALDADE

4min
pages 68-69

CIENTISTAS BRILHANTES E SERES HUMANOS ETICAMENTE EXTRAORDINÁRIOS

3min
pages 65-66

A LIDERANÇA EM TRÊS TEMPOS

4min
pages 62-63

CHÁ E SIMPATIA

3min
pages 58-59

CONVERSA DE ECONOMISTA

4min
pages 60-61

ANTONIO NOBERTO

3min
pages 54-55

PATRONOS HOMENAGEADOS

18min
pages 13-20

JUCEY SANTANA

2min
pages 40-41

EDITORIAL

1min
page 4
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
ALL EM REVISTA 8.3 - JULHO/SETEMBRO 2021 by Leopoldo Gil Dulcio Vaz - Issuu