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D. JOÃO E A ESCOLA DE MEDICINA DO MARANHÃO

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A DIFUSORA OPINA

A DIFUSORA OPINA

AYMORÉ ALVIM

A chegada da família real portuguesa ao Brasil, em janeiro de 1808, dentre as muitas expectativas que criou, na população local, a melhoria das condições sanitárias deve ter sido uma delas. A situação que vigia, no Maranhão, a partir do seu processo de colonização iniciado, em 1615, como assim considerou Carlos de Lima, até meado do século seguinte, era de extrema miséria conforme relatou, em 1751, o governador recém chegado, Mendonça Furtado, ao seu irmão, o Marquês de Pombal, à época, o primeiro ministro do governo de D.José I. Além da falta do que comer e do que vestir, segundo o padre Antônio Vieira, o ambiente insalubre que dominava o Estado e, em especial, a cidade de São Luís, com suas ruas estreitas, sujas e mal cheirosas, com seus mangues e os muitos charcos e pântanos, criava as condições ecológicas favoráveis à proliferação de diferentes tipos de patógenos. Para citar apenas as enfermidades mais freqüentes, conforme relata César Marques no seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, as febres paludosas (malária) se destacavam pelo número de vítimas que faziam. Registram-se, ainda, a sarna, a sífilis, a câmara de sangue (disenteria hemorrágica), as dermatites causadas por piolhos, as hepatites crônicas, o maculo, a tísica (tuberculose), a morféia (hanseníase) dentre muitas outras que compunham o quadro nosológico do Maranhão colônia. Além dessas patologias, foram registradas freqüentes epidemias que causavam grande mortandade. A primeira de que se tem notícia foi a de varíola, em 1621. Logo, a seguir, ocorreu a de sarampão também com muitas vítimas, principalmente, entre os índios civilizados. A partir de então, essas epidemias e mais a de bexiga se sucederam ao longo do tempo. Tantos males e a falta de profissionais qualificados abriram espaços para um grande número de curiosos e oportunistas que além dos físicos e cirurgiões de formação duvidosa se adestravam nos mistérios e na magia da arte de curar. Segundo Bela Herson, a esses agentes de saúde, oriundos de famílias humildes e dotados de conhecimentos precários, juntavam-se os cristãos novos “proibidos de ser o que eram por não conseguirem ser o que a Igreja queria que fossem”. Para escapar do alcance do Santo Ofício, fugiam para a Colônia onde se dedicavam ao exercício dessas profissões buscando assegurar a sua sobrevivência e da família. O estado de necessidade permanente, o fascínio pelo sobrenatural e a superstição forçavam a população a recorrer a esses tipos de curandeiros ou à medicina indígena onde o pajé, misto de feiticeiro e sacerdote, tentava resolver os problemas de quem o procurava com benzimentos, sangrias, beberagens, massagens, fricções e infusões. Outra opção era a medicina negra trazida pelos africanos. A sua terapêutica constava de uma mistura de magia e feitiçaria exercida por curadores ou feiticeiros. Mas o tipo de medicina que mais prosperou, àquela época, não só no Estado como em toda a Colônia, foi a jesuítica, praticada pelos padres e irmãos leigos que possuíam alguns conhecimentos da arte de curar trazidos da Europa ou aprendidos, no exercício diário a que se dedicavam. Conheceram com os índios o valor terapêutico de muitos espécimes da nossa flora e com eles organizaram sua imensa e rica farmacopéia que se espalhou por toda Colônia. Foram físicos, parteiros, barbeiros e cirurgiões além de implantarem, em seus colégios e hospitais, as famosas boticas com medicamentos da terra e trazidos da Europa.

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A presença de médicos ou cirurgiões com formação em cursos regulares, na Europa, era ocorrência rara. É, ainda, César Marques quem faz referências aos poucos que aqui exerceram a profissão, ao longo dos séculos 17 e 18. No início do século 17, chegou na expedição de La Ravardière o Dr. Thomas de Lastre. Sua permanência foi curta pois teve que se retirar daqui após a expulsão dos franceses. Por volta de 1693, aportou em São Luís o Cirurgião-Mór Manuel Diniz. Este, possivelmente, foi o primeiro que por aqui esteve enviado pela Coroa, mas o período da sua permanência é incerto. A grave situação de saúde porque passava o povo justificou as inúmeras e insistentes solicitações da Câmara de São Luís à Corte para que enviasse médicos, cirurgiões e boticários com remédios. Nenhum documento pesquisado confirma se tais pedidos foram atendidos. Mas, há referências sobre o trabalho aqui exercido, em 1752, pelo doutor em medicina João Domingos Alberty. No ano de 1788, o governador Fernando Pereira Leite de Foios informou à Câmara a chegada do Dr. José Gomes dos Santos. No entanto, os maus tratos e desrespeitos dispensados a este médico desestimularam outros profissionais de fixar residência, no Maranhão. Por essa e outras razões, possivelmente, é bastante reduzido o número de profissionais que aqui exerceram a medicina até 1808, ano da chegada ao Brasil do príncipe-regente D. João e sua corte. Ainda, nessa época, a situação sanitária e a instrução, no Brasil, segundo Oliveira Lima, eram muito precárias. No Maranhão, não podia ser diferente, principalmente, após a expulsão dos jesuítas que, praticamente, detinham o monopólio da educação. A melhoria desse binômio talvez fosse a grande oportunidade para alavancar o desenvolvimento por todos esperado. Os resultados aguardados após a vinda da família real para o Brasil não se fizeram esperar. Durante o curto período que passou, na Bahia, D. João, em 18 de fevereiro de 1808, autorizou a fundação de uma escola de cirurgia, em Salvador, para formar cirurgiões práticos que atendessem não somente as necessidades das cidades do litoral como as do interior. Com igual propósito, criou por decreto, em 2 de abril desse mesmo ano, uma cadeira de anatomia, no Hospital Real Militar da Corte, embrião da futura Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. O plano organizado, por ordem do Príncipe Regente, pelo médico Manuel Luiz Álvares de Carvalho, Diretor dos Estudos de Medicina e Cirurgia da Corte, propôs a criação das Academias de Salvador e do Rio de Janeiro, como ainda, de uma terceira Academia, no Maranhão. Conforme os relatos de Lycurgo Santos Filho e Oliveira Lima, uma Carta Régia de 29 de dezembro de 1815 reafirmava essa intenção. A longa distância da sede do poder e a falta de profissionais qualificados para tal mister talvez foram as causas que inviabilizaram tal propósito. Mas o Maranhão continuou alimentando a esperança de possuir também a sua Academia Médico-Cirúrgica. Nos primeiros anos do Império, em 1827, o Dr. Lino Coutinho, deputado e professor da Academia MédicoCirúrgica da Bahia, apresentou à Câmara um projeto de reforma do Ensino Médico e nele incluiu a instalação da terceira Academia de Medicina, em São Luís do Maranhão. Eram representantes da Província os deputados João Bráulio Muniz, Manoel Odorico Mendes, Francisco Gonçalves Martins e Manoel Teles da Silva Lôbo. O projeto recebeu parecer favorável, foi aprovado e enviado para o Senado. A bancada do Maranhão estava constituída pelos senadores João Inácio da Cunha, Visconde de Alcântara, e Patrício José de Almeida e Silva Seixas. Por lá o projeto parou e ficou. E, assim, feneceram as esperanças do Maranhão possuir a sua Escola de Medicina. Foi preciso aguardar por mais de um século para que a promessa de D. João VI se tornasse uma realidade sob a égide da Igreja de São Luís

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