ALL EM REVISTA 8.3 - JULHO/SETEMBRO 2021

Page 255

A PRAÇA GONÇALVES DIAS E A MAGIA DOS PATINS Para os 409 anos de São Luís, publicado no Caderno Especial do JP CERES COSTA FERNANDES Na segunda metade dos anos quarenta do século passado, nesta bela, e então tranquila, Ilha de Upaon-açu, aconteceu uma moda entre os jovens da classe média alta, patinar na Praça Gonçalves Dias; patinar, deslizar, dançar, voar nem tanto, sobre os pesados patins de ferro de quatro rodinhas, ajustáveis ao tamanho e largura dos sapatos de sola. A prática não era nova, nem os patins, seu uso vinha de mais longe. Dizem os historiadores que os protótipos para patinação fora do gelo – os do gelo, nem pensá-los por aqui – remontam ao século XIX. Desse “mais moderno” de quatro rodas, tenho notícias do meu próprio pai rapazote, nos anos trinta, descendo sobre eles, temerariamente, a Rua Montanha Russa. Fato registrado por meu futuro sogro que, preocupado, informou ao vizinho, meu avô, sobre o perigo da peripécia do seu desajuizado rapaz, protegendo o pai de sua futura nora, num tempo em que eu não era nem nascida. O que era brincadeira isolada de meninos nos anos trinta, no meado da década de quarenta, transformouse em tendência da jeunesse dorée da época. Talvez influência do modismo vindo dos Estados Unidos, implantado nesta longínqua província pelo cinema americano do pós- guerra, da Segunda Grande Guerra Mundial, em que os marines e os cowboys eram os heróis de todas as tribos de crianças e jovens. As duas Grandes Guerras e, acima de tudo, o cinema, construíram a imagem da América como a terra da liberdade e das oportunidades. Deixamos de imitar os franceses para sermos americanos. Era no tempo das meninas com as suas saias meia-perna de flores miúdas ou de xadrez, sapatos abotinados, meias curtas e os indefectíveis laços nos cabelos – segundo vi nas raras fotografias das tias paternas, donas da minha admiração e meus modelos inquestionáveis de um comportamento futuro – patinando, mãos dadas com amigas, na Praça Gonçalves Dias. Não as vi em plena glória, cheguei a São Luís após este boom dos patins, mas esses um ou dois instantâneos mexeram com a minha capacidade de sonhar e passeiam nítidos no meu imaginário misturados às cenas dos musicais da Metro Goldwyn Meyer. Eu os vi ou sonhei? A Praça Gonçalves Dias era, certamente, o ponto chique da cidade. Logradouro de beleza ímpar, carregado de história e tradição. Sabemos das antigas festas do Largo dos Remédios, narradas por João Lisboa e referidas por César Marques, e do cognome Largo dos Amores, em alusão ao malfadado amor de Gonçalves Dias e Ana Amélia - este concorre pari-passu com o nome de Praça Gonçalves Dias. No local, a única igreja gótica da cidade, com apóstolos cimeiros e vitrais de origem alemã (um tanto simplesinha, se confrontada com suas coirmãs brasileiras e europeias), as palmeiras imperiais, a brisa constante, a visão da baía de São Marcos, da foz do rio Anil e da Avenida Beira-Mar. No epicentro da praça, a estátua de Gonçalves Dias, inaugurada em 1873, retrata o poeta, de pé em uma coluna coríntia simbolizando uma palmeira, em cuja base, divisamos quatro medalhões com as efígies de João Francisco Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes e Gomes de Souza. O poeta olha para além da baía, olha o mar do Maranhão, nos Atins, onde tragou o Bois de Boulogne e o poeta guardado no seu bojo. Na praça e nos arredores da Avenida Rio Branco, então Rua dos Remédios, localizavam-se imponentes e senhoriais casarões que abrigavam algumas das melhores famílias da cidade. O Colégio São Luís, do Professor Luís Rêgo, situava-se na Avenida Rio Branco e ficava perto da praça; dele chegava-se a pé. O bonde Gonçalves Dias trazia moças e rapazes, alunos dos Maristas , Rosa Castro, Liceu, Escola Normal e Ateneu. Todo esse plantel de jovens ele vinha arrebanhando no caminho, até chegar ao seu destino. As meninas do Colégio Santa Tereza, colégio só para moças, esperavam o Gonçalves Dias na esquina da Farmácia Sanitária, na Praça João Lisboa, e nele, atravessavam a Rua Grande, em alarido, para encontrar, lá no Canto da Viração – onde o vento, em redemoinho, levantava a saia das moças – os alunos de todos os colégios mencionados. Chamávamos secretamente este bonde de o bonde do amor. Aconteciam os flertes, que se resumiam a olhares e, suprema audácia (!), um jovem ousava pagar a passagem de uma mocinha, fato repassada a ela pelo cobrador. O costume era baixar os olhos e corar até às orelhas. As mais desembaraçadas sorriam e faziam um gesto de agradecimento com a cabeça. Isso equivalia a um sim.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

A DIFUSORA OPINA

4min
pages 265-266

IRANDI MARQUES LEITE MEU PATRONO - ANTÔNIO HENRIQUES LEAL, PLUTARCO DE CANTANHEDE, JUDAEL DE BABEL-MANDEB COLABORADORES

1min
page 291

FELIX ALBERTO LIMA

3min
pages 295-297

SÁLVIO MENDONÇA, UM VIANENSE, DE MENINO POBRE A CONCEITUADO MÉDICO ÁUREO VIEGAS MENDONÇA O ÚLTIMO DOS POETAS DE UMA BOEMIA ESQUECIDA

7min
pages 292-294

CHEIA

1min
page 290

JOÃO BATISTA DO LAGO

4min
pages 287-288

PREFÁCIO (ao livro "Há Pedras e Poesia no Meu Habitat", de Wybson Carvalho, 2021

30min
pages 276-286

RUA DE SÃO PANTALEÃO

3min
page 267

PREFÁCIO (ao livro “De Graça – Poetizando a Vida”, de Graça Assunção. Editora Estampa, 2021

3min
pages 273-275

EDITORA DE IMPERATRIZ PUBLICA OBRAS DE AUTORES CAXIENSES

5min
pages 271-272

ESCREVENDO MEMÓRIAS

3min
page 268

RECREAÇÃO, GINÁSTICA/EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE NO MARANHÃO – uma memória antes dos “paulistas”

1hr
pages 113-196

O GAGO

3min
page 264

UMA MANHÃ

3min
page 263

DELEITE

4min
pages 261-262

OS “PAULISTAS” ESTÃO CHEGANDO

47min
pages 213-252

O PRONTUÁRIO POÉTICO DO DOUTOR RAFAEL

4min
pages 258-259

A PRAÇA GONÇALVES DIAS E A MAGIA DOS PATINS

5min
pages 255-256

RECORDAÇÕES DA PROVÍNCIA NA METRÓPOLE

3min
page 254

PORTO FRANCO – TOCHA OLIMPICA

1min
pages 111-112

ACONTECEU EM TÓQUIO 2020(21

11min
pages 100-110

O MARANHÃO EM TÓKIO – OLIMPIADAS 2020/1

11min
pages 92-99

CARTA AO CONFRADE AYMORÉ – OU A ARTE DE CURAR NO MARANHÃO

13min
pages 87-91

PROFESSOR E PESQUISADOR BRASILEIRO, LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ, TOMA POSSE NA ACADEMIA POÉTICA BRASILEIRA

3min
pages 84-86

D. JOÃO E A ESCOLA DE MEDICINA DO MARANHÃO

5min
pages 79-80

A ESCOLA COMERCIAL DA ACREP

3min
pages 81-82

BRASILEIRO EM ESTADO PURO

4min
pages 74-75

ESCOLA DECENTE, HOJE E SEMPRE

4min
pages 76-77

APRENDEMOS COM A PANDEMIA?

3min
pages 72-73

SOU MULHER

3min
pages 70-71

IGUALDADE SEM DESIGUALDADE

4min
pages 68-69

CIENTISTAS BRILHANTES E SERES HUMANOS ETICAMENTE EXTRAORDINÁRIOS

3min
pages 65-66

A LIDERANÇA EM TRÊS TEMPOS

4min
pages 62-63

CHÁ E SIMPATIA

3min
pages 58-59

CONVERSA DE ECONOMISTA

4min
pages 60-61

ANTONIO NOBERTO

3min
pages 54-55

PATRONOS HOMENAGEADOS

18min
pages 13-20

JUCEY SANTANA

2min
pages 40-41

EDITORIAL

1min
page 4
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.