Devarim 37 (ano 13, dezembro de 2018)

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Revista da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 13, n° 37, dezembro de 2018 DEVARIM DEVARIM Oslo, 25 anos – Duas visões sobre o acordo que redefiniu o conflito Ricardo Gorodovits e Guy Millière Teologia ateia? Rabino Ruben Sternschein entrevista o Rabino Arthur Green Cristal que virou noite – Os 80 anos da Kristallnacht Rabino Sérgio Margulies Oslo, 25 anos – Duas visões sobre o acordo que redefiniu o conflito Ricardo Gorodovits e Guy Millière Teologia ateia? Rabino Ruben Sternschein entrevista o Rabino Arthur Green Cristal que virou noite – Os 80 anos da Kristallnacht Rabino Sérgio Margulies Plano B Rabino Dario E. Bialer Tsion no deserto Rabino Benjie PauloSsibolet!VittorioPerspectivasGruberdafronteiraCorinaldiGeiger Sonho e saúde Marcia Rozenthal Discutindo os casamentos judaicos Pablo Schejtman A humilhação da história Rabino Joseph A. Edelheit A Syrian Memoir, de Kassem Eid por Raul Cesar Gottlieb Plano B Rabino Dario E. Bialer Tsion no deserto Rabino Benjie PauloSsibolet!VittorioPerspectivasGruberdafronteiraCorinaldiGeiger Sonho e saúde Marcia Rozenthal Discutindo os casamentos judaicos Pablo Schejtman A humilhação da história Rabino Joseph A. Edelheit A Syrian Memoir, de Kassem Eid por Raul Cesar Gottlieb

Raul Cesar Gottlieb – Diretor de Devarim

Ou seja, segundo Godwin, todos saíram perdedores.

O advogado norte-americano Mike Godwin propôs em 1990 uma “lei de comportamento” que diz: quanto mais uma discussão na internet se alonga, maior é a possibilidade de uma

A linguagem do poema é crua e direta: “Este não é um canto feito por pássaros voando sob o céu azul do verão, esta é a voz de pessoas que tiveram a oportunidade e a coragem de resgatar sua honra empunhando armas enquanto o mundo desaba em sua volta.” Mesmo para um povo acostumado à incessante perseguição antissemita, a Shoá (a tragédia nazista) foi um acontecimento único, não muito bem compreendido e francamente irreproduzível.

EDITORIAL

N

comparação envolvendo nazismo e Hitler, momento no qual a discussão efetivamente acaba. Alguns postulam que o primeiro lado a invocar o nazismo perdeu a discussão, pois é evidente que ficou sem argumentos.

A Lei de Godwin

E é também um fenômeno histórico que está sendo aviltado nos dias de hoje. Tanto no Brasil como em tantos outros lugares do mundo.

Debater políticas, discutir caminhos, ponderar propostas, tudo isto foi ausente da campanha. Sobraram insultos, generalizações e retórica inflamada. Estes foram os grandes vencedores da eleição.

Nunca diga que este é o fim do caminho, Apesar dos céus de chumbo esconderem os dias azuis. Ainda chegará a hora pela qual ansiamos, Nossos passos retumbantes proclamarão “aqui estamos!”

Nem a precariedade dos recursos, nem a hostilidade de parte considerável da população civil, nem a extrema brutalidade dos inimigos, ou a desconfiança nem sempre velada dos demais grupos de combatentes “amigos” conseguiu esmorecer a fé dos Partisans de que um dia sua luta seria vitoriosa. Se não em sua geração, nas próximas. Em algum momento no futuro: “Nunca diga que este é o fim do caminho, pois de geração em geração seguiremos lutando”.

Vimos isto no último ciclo eleitoral do Brasil, quando os adversários não tiveram o menor prurido em se acusar de fascista, nazista e comunista.

Das palmeiras verdejantes até as distantes alvuras da neve, Estamos chegando com nossa dor e desventura. Onde nosso sangue tiver ensopado a terra, Florescerão nosso poder e nossa bravura.

inguém que esteja familiarizado com o contexto no qual o Hino dos Partisans Judeus (combatentes irregulares que lutaram contra os nazistas e seus colaboradores durante a Segunda Guerra Mundial) deixa de se emocionar com a força de sua mensagem.

O sol da manhã ainda iluminará nosso dia. Nosso inimigo vai esvair e desaparecer.

Foi um povo em meio a barricadas ardentes, Que a cantou empunhando pistolas em suas mãos!

O passar do tempo não apenas confirmou a percepção de Godwin como fez com que sua lei se expandisse para além da internet, ao mesmo tempo em que se encurta muito o prazo no qual um dos lados tira da manga a cartada nazifascista.

Me parece, então, oportuno reviver o hino dos Partisans para que, fechando olhos e ouvidos ao que vai à volta, introjetemos a imagem do que foi o nazismo e da bravura exigida para sua resistência.Vamos descobrir que Pittsburgh não é um prenúncio da Kristallnacht, que nenhum dos lados das nossas disputas políticas é fascista ou nazista e que a aversão pelo diálogo com quem achamos diferente (e até mesmo repugnante) vai destruir a possibilidade de convivência com o diferente. Seremos todos perdedores.

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Zog nit keyn mol – Nunca diga

Mas se a alvorada e o sol nos tardarem a aparecer, De geração em geração cantaremos essa canção.

Esta canção foi escrita com sangue e não com tinta, Não foi cantada no verão por pássaros voando ao alto.

Então, nunca diga que este é o fim do caminho, Apesar dos céus de chumbo esconderem os dias azuis. Ainda chegará a hora pela qual ansiamos, Nossos passos retumbantes proclamarão “aqui estamos!”

RABINOS DA ARI Sérgio R. Margulies, Dario E. Bialer

A humilhação da história Rabino Joseph A. Edelheit 61

Em Poucas Palavras 68

Cócegas no Raciocínio Paulo Geiger......................................................................................... 75

EditoraEDIÇÃO

FOTOGRAFIA DE CAPA

REVISÃO DE MariangelaTEXTOSPaganini (Libra Edição de Textos)

Plano B Rabino Dario E. Bialer 9

Perspectivas da fronteira Vittorio Corinaldi 43

Colaboraram neste número: Rabino Benjie Gruber, Rabino Dario E. Bialer, Guy Millière, Rabino Joseph A. Edelheit, Marcia Rozenthal, Pablo Schejtman, Raul Cesar Gottlieb, Ricardo Gorodovits, Rabino Ruben Sternschein, Rabino Sérgio R. Margulies e Vittorio Corinaldi.

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Os critérios para grafar palavras em hebraico e transliterá-las para o português seguem as seguintes regras: (a) chet e chaf tornam-se ch; (b) tsadik é ts; (c) hei final acentua a vogal e desaparece; (d) kaf e kuf são k; (e) não usamos hífen ou apóstrofe em casos como ledor, em vez de le-dor, e beiachad, em vez de b’iachad e (f) palavras em hebraico de uso corrente na ARI não estão em itálico.

Tsion no deserto Rabino Benjie Gruber 24

Breno Casiuch, Rabino Dario E. Bialer, Germano Fraifeld, Jeanette Erlich, Marina Ventura Gottlieb, Mônica Herz, Paulo Geiger, Raphael Assayag, Raul Cesar Gottlieb, Ricardo Gorodovits, Rabino Sérgio Margulies.

Os artigos assinados são de responsabilidade intelectual de seus autores e não representam necessariamente a opinião da revista Devarim ou da ARI.

Negrito Produção Editorial

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O custo sombrio da “Guerra de Oslo” Guy Millière 29

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CONSELHO EDITORIAL

EDIÇÃO DE ARTE

Narrativa Um

Sonho e saúde Marcia Rozenthal 49

Resenhas Livros 72

devARIm [hebraico] Plural de davar, sm. 1 Coisas, todas as coisas, ou algumas coi sas, ou as que interessam. 2 Palavras, não só as palavras em si (seria então milim), mas os signos de coisas, ideias, conceitos, pensamentos. 3 O quinto e último livro da Torá, sua recapitulação pós-mosaica, soma das palavras e das coisas. 4 Revista da ARI, onde as palavras recapitulam o judaísmo milenar em sua inserção plane tária e contemporânea.

DIRETOR DA REVISTA Raul Cesar Gottlieb

Teologia ateia? Entrevista com Arthur Green por Rabino Ruben Sternschein 17

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Raul Cesar Gottlieb

Cristal que virou noite Rabino Sérgio Margulies 3

PRESIDENTE DA ARI Flávio Kosminsky

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SUMÁRIO

Santificada para mim. Discutindo os casamentos judaicos Pablo Schejtman................................................................................... 55

Oslo: a falta que fez a peça que falta Ricardo Gorodovits 37

A contracapa de Devarim é uma criação baseada no slogan do Movimento Reformista de Israel – IMPJ. A distribuição de Devarim é gratuita, sendo proibida a sua comercialização.

A revista Devarim é editada pela Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro www.arirj.com.br (www.devarim.com.br) Administração e correspondência: Rua General Severiano, 170 – Botafogo 22290-040 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: 21 2156-0444

Revista Devarim Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 13, nº 37, dezembro de 2018

CRISTAL QUE VIROU NOITE

Rabino Sérgio Margulies

Talvez fosse a mesma do pai de Miriam Shapira. Era o ano de 1935. Da varanda de seu apartamento viu pessoas marchando na rua cantando: “Quando o sangue dos judeus estiver em nossas facas, estaremos felizes”. Ainda que preocupado, ele a tranquilizou: “Este é o país de Schiller, Goethe, Mo zart – nada vai acontecer conosco neste país culto”. E acrescentou: “Vamos cha mar a polícia”. Acreditava que a polícia iria conter os baderneiros. Logo apren deria que estes baderneiros representavam a nova ordem. Eles eram a polícia.

Kristallnacht representa o renascimento da demonização do judeu que a ilusão quis acreditar estar extinta.

S

O país de Schiller e Goethe era também o país dos desesperados. Em 1928 havia 650 mil desempregados na Alemanha. Em 1929, o dobro: um milhão e trezentos mil desempregados. No ano seguinte, em 1930, mais do que o do bro: três milhões. Em 1931: 4.350.000. Em 1932: 5.100.000 desempregados. O Partido Nazista crescia em similar proporção: de 72 mil afiliados em 1927 passou a quase um milhão e meio em 1932. E em 1933, ano da última eleição livre na Alemanha, este partido chegou ao poder. Democraticamente eleito ob teve 43,9% dos votos. O Chanceler escolhido: Adolf Hitler.

e fôssemos um dos quinhentos mil membros da comunidade judaica alemã nos anos trinta do século 20, qual seria a nossa reação diante da ascensão do nazismo?

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O pai de Miriam poderia citar alguns judeus: “Este é o país do poeta Hein rich Heine, do inventor Emil Berliner, dos cientistas Paul Ehrlich, Max Born e Albert Einstein”, e ainda poderia acrescentar: “Este é o país de judeus patrio tas, na Primeira Guerra Mundial 12 mil judeus morreram lutando pelo exérci to alemão e 18 mil foram condecorados com a Cruz de Ferro”.

O país de Schopenhauer e Hegel elegia Hitler. O país de Heine, Berliner, Born, Ehrlich, Einstein poderia inicialmente se iludir e acreditar que Hitler se

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ria um vendaval passageiro e que prevaleceria o império da lei garantidor da igualdade civil aos cidadãos da religião is raelita. No entanto, o império da lei foi substituído pela lei do império: as leis raciais de Nuremberg em setembro de 1935 retiraram dos judeus os direitos de cidadão. O in concebível foi respaldado por mais de 400 associações an tissemitas alemãs e por juristas, homens de negócios, aca dêmicos e líderes religiosos. Para o mundo era uma questão interna alemã. Não iriam interferir.

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nham ao menos um dos quatro avós como ancestral ju daico. Seja 1% ou 3% constituíam 11% dos advogados e 16% dos médicos. O que era orgulho para os judeus tor nou-se alvo do ódio de tantos.

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O país, não mais do pensamento refinado dos filóso fos como Schopenhauer e Hegel, abraçava uma fórmula simples: 1) eles eram os culpados, 2) nós precisamos eli minar os culpados. E quem eram eles? Os judeus. Nas pa lavras de Goebbels: “Nós queremos apontar o dedo no ju deu como... o inimigo do mundo,... o parasita entre os po vos,... a encarnação do mal...”. Por que os judeus? A má quina de propaganda nazista explica: “Se os judeus não existissem, inventaríamos os judeus”. Era preciso alguém para culpar. Assim, Hitler afirmou se referindo à data de

Nas fotografias deste artigo: a Neue Synagoge de Berlim em seu estado atual.

Grande parcela da comunidade judaica emigrava, mas os que permaneciam julgavam ser possível sobreviver mantendo a vitalidade comunitária, mesmo que cidadãos de segunda classe, afinal – sem considerar o êxodo – eram poucos, em torno de 500 mil, nem 1% da população. Mas o país – não mais dos filósofos e músicos – fazia outra con ta: eram um milhão e meio, pois contavam todos que ti

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A relação entre a legislação da Idade Média e as leis de Nuremberg – somadas à mensagem de Martin Luther que no ano de 1543 aconselhou aos governantes incendiar as casas de culto judaico, a destruir as residências e expropriar propriedade dos judeus – demonstra que o ódio incuba do estava pronto para renascer. E pouco importava se era a terra de Schiller, Goethe, Schopenhauer e Hegel, porque, frequentemente, quando a razão se volta contra os interesses, perdemos o interesse em manter a razão. O interesse dá contornos de legitimidade à destruição e ao genocídio. O ódio estava pronto para renascer e pouco importava se na terra de Heine, Born, Einstein, Ehrlich, porque o antisse mitismo autoriza projetar no judeu – como uma mancha de Rorschach – o que a percepção moldada pelo precon ceito quer enxergar. Assim, Kurt Eisner, que ao fim da Pri meira Guerra Mundial proclamou o fim da monarquia e a

Queima de livros judaicos (ano de 681)

Queima de livros “não alemães” (10 de maio de 1933)

O rabino Abraham Heschel (1907-1972) alerta: “Al guns são culpados, mas todos são responsáveis”. Podemos dar nome aos culpados: Adolf Hitler, Josef Goebels, Rei nhard Heydrich, Heinrich Himmler, Herman Goering, Rudolf Hess. Já os responsáveis não têm nome. É a massa amorfa que autoriza a conivência. Que silencia por cum plicidade. A massa não tem fronteira. “E o mundo silenciou”, escreveu o sobrevivente da Shoá Ben Abraham. A quebra dos vitrais fez barulho. Este barulho, em compla cência, não foi escutado. Como não foram escutados os apelos de bombardear as linhas de trem que levavam ju deus para os campos de extermínio.

Roupas dos judeus marcadas (1º de setembro de 1941)

Judeus e cristãos proibidos de compartilhar refeições (ano de 306)

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O país de Heine, Berliner, Born, Ehrlich, Einstein prevaleceriaeinicialmentepoderiaseiludiracreditarqueHitlerseriaumvendavalpassageiroequeoimpériodaleigarantidordaigualdadecivilaoscidadãosdareligiãoisraelita.

Roupas dos judeus marcadas (ano de 1215)

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O fato é que nem os judeus e nem o ódio a eles canalizado precisavam ser in ventados. Este ódio já destilava por sécu los nas veias da sociedade embriagada pela hostilidade que confere uma ilusória se gurança ao desprezar o outro. O historia dor Raul Hilberg (1926-2007) analisa a relação entre a lei canônica da Idade Mé dia e a lei nazista:

criação do novo Estado Livre da Bavaria, era tanto acusado de judeu bolchevique quanto de agente da burguesia. Irrelevan te para o uso manipulativo do preconceito Eisner ter sido indiferente ao judaísmo.

Proibida a construção de sinagogas (ano de 1222)

Judeus barrados dos vagões de refeição (30 de dezembro de 1939)

Judeus impedidos de andar nas ruas durante a semana da Páscoa (ano de 538)

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rendição da Alemanha na Primeira Guerra Mundial: “Nós vamos destruir os ju deus. Eles não vão se livrar do que fizeram em 9 de novembro de 1918.” Na mesma data – vinte anos depois –, provou que buscaria cumprir sua promessa.

Judeus impedidos de estar nas ruas certos dias (3 de dezembro de 1938)

Destruição de sinagogas (9 de novembro de 1938)

Kristallnacht representa o renasci mento da demonização do judeu que a ilusão quis acreditar estar extinta. Na noite de 9 de novembro de 1938 foram destruídas 400 sinagogas e 7.500 estabe lecimentos, 100 morreram e 30 mil fo ram enviados para campos de concentra ção.Não foi fato isolado a ser deplorado, pois já no dia seguinte, conforme o ra bino Emil Fackenheim (1916-2003) descreve: “Um dia após aquela noite (somente fui preso um dia depois) an dei, ingenuamente, pelo famoso Kurfürstendamm – algo como a Quinta Avenida de Berlim – e um espetáculo: ho mens respeitáveis e bem vestidos pisavam sobre os vidros quebrados das vidraças das lojas dos judeus e pegavam sa patos e Doisvestidos...”diasapós, em 12 de novembro, o governo nazis ta multava os judeus em um bilhão de marcos a título de compensação pelos prejuízos, como se eles, vítimas, fos sem culpados. A legitimação da destruição prossegue: no dia 28 de novembro de 1938 Hitler recebeu um telegra ma: “Três novas igrejas foram construídas. Elas levam seu nome, ‘mein Führer’, em gratidão a Deus pela milagrosa redenção da nossa nação através de suas mãos.”

Os sobreviventes – e seus descendentes – transformam

Veja, esta é a casa religiosa do meu povo, tal como tam bém verei a sua.

Na escuridão da noite não há nada mais para ver.

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Pelo cristal mostrava-se o santuário religioso.

O ódio e a indiferença de tantos não pode ocultar atos justos, como do cam peão mundial de boxe peso pesado entre 1930-32, Max Schmeling, que na Noite dos Cristais escondeu em sua suíte do hotel de Berlim dois filhos de um amigo judeu, dono de uma loja de roupa. O boxeador fingiu estar doente por quatro dias para não sair do hotel até que fosse minimamente seguro. Os dois me ninos, Henri e Werner Lewin, sobreviveram à guerra.

Pelo cristal pode-se dar um oi, mandar um beijo, fa zer um aceno. Dar boas-vindas, dar tchau. A noite apaga a luz do aceno.

a escuridão – nacht – em novo kristall –em nova Erguemluz.novas sinagogas. Resgatam o brilho do judaísmo para que resplandeça entre nós e ilumine a todos. A todos porque se enganam os que pensam que o antissemitismo vilipendia somente ao ju deu. O próprio mundo se quebrou com as vidraças estilhaçadas.

No porão de um prédio na cidade de Colônia, onde judeus se esconderam, foi encontrada uma inscrição:

Pelo cristal vê-se o rosto do outro.

Este artigo amplia a prédica proferida por ocasião da recordação da Noite dos Cristais realizada na Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 2018.

O Rabino Sérgio R. Margulies serve na ARI-Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro.

Kristall tornou-se nacht.

Pelo cristal entrava o convite. Venha à minha loja. A noite apagou.

A quebra dos vitrais fez barulho. Este barulho, em complacência, não foi escutado. Como não foram escutados os apelos de bombardear as linhas de trem que levavam judeus para os campos de extermínio.

As vítimas também não têm nome. Somente registro. Não eram considera das humanas para terem nome. Os per petradores aniquilavam apaziguados: ma tavam os que, em sua concepção, sequer existiam. E se existiam, era anomalia a ser extirpada. Assim, os algozes e seus cúm plices se vangloriavam de praticar o bem.

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A noite apaga o rosto que se esconde no medo.

Oitenta anos depois, ainda que sem a mesma ingenui dade do pai de Miriam Shapira, continuamos a acredi tar. Acreditamos cientes da crueldade que pode jorrar de uma terra patologicamente dilacerada. Acreditamos por que, conforme as palavras do rabino Fackenheim: “A in certeza do que acontecerá não pode abalar a certeza do que devemos fazer.”

Pelo cristal entrava luz. A noite apagou.

Eu acredito no sol mesmo quando não está brilhando Eu acredito no amor mesmo quando não estou sentindo Eu acredito em Deus mesmo quando Ele está silencioso.

CONSULTE-NOS: (21) 2257-2556 ou fc@fcrj.org.br

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U

De repente, um deles toma coragem, se aproxima e diz ao outro: “Descul pe, poderia me dizer a hora?” Diante da pergunta, o outro responde mandan do-o ao diabo (ou provavelmente dizendo em bom ídiche ‘kish mir in tuches’).

Mas nenhum dos dois falava nada.

E então você conheceria a minha filha e pensaria que, talvez, o seu filho e a mi nha filha poderiam formar um bom shidach. E ali, a ponto de terminar o jantar de shabat, você me proporia irmos ao shadchan para acertar o casamento entre o seu filho e a minha filha.

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PLANO B

Rabino Dario E. Bialer

ma antiga anedota conta que dois homens estavam em uma estação de trem na Polônia, e pela forma como estavam vestidos, talvez pelo chapéu, deixava claro a ambos que o outro era judeu.

Baseado na prédica de Iom Kipur 5779

Iom Kipur existe para celebrar a oportunidade de renascer; é a chance que tenho de errar e me “autorizar” a fazer diferente mudando o rumo da minha vida, e umaVouEfracassareventualmentenatentativa.nãotemproblema.terseguramentesegundachance.

Sentados a poucos metros de distância, eles se entreolhavam em silêncio esperando para ver qual dos dois abriria o jogo e começaria a conver sa. Afinal de contas, dois judeus que viajariam no mesmo trem certamente te riam muito do que conversar. Não tardaria para descobrirem conhecidos em comum e passariam a viagem tricotando.

Surpreendido pela reação, o primeiro lhe pergunta:

“Simples. Eu me dei conta há algum tempo de que você era judeu. Você me fez uma pergunta. Se eu te respondesse, iniciaríamos uma conversa. Descobriríamos que temos amigos em comum. Eu perguntaria a sua idade e você me responderia que tem em torno de 55 anos, o que me leva à dedução de que você tem um filho com idade de casar-se.

Você me perguntaria a respeito da minha família e eu lhe diria que tenho uma filha. Você me diria que está indo para a minha cidade a negócios e que não conhe ce ninguém ali. Eu o convidaria à minha casa para o shabat, afinal, como poderia deixá-lo passar um shabat sozinho!

“Escuta aqui ... por que você reagiu assim, se eu apenas te perguntei as horas?’

Mas é bom lembrar que umas e outras, as quebradas e as restauradas, foram carregadas juntas durante os 40 anos pelo deserto, simbolizando que, mesmo vivendo agora o plano B, não significa que abandonamos a nossa história. Que o quebrado e o renovado são momentos de nossas vi das e constituem quem somos.

Planos, e mais planos. Tal qual joga dor de xadrez, que tem o tabuleiro na ca beça e antecipa cada jogada, assim nós passamos a vida, fazendo planos.

Hoje estamos aqui, cientes que boa parte do nosso plano A não saiu como es perávamos. Mas toda a ideia de Iom Ki pur é que podemos começar de novo e que há um poder reparador em darmos segundas oportunidades a nós mesmos e imaginar novos planos para nossa vida.

Dessa forma, o ser humano se apresenta perante Deus em Iom Kipur. Sabendo que as mudanças que almejamos

E não é que isso seja tão fácil. O próprio Deus teve di ficuldades em fazer isso. Quando ele viu o povo dançan do em volta do bezerro, Ele pensou: Chega! Vou destruir esse povo e farei de Moshê o patriarca de uma nova nação. Nada de Plano B com este pessoal. Acabou!

tábuas de pedra, a lei e os mandamentos”. Mas, quando o povo começou a adorar o bezerro de ouro, Moshê tomou as tábuas que acabava de receber, as tábuas feitas e escritas por Deus, o objeto mais sagrado que jamais existiu na terra … e não hesi tou em jogá-las no chão e quebrá-las!

Como disse Bob Dylan: “He not busy being born is busy dying” (aquele que não está se esforçando para nascer [a re novar sua vida em todos os instantes], está morrendo [um pouco a cada dia]).

Sabem quando alguém é capaz de fazer isso? Quando tem atrás de si uma comunidade que o segura. Uma fa mília, que lhe dá apoio quando a vida desanda. A verda de é que ninguém tem nada garantido, e que viver pode até ser às vezes muito difícil, mas nem de longe é tão difí cil quanto passar a vida fugindo da vida. O plano B, nes se sentido, muitas vezes é mais autêntico, tem muito mais a ver conosco do que o plano A.

O próprio dia de Iom Kipur, o dia mais sagrado do ca lendário hebraico, é um plano B. Nesse dia, 10 do mês de Tishrei, Moshê desce do Monte Sinai com as segundas tá buas da lei. O plano A de Deus era completamente diferente. No livro do Êxodo, Ele chama a Moshê e diz: “Sobe agora ao Monte Sinai, e esteja ali, para que Eu te entregue as

Mas nem por um instante Moshê considerou essa op ção. Ao contrário, ele pressionou a Deus, estabelecendo um ultimato: “Ou Você perdoa as transgressões do povo e lhes dá uma nova oportunidade, ou então apaga o meu nome do livro que Você escreveu – apaga meu nome da Torá!” (Êxodo 32:32)

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Iom Kipur existe para celebrar a oportunidade de re nascer; é a chance que tenho de errar e me “autorizar” a fa zer diferente mudando o rumo da minha vida, e eventual mente fracassar na tentativa. E não tem problema. Vou ter seguramente uma segunda chance.

Estudar uma carreira, casar-se com um judeu, ter filhos, ser bem-sucedido, família grande e final feliz… Mas a vida não é um mar de rosas para ninguém, as coisas não saem conforme o planejado. E, então, temos que fazer como um GPS: recalcular.

Assim, as segundas tábuas trazidas por Moshê simbo lizam as segundas oportunidades na vida, que muitas ve zes não vêm fácil; exigem muita persistência, muito esfor ço. Pois, se as primeiras tábuas eram obra de Deus, essas segundas foram escritas por Moshê. O plano B demanda mais energia, sair da zona de conforto, mas também são de nossa autoria, se estabelece uma intimidade, uma apropriação que o faz, muitas vezes, mais significativo do que o projeto original.

Todas as mudanças vitais geram uma crise, um desequilíbrio que desestrutura até alcançar uma nova ordem, não desde a resignação, mas desde a habilidade de aprender e de crescer. E de sermos felizes, vivendo esse plano B!

Tem um midrash que se pergunta o que é um tsadik (o justo, a pessoa exemplar) na tradição judaica. E o midrash responde: O tsadik é aquele que cai e se levanta sete vezes. Mas o que faz dele um tsadik não é a fortaleza de se levantar sete vezes, senão se dar a possibilidade de cair sete ve zes e não desistir. Não sucumbir aos medos.

Então você me perguntou a hora, e eu falei comigo mesmo: seria eu capaz de ca sar a minha filha com o filho de um ho mem que sequer tem dinheiro para comprar um relógio?”

O plano original de Deus era: Saída do Egito, entrega da Torá e chegada a Is rael, tudo em um ou dois anos, no máximo. Um plano perfeito. Uma linha reta.

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não serão resolvidas por Deus, mas talvez que, perante Ele, possamos elaborar o que gostaríamos que nossa vida fosse e, a partir dali, trabalhar um plano B.

Poder ter opções B, C, D é um privilégio. Por outro lado, nem sempre tudo está em nossas mãos. Muitas ve zes a realidade se nos apresenta inapelável e inobjetável, e, quando isso acontece, compreendemos que não temos controle sobre tudo.

a melodia que fala da paz e que também encerra a oração do Kadish foi como um mantra que a acompanhou du rante todo o processo do luto.

Sheryl Sandberg publicou recentemente o livro Option B (“Plano B”, na tradução do título ao português). Esse li vro, que chegou a ser o número 1 em vendas nos EUA, e que com certeza sua autora teria preferido nunca ter pre cisado escrevê-lo, conta a história de como Sheryl perdeu trágica e inesperadamente seu marido, Dave Goldberg. Es tavam viajando pelo Caribe com um grupo de amigos, ce lebrando seus 50 anos. Enquanto a turma bebia na pisci na, Dave foi treinar na academia e nunca mais regressou. Sheryl encontrou o marido no chão da academia, já sem vida. Ao retornar à casa precisou dar a notícia aos filhos de que o pai deles tinha morrido e, a partir daí, foi muitas vezes engolida pela névoa profunda do luto – descrito por ela como um vazio que enche seu coração, seus pulmões, re duz sua habilidade de pensar e mesmo de respirar. E quan do sentiu que pior do que isso não podia ficar, lembrou de uma música da infância: “Ossê shalom bimromav...” e assim

Dessa forma o ser humano é lançado à vida. Muitas ve zes sem paraquedas e sem imaginar que existe chance de que o plano A dê errado. Logo com ela, uma superexecu tiva, atleta, filhos lindos e saudáveis. O drama da Sheryl é o drama existencial que os Iamim Noraim apresentam com toda sua intensidade. Vida, morte; determinismo divino e livre arbítrio humano.

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A morte e todas as perdas traumáticas nos mudam de maneiras muito profundas e diversas. E a questão não é se algumas dessas coisas acontecerão conosco, pois elas irão. Enfrentaremos perdas – Deus queira que sejam menos dra máticas – e sofrimentos que acreditamos não estar prepa rados. A pergunta é: o que fazer depois que acontecerem? O que vocês podem fazer para superar a adversidade? Al gumas semanas depois que Dave morreu, Sheryl conversa va com um amigo sobre uma atividade de pais e filhos da escola, e planejavam uma forma de substituir o pai, mas Sheryl conta que começou a chorar dizendo “eu não que ro um plano B, eu quero o Dave”. O amigo a abraçou e disse: “O plano A não está mais disponível. Então que va mos simplesmente ‘detonar’ com o plano B”. Assim sur giu o título do livro.

Imagine como seria a existência do ser humano sem ne nhum outro plano, sem nenhuma outra opção! A ideia de uma existência que não permita planos B é devastadora. Seria terrível conviver com a sensação de que não existe nenhum outro caminho possível depois de entender que seu emprego não é tão bom como parecia; de embarcar numa carreira que você posteriormente descobre não ser a que gosta; de casar-se com uma pessoa que depois você perce be que não lhe preenche mais?

O plano B é a vida confrontada com os obstáculos. É a vida inserida no tempo que não pode ser antecipado, pre visto ou mesmo evitado. Franz Rosenzweig fala de uma realidade efetiva. Não a fantasia do judeu na estação de trem, imaginando o que o outro diria, mas uma realidade efetiva que está diante de seus olhos, que lhe condiciona, mas que também impulsiona o seu plano B.

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Como disse Viktor Frankl no livro Em busca de sentido: “Ser humano significa decidir o que fazer de você, e assumir a responsabilidade”. Estamos em permanente construção.

O plano A do Estado de Israel era viver em paz com os seus vizinhos, mas isso até agora não deu certo. Portanto, foi necessário adotar um plano B – criar o melhor exérci to possível. Não que nós, judeus, tivéssemos muita expe riência no campo militar, mas não tivemos escolha. Esse exército deu muito certo! De lá saem jovens acostumados a tomar rapidamente decisões muito difíceis, futuros em preendedores com alto conhecimento de engenharia, tá

Mas Iom Kipur nos diz que grande parte da nossa vida

é feita de escolhas sim! E que as decisões e o curso que toma nossa vida – a partir das ações que tomamos – são as letras com que escrevemos nossa história pessoal, expressa mos os valores nos quais acreditamos e, no fim das contas, construímos nossa identidade. Ela será fruto do que faze mos com nossa liberdade, E responderemos por isso. En quanto dura nossa vida, somos seres em construção. Ninguém é. Estamos sendo.

Todas as mudanças vitais geram uma crise, um dese quilíbrio que desestrutura até alcançar uma nova ordem, não desde a resignação, mas desde a habilidade de apren der e de crescer. E de sermos felizes, vivendo esse plano B!

Penso que Israel é uma belíssima história de muitos planos B que se entrelaçam. Em primeiro lugar, o Sionis mo, que possibilitou termos um Estado, foi o plano B dos judeus que queriam ser europeus. Eles queriam tanto se in tegrar à vida na Europa após a Emancipação que até enxer gavam a Alemanha como atchalá de gueula, como o início da redenção, até que o Caso Dreyfuss deixou evidente que a emancipação não resolveria a questão do antissemitismo, e precisariam urgentemente de um plano B.

Você vai ficar numa prisão pelo resto da vida, ou nes te ano terá a coragem de inscrever o seu nome no livro do plano B? Porque algumas coisas realmente não podemos escolher. Não escolhemos respirar. Respiramos. Não esco lhemos envelhecer. Envelhecemos. Não escolhemos mor rer ou nascer. Morremos, nascemos e vivemos. Em certos aspectos, somos predeterminados.

tica e estratégia. Isto faz deles executivos do mais alto nível, o que explica o incrível sucesso das startups israelenses no mun do; sucesso que se mede não só em núme ros mas em qualidade de vida.

Veja o seguinte exemplo:

Mas esse espírito de superação fez com que a promessa bíblica de Deus, de uma terra próspera e abençoada, pa reça pequena do lado do que Israel foi capaz de realizar!

Imagine como seria a existência do ser humano sem nenhum outro plano, sem nenhuma outra opção! A ideia de uma existência que não permita planos B é devastadora.

Tem uma piada antiga que diz que se Moshê, depois dos 40 anos no deserto, tivesse virado à direita, em vez de virar à esquerda, teríamos ficado com o petróleo e os ou tros teriam que lidar com a árida paisagem da Judéia e do Negev! Mas seguramente Moisés sabia o que estava fa zendo. Talvez justamente por não termos petróleo – nem nada parecido – e ainda com nossa sobrevivência forte mente ameaçada, tivemos que desafiar nossos limites. En trar de cabeça, com esforço, com criatividade, investindo em educação, para realmente “detonar” com um plano B. Pois, se alguma coisa Israel nunca teve, é zona de confor to. Até agora foi só zona de conflito.

um tempo, junto com sua família, emi grou aos EUA. Lá formou-se como ra bino conservador e teve três filhos. Um deles estudou em Harvard e posterior mente se tornou CEO da SodaStream, que sob sua liderança cresceu tanto que recentemente foi comprada pela Pepsi por 3,2 bilhões de dólares. A SodaS tream funcionava num parque industrial em Jerusalém Oriental e dava emprego a mais de 500 famílias palestinas, mas, para evitar o boicote do BDS, foram forçados a trasladar a fábrica para perto de Beer Sheva e os empregados pales tinos tiveram que ser substituídos.

Em algum ponto precisamos escolher em que mundo queremos viver. A liderança palestina deve aceitar que Is rael não vai sair de onde está, e que o fato de Israel ser um país de vanguarda é muito bom para eles também.Torço para que saibam caminhar para um plano B (talvez, neste caso, seja mais correto dizer um plano C) que lhes possibilite construir um Estado próspero, pois atacar Israel não vai resolver nada para eles.

Há dois povos que merecem viver em paz. Dois irmãos que querem parar o derramamento de sangue. A União Europeia tem que entender que continuar culpando Is rael por tudo significa continuar postergando a solução. E que os bilhões de euros que enviam à Palestina, são em sua grande maioria desviados pela corrupção e usados para o terrorismo.Éimperativo um plano B para o Oriente Médio. Mes

Ervin Birnbaum nasceu na Hungria e de milagre sobreviveu à Shoá. Foi uns dos poucos que conseguiu em barcar no barco Êxodus, e chegou à Palestina. Depois de

Paraplégicos que têm a possibilidade de voltar a ficar de pé, andar e subir esca das através do dispositivo de ReWalk; ou, ainda, as pessoas com deficiência visual, que podem ter uma vida autônoma com o auxílio de óculos que descrevem qual quer objeto ou texto que tenham na sua frente. Israel des saliniza água do mar e a torna potável, e há muitos anos criou a tecnologia de gotejamento visando a irrigação exa ta que cada planta precisa. Todos esses são só alguns de tantos exemplos de empresas israelenses que dão soluções concretas para pessoas que não podem ver, não podem an dar, não têm energia elétrica, comida ou água suficiente, e isso tudo é feito num país minúsculo e de recursos natu rais bem limitados.

O BDS é o plano B dos que não conseguiram destruir Israel pela guerra, mas cada vez que uma companhia is raelense é boicotada, quem perde o emprego são as famí lias palestinas, pois quem dá trabalho para elas é Israel, não a corrupta Autoridade Palestina, a Jordânia, ou o Líba no. Então, cada vez que o BDS demoniza Israel, está con denando a que a situação na região piore. Ou seja, nem todo plano B é bom. Ele só é válido se tiver um propósi to construtivo.Quantomais complexas se tornam as questões do mundo, mais as pessoas anseiam por respostas simples. Os fanáticos, da extrema-direita e da extrema-esquerda, todos eles oferecem fórmulas muito simples. Eles sempre nos dizem quem são os caras do mal e que precisamos nos livrar deles para que se abram os portões do paraíso.

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Dito isso tudo, é incrível que essas companhias, que es tão ajudando tanto a humanidade a ter melhor qualidade de vida, especialmente aos mais desfavorecidos, sejam alvo do BDS, o movimento que, de forma completamente irra cional, fomenta o boicote a Israel e esses empreendimen tos, coisa que só pode se entender desde a lógica do ódio.

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Se esse plano, esse que é a minha vida hoje, esse que es tou prestes a assinar, é ainda o plano certo para mim? Ain da é o meu projeto? Ainda me identifica? Ainda me comove? Quando nascemos não nos foi dada uma vida. Nos foi dada a possibilidade de viver.

Rabí Chizkia ensina, no tratado de kidushin, que é o tratado do sagrado: “Que o ser humano deverá render contas quando partir desse mundo por tudo o que viu e não comeu”. Render contas pelas oportunidades que dei xamos passar e pelos planos B que não tivemos a coragem de assumir.

Escutem o que diz a Torah: “Vaiedá Adam od et Chava, ishtó”. Adão fez amor com sua mulher novamente, e tive ram outro filho que chamaram Seth. É interessante que a gente não é descendente nem da vítima, Abel, nem do per petrador, Caim, mas de Seth. E o mais especial que tem essa história é Adão amar a Eva, od, de novo. Porque amar pela primeira vez é fácil. A sua libido faz isso. Suas endorfi nas fazem isso. Mas amar, sofrer perdas e ser capaz de amar de novo, isso requer coragem e persistência1.

Dario E. Bialer é rabino e serve na ARI-Associação Religiosa Israe lita do Rio de Janeiro.

Adam e Chava conseguiram voltar a amar após a tra gédia. Isso é absolutamente transformador. Serem capa zes de superar o rancor, a desconfiança, as mágoas, a dor. Assim se dá a passagem entre o plano A e o plano B, com um tempo vital entre os dois, que é o tempo necessário para o amadurecimento, e fundamentalmente é o tem po da pergunta.

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Não tanto pelos erros e coisas ruins que fizemos, mas fundamentalmente – o Talmud Ierushalmi nos ensina – se trata de pensar: o que era para ser parte da minha vida e não foi?, o que era para ser vivenciado e não dei esse passo adiante?

Notas

O desfecho é que Caim o mata, e o que acontece de pois? Caim é sentenciado com a maldição de ser erran te por toda a terra. E depois? O que acontece com os pais quando voltam para casa e não têm mais filhos?! Como continua a vida deles? Alguém sabe? Um plano B para um drama desses com certeza não tinham.

1 Inspirado num ensinamento do Rabino Mario Rojzman, da sinagoga Beth Torah, Aventura, Miami.

A pergunta que nos convoca nos Iamim Noraim:

Se no livro do plano A ou no livro do plano B? E de pois – ensinava o Rav Kuk, mestre do mussar – não espe rar a que Deus assine! Deus até que pode assinar ao lado, mas a primeira assinatura tem que ser a nossa!

E quando em Iom Kipur nos desejamos chatimá tová, uma boa assinatura, primeiro devemos saber em que livro queremos ser inscritos nesse ano.

mo que ele talvez não seja perfeito; mas precisamos de uma narrativa que não seja mais entre vítimas e algozes, e, sim, de dois irmãos que querem viver em paz, e que eventual mente vão brigar dentro de casa, mas como irmãos, sem impulsos de destruição um do outro.

Quando eu assinar o livro da minha vida, Deus vai confiar na minha intuição e assinará junto. Mas quem as sina a nossa vida no primeiro lugar somos nós, e é sobre isso que rendemos contas em Iom Kipur.

Já tivemos suficiente de Caim e Abel. De um matan do e odiando o outro. É imprescindível uma terceira via. Lembremos o relato bíblico: Adão e Eva tiveram dois fi lhos... e Caim acabou matando Abel. Não sabemos exata mente por que o mata. Um midrash fala que foi por ciú mes. Outro midrash diz que estavam brigando por uma mulher, e um terceiro, que discutiam pelo amor da mãe.

Nós também não.

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a América Latina, costumamos associar Abraham Joshua Heschel ao carismático e incansável lutador pelos direitos humanos, Rabino Mar shall Meyer, e também a sua caminhada junto com Martin Luther King. Porém, acima de tudo, na maioria de seus dias, meses e anos, Heschel foi um acadêmico, que pesquisou, escreveu e ensinou rabinos. Um de seus discípulos mais famosos neste aspecto de sua trajetória é Arthur Green.

Entrevista de Arthur Green a Ruben Sternschein

“Segundo o mestre chassídico Pinchas de Koritz, ‘o mundo pensa que reza frente a Deus ou para Deus, mas não é assim. A reza em si é Deus’.”

TEOLOGIA ATEIA?

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N

Deus não é uma entidade separada do mundo ou da humanidade. É o ser em si, que é dentro de tudo. As rezas não são ouvidas por Deus, elas mesmas o revelam, são o sagrado, são Deus. As narrativas bíblicas não são história.

O Rabino Dr. Ruben Sternschein entrevista publicamente a um de seus mestres atuais, o Rabino Professor Dr. Arthur Green.

Fundador do Hebrew College, no qual serve como Reitor e professor de Fi losofia e Religião judaicas, o Rabino Dr. Arthur Green é uma das mais desta cadas figuras atuais da Teologia judaica, com profundo impacto na formação de muitos dos mais influentes rabinos dos nossos tempos. É professor emérito da Universidade Brandeis, onde ocupou a prestigiosa cadeira Philip Lown de Pen samento Judaico, foi presidente e decano do Seminário Rabínico Reconstrucionista, lecionou na Universidade de Pennsylvania e publicou mais de uma dú zia de livros. Discípulo dos Professores Alexander Altmann e Nahum Glazer, além de discípulo do Rabino Professor e filósofo A. J. Heschel, Art Green prestigiou o público na CIP com uma aula/bate-papo no começo do curso de Pen samento judaico de 2018.

via, descobri, perto dos 20 anos, que minha busca por per guntas existenciais era uma busca religiosa e fiquei atraí do pela introdução à cabala do professor Alexander Alt man e especialmente por um folheto com uns artigos de Hillel Zeitlin, em quem achei minha linguagem religiosa e meu foco de ação e realização para o resto da vida. Fui a Israel para estudar na Universidade Hebraica com Ger shom Scholem, o grande pesquisador que revolucionou o estudo da cabala no século 20, voltei aos EUA para estu dar o rabinato e completar o doutorado. A minha dedica ção a estes estudos foi sempre uma combinação de buscas pessoais e de trabalho acadêmico. Por três vezes abandonei cátedras universitárias prestigiosas para mergulhar na for mação de rabino. A escolha por um estudo mais íntimo em instituições pequenas, que me permitia formar e aprender ao mesmo tempo, se tornou um hábito.

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A família de meu pai era ateia e comunista. A de minha mãe bastante tradicionalista, se bem que não ortodoxa. As sim, cresci como judeu ateu até os 11 anos, quando come cei a frequentar a escola de bar-mitzva segundo a vontade de minha mãe e seus pais. Gostava bastante dos estudos e da proximidade com meus avós maternos, quando, infelizmente, veio a falecer minha mãe. Fiquei mais próximo ainda e aos poucos me tornei um judeu bem observante. Aos 15 anos já vivia como ortodoxo na maioria dos senti dos, mas quando entrei no college aos 18, descobri que não acreditava em nada do que fazia e abandonei tudo. Toda

Eu me defino nos últimos tempos como neochassídico. Isto é, eu estudo os ensinamentos dos mestres chassí dicos clássicos, do século 18, e me identifico com seu pen

São desafios paradigmáticos para nossas vidas. O mal não existe fora da intenção das pessoas de fazer mal. O resto é natureza indiferente, sem intenções. E o amor divino é nossa forma de sentir e expressar a gratidão pela existência – são algumas das afirmações conclusivas dessa conversa. Transcrevemos abaixo um resumo adaptado.

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Rabino Green, conte-nos um pouco de sua trajetória bio gráfica. Como se combinaram de forma tão única a ex celência acadêmica e o comprometimento religioso pes soal, o professor universitário e o formador de rabinos?

Existe alguma identificação específica com alguma das li nhas conhecidas do judaísmo?

Então qual é o sentido da reza?

Nós herdamos histórias e as achamos belas. Mas isso não significa que precisemos de sua literalidade. Eu falo toda sexta-feira no kidush “e se concluiu a criação dos céus e a terra....e terminou Deus no sexto dia sua obra...”, mas eu não acredito que o mundo foi criado em seis dias. Do mesmo modo, o relato da saída do Egito para mim não é história. Eu não sei se os judeus estiveram no Egito. Mas, na minha opinião, essa não é uma pergunta religiosa. Essa é uma pergunta para historiadores ou arqueólogos. Egito é um paradigma de tudo que nos amarra e escraviza. A per gunta de Pessach é qual é o nosso Egito e como devemos sair dele. Antes de falar no Seder “escravos fomos na ter ra de Egito”, nós lemos na Hagadá: “Este ano somos es cravos no próximo seremos livres”. Essa é a condição reli giosa da narrativa e da celebração de Pessach. Como con viver ao mesmo tempo com amarras e liberdades. Na mi nha opinião, a libertação também é uma pergunta teológi

Eu sou um crente e um não crente ao mesmo tempo. Eu acredito, mas não no Deus e no modo de crença con vencional do Ocidente. Para mim, Deus não é uma en tidade separada e, sim, é o ser indefinível e inapreensível que habita tudo e une tudo. O tetragrama bíblico é uma forma impossível criada na base do verbo ser e estar, que diz ser ao mesmo tempo presente, passado e futuro. Assim o tetragrama talvez deveria ser traduzido como O SER, e nunca como uma entidade denominada Deus ou Senhor.

samento e modo de ler o judaísmo. Contudo, não levo a vida estrita de qualquer ortodoxia, nem da dos clássicos nem da dos ortodoxos ou qualquer um dos grupos chas sídicos que existem hoje. Eu abraço o mundo moderno e contemporâneo e nele procuro integrar a sabedoria chas sídica e cabalista.

cessidades, seu amor e suas lágrimas. Nessa introspecção em si mora Deus. Ela em si é o sagrado. A pergunta não é se Deus ouve. Deus não se encontra além dessas palavras, pensamentos ou emoções para recebê-las. Deus se revela nelas em si. Habita elas, é elas. Para mim, a reza não é uma jornada de ascensão, mas uma viagem ao interior. Em bus ca da consciência do divino.

Vou começar dizendo qual não é. O que não é rezar. Rezar não é uma conversa com Deus como se Deus fos se alguém que está do outro lado de uma linha telefônica, ouvindo. Ou do outro lado do céu. Nestes casos, gosto de citar o mestre chassídico Pinchas de Koritz. Ele disse que “o mundo pensa que reza frente a Deus ou para Deus, mas não é assim. A reza em si é Deus”. Deus se encontra no pró prio ato ou na própria jornada da pessoa ao buscar e ex pressar seus anseios, seus medos, suas esperanças, suas ne

Após essa definição de Deus e da reza, qual é o significado das nossas narrativas, o que devemos fazer por exemplo com uma história como a saída do Egito e seus milagres?

O que é Deus?

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A pergunta teológica do mal, na minha opinião, resi de na seguinte formulação: por que temos a capacidade do mal? Especialmente faz sentido como pergunta teológica no contexto de minha ideia de que todos somos imagem do divino. E mais, somos tanto aspectos do divino como o divino em si. Nesse sentido, o mal sim acaba sendo par te do divino e a pergunta, um desafio teológico e religioso.

Eu acredito na evolução. O divino, como a existên cia, precederam a tudo que vemos hoje e foi evoluindo até chegar a uma célula e a milhares de células que forma ram plantas e animais simples até evoluírem mais e mais em mecanismos mais complexos cuja cúspide é o cére bro humano. Essa evolução aconteceu através de processos que incluíram violências terríveis. Nós possuímos no nosso DNA herdado a capacidade para essa agressão vio lenta. É parte de nosso lado animal.

“Neste ponto me apoio na cabala que acredita, sim, existir o mal dentro do divino e o próprio divino luta dentro de si para vencê-lo. Neste contexto, a humanidade existe para cooperar com o divino nessa luta pelointernoaperfeiçoamentoconstante”.

O amor divino, na minha opinião, se concebe da se guinte forma: Nós existimos, como tudo que existe, em vir tude de um sistema que nos permite essa existência. A ár vore percebe a mesma luz e energia que nós. Ela a transfor ma em clorofila. Para ela, a luz do sol é clorofila. Para nós é amor. Nossa tendência natural é sentir gratidão pela existên cia, atribuí-la a nenhuma razão além do “chessed” (compai xão de amor), como sugere Maimônides no final de O Guia dos Perplexos. Ao supormos que não existe razão nem neces sidade para a existência, concluímos que ela vem de um ges to desinteressado de amor e sentimos gratidão por isso. Pre cisamos de linguagem para expressá-la e de um interlocu tor. E assim nasce a religiosidade. A luz é a mesma. A origem a mesma. O funcionamento o mesmo. Para a árvore é clorofila. Para nós é amor. Em uns casos é maior em outros, é menor. Um presente de um ano, de um dia ou de cem.

Acredito que ficaram claros dois desafios. O primeiro é como conviver com uma essência divina que inclui o mal. Que tem mal. Que é também mal. O segun do, qual é o significado do conceito do amor divino uma vez que o divino tem mal e foi definido como a própria existência e natureza que é indiferente ao sofrimento. Em outras palavras: nunca diríamos que alguém indiferente a meu sofrimento pode ser reconhecido como alguém que me ama. Como então o divino poderia incluir o conceito de amor após ter sido definido como a existência indiferente ao sofrimento?

Como o senhor entende o mal? Como acredita que deveríamos lidar com o mal?

Na minha opinião a pergunta do mal se contextualiza assim: por que temos essa capacidade, mesmo sendo divi nos? Por que temos evoluído por esse caminho de morte? Não sei a Todavia,resposta.acredito que na retrospectiva surge uma ques tão operacional: quais são nossas alternativas? Podemos sustentar a dinâmica da luta da sobrevivência do mais for te ou trocá-la por outros valores. Afinal, nós somos tam bém como formigas e como abelhas. Precisamos de coo peração. É através dela que conseguimos governar esse pla neta. Aprendemos a respeitar e a ajudar. Podemos então trilhar a vida com a ideia de que, já que sobrevive o mais forte, sejamos o mais forte. América acima de tudo. Brasil

O mal é algo que existe apenas den tro da esfera humana. Mal é trazer sofri mento deliberadamente a alguém ou in tencionalmente não cuidar de alguém que padece dor. Na minha opinião a natureza não tem mal. Um terremoto não é mal. O câncer não é mal. São simplesmente resul tados do decorrer da natureza. Sem intenções. A natureza é indiferente. Não tem intencionalidade.

Neste ponto, me apoio na cabala que acredita, sim, existir o mal dentro do di vino e o próprio divino luta dentro de si para vencê-lo. Neste contexto, a huma nidade existe para cooperar com o divino nessa luta pelo aperfeiçoamento inter no constante.

Sim, mas isto não é pouco. Daí cria-se um relaciona mento real, uma vida real, um modo real de ser, de con ceber e de viver.

ca, porque, no fundo, pergunta como encontramos o divino em liberdade. Liber tar-se é, para mim, encontrar Deus. Tor nar-se livre é descobrir Deus.

acima de tudo. Ou podemos escolher ou tros valores e caminhos.

Então o amor divino é uma interpretação, uma recepção, uma atitude? É o modo como o humano recebe, interpre ta e reage à vida ao vê-la como presente?

Minha esposa, que você conheceu e viu numa cadeira de rodas, viveu antes uma longa vida e nos últimos anos teve muitas complicações que sofremos jun tos. Eu poderia dizer que Deus foi cruel, terrível e insensível ou posso agradecer pelos anos presenteados. Ser religioso é sentir e expressar gratidão pelo que se tem. É tudo que temos. É esse sentimento de gratidão que abre os corações. O salmo que diz mizmor letodá (cântico de grati dão) deveria ser traduzido como cântico à gratidão. Ex pressamos gratidão pelo presente de podermos sentir gratidão. Sentir gratidão é um presente e faz toda a diferença.

Deus é a natureza, mais do que ela ou diferenciado dela?

O Rabino Dr. Ruben Sternschein serve à CIP-Congregação Israe lita Paulista, de São Paulo.

Entendo que o suicídio é um ato de desespero. Eu vejo o desespero como algo triste e complicado. Não posso julgar. Não posso entrar na dor de quem expe rimenta esse desespero que o leva ao sui cídio. Eu acredito que estamos aqui para valorizar a vida, agradecer por ela e multi plicar o amor que ela representa. Por isso vejo o suicídio com muita tristeza, enten do que se trata da rejeição do presente e sinto dor diante dele. Sem julgamentos. Aqui eu me iden tifico como Rebbe de Breslav, devemos trabalhar muito e sempre para não desesperar jamais.

“A contribuição da religiosidade para a ciência está na capacidade de se maravilhar, de sentir assombro e gratidão, admiração e sacralidade diante do mistério”.

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Nas suas palavras percebe-se ao mesmo tempo evolução e destino de algum modo...

Como considera a Cabala Luriana?

Como uma ótima linguagem metafórica. Profunda, mas metafórica. Eu não levo suas imagens literalmente. O tsitsum, a contração como movimento vinculado à cria ção, me parece acertado, pois mostra que existe uma con centração de energia em qualquer ato criativo. A questão da ausência e presença divina prefiro tratá-la conforme fez Nachman de Breslav sobre Luria: a ausência divina é uma presença mais profunda e complexa que precisamos revelar.

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Como considera o suicídio?

Eu acredito na evolução, como disse acima. Por ou tro lado, como religioso acredito em Deus e como místi co acredito que tudo é um. Tudo é uma unidade chamada Deus ou Ser. O Ser é quem evoluiu do um nos vários, do simples no complexo. Está tudo contido nessa unidade. Eu não acredito num Deus que diz “agora vou criar nessa cena tal pessoa para que viva de tal modo e faça tal ação”. Não. Tudo é um, tudo é num ser. Ao mesmo tempo. A representação do tetragrama mostra que os três tempos se mes clam. Passado, presente e futuro são um ao mesmo tempo na unidade. A contribuição da religiosidade para a ciên cia está na capacidade de se maravilhar, de sentir assom bro e gratidão, admiração e sacralidade diante do mistério.

Eu sou pananteista, não panteísta. Para mim, a natu reza, como tudo, é parte de Deus, mas Deus é mais de um modo misterioso. Um infinito mistério maior.

Perguntas do público

Eu trabalho como rabino no Kibutz Yahel e na região de Aravá há quase dez anos. Vivi com minha família em Yahel por seis anos e estou lá toda semana servindo como rabino. Eu também ensino em Lotan e sou chamado para rea lizar cerimônias (casamentos, bnei mitsvá2 e funerais) e dar aulas sobre assun tos judaicos. Eu amo meu trabalho. Eu transito em comunidades diferentes, todas elas procurando definir sua identidade israelense judaica no século XXI.

TSION NO DESERTO

Yahel e Lotan foram fundados como Kibutzim Reformistas, ou seja, combinando a ideologia do movimento kibutziano e a ideologia do movimento reformista.

que levou jovens judeus Reformistas norte-americanos, britânicos e sul-africanos a, nas décadas de 1970 e 1980, se mudarem para o fim do mundo, ou seja, para os confins do deserto, na escaldante região de Aravá1, deixando para trás confortáveis vidas de primeiro mundo, além de famílias e amigos?

Yahel e Lotan são únicos nesta área, uma vez que ambos foram fundados como Kibutzim Reformistas, ou seja, combinando a ideologia do movimento kibutziano e a ideologia do movimento reformista. Yahel foi fundado em 1976 e Lotan, seu irmão mais novo, em 1982. Os fundadores das duas comunidades escolheram viver numa parte essencialmente secular de Israel, onde a maioria dos habitantes da área realmente não entendiam o que eram esses dois kibut zim “religiosos reformistas”. Na região, apenas os habitantes do Kibutz Keturá, afiliado ao movimento Masorti – Conservador – de Israel, os entendiam.

Rabino Benjie Gruber

Contudo, tudo o que os fundadores fizeram foi forjar uma nova maneira de viver, celebrar e explorar sua identidade e prática judaico-israelense, ao mesmo tempo em que viviam o Sionismo no dia a dia, construindo uma sociedade de mocrática dentro do democrático Estado de Israel.

O

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O título deste meu pequeno artigo é retirado de um livro escrito pelo pro fessor William Miles, onde ele explora as questões da identidade dos judeus que vivem nos dois únicos Kibutzim Reformistas do mundo: Yahel e Lotan.

Yahel e Lotan têm sinagogas e têm serviços regulares para o shabat e chaguim. A maioria dos outros kibutzim na região de Aravá não tem sinagogas, mas ainda assim eles também celebram o judaísmo à sua maneira.

À esq., Kibutz Lotan; no meio e à dir., Kibutz Yahel.

AlgumasShavuot.dascrianças que nasceram no kibutz estão se casando e tendo filhos. Alguns deles voltaram a morar no kibutz. Estamos agora perto de uma nova geração de crian ças bar e bat mitzvá nos anos que estão por vir.

Neste ano em Yahel concluiu-se a construção de várias casas novas e se realizaram as obras de expansão em outras tantas casas, num projeto de expansão previsto para 20172019. Isto aconteceu depois de muitos anos sem cresci mento populacional. Estas obras demonstram a expansão da população e também a procura do kibutz por novas pes soas dispostas a integrar a comunidade.

Também tentamos incorporar os ideais da Reforma Ju daica no nosso dia a dia fora da sinagoga. Questões finan

Um dos membros fundadores de Yahel que ainda vive lá, sendo atualmente um avô orgulhoso, disse-me: “Eu amava o acampamento de verão do Movimento Refor mista e queria morar lá o ano todo, então fundamos um Kibutz Reformista”. Isso significa, entre outras coisas, que oramos juntos na noite de sexta-feira e depois fazemos um jantar de shabat comunal e sempre analisamos os textos ju daicos nos processos de tomada de decisões.

O Kibutz Yotvatá constrói a maior sucá do Oriente Médio e organiza um seder de Pessach para 900 pessoas, usando uma Hagadá escrita por seus membros. Contudo, Yotvatá se classifica como sendo um kibutz secular.

A Torá, nos é dito em nossa tradição, foi entregue no deserto, e, como qualquer coisa no judaísmo, temos mais de uma explicação dos motivos para isto. A minha expli cação favorita para o fato de o povo de Israel ter recebi do a Torá no deserto é sobre sua propriedade. Quem pos sui a Torá? Quem é dono do judaísmo? Desde o deserto não pertence a ninguém. A Torá foi dada lá para demons trar que ela também não é exclusiva de ninguém. Que ela

Nesse sentido, a vida judaica israelense parece ser con fusa e é muitas vezes incompreensível para um judeu da Diáspora, que está acostumado a celebrar seu judaísmo numa sinagoga ou centro comunitário.

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Em Yahel e Lotan falamos de Deus e Torá e Judaísmo e Ecologia e seu lugar na tradição judaica. Temos serviços de oração regulares e dizemos Birkat Hamazon no início e no final de todas as refeições. O aspecto religioso está na agen da e é claro para todos. A questão de como viver uma vida reformista, comunitária, ecológica, judaica e democrática não tem uma única resposta. Além disso, as respostas que eram verdadeiras, pelo menos parcialmente, nas déca das de 1970 e 1980 podem não mais ser viáveis para hoje.

ceiras, comunitárias e outras podem e devem ser conside radas sob uma perspectiva reformista. Celebramos todos os feriados de forma criativa e kibutziana, contando sem pre com ampla participação. Um dos destaques do ano é a cerimônia de Shavuot, que ainda é celebrada na maio ria dos kibutzim. Em Yahel e Lotan, além desta cerimô nia no estilo kibutziano, também celebramos o recebimento da Torá e temos uma sessão de estudo tarde da noite –Tikun Leil

Ambos, Yahel e Lotan, estão neste momento testando novos e diferentes modelos de associação, para integrar os que os procuram da melhor forma possível.

Esses jovens pioneiros foram inspirados por rabinos e líderes em suas comunidades e pela vida comunitária dos acampamentos de verão do Movimento Reformista.

Ambos os kibutzim têm diretorias e comitês muito ati vos, que cuidam inclusive dos negócios de propriedade conjunta – agricultura, turismo e indústria.

pertence a qualquer pessoa que esteja disposta a investir tempo e energia em estu dá-la e vivê-la.

O povo de Yahel e Lotan (e os outros kibutzim na região de Aravá), fundado res e recém-chegados, decidiram possuir a Torá, possuir a terra, possuir a tradição pelo trabalho duro e grandes esforços. Te mos responsabilidade com a terra em que vivemos e na Criatividadecriatividade.éosegredo para o suces so no mundo moderno. O Centro Kib butz Lotan de Ecologia Criativa (CfCE) explora caminhos de engajamento em ações para a sustentabilidade ambien tal e a justiça social. Visa construir comunidades e organizações saudáveis.

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Notas

Como este artigo será lido por judeus e não judeus brasileiros, eu gostaria de terminá-lo contando sobre a cola boração entre Israel e o Brasil, que está acontecendo aqui

O CfCE vai capacitar professores do Brasil com seu emblemático programa Green Apprenticeship (Aprendizagem Verde), com dura ção de quatro semanas, numa versão especialmente adap tada para as características específicas da Paraíba.

Quando judeus e não judeus de Israel e do mundo constroem juntos, eu sinto e acredito que não só teremos projetos sustentáveis, mas também sociedades sustentáveis que oram e agem diariamente para aprimorar o mundo em que vivemos.

O Estado de Israel tem 70 anos e os Kibutzim Reformis tas, em torno de 50. Em termos de história judaica, 40, 50, 60, 70 anos é um quase nada. Às vezes, muitos anos são descritos na Bíblia em um ou dois versos, se é que o são. Mas nossa tradição de 4.000 anos está florescendo no deserto e em todo o mundo. Que possamos continuar a ser criativos, curiosos e dispostos a aprender uns com os outros.

2 Bnei é o plural de bar e bat mitsvá.

Benjie Gruber é rabino e serve na região de Aravá, em Israel

1 A Aravá é a parte sul do deserto do Neguev, em Israel.

Israel e Brasil estão trabalhando jun tos para lidar com a sustentabilidade de áreas áridas. O CfCE tem o prazer de re ceber os brasileiros do projeto do The World Tour Israel, “Gira Mundo Israel”. A Volunteers World Brazil (VWB) está se preparando para receber 20 professores da Rede de Ensino do Estado da Paraíba, que atuam no semiárido.

O Green Apprenticeship é um programa de treinamen to prático com palestras teóricas e práticas. Ele inclui tó picos como técnicas de design de permacultura, engenha ria sustentável, agricultura orgânica sustentável, projetos e técnicas de construção naturais e com eficiência energéti ca. Também lida com design de sistemas e vida cooperativa, pesquisando o design, a construção e a execução de projetos sustentáveis, ligando os aspectos ecológicos, so ciais, econômicos e culturais a um todo unificado. Prevê o desenvolvimento de habilidades através de trabalho práti co em nosso centro de educação ambiental, hortas orgâni cas e projetos alternativos de construção natural.

Enquanto escrevo este pequeno artigo, penso também em pessoas que não moram a 4-5 horas de viagem de car ro, mas a quase 24 horas de viagem porta a porta, entre Brasil e Israel, enfrentando a segurança de aeroportos, a chatice da espera em escalas e voos frequentemente abar rotados e desconfortáveis. E, então, me sinto abençoado por fazer parte do esforço Reformador / Judaico / Sionis ta / Democrata para criar Tsion no deserto. Eu sou um re cém-chegado. Estou aqui no deserto há meros dez anos, seguindo os passos daqueles fundadores, que continuam tão empolgados como estavam antes do sonho que viviam ter se tornado realidade. E a vida com entusiasmo criativo e empolgação pelos resultados (mesmo os mais pequenos) é a maior benção de todas.

Tentamos incorporar os ideais da Reforma Judaica no nosso dia a dia fora da sinagoga. Questões perspectivaconsideradascomunitáriasfinanceiras,eoutraspodemedevemsersobumareformista.

em um de nossos kibutzim reformistas.

A maioria das comunidades na região de Aravá é basea da na agricultura. Este nunca foi um modo de vida fácil e continua não sendo, principalmente no deserto! Para vi ver no deserto você deve, antes de tudo, ser um otimista. Acredito que isso seja verdade em qualquer outro lugar em Israel, mas aqui esta necessidade é mais aguda. Você pre cisa confiar em seus vizinhos para assistência e apoio. Afi nal das contas, quase todos aqui vivem longe de sua famí lia. São 4 a 5 horas de carro até Tel Aviv ou Jerusalém. Es tamos longe de todos! As 12 comunidades de Aravá têm população total de apenas 4.500 pessoas (incluíndo as 250 de Yahel e as 200 de Lotan).

Ron/istockphoto.comOoriya

or ocasião dos 25 anos dos Acordos de Oslo, Devarim publica dois artigos com opiniões divergentes. Este, de Guy Millière, que foi pu blicado em 14 de setembro de 2018 no Gatestone Institute1, com tradução e publicação em Devarim expressamente autorizadas, e o do membro do Conselho Editorial de Devarim, Ricardo Gorodovits, que se encontra a seguir.

Da noite para o dia, Yasser Arafat já não era mais o líder de uma organiza ção terrorista derrotada. De súbito, ele se tornou o presidente de um quase-Es tado; a sua Organização para a Libertação da Palestina (OLP) foi transformada na “Autoridade Palestina” (AP).

Guy Millière

Os ataques terroristas contra os israelenses durante essa “paz” se tornaram ainda mais sangrentos e profusos, e logo foram perpetrados num ritmo frenético. Alguns visaram deliberadamente crianças e jovens, como o massacre da dis coteca Dolphinarium e o atentado suicida no restaurante Sbarro. Arafat não condenou nenhum deles.

Vinte e cinco anos depois de Oslo, o balanço é mais parecido com o que, em 2003, o historiador Efraim Karsh, comentando sobre o aperto de mão RabinArafat, chamou o início da “guerra de Oslo”.

P

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O CUSTO SOMBRIO DA “GUERRA DE OSLO”

Em setembro de 2000, a Autoridade Palestina lançou uma guerra de guerri lha em grande escala que durou quatro anos e matou mais de 1.000 israelenses.

13 de setembro de 1993. Yitzhak Rabin e Yasser Arafat apertaram as mãos no gramado da Casa Branca. Eles haviam acabado de assinar oficialmente o do cumento que deveria iniciar a Paz: o Acordo de Oslo. As engrenagens daquela máquina começaram a funcionar.

Lcodacci/istockphoto.com

Isto é um franco chamado para o genocídio, incorpora do em um dos documentos mais completamente antisse mita que é posível ler (no mesmo nível de “Os Protocolos dos Sábios de Sião”). Poucas pessoas parecem saber que o documento fundador do Hamas é genocida.

E haja concessões! Em 2005, Israel evacuou incondi cionalmente e à força todos os judeus da Faixa de Gaza –um movimento que resultou na rápida tomada do poder pelo Hamas. Em 2008, o primeiro-ministro Ehud Olmert propôs um plano pelo qual Israel abandonava a metade leste de Jerusalém e se retirava quase totalmente da Cisjor dânia e do Vale do Jordão – uma proposta que resultou na retirada das negociações pelo lado palestino. Mesmo assim, Israel continuou a ser definido internacionalmente como sendo o lado culpado.

Israel, enquanto isso, foi constantemente convocado a negociar e a fazer concessões cada vez maiores.

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Embora seja verdade que o Hamas é especialista em matar palestinos inocentes, ele tornou muito claro, em pa lavras e ações, que achava melhor matar judeus. A seguin te declaração, que faz congelar o sangue, é da carta funda dora do grupo: O Movimento de Resistência Islâmica as pira à realização da promessa de Alá, não importa quanto tempo isso leve. O Profeta, Alá o abençoe e conceda a salvação, disse: “O dia de julgamento não virá até que os mu çulmanos lutem contra os judeus. Quando os judeus se es conderem atrás de pedras e árvores, as pedras e as árvores dirão: ‘Ó muçulmanos, ó Abdulla, há um judeu atrás de mim, venha e mate-o’”.

Embora a Autoridade Palestina nunca tenha oculta do que ainda era a mesma velha OLP genocida, ganhou um amplo reconhecimento: muitos países da África, Ásia e América Latina, e até a Santa Sé, reconhecem um “Esta

Logo ficou claro que Arafat não iria desistir de ser um assassino em massa. Seu sucessor, Mahmoud Abbas, não foi melhor. Não cessaram os assassinatos de judeus. Israel finalmente decidiu construir uma barreira de segurança. Os líderes palestinos continuaram incansavelmente a fazer demandas que nenhum país poderia satisfazer sem come ter suicídio. Estas incluíram o recuo para as indefensáveis linhas de armistício de 1949 e a inclusão em Israel de mi lhões de pessoas que haviam jurado a destruição dos judeus.

te necessidade de uma profunda mudança no comportamento de Israel antes que seja muito tarde. A população palestina, pontuou ele, está imbuída de uma “obses são genocida contra Israel”. Ele também enfatizou que:

Em janeiro de 2017, o historiador Daniel Pipes, funda dor e presidente do Middle East Forum, detalhou a urgen

“Ao contrário do slogan de Rabin, não se faz [a paz] com ‘inimigos muito de sagradáveis’, mas sim com antigos inimi gos muito desagradáveis. Ou seja, inimi gos que foram derrotados … Mostra o re gistro histórico que as guerras terminam não através da boa vontade, mas através da derrota. Quem não ganha, perde. As guerras geralmente terminam quando o fracasso faz com que um dos lados se de sespere, quando esse lado abandona seus objetivos de guerra e aceita a derrota, e quando essa derrota esgota sua vontade de lutar. Por outro lado, enquanto am bos os combatentes ainda esperam alcan çar seus objetivos de guerra, a luta continua ou potencial mente será retomada.”

Vinte e cinco anos depois de Oslo, o balanço é mais parecido com o que, em 2003, o historiador Efraim Kar sh, comentando sobre o aperto de mão Rabin-Arafat, cha mou o início da “guerra de Oslo”. Nesta guerra, ele escre veu, Israel havia concedido desde o início uma grande vi tória para seus piores inimigos, dando-lhes uma respeitabi lidade que eles não mereciam, e assim se colocou em uma posição perdedora da qual nunca se recuperou totalmente. Em um estudo abrangente publicado em 2016, ele reafir mou sua análise e disse que o aperto de mão de 1993 e o documento assinado então tinha sido o “mais gritante erro estratégico na história de Israel”.

O número de israelenses que pensam que um acordo de paz é possível está diminuindo. O número de israelenses que pensam que nenhuma concessão adicional deve ser feita está crescendo. Infelizmente, o mesmo acontece do outro lado, o número de árabes palestinos que apoiam ataques terroristas também está crescendo.

Em 2003, Joel Fishman, membro do Centro de As suntos Públicos de Jerusalém, escreveu que, antes de qual quer nova ação a respeito da questão palestina, o governo israelense deve parar de tratar a Autoridade Palestina como o que ela não é e começar a tratá-la como o que ela é e nun ca deixou de ser: uma organização terrorista. Os governos israelense e dos EUA estão agora indo nessa direção. Em 6 de março de 2018, o primeiro-ministro israelense, Ben jamin Netanyahu, disse que Abbas deve “parar de pagar terroristas para matar os judeus”. A declaração não apenas designou Abbas como um líder terrorista, como também lembrou ao público que o dinheiro incentiva o assassina to. O ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, observou que Abbas “paga NIS 100 milhões (USD 27 milhões) em salários a terroristas e assassinos” e acrescentou “uma men sagem clara: Não mais”.

do Palestino” que simplesmente não existe. A “Palestina” obteve assento na Unes co e status de “Observador Permanente” nas Nações Unidas.

Uma tarefa que exige atenção urgente é a exposição e a refutação das falsificações históricas que proliferam entre a AP e seus apoiadores. Foi essencial, se bem que atrasada, a decisão do governo israelense de se retirar da Unesco após uma votação que absurdamente negou a conexão judaica com o Monte do Templo de Jerusalém e o Muro das La

Apesar do fato de uma grande par te dos subsídios estrangeiros concedidos à Autoridade Palestina estar sendo usada para recompensar o terrorismo e finan ciar o incitamento ao ódio antijudaico, os subsídios estrangeiros só aumentam.

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A propaganda palestina ganhou terre no internacionalmente e até mesmo em Israel. Um número crescente de árabes is raelenses se radicalizou; alguns comete ramOrganizaçõesataques. extremistas que haviam sido estabelecidas em Israel, mas financia das do exterior em nome da “paz”, mos travam suas verdadeiras cores abertamen te hostis à existência de Israel. A recen te aprovação de uma lei que define Israel como o Estado-nação do povo judeu e estipula o que está em evidência desde a fundação de Israel em 1948 (a De claração de Independência não exclui ninguém e fala do “desenvolvimento do país para o benefício de todos os seus habitantes”; também fala explicitamente do “direito natu ral do povo judeu de ser, como todas as outras nações, se nhor de seu destino no solo de seu próprio Estado sobera no”) levou algumas dessas organizações a tentar provocar a ira anti-Israel entre a minoria drusa e a organizar protes tos em Tel Aviv.

Richter/istockphoto.comBernhard

Os regimes árabes sunitas sabem que Israel pode se tor

mentações. Quando o primeiro-ministro Netanyahu se re fere à Cisjordânia, ele sempre menciona os nomes bíblicos Judéia e Samaria, reafirmando assim que a Judéia tem este nome precisamente pela milenar soberania judaica da área. Ele também explica que expulsar os judeus da Judéia e da Samaria deve ser chamado pelo seu nome: limpeza étnica.

nar seu maior aliado contra a ameaça iraniana na região. O príncipe herdeiro saudita Mohamed Bin Salman disse em Nova York em abril deste ano que os palestinos terão que “aceitar as propostas feitas pelo governo Trump ou fi car quietos”. Em 12 de agosto, Walid Sadi, um ex-diplo mata jordaniano, escreveu no Jordan Times (jornal que de pende diretamente do governo da Jordânia) que a Autori dade Palestina deve “resignar-se a uma solução imperfei ta”. A declaração dele nos faz refletir sobre o que, na opi nião da AP, seria uma solução perfeita.

O mesmo fato foi reconfirmado em vídeo postado pelo inestimável serviço do MEMRI2: um ministro do Interior do Hamas, em 2012, afirma que palestinos são “apenas sauditas e egípcios”.

Studiodr/istockphoto.com

Israel sempre enfrentou a implacável hostilidade da União Europeia, França e Alemanha, que hoje estão entre os mais ardentes defensores da corrupta “Causa Palestina”. O governo israelense sabe que não tem nada a esperar de les, exceto ser minado. Em julho de 2016, Mahmoud Ab bas, depois de fazer declarações abertamente antissemitas no Parlamento Europeu, foi aplaudido de pé. Em julho de 2017, Emmanuel Macron beijou Abbas e, com uma ex pressão séria, agradeceu-lhe por seu “trabalho incansável em favor da não violência”. Em abril de 2018, Ismail Ha niyeh, líder do Hamas, estava na capa de uma das prin

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Em março de 1977, em entrevista ao jornal holandês Trouw, o líder da OLP, Zuheir Mohsen, declarou: “O povo palestino não existe. A criação de um Estado Palestino é apenas um meio de continuar nossa luta contra o Estado de Israel, através da união árabe. Na realidade, não há di ferença entre jordanianos, palestinos, sírios e libaneses. Fa lamos hoje da existência de um povo palestino apenas por razões políticas e táticas, pois os interesses nacionais árabes exigem que postulemos a existência de um povo palestino em oposição ao sionismo”.

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25 anos depois dos Acordos de Oslo, a realidade é que o número de israelenses que pensam que um acordo de paz é possível está diminuindo. O número de israelenses que pensam que nenhuma concessão adicional deve ser feita está crescendo. Infelizmente, o mesmo acontece do outro lado, o número de árabes palestinos que apoiam ataques terroristas também está crescendo.

deres palestinos que as alimentam em um sonho impossí vel e impedem seu progresso.

Em fevereiro de 2017, John Bolton, o conselheiro de segurança nacional do presidente Trump, disse que não via nenhuma instituição viável no lado Palestino e acrescen tou que talvez a melhor opção poderia ser uma “solução de três Estados”, através do qual Gaza se juntaria ao Egito, e uma parte da Cisjordânia se uniria à Jordânia. O go verno israelense não discordou.

É realmente trágico que as pessoas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia tenham sido reféns por tanto tempo de lí

2 Middle East Media Institute (memri.org), instituição que traduz matérias e vídeos da imprensa em árabe.

Guy Millière, professor da Universidade de Paris, é autor de 27 li vros sobre a França e a Europa.

1 O Gatestone (gatestoneinstitute.org) distribui por mail, gratuitamente, a seus as sinantes uma coleção diária de artigos exclusivos e indispensáveis.

Traduzido do inglês por Raul Gottlieb.

cipais revistas de notícias francesas, a Paris Match, e várias páginas da revista foram dedicadas a uma hagiografia de um homem que só pode ser descrito como um assassi no antissemita. A União Europeia, a França e a Alemanha aparentemente não deixarão de financiar a Autoridade Pa lestina e dezenas de organizações radicais anti-israelenses, e estão fazendo todo o possível para salvar o “acordo nu clear iraniano” e o regime dos mulás.

Notas

A assinatura dos Acordos de Oslo gerou uma enorme onda de otimismo, infelizmente asfixiada por uma ainda maior onda de sangue provocada pelos ataques terroristas e pelo apoio acrítico que a Autoridade Nacional Palestina conseguiu angariar no mundo, mentindo sobre suas prá ticas e dissimulando suas intenções.

Hamas, um entidade terrorista em ruínas, tem tentado transformar a população brutalmente governada da Faixa de Gaza em uma horda de fanáticos sedentos de sangue. A Autoridade Palestina é uma autocracia cheia de corrup ção que sobrevive apenas graças à ajuda maciça do Oci dente ingênuo – um suborno que não apenas falhou, mas, como na maioria das extorsões, apenas levou a novas de mandas por mais dinheiro.

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OSLO: A FALTA QUE FEZ A PEÇA

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O assassino de Rabin, bem como aqueles que o estimularam e respaldaram, acreditava que sem Rabin, que dava o respaldo político e democrático aos acordos de Oslo, sendo portanto seu principal avalista, os acordos ruiriam. Tendo a acreditar que estavam certos, infelizmente. Os acordos dependiam demais de Rabin, de seu respaldo popular, do respeito que inspirava em lideranças de Is rael e do mundo árabe, inclusive dos palestinos. Dependiam de sua mão firme quando tratava de lutar contra o terrorismo (que nunca deixou de existir), de

N

QUE FALTA

uma palestra, um intelectual brilhante expõe o fracasso dos acordos de Oslo, enumerando os motivos pelos quais suas falhas e lacunas essenciais tornavam inviável fazê-los serem bem sucedidos. A plateia atenta, aplaude e agrega perguntas que parecem reforçar o que foi apresentado: os acordos eram natimortos.

Fachada do edifício do Centro Nobel da Paz, em Oslo, Noruega.

Muitos de nós assistiram palestras com este teor. Ou lemos textos, teses, livros. Agora, passados 25 anos da assinatura dos acordos, cuja declaração de princípios foi firmada em setembro de 1993, nova enxurrada de textos enfati za o ocaso das negociações de paz, o fim definitivo do que havia sido então es tabelecido e a inexistência de nova iniciativa que equivalha e substitua aquela. Até porque, aquela, dizem, não deveria ter ocorrido.

Ricardo Gorodovits

Essas análises em geral caminham margeando a história, observando o rit mo das águas e seu destino inevitável. Em geral, porém, tocam apenas de pas sagem, quando não esquecem totalmente, um fato que me parece extremamen te relevante: o assassinato de Yitzhak Rabin, em novembro de 1995, por um judeu ortodoxo da extrema-direita, parte de um grupo que considerava Rabin não apenas um traidor de Israel (como boa parte da direita israelense o via), mas um perigo para o povo judeu, que deveria ser eliminado.

A interação entre Israel e as lideranças palestinas criaram uma atmosfera de colaboração antes inexistente, que permitiu a Israel ganhar mais controle em termos de segurança e mais conhecimento sobre as expectativas palestinas.

forma de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Apesar de não ter suspendido o boicote comercial de boa parte do mun do árabe, alguns países relevantes, como Indonésia, Marrocos e Tunisia, iniciaram conversações nessa direção, os dois últi mos inclusive abrindo escritórios de representação em Israel. Outros países dei xaram de boicotar ou ameaçar boicotar empresas de outros países que fizessem negócios com Israel ou cujos fornecedo res tivessem relacionamento comercial com Israel.

o risco de usar uma metá fora pobre ou simplificada demais, pode mos comparar os acordos de Oslo com o Titanic. O que poderia acontecer caso não colidisse com o iceberg que o afun dou? Ou se o corte em seu casco tivesse provocado a ruptura em número inferior de câmaras estanque, permitindo que as mesmas fossem isoladas e o navio salvo? O Titanic foi, em seu tempo, alvo de entusiasmo e também de críticas, tendo sido identifica das, após o desastre, inúmeras escolhas consideradas equivocadas em seu planejamento e construção, sua condução e nos procedimentos relativos ao naufrágio. Porém, sem o fatídico iceberg, o Titanic poderia ter cumprido seu papel e seguiria, por muitos anos mais, levando passageiros atra vés dos mares transatlânticos.

O iceberg de Oslo foi o assassinato de Rabin, e, quem sabe, sem este evento os acordos teriam progredido de forma diferente?

Claro que isso não ocorreu de forma linear. E especial mente no que tange à segurança, houve reações violentas que poderiam frustrar a evolução dos acordos. Em aten tados cometidos por palestinos (sempre atribuídos ao Ha mas, já na época uma facção relevante entre os palestinos, cuja força efetiva afloraria para o mundo apenas dez anos depois) terroristas mataram mais de 150 pessoas entre a assinatura da declaração de princípios e o final de 1995.

O imponderável da história se aplica aqui.

sua excessiva (para o meio político) sinceridade, expressa, por exemplo, na relutân cia evidente do primeiro aperto de mão comCorrendoArafat.

A interação entre Israel e as lideranças palestinas cria ram uma atmosfera de colaboração antes inexistente, que permitiu a Israel ganhar mais controle em termos de segu rança e mais conhecimento sobre as expectativas palestinas. Até quase o final de 1995, o alto escalão israelense manti nha encontros semanais com Arafat e seus colaboradores.

O iceberg de Oslo foi o assassinato de Rabin, e, quem sabe, sem este evento os acordos teriam progredido de for ma diferente? O imponderável da história se aplica aqui. Os “se” e “talvez” não cabem, apenas os fatos podem ser considerados. No entanto, a morte prematura e violen ta do líder israelense não pode ser descartada como fato historicamente irrelevante, como quis, recentemente, Yuli Edelstein, porta-voz do Knesset. Ao contrário, me parece que se houve algo inevitável na derrocada do que Oslo havia definido, esta inevitabilidade estabeleceu-se apenas a partir deste vergonhoso evento.

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Nesse período, o Vaticano finalmente reconheceu o Es tado de Israel (um trunfo importante em termos diplomá ticos) e foi assinado o acordo de paz com a Jordânia, o que praticamente tornou inviável qualquer iniciativa bélica for mal de países árabes contra Israel (lembrando que o Egi to já mantinha relações com Israel desde o acordo BeginSadat, na década de 70). De acordo com a maior parte da bibliografia a respeito, Rabin buscaria ainda a paz com a Síria e com o Líbano, mas preferiria aguardar as eleições de 1996, quando um novo mandato poderia fortalecer seu suporte popular para isso. Em outubro de 1991, quando ocorreu a Conferência de Madrid (ainda no governo Sha mir, do Likud), considerada a base sobre a qual Oslo foi construído, Israel mantinha relações diplomáticas com 91 países. Ao final de 1995, eram 155 países.

Em 1994, o pior atentado cometido por um judeu is raelense teve lugar em Hebron, matando 29 pessoas, o que levou a implementação pelo governo israelense de du ras regras de segurança na cidade. A política de Rabin era

Podemos olhar para o cenário desenhado nos dois anos em que Rabin esteve à frente do governo, conduzindo a evolução do que havia sido estabelecido nos acordos.

O resultado para Israel foi tremendamente positivo. O produto interno bruto (PIB) israelense deu um salto, crescendo acima de 5% nos dois anos seguintes. O PIB per capta alcançou o mesmo patamar da Grã-Bretanha em 1995. O mesmo fenômeno positivo aconteceu com o nú mero de turistas visitando o país, que praticamente dobrou nesse período. O desemprego caiu significativamente. Em presas que se recusavam a investir no país em função de boicotes ou medo de boicotes passaram a planejar e em seguida executar planos de investimento, fosse para o merca do interno israelense, fosse para adotar Israel como plata

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Com a morte do primeiro-ministro, a soma dos atenta dos do primeiro semestre de 1996 e a insegurança quanto à capacidade de Peres levar adiante o trabalho iniciado ao lado de Rabin acabaram levando-o à derrota nas eleições subsequentes. Cabe lembrar que nessas eleições foi acorda da a separação entre a votação para primeiro-ministro da quela realizada para o Knesset (em Israel, tanto antes dis so como depois, a votação é única, sendo convidado para formar o governo o líder do partido com maior número de assentos no congresso, ou aquele que o presidente entender ser o mais capaz de formar um governo estável). Com isso, apesar do Partido Trabalhista eleger a maior banca da (34 cadeiras contra 32 do Likud), e da diferença mínima de votos entre os dois principais candidatos (menos de 1%), a população conduziu Benjamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro, cargo em que, assumido novamente no início de 2009, mantem-se até hoje.

O que era difícil com Rabin, mas possível, tornou-se inviável a partir de então. Netanyahu era o líder da oposi ção a Rabin e sua maior bandeira era o combate aos acor dos “entreguistas” de Oslo. Como seria possível imaginar alguma evolução no processo de paz sob sua liderança? Se por um lado ele não tinha qualquer histórico de uma re lação de confiança com os palestinos, ao elegê-lo, os israelenses sinalizavam uma clara preocupação com a con tinuidade da política anterior. Como país democrático e

Berezko/istockphoto.com

formulada por ele de forma simples: buscar a paz como se não houvesse terrorismo, combater o terror como se não houvesse processo de paz. Sua ação anterior, não apenas na esfera militar e como primeiro-ministro, mas inclusi ve como ministro da Defesa durante a primeira intifada, o credenciava como alguém que de forma alguma negligen ciaria a permanente sobreposição da segurança às iniciati vas dos acordos de Oslo.

Após seu assassinato, em novembro de 1995, mais de 50 israelenses foram mortos em atentados apenas nos pri meiros meses de 1996. Shimon Peres, que assumiu pro visoriamente o governo até que novas eleições pudessem ser realizadas, no final de maio de 1996, foi co-responsá vel por Oslo e conhecia muito bem os meandros das polí ticas israelense e palestina. No entanto, operou durante o governo Rabin sob sua liderança, o que, de acordo com os analistas, permitia que Rabin levasse adiante as melhores ideias trazidas por Peres, mas sempre de acordo com seu próprio ritmo e sob seus cuidados. Um exemplo disso foi o anúncio feito por Peres da conclusão das negociações para o acordo Oslo II, em julho de 1995, indicando sua assina tura em duas semanas. Entretanto apenas no final de se tembro de 1995 o acordo foi firmado por Rabin, após sua leitura e discussão aprofundada com a revisão de cada um de seus detalhes. Aparentemente, após assumir o governo, Peres se sentia motivado para avançar o mais rapidamente possível nos acordos, e críticos entenderam na época que ele estava “solto”, sem o freio que Rabin lhe impunha. Pe

Torre do relógio em Oslo, Noruega.

res também não tinha o perfil reconhecidamente duro de Rabin, a experiência militar e no combate ao terror.

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No governo de Ehud Olmert, já debilitado em função das acusações de corrupção que acabaram levando-o à pri são, o interlocutor pelo lado palestino passou a ser Mah moud Abbas, que assumiu a liderança da ANP após a mor

te de Arafat. Abbas havia participado das negociações em Camp David, no governo Barak, e conhecia bem os limi tes a que Israel estava sujeito quanto às concessões que po deriam ser feitas. Olmert entretanto o surpreendeu e le vou adiante um plano onde oferecia até mesmo a interna cionalização de Jerusalém, algo que dificilmente ele con seguiria aprovar no Knesset. Ainda assim, mais uma vez, Abbas declinou da possibilidade de equacionar a questão, com a criação do Estado Palestino. Em recente entrevista, Olmert (que após um período na prisão teve direito à li berdade condicional) afirmou que a reapresentação de seu plano de paz aos palestinos hoje seria o melhor caminho para se chegar a um acordo para a solução de dois Estados. Segundo ele, entretanto, enquanto Netanyahu seguir no poder, as chances disso acontecer são nulas, porque Netanyahu jamais acreditou de fato nesse caminho.

Ao contrário, durante o período em que Rabin este ve à frente do governo, os resultados para Israel e para os palestinos foram extremamente positivos, seja observan do-se por meio de uma análise “fria” os números da evolução econômica e diplomática de Israel, seja avaliando-se, ainda que de forma mais subjetiva, a abertura de Is

Ehud Barak foi eleito em 1999, ano em que os acor dos já deveriam ter evoluído de forma significativa, den tro do processo gradual inicialmente planejado, e possi velmente foi acometido (ou pressionado) pelo mesmo oti mismo exagerado que permeava as ações de Peres. Nego ciou, com a intermediação do governo Clinton, um pla no de paz, bastante consistente e, sob o ponto de vista israelense, condescendente em suas premissas, mas colo cou Arafat contra a parede, apontando-lhe apenas as op ções “tudo ou nada”. Os palestinos optaram pelo recuo e uma nova oportunidade de negociação efetiva surgiu apenas oito anos mais tarde.

Nossa conclusão é de que afirmar que os acordos de Oslo estavam desde seu início fadados ao fracasso é fru to de uma análise extremamente parcial, em que se bus ca justificar uma premissa pelos seus resultados, sem levar em conta a tragédia que se abateu sobre Israel com o as sassinato de Rabin.

Vista da cidade de Oslo, Noruega.

Durante seus três anos de governo, Netanyahu rever teu políticas implementadas por Rabin, entre elas a redu ção do ritmo de crescimento dos assentamentos nos terri tórios ocupados. Cabe observar que um dos pontos da pla taforma de Rabin era reduzir ou eliminar a participação do Estado na construção de assentamentos, delegando à ini ciativa privada este tipo de investimento, sem os subsídios posteriormente oferecidos.

parlamentarista, muitas das ações do governo precisavam do aval do Knesset, que Netanyahu soube, como poucos, controlar e dirigir na direção de solapar qualquer avanço relevante do pacto anterior.

Bruev/istockphoto.com

A crítica que pode e deve ser feita se direciona à dependência, hoje evidente, que os acordos mantinham em relação à sua condução por um líder que assegu rasse à população israelense sua capacida de de conciliar a busca da paz com a ga rantia de segurança. Infelizmente, naque le momento, Rabin não tinha um suces sor à altura e, nos meses que se seguiram à sua morte, o processo definhou, sendo enterrado defini tivamente com a eleição de Netanyahu sete meses depois.

raelense, e o enfraquecimento do campo à esquerda do espectro político não pa recem oferecer muito alento de que ve remos movimentos consistentes na dire ção de um acordo com os palestinos em prazoFicamos,razoável.portanto, na expectativa de que de um lado e de outro surjam no vas lideranças que possam mover as pe ças deste complexo tabuleiro, com coragem e também com segurança, no senti do de estabelecer um pacto que ofereça às gerações futuras uma perspectiva con creta de Quandopaz. isso ocorrer, tenho certeza, a figura de Rabin será a principal fonte de inspiração e seu assassinato terá finalmente uma resposta à altura.

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A provável mudança de liderança palestina, devido à idade avançada de Abbas, não permite olhar para o futu ro próximo com mais otimismo, já que não há, aparente mente, chance de uma voz moderada e com um discurso firme quanto a construção das condições para a existên cia de um Estado Palestino assumir o controle da ANP. As sucessivas reeleições de Netanyahu evidenciam o su porte que possui de parcela significativa da população is

Bibliografia

Para a elaboração deste texto muitos livros e sites foram consultados, sendo as principais referências relacionadas a seguir: Yitzhak Rabin, O soldado da paz – equipe do Jerusalem Report, 1996 Rabin, Our Life, His Legacy – Leah Rabin, https://en.wikipedia.org/wiki/2000_Camp_David_Summithttps://pt.wikipedia.org/wiki/RMS_Titanichttp://www.mfa.gov.il/mfa/foreignpolicy/terrorism/palestinian/pahttps://www.rt.com/news/441831-ehud-olmert-netanyahu-palestine/https://www.timesofisrael.com/abbas-admits-he-rejected-2008-peacehttps://www.haaretz.com/israel-news/oslo-accords-25-years/the-oshttps://www.timesofisrael.com/knesset-speaker-rabins-murder-had-nohttps://foreignpolicy.com/2018/09/13/the-oslo-accords-are-dead-but-https://www.nytimes.com/2018/09/12/world/middleeast/israel-paleshttps://en.wikipedia.org/wiki/Oslo_Accordshttps://en.wikipedia.org/wiki/First_Intifadahttps://www.indexmundi.com/israel/gdp_real_growth_rate.htmlhttps://tradingeconomics.com/israel/tourist-arrivals1997tinian-oslo.htmlthere-is-still-a-path-to-peace-israeli-palestinian-arafat-rabin-clinton/-historical-impact/lo-accords-didn-t-achieve-peace-but-they-did-birth-startup-nation-1.6467816http://www.aish.com/jw/me/48898917.html-offer-from-olmert/ges/fatal%20terrorist%20attacks%20in%20israel%20since%20the%20dop%20-s.aspx

No entanto, os dilemas que foram enfrentados por Ra bin continuam sendo objeto de preocupação. A solução de dois Estados parece mais distante, tendo surgido uma questão adicional com o controle do Hamas sobre Gaza. E como anexar formalmente a Cisjordânia a Israel levaria a um crescimento muito relevante da população não ju daica, isso também parece fora de questão. Com isso, o governo israelense tem deixado o diálogo com os palesti nos em segundo plano, sem qualquer avanço efetivo nos últimos anos.

Ricardo Gorodovits é engenheiro, ativista comunitário, ex-boguer da Chazit Hanoar e membro do conselho editorial de Devarim

Durante o período em que Rabin esteve à frente do governo, os resultados para Israel e para os palestinos foram positivos,extremamenteobservando-seosnúmerosdaevoluçãoeconômicaediplomáticadeIsrael.

Ainda assim, muitos dos ganhos então obtidos não se perderam. O mundo não se fechou para Israel, ao con trário. O desenvolvimento econômico persistiu, a redu ção dos gastos com a defesa (em percentual do PIB) foi razoavelmente mantida ao longo do tempo. Israel segue sendo um país democrático, o turismo segue em alta, a infraestrutura melhorou tremendamente. A relação com o mundo árabe teve altos e baixos, mas Egito e Jordânia mantêm-se com representações diplomáticas de alto ní vel e a existência de um inimigo em comum (o Irã) apro ximou Israel dos países do Golfo Pérsico, especialmente a Arábia Saudita.

rael para o mundo (e do mundo para Israel) e o clima majoritariamente positivo que permeou a sociedade israelense na quele momento.

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DAPERSPECTIVASFRONTEIRA

Vittorio Corinaldi

uando, em princípios de 1956, cheguei a Bror Chail, não só o kibutz era um primitivo acampamento de barracos erguidos sobre um solo poeirento que a chuva transformava em frustrante lamaçal, como toda a região do Neguev Setentrional era um vasto território semiá rido, sobre o qual começavam a nascer as primeiras lavouras, que introduziam manchas de colorido na desolada uniformidade cinza-amarelada do panorama.

Hoje, campos cultivados e pomares cobrem integralmente a superfície, e o olhar percorre uma fértil e generosa natureza, transformada pelo persistente es forço do Autoreshomem.dessa transformação são os kibutzim que surgiram nesses anos ao longo da fronteira de Gaza. Todos são fruto do estabelecimento voluntário de jovens dos movimentos juvenis sionistas-socialistas – em grande parte da Amé rica Latina, e dentre eles do Brasil.

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Israel ocupou a Faixa de Gaza e os anos subsequentes foram de relativa calma. Criou-se um contato com a população civil e milhares de cidadãos árabes atravessavam diariamente a fronteira para vir trabalhar em Israel. Foi um período positivo para ambos os lados.

Q

Eles se colocaram como um marco objetivo de definição territorial frente a uma das mais estranhas manifestações geopolíticas de nosso tempo, herdada do tratado de armistício da Guerra de Independência de 1948 como um en clave mantido em sua retirada pelo derrotado exército egípcio. É uma estreita faixa comprimida entre o Mediterrâneo e Israel, onde se concentram em con dições extremamente difíceis 2 milhões de pessoas, mantidas por interesse po lítico em deplorável estado de sub-habitação, nutrição, sanidade e assistência médica, com infraestruturas deficientes e desemprego, numa posição de eter nos refugiados, vivendo em constante provisoriedade e penúria.

A tendência otimista foi sufocada pelos radicalismos das duas partes, e a fanáticoorigemaproximaçãopromissoraquedeuaosacordosdeOslofoibrutalmentecortadapelaaçãodoreligiosojudeuIgalAmir,sobincitação“messiânica”defalsosrabinosdosetordosassentamentos.

Esta situação sempre foi propícia para a proliferação de grupos extremistas e ini ciativas terroristas contra Israel – que, à curta distância, observada através da cerca que hoje delimita todo o território, é vis ta com olhar rancoroso como um paraí so de desigual riqueza e bem-estar. Des de sempre a Faixa de Gaza (que hoje é do minada pelo grupo extremista muçulma no Hamas, e no passado foi administra da pelo Egito, que a ocupou militarmente até a Guerra dos Seis Dias de 1967, quan do Israel o rechaçou) foi base de lança mento de toda sorte de atos hostis contra os adjacentes kibutzim e a cidade de Sderot: atos hostis que paradoxalmente incre mentaram depois que Israel, no mandato do primeiro-ministro Ariel Sharon, se retirou e desmante lou os insustentáveis assentamentos que lá tinham surgi do durante os anos de sua administração.

Nos anos 50, a atividade terrorista era constituída de infiltrações armadas dos chamados “Fedayiun”, que visa vam sabotagem e assassínio. Ela foi debelada na Guerra do Sinai (Operação Suez) de 1956. Ao término desta, foi criada uma força da ONU de policiamento da fronteira, que funcionou com reduzida eficiência até 1967, quando – às vésperas da Guerra dos Seis Dias – o presidente egíp cio Nasser ordenou sua retirada.

Foram eles, de início, o constante bombardeio dos ishuvim judeus com mísseis de primitiva fabricação ca seira ou munição de proveniência iraniana. Quando Is rael encontrou a resposta tecnológica para neutralizar es ses mísseis, passou-se à construção de túneis que pudes sem levar os guerrilheiros árabes até o interior dos kibut zim driblando a vigilância israelense. Também este expe diente não teve sucesso, e o passo seguinte foi incitar as massas da população a manifestações de protesto ao longo da fronteira, com tentativas violentas de invasão, lan çamento de pedras e queima de pneus. Todos estes foram rechaçados pelo exército, numa reação certamente legítima, mas talvez desproporcional à natureza rudimentar do armamento empregado: um fato que foi ruidosamente en fatizado e exagerado pela mídia internacional.

Israel ocupou então a Faixa de Gaza, e os anos sub sequentes foram de relativa calma. Criou-se um contato com a população civil e milhares de cidadãos árabes atra vessavam diariamente a fronteira para vir trabalhar em Israel. Foi um período positivo para ambos os lados, e até pessoalmente posso testemunhar de relações de colabora

ção e mesmo amizade com vizinhos de além-cerca.Atendência otimista foi sufocada pe los radicalismos das duas partes, e a pro missora aproximação que deu origem aos acordos de Oslo foi brutalmente cortada pela ação do fanático religioso judeu Igal Amir, que levou a cabo o até então in concebível ato do assassinato do primei ro-ministro Rabin, sob incitação “messiânica” de falsos rabinos do setor dos as sentamentos. O que veio substituir o so pro de esperança que então havia come çado foi a política nacionalista dos go vernos de direita, assentados sobre o ex torsivo apoio dos grupos religiosos orto doxos dos vários matizes.

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É preciso compreender que essa política e o impasse que se criou na tentativa de negociar – mesmo sem ter uma ativa correspondente disposição do lado palestino –leva o público palestino, e em especial os jovens, mais e mais a um desespero pela falta de perspectiva para o fu turo. Este sentimento é particularmente agudo na Faixa de Gaza e é cinicamente usado pelo Hamas e demais grupos extremistas atuantes à sua sombra, para encorajar atos de “patriótica” insurreição.

Hoje, ao lado dos instrumentos enumerados, uma nova “arma” de ataque entrou em ação: pipas lançadas ao ar, portadoras de mechas incendiárias. Este primitivo dis positivo demonstrou-se eficiente, ateando fogo a extensas

O leitor pouco familiarizado com as peculiaridades do conflito deve saber que a citada excentricidade geopolíti ca fazia de Gaza um distrito da Autoridade Palestina to talmente separado geograficamente do principal núcleo da Cisjordânia, onde a supremacia é do Fatah (o herdeiro po lítico da OLP de Arafat, mais inclinado a alguma sorte de entendimento com Israel). Com a retirada, o radical Ha mas assumiu o poder, estabelecendo um regime autôno mo dissidente da liderança da OLP, e concentrou todos os esforços na promoção de hostilidades contra Israel, às cus tas da segurança e bem-estar de sua população.

Aqui, faz-se necessário um comentário objetivo desta situação de confronto, que vem durando já há longos anos.

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A reação israelense à prolongada realidade de violência tem sido quase só tecnológica e militar. Enquanto re dijo este texto, paira um perigo de que se passe a uma vas ta operação militar da envergadura das anteriores de anos recentes, que pode resultar numa reocupação do territó rio e em sofrimentos humanos para os dois adversários.

áreas de culturas prontas para a colheita ou a bosques pa cientemente plantados e cultivados para mudar a realidade ecológica e ambiental: um cenário tipicamente demonstrativo de um sentimento popular que os “estrategistas” do Hamas conseguem desviar para seus objetivos políti cos, servindo-se da experiência lúdica de jovens e crianças.

Israel respondeu às provocações do Hamas, e à sua in sistente recusa de reconhecer o Estado judeu e seu direito à existência, com um embargo total, que abrange as fron teiras terrestre, marítima e aérea; com um controle mui to severo de materiais e mercadorias introduzidos via Is rael; e com um fornecimento reduzido de água e energia elétrica. Todos estes só podem agravar a já desastrosa si tuação da população.

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Vítima deste critério preponderantemente tático e de curto alcance têm sido os habitantes de Sderot e dos kibut zim: sua resiliência tem sido admirável e digna de respeito; sua confiança na segurança oferecida por Tzahal (Exérci to de defesa) é completa, e não se abalou em todos os anos de duração das desgastantes provocações. Mas há um limite, por mais que os atrativos físicos da região e a liga ção de longos anos com o lugar possam exercer uma in fluência positiva neste espírito de resistência. E advertên cias neste sentido começam a se ouvir a partir dos kibut zim endereçadas ao governo. Este não demonstra especial disposição de chegar a soluções políticas mais efetivas do que os passos de retalhamento punitivo ad-hoc ou os enge nhos tecnológicos sofisticados. Pois tais soluções políticas implicam numa negociação com o Hamas que só poderia começar com alguma concessão, como o levantamento do embargo e a implementação mais generalizada de medidas humanitárias, que Israel, como o lado mais forte, poderia se permitir com boa dose de confiança.

Também, o governo de direita de Netaniahu não se apressa em dar expressão muito clara de solidarieda de com os “esquerdistas” kibutzim, representantes mui

quem pouco provavelmente o venha a substituir se a isto for obrigado pelos processos jurídicos em que está envolvido) se lance a uma auspiciosa abertura e quebra de im passe no diálogo com os palestinos: o eleitorado israelen se está submerso numa corrente de indiferença temperada por uma ilusória prosperidade econômica, e voltada para lamentáveis aspectos de racismo, intolerância e discrimi nação. E então seguramente assistiremos a um continuar dos ataques aos kibutzim, senão a piores desenvolvimen tos da situação, que os ventos que sopram da América de Trump e de uma Europa inclinada para um ressuscitar das direitas podem facilmente incentivar.

Onde estarão perspectivas mais otimistas? Só uma recusa de aceitar a realidade como imutável e uma ação po lítica e educativa persistente o dirão.

O silencioso heroísmo dos kibutzim e dos centros ru rais e urbanos da fronteira pode indicar um caminho. Mas para isto é preciso que a maioria do público israelense modifique pelo voto o endereço de nacionalismo retórico e vingativo, de impulso místico-messiânico que inspira os militantes dos assentamentos e seus representantes parla mentares. Esta é uma perspectiva que hoje parece por de mais longínqua, e não é de esperar que Netaniahu (ou

Vittorio Corinaldi, Tel Aviv, junho de 2018.

to mais autênticos do setor rural e da colonização obreira (“Hitiashvut Ovedet”) do que os assentamentos das mi lícias religiosas da direita na Cisjordânia, seus custosos e exigentes protegidos.

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Que futuro espera finalizar uma vez por todas o lon go caminho de sacrifícios? Que perspectivas se apresentam para uma juventude educada no ódio e na ignorância, in citada por um Islã fanático na ilusão de uma destruição de Israel e de uma impossível volta aos tempos da hegemonia árabe em toda a Palestina?

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NIntrodução

ão tivéssemos a convicção quase que atávica de que não existe o aca so, não teríamos tamanha premência para formular perguntas. Sa bemos que na Torá não há letra ou palavra fora do lugar, uma vez que aceitamos sua origem divina e, portanto, ela não comporta erros, licenças poéticas ou pequenos tropeços. Vale o mesmo para o idioma no qual ela nos foi passada, o hebraico. Palavras associadas pelas mesmas raízes não são resultantes do acaso, mas sim de uma razão maior. As raízes das palavras são suas características irredutíveis, em que se concentram seus reais significados e, a partir delas, são criadas as famílias etimológicas. As relações entre as palavras hebraicas também podem ser estudadas de outra forma, em que são considera dos os valores numéricos de suas letras (guemátria).

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Em seu livro A interpretação dos sonhos, Freud situou os sonhos no cérebro e levou-o para o domínio das neurociências. Isso pode parecer óbvio hoje, mas foi Freud quem confrontou a ideia de que os sonhos teriam relações com os seres celestiais ou com fenômenos ligados à alma.

curiosidades do hebraico

Algumas palavras compartilham uma raiz comum, porém nem sempre a re lação entre estas é óbvia. Quando isso ocorre, somos tomados por uma inquietação e um consequente desejo de compreender o por quê. Esta busca se torna mais interessante ainda quando percorremos nossos próprios caminhos e abri mos nossas trilhas (netivot), ao invés de seguirmos pelas grandes estradas que nos levam a destinos já conhecidos: é a possibilidade de encontrarmos um ân gulo novo e original de observação.

Quem teve o privilégio de estudar a Torá em hebraico sabe que se trata de um livro original e único, intraduzível, uma vez que não podem ser criados neo logismos tão precisos que denotem o que determinada palavra realmente signi fica no contexto etimológico. As traduções, em geral, resultam num resultado opaco, que não permite penetrar na amplitude de possibilidades de interpreta ções decorrentes da escolha pontual de determinada palavra, o que prejudica o entendimento e a formação de um insight sobre sua real função naquele texto.

SONHO E SAÚDEMarciaRozenthal

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“Há uma associação bem interessante que é sonho (םולח) e curar/sarar (םילחהל) – chalom e leachlim. Ambas têm a mes ma raiz מלח (chet, lamed, mem), mas a associação entre elas não é tão obvia”; assim chegou uma questão no meu e-mail Mais pura verdade! Sempre que evocamos a palavra so nho, especialmente na Torá, nos remetemos aos profetas, que ora recebiam mensagens divinas através destes, como no caso do sonho de Yaakov e de Yonah, ou avisos e adver tências, que precisavam ser interpretados. Este é o caso de Yossef, que se tornara importante no Egito, graças ao seu talento em detectar mensagens contidas nos sonhos. A in terpretação que ele fez do sonho do Faraó, que versava so bre as sete vacas (magras e gordas), mudou a história do Egito, que se tornou um país forte e livre da fome que se abateria sobre o mundo, e a de seu próprio povo, que aca

bou se unindo e vivendo no Egito, de onde só viria a sair muito tempo depois, em circunstâncias trágicas.

A verdade é que o sonho é um fenômeno extremamen te complexo, tanto em sua forma quanto no seu conteúdo. É um fenômeno que ainda causa estranheza, mesmo consi derando-se que ele seja parte de nossas vidas. Vale ressaltar que o sonho não se processa dentro do campo da consciên cia e, talvez por isso mesmo, pareça incognoscível para ela.

Voltando ao tema deste artigo, o que terá este fenôme no a ver com saúde? Será que nossos antepassados sabiam de algo especial? Vale ouvir o que a medicina atual tem a dizer sobre o sonho.

A ciência e o sono

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A pergunta

Freud fez uma grande e, talvez, a mais difundida con tribuição científica para o campo da pesquisa dos sonhos,

Estudos posteriores, feitos com o uso de eletrodos no

O sonho da paz, disparado pelos Acordos de Oslo, está ferido, mas esperamos o dia em que vamos sarar desta ferida.

O modelo de Freud propunha que os sonhos expressa vam desejos inconscientes não saciados. Os desejos, assim reprimidos, eram chamados de “conteúdo latente” e se riam tão intensos e perturbadores para o ser humano, que eles apareceriam nos sonhos, após passarem por um censor (caso contrário, a pessoa despertaria assustada). A resultan te desta “camuflagem”, o conteúdo dos sonhos, era chamada de “conteúdo manifesto”. A ciência nunca pôde provar que Freud estava errado, nem certo, já que suas hipóteses se mostraram impossíveis de serem testadas por métodos científicos mais rigorosos.

mesmo considerando-se as limitações de sua época, as quais impediram que seus estudos fossem melhor sistematizados cientificamente. Em seu livro seminal A inter pretação dos sonhos (1899), Freud situou, de forma definiti va, os sonhos no cérebro e, portanto, levou-o para o domí nio das neurociências. Isso pode parecer óbvio hoje, mas foi Freud quem confrontou, de forma acadêmica, a ideia de que os sonhos teriam relações com os seres celestiais ou com fenômenos ligados à alma.

crânio durante o sono para medir a atividade cerebral, mostraram que o sono pode ser dividido em duas fases distintas. A fase mais profunda chama-se sono REM, as sim denominada por ocorrerem movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eyes Movement): é nesta fase que ocorrem os sonhos. A fase inicial é a do sono NREM (Não REM), onde a atividade cerebral tende a se alentecer; é dividida em quatro etapas, conforme o grau de aprofundamen to do sono. Curioso é que, quando ocorre a transição do sono NREM para o REM e o início do sonho, numero sas partes do cérebro passam a se mostrar surpreendente menteEstudoshiperativas.maismodernos, envolvendo o uso de neu roimagem funcional cerebral, mostram que existe, efeti vamente, aumento da atividade cerebral de base durante o sono REM, o que mostra que o sonho realmente é as sociado com uma experiência ativa do cérebro. Ao mes mo tempo, nesta fase ocorre uma paralisação total de to dos os músculos voluntários do corpo, que permanecem sem qualquer nível de tensão. Isto ocorre pela desativa ção das regiões cerebrais frontais. A área frontal do cé

Ilustração: Daniela Strauss

Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 51 curiosidades do hebraico

curiosidades do hebraico

O sono é universal no reino animal, sendo que existe diferenças entre o tempo de duração nas diversas espécies; nos seres humanos, o tempo total de sono tende a ser me nor. Por outro lado, a proporção de sono REM no homem é muito maior, chegando a 20% a 25% do tempo total do sono (como exemplo, nos primatas este tempo é de 9%).

rebro pode ser comparada à função do “CEO”, ou seja, é onde ocorre a estrutu ração do pensamento e das decisões lógi cas, é onde é feito o controle das áreas ce rebrais que modulam os comportamen tos mais primitivos, incluídas as emo ções. Assim sendo, cada vez que se en tra no estado do sono REM, a capaci dade cognitiva para ordenar logicamen te o pensamento é temporariamente in terrompida. As áreas relacionadas com a emoção (sistema límbico) têm sua ativi dade aumentada em 30% relativamente ao estado de vi gília (quando estamos acordados).

Marcia Rozenthal, MD, PhD é Neuropsiquiatra e Professora Asso ciada da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Robb A. Why We Sleep: The transformative power of nightly journey. Walker, M. Why we sleep: The new science of sleep and dreams, NY, Scribner, 2017.

O sono e o sonho: Sonhar pra quê?

A raíz comum

Como visto anteriormente, durante o período dos so nhos há forte ativação de diversas áreas cerebrais com desativação das áreas motoras e daquelas que controlam o conteúdo e a forma do pensamento racional. Dentre as áreas ativadas estão as regiões visuais, emocionais e a memória autobiográfica do cérebro. Assim sendo, temos estas áreas superativadas e, ao mesmo tempo, liberadas de um controle maior; assim sendo, o cérebro fica livre para recalibrar e buscar a sintonia fina para os circuitos emocionais e para fazer novas associações entre os novos aprendizados ocorridos durante o dia e o seu repertório de informações antigas. Isso permite o surgimento de novos insights e ideias criativas a partir da formação de no vas conexões no cérebro. Por esta razão, não é incomum acordar na manhã seguinte com novas ideias e soluções para problemas antigos.

Não creio que o hebraico precisasse de estudos de neu roimagem funcional para poder concluir que existe uma forte relação entre sonho e saúde. Talvez o caminho para esta conexão esteja relacionado às bases judaicas de com preensão do mundo.

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Em relação ao conteúdo, os sonhos teriam resíduos dos fatos vivenciados recentemente e um forte componente emocional: entre 35% e 55% dos temas e das preocupa ções emocionais durante a vigília vão pavimentar o sonho da noite.

O sono parece ser mais do que uma questão médica para nós, judeus. Considerando a relação que o hebraico estabelece entre o sonho e a saúde, podemos inferir que o sono é um espaço diário de importância transcendente, de dicado ao respeito e à responsabilidade para com o nosso aperfeiçoamento físico e espiritual.

Assim como Deus descansou no sétimo dia, o que tor nou o shabat um dia sagrado para nós, entendo que en quanto sonhamos, estamos vivendo o momento mais sa grado de nosso dia. É quando afrouxamos nossas defesas e energias e deixamos o cérebro descansar, porém de forma ativa. Livre das pressões e dos automatismos, potencializados pelas demandas do cotidiano, damos ao nosso cére bro a oportunidade de se reorganizar todos os dias, ama durecer as experiências vividas, enquanto promovemos um profundo relaxamento do nosso corpo, para que este te nha o seu descanso.

Enfim, a relação entre os sonhos e a saúde

São descritos, na literatura médica, inúmeros benefícios dos sonhos para o cé rebro e para o corpo, tais como aumentar a longevidade, a memória e a criatividade. O sonho teria ainda um efeito protetivo para o câncer e demências, melhoraria o funcionamento do sistema imunológico, reduziria o risco de infarto do miocárdio e de derrames, e, de quebra, reduziria sin tomas depressivos e ansiosos.

Referências bibliográficas

Assim como Deus descansou no sétimo dia, o que tornou o shabat um dia sagrado para nós, entendo que enquanto sonhamos, estamos vivendo o momento mais sagrado de nosso dia.

Fiquei dez anos trabalhando na empresa na área edi torial e tecnologia Em 2010, a empresa foi vendida para um grande grupo de comunicação, eu optei por continuar como consultor e há dois anos resolvi sair e assumir como diretor no Taglit Brasil

Arymax: Qual mensagem você deixaria para as pessoas que estão lendo a sua entrevista?

As inscrições para o Taglit, com saídas em dezem bro e janeiro estão abertas! Inscreva se e saiba mais em: www taglitbrasil co m br

judaica tem que proporcionar essa ida, porque muitas vezes a pessoa não tem condições

com

Com uma longa experiência em empreendedorismo e educação no Brasil e em Israel, Assaf Faiguenboim nos conta sua trajetória, principais aprendizados e como tem sido dirigir o Taglit, programa de reconexão com a cultura judaica e sua comunidade, há dois anos

Arymax: Em julho vocês fizeram uma viagem temática em empreendedorismo social e ino vação, que teve apoio da Arymax Como foi essa experiência?

Arymax: Qual a importância de se trabalhar com jovens?

Por Mariana Resegue Assaf Faiguenboim, Diretor do Taglit Brasil

Escute as pessoas e aprenda com qualque r um, não importa quem seja A vida é um aprendizado contí nuo, crescemos quando a gente aprende Quem me falava muito isso era um senhor de origem japonesa que trabalhava com meu avô e sempre me dizia: "orelha grande, boca pequena", aprender a escutar mais e a ser mais humilde

Eu me formei na faculdade de administração e come cei a trabalhar em bancos de investimentos e consul torias, quando surgiu uma oportunidade de ir trabalhar em Israel, eu tinha apenas 26 anos De cidi aproveitar a chance e vivi em Israel por dois anos, e foi muito bom

Eu nasci em Israel e vim para o Brasil com apenas um ano Meus pais são brasileiros e tinham ido morar no kibutz Bror Hayil, por isso nasci lá Eu estudei a vida toda no colégio I L Peretz, o que foi muito importante para estar mais próximo da cultura e da comunidade judaica

Quando usamos a palavra reconectar é porque enten demos que em algum momento es sa pessoa já foi conectada de alguma forma com o judaísmo, mas precisa ter uma oportunidade de acessar novamente a cultura e os valores

Arymax: O que é o Taglit? Taglit é uma organização não governamental que surgiu nos Estados Unidos há 18 anos, pela iniciativa de Charles Bronfman e Michael Steinhardt Eles começaram a olhar os números e a se preocupar com a questão demográfica do povo judeu, que tem uma tendência de redução no mundo Então eles começaram o Taglit Birthright Taglit em hebraico significa descoberta e birthright em inglês direito de nascença Criaram uma organização que tem como missão proporcionar para cada judeu e judia no mundo uma ida à Israel, entendemos que a pessoa que nasce judia tem esse direito de ir e a comunidade

Arymax: Qual a importância de organizações apoiadoras como a Arymax para trabalhos como o realizado pelo Taglit?

Somos o maior programa judaico mundial fora de Israel e os números são impressionantes: nesses dezoito anos já foram para Israel 600 mil jovens de 18 a 26 anos, vindos de 57 países No Brasil, levamos mil jovens por ano no programa, sendo que a comu nidade judaica no Br asil tem 100 mil pessoas, é um número muito expressivo Na viagem levamos os jovens para conhecer os prin cipais avanços de Israel e da cultura, e depois entramos na questão histórica e cultural É uma experiência educacional com impacto fortíssimo

“ A Coluna ARYMAX, criada em homenagem a Antonietta e Leon

ações exemplares de ativismo comunitário e empreendedorismo social ”

Arymax: Conte um pouco sobre a sua trajetória e os seus principais aprendizados?

Em 2003 voltei para o Brasil quando meu pai ficou muito doente e tive que assumir a empresa da família, a rede de cursinhos Anglo Trouxe comigo de Israel os aprendizados sobre empreendedorismo e resiliência Voltei com essa mentalidade de arriscar as coisas, de tentar, de acreditar nas minhas ideias e tentar pelo menos, mesmo que demore bastante tempo para conseguir bons resultados

interessando As pe ssoas têm um senso de querer participar, transformar as coisas para melhor, mas muitas vezes não sabem por onde começar Por isso junto com a Fundação Arymax desenhamos esse novo programa, porque também é de interesse da Fundação que os jovens estejam mais bem preparados e inspirados para serem empreendedores sociais Essa foi a primeira experiência no mundo nesses moldes e o retorno que tivemos foi muit o bom Levamos os jovens para conhecerem experiências interessantes em Israel, como escolas que tem palestinos e judeus estudando juntos, para mostrar que são seres humanos dos dois lados e diminuir o conflito na região, acolhimento de refugiados e beduínos e tantas outras iniciativas Foi muito inspi rador para jovens que querem empreender algo aqui no Brasil verem que o que muitas vezes parece impossív el dá para tentar fazer

Tive a oportunidade de conhecer de perto uma sociedade que dá oportunidade para as pessoas de estudo, trabalho, de desenvolver sua criatividade e de realmente trabalhar com o que você gosta Eu não imaginava que um país se desenvolve de maneira completamente diferente e mais rápido quando você tem a distribuição de renda, faz muita diferença!

Foi e é muito importante O trabalho que realizamos tem um custo alto, e conseguimos sempre o valor para custear cada jovem em três frentes: um terço do valor de cada jovem vem dos Estados Unidos e Canadá, um terço vem do Ministério de Educação de Israel e um terço da c omunidade local Por isso precisamos sempre de apoio Mas além do apoio financeiro, essas organizações são importantes porque são referências e ajudam a construir um trabalho melhor e mais efetivo, participando ativa mente dessa construção

Coluna ARYMAX Feffer estimular

, tem como objetivo reconhecer e

O objetivo da viagem não é uma viagem de turismo qualquer, ela tem três objetivos principais: reconectar o jovem com Israel, reconectar com o judaísmo e reconectar com a sua comunidade judaica local

É total Essa geração de jovens vai fazer toda a diferença se tiverem acesso à uma boa educação básica, opções de universidade, cursos técnicos e a recursos para desenvolverem suas ideias, seja vindos do governo ou como organizações como a Arymax que melhoram a empregabilidade e dão financiamen to para as suas ideias É a hora que as pessoas estão com força para fazer algo pela sociedade

ENTREVISTA

O Taglit n os Estados Unidos começou essa experiên cia de fazer viagens temáticas de acordo com o interesse das pessoas, além do programa normal do Taglit Essas atividades são ligadas à culinária, trekking, artistas, sobre séries de televisão e tantos outros Aqui no Brasil também estamos começando a fazer essas viagens temáticas, e empreendedorismo social é uma área que vemos muitas pessoas se

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Hoje, as correntes judaicas maioritárias celebram os casamentos incluindo só alguns componentes daquele primeiro ritual na sequência.

Pablo Schejtman

Kidushin incluía bençãos, a versão completa da afirmação que entitula este artigo, a entrega do anel na presença de testemunhas. Conforme acostumamos nos eventos felizes, a primeira benção aludia ao vinho. A seguinte (Birkat Erus sin), enunciada pelo oficiante, alertava acerca das relações proibidas, vetava a união com mulheres já comprometidas e permitia a coabitação com pessoas ca sadas conosco, Am Israel, santificados pelo kidushin e pela chupá2 . A seguir, era o noivo quem colocava publicamente um anel no dedo da noiva e quem decla rava: “Harei at mekudeshet li b’taba’at zo kedat Moshe viIsrael” (“Eis aqui que es tás santificada para mim segundo as leis de Moisés e Israel”).

A Devarim passa a publicar em cada número um texto de estudante ou professor do IIFRR –nofalaparaefoiRabínicaIberoamericanoInstitutodeFormaçãoReformista.OIIFRRinstituídonoanopassadosededicaaformarrabinosascomunidadesdeespanholaeportuguesamundoreformista.

Discutindo os casamentos judaicos

N

O kinian como compromisso

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No massechet Kidushin (c.450 – c.550 EC), tratado talmúdico que perten ce à terceira ordem Nashim (Mulheres), se estabelecem as relações e responsa bilidades fundamentais entre o esposo e a esposa. Abre com um fragmento da Mishná conhecido como “Ha’Ishá Niknet“ (“A mulher se adquire”) [Bavli, Kid. 2a]. Lá aprendemos que o homem chegava a “adquirir” a mulher de três ma

o judaísmo da primeira metade do primeiro milênio da Era Comum, quando um homem decidia se casar com uma mulher, o procedi mento introduzido pela Mishná estava dividido em duas fases, sepa radas por vários meses, frequentemente por um ano, ou até muitos mais: Kidushin/Erusin (santificação ou noivado) e Chupá/Nissuin1 (núpcias).

PARASANTIFICADAMIM

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Dinheiro, prazer, consentimento

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Este kinian kessef (aquisição por di nheiro) peculiar designa na linguagem dos Sábios um método de compromisso matrimonial, que difere de outras aquisições comerciais em vários aspectos principais. Por exemplo: um empréstimo, ou um presente com condição de retorno, poderão ser uti lizados em outros negócios, mas aqui, são inválidos. Ou o oposto: os objetos proibidos (issurei hanaá) [Kid. 56a-b] de uso excepcional, não são aptos para uma transação co mercial, mas o são para kidushin.

(Deut. 24:1) e este mesmo termo em relação com a compra de Avraham do cam po da Cova de Machpelá a Efrom, o he teu: “Darei o preço do campo, toma-o de mim” (Gên. 23:13). A analogia verbal en sina que, assim como o campo de Efrom se adquiriu com dinheiro, assim também é possível adquirir uma mulher. E se re força em outros versículos: “O Campo que Abraão comprara aos filhos de Hete” (Gên. 25:10), e “Adquirirão campos por dinhei ro ” (Jer. 32:44) [Bavli, Kid. 2b].

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No massechet Kidushin (c.450 – c.550 EC), tratado talmúdico que pertence à terceira ordem Nashim (Mulheres), se fundamentaisresponsabilidadesasestabelecemrelaçõeseentre o esposo e a esposa.

Não obstante, descobrimos que não se trata de um formato de pura desigualdade. Desde suas primeiras pá ginas, Kidushin discute formas do compromisso – fun dadas em fontes bíblicas e rabínicas – que reconhecem para as mulheres algumas funções decisórias e as situam em posição

Kessef é um kinian que se formaliza quando o homem oferece para a mulher dinheiro ou um objeto de valor equivalente, afirmando que o faz com propósito de matri mônio. Deriva-se por meio de uma analogia verbal3, isto é, um dispositivo hermenêutico aplicado sobre a Torá, en tre o termo que expressa “tomar” em relação com os noivos “Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela”

neiras, três tipos de ato (legais e formais) chamados kessef (dinheiro), shtar (docu mento) e bi’ah (coito).

Justamente,subjetiva.aposição da mulher sob a lei judaica é a de um ser humano livre antes e depois do matrimônio. A mu dança restritiva nesta passagem é que ela acessa um novo status que implica um mandato unilateral de monogamia, o de ser proibida para todos os demais homens, e ser per mitida para o seu esposo.

Ainda, segundo a lei judaica, o ma trimônio é um tipo de kinian, um ato de aquisição pelo noivo que transforma a mulher em mekudeshet (consagrada, ou entendível como afastada, segregada dos demais pretendentes). Um similar usado no tratado é o hekdesh, propriedade con sagrada, originalmente dedicada à manu tenção do Templo e, posteriormente, em tempos pós-talmúdicos, reservada para fins de caridade ou para o cumprimento de qualquer outra mitzvá.

Até aqui, teríamos evidências suficientes para suspei tar que este massechet trata, clara e simplesmente, da obje tificação da mulher, relegada a um lugar passivo, subalter no. Se por um lado presumimos que os contextos históri cos nos quais a Guemará e os comentaristas pensaram es tes assuntos foram mais restritivos e intransigentes que o nosso, por outro, nos incomoda a operação de aquisição não mútua como antecedente necessário ao matrimônio.

Quanto ao arbítrio feminino, ao poder de decidir, dei xemos a Guemará falar por si só, reconhecendo na conju gação mishnaica na voz passiva um sentido libertário: “ Se a Mishná houvesse ensinado: o homem adquire a mulher, eu diria que pode adquiri-la inclusive contra a sua vontade, como indica a expressão: adquire. Pode assumir-se que o com promisso depende do marido, sem a necessidade de consenti mento da mulher. Portanto, a Mishná ensinou: a mulher é adquirida, de onde se pode inferir que com seu consentimen to, sim, pode adquiri-la como esposa. Mas quando atua sem seu consentimento, não, ela não está comprometida com ele”. [Bavli, Kid. 2b]

Ainda, o valor econômico das diferentes unidades mo netárias mínimas que se mencionam na nossa Mishná (di nar, perutá)4 resultaria irrisório como desembolso pela “compra” de uma mulher. Tudo nos indica que neste caso se privilegiou outra realização do dinheiro: não tanto o pa gamento de um valor, mas habilitar aos interessados um modo de transmissão, um veículo concreto de satisfação. A respeito disso, conclui Kahana (1966) “A definição é sim ples ainda que reveladora. Kessef, para Kidushin, é aquela ação que provê a mulher com um prazer no presente de pelo menos o valor de uma perutá”.

A cerimônia de duplo anel, aquela na qual também a noiva – agora mais ativa – formula sua declaração e entre ga um anel ao noivo, foi abordada em profundidade pelo rabino David Golikin em uma responsa recente (2018). Lá, revisa numerosas opiniões, começando pela do rabino Moshé Feinstein, que sustenta várias razões para desacon selhar tal prática, mas, que, chegado ao caso e para evitar confusões, indica informar publicamente aos convidados que o anel entregue pela noiva é um presente amoroso para o marido e de maneira nenhuma é um kinian. Em resumo, para confrontar com aquilo que ele considera uma exceção indesejável, Feinstein propõe uma boda que ao meu pare cer acaba sendo ´haláchica com esclarescimentos´.

Ainda assim, no convencimento de muitos, a excepcio nalidade deste kinian e o recurso a interpretações atenuan tes não conseguem afastá-lo suficientemente das formas descritas no Talmud para a aquisição de escravos, animais ou outros bens. Além do mais, agregam: sendo o homem quem adquire, somente ele pode desadquirir. Ou pode não fazê-lo, retendo assim a decisão sobre um eventual di vórcio, “acorrentando” a sua esposa e – em determinados ambientes – expondo seus filhos à discriminação social.

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Algumas reformulações e muitas controvérsias

Durante os últimos anos se ensaiaram diversas estraté gias a fim de atualizar a instituição de kidushin. Entre as mais conhecidas se encontram as cerimônias de duplo anel; e as ketubot criativas, muito remotas do padrão aramaico, redigidas à medida pelo casal.

A segunda questão estudada por Golikin é o conteú do verbal aceitável no que for declarado pela noiva. A res peito, a controvérsia entre rabinos é extrema, e os enun

Já nos fins do século XIX, os líderes das comunida des religiosas na França e na Turquia haviam esboçado algumas alternativas, como os matrimônios condicionais (t’nai b’kidushin), para garantir que se o esposo não ou torgara o divórcio dentro de um prazo, o matrimônio se anularia retroativamente. A recessão retroativa evita a ca racterização de mamzerut dos filhos e de acusação de pro miscuidade aos cônjuges. Estas e outras tentativas (a cláu sula Lieberman5 – ou melhor, um documento civil sepa rado; ou formas institucionais de persuação; ou a anula ção do matrimônio, hafka’at kidushin), que pretendem aliviar a inequidade nos ambientes mais rígidos da vida comunitária judaica; coexistem com desafios novidosos e preferências generalizadas.

A oportunidade da intervenção da noiva é a terceira questão. Para evitar mal entendidos, vários rabinos propu seram a entrega do anel pela noiva em algum outro mo mento da cerimônia, seja depois da leitura da ketubá ou das Sheva Brachot, ou antes de quebrar o copo...

O último exemplo nos lembra que kidushin constitui um ato de matrimônio apropriado e significativo para to dos os participantes, com acordo e de sejo manifesto de ambos os cônjuges, na presença de testemunhas e sob condi ções reguladas de aceitação institucional. Este núcleo essencial de elementos resul ta suficientemente aberto, e nos permite acompanhar os primeiros passos na con formação diversa das famílias judias de nossos dias.

4 Até o Século III EC, uma perutá, a menor moeda, equivalia a meio grão de ceva da de prata; un dinar era quatro vezes mais valioso (dois grãos de cevada de prata).

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ciedade comercial, os B’rit Ahuvim podem dissolver-se mediante a retirada de qual quer dos sócios, retirada que deve ser con firmada por um beit din”.

3 “Kichá-kichá” (קיחה-קיחה) [Bavli, Kid. 2a]

Já nos fins do século XIX, os líderes das comunidades religiosas na França e na Turquia haviam esboçado algumas alternativas, como os condicionaismatrimônios( t’nai b’kidushin), para garantir que se o esposo não outorgara o divórcio dentro de um prazo, o matrimônio se retroativamente.anularia

ciados permitidos/inadmissíveis são diversos. Vão desde a corroboração do que foi afirmado pelo noivo (ani mekudeshet lechá... ou frases mais amplas), passando pela recitação de versos extraídos de Pro fetas ou Escritos, até uma versão femini na do padrão tradicional (harei atá meku dash li...) incluída no Manual do Rabi no da Reforma, com a intenção de esta belecer um intercâmbio em “plena igual dade” (Plaut e Polish, 1988). Finalmen te, o autor afirma que o Comitê de Leis e Normas da Assembleia Rabínica (movi mento conservador), a instâncias do ra bino A. Blumenthal, legislou que a partir de pronunciada a bem conhecida fór mula, o compromisso é vinculante6 desde o ponto de vista legal. Em consequência: “Não há nenhuma objeção haláchica váli da a nada que a noiva quiser dizer depois de que o noivo te nha expressado as palavras tradicionais”.

Em uma tentativa ousada para superar esses impas ses, Allen (2006) desenhou uma cerimônia, o B’rit Ah uvim, uma relação comercial e um pacto que “pretende eliminar o matrimônio da lei de propriedade e recolocá-lo na lei de associação. No lugar de que o esposo adquira a es posa ou de mútua aquisição, os sócios adquirem a sociedade entre si. Este ato central substitui ao Erusin ... Os sócios elaboram um shtar b’rit com estipulações acordadas que dão forma a associação. Porém, não é uma ketubá, se não um pós-kidushin. Reconhece preocupações econômicas e sociais fundamentais. Como em um pacto, os sócios estão compro metidos em última instância entre si mais que com as es tipulações que prometem cumprir, e, por isso, o pacto pode sobreviver à transgressão. Da mesma forma que uma so

Deslocamento da cena de entrega do segundo anel, di ferenciação das frases da noiva, explicações do rabino: Go likin conclui que devem ser exercidas manobras que ani mem a participação feminina sem transformar de raiz a an tiga tradição de kidushin

Pablo Schejtman é doutor em Psicologia, Chazan e Diretor de Si nagoga da Sociedade Israelita do Ceará e aluno do Instituto Iberoa mericano de Formação Rabínica Reformista.

1 A pronúncia do “ch” nas palavras em hebraico deste texto é equivalente ao som do “rr” em português.

2 [Bavli, Melachot 7b]

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Notas

Referências

Adler, R. (2013). Criticando e repensando Kidushin. Primavera 2013: O tema do matrimônio. AJS Perspectives, Revista da Associação de Es tudos Judaicos, Nova York. Golkin, D. (2018). É permitida uma cerimônia de duplo anel? Respon sa: Vol. 12, Nº5. Instituto Schechter, Jerusalém. Kahana, K. (1966). A teoria do matrimônio na lei judaica. EJ Brill, Polish,Leiden.G.e Plaut W. G. (eds.) (1988). Ma’agalei Tzedek: Manual do Rabino. Nova York, Conferência Central dos Rabinos Americanos.

5 (1950) que exige na ketubá que se outorgue uma permissão de dissolução se é emi tido um divórcio civil.

6 Nedarim 87a brinda um firme ponto de apoio para este critério: “A Guemará con clui: E a Halachá é: O estado legal de uma pausa ou retração dentro do tempo re querido para falar uma frase curta, é como o de fala contínua, pelo qual uma pes soa pode retratar-se do primeiro que falou .... Este princípio é válido em quase to das as áreas da Halachá, exceto no caso de que alguém blasfeme a Deus; ou no caso de um adorador de ídolos, que aceita verbalmente a um ídolo como seu deus; ou um que se compromete com uma mulher; ou quem se divorcia de sua esposa. Nestes quatro casos, a pessoa não pode desfazer a sua ação”.

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ão foram dezenas de milhares e nem centenas de milhares, e sim milhões de seres humanos transformados em matéria-prima e bens manufaturados nos campos de morte poloneses. Além daqueles bem conhecidos – como Majdanek, Auschwitz, Birkenau e Treblinka –fomos descobrindo outros, menos famosos, um depois do outro.” Estas palavras estão no último capítulo do livro Medallions (Medalhões), escrito em 1945 por Zofia Nalkowska e publicado em 1946. Nalkowska (1884-1954) autora, ensaísta, dramaturga e romancista, cresceu entre a elite intelectual de Varsóvia. Foi presidente da Comissão de Investigação dos Crimes de Guerra em Auschwitz. Seu trabalho é um clássico desconhecido da literatura do Holo causto, mas, de acordo com a nova lei polonesa que qualifica como criminosa qualquer referência a “Campos de Morte Poloneses”, ela poderia ser acusada por este crime e ser levada a julgamento.

Rabino Joseph A. Edelheit

Este trabalho foi apresentado no Congresso da Sociedade de Estudos Ricoeur em 2018. Paul Ricoeur é tido por muitos como um dos pensadores religiosos e filósofos mais importantes do século XX. Liderou os “Pensadores Continentais”, entre os quais incluímos Emanuel Levinas e Jacques Derrida, destacados pensadores judeus. Enquanto estudante na Divinity School da Universidade de Chicago, o Rabino Edelheit, autor deste artigo, considerava Paul Ricoeur como seu mentor; o protestante Ricoeur tornou-se conhecido por seu relevante trabalho sobre linguagem, comunicação e interpretação de textos. Mais informações sobre Paul Ricoeur são encontradas na Wikipedia e na internet em geral.

A DAHUMILHAÇÃOHISTÓRIA

N

O próprio Paul Ricoeur foi prisioneiro durante a Segunda Guerra Mundial, e colocou, quase que fazendo uma previsão: “Por mais que a História expanda, complete, corrija e até refute o testemunho da memória a respeito do passado, não poderá aboli-lo. Por quê? Parece-nos que é porque a memória continua sen do a guardiã da dialética constitutiva final da essência passada do passado, ou seja, a relação entre o ‘não mais’ que marca a sua característica de haver decorrido, ter sido abolido, suplantado, e o ‘ter sido’, que designa sua personalidade original e indestrutível ... No tocante a isto, acontecimentos como o Holocaus to e os grandes crimes do século XX, situados nos limites da representação, estão em nome de todos os acontecimentos que deixaram sua marca traumática em corações e corpos; protestam e clamam ter sido e portanto exigem serem des

As fotografias deste artigo são do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau.

O cidadão instruído, assim como a discussão pública, estão sendo desafiados atualmente de maneiras que nunca poderíamos ter imaginado. As leis polonesas demarcam os limites da discussão pública e dados atualizados nos levam a crer que não instruímos os cidadãos globais o bastante para que possam proteger as memórias enquanto História sagrada. Um estudo recente revelou lacunas significativas no conhecimento do “AproximadamenteHolocausto:umterçode todos os norte-americanos (31%), e mais do que quatro em cada dez Mille nials1 (41%), acreditam que muito menos que seis milhões de judeus foram mortos (dois milhões ou menos) duran te o Holocausto. Apesar da existência de 40.000 campos de concentração e guetos na Europa durante o Holocaus to, quase metade dos norte-americanos (45%) não sabiam nem sequer o nome de um – e esta porcentagem é ainda mais alta entre os Millenials.” (The Holocaust Knowledge

Desafiando o silêncio durante o ge nocídio, Nalkowska escreve: “Nada do mundo passado é real. Nada ficou. As pessoas se viram obrigadas a sobreviver a algo que parece estar além de sua ca pacidade. Em última instância, o medo as divide – medo de que o outro cause a sua morte (17) … A realidade só é su portável quando alguma coisa nos impede de conhecê -la por completo (21) … Vou dizer-lhe: eu queria viver. Não sei porque. Eu não tinha marido e nem família, nin guém, e eu queria viver. Eu só tinha um olho, estava fa minta e com frio, e eu queria viver. Por quê? Vou lhe di zer porque: para contar tudo exatamente como estou lhe contando agora. Para que o mundo fique sabendo o que eles fizeram. Eu pensei que seria a única que iria sobrevi ver, eu pensava que não haveria mais um único judeu so bre a face da terra” (32).

lia vivia antes de ser deportada, tinha in serido o nome do pai dela em um memo rial dedicado àqueles que tinham dado a vida pela França. “Ele foi deportado para Auschwitz”, disse ela ao prefeito. O pre feito disse que esta informação era desne cessária, ela escreveu, e acrescentou “ele não queria nada que lembrasse Auschwitz no monumento da cidade”. No entanto, “você não morreu pela França, a França mandou você para a sua morte. Você es tava errado a respeito dele”. A lei polone sa reza que os artistas não são responsáveis por declarações, portanto a Sra. Loridan-Ivens não seria in diciada, mas, por ser tanto uma testemunha como uma so brevivente, ela não estaria protegida enquanto cineasta ao fazer um Comodocumentário!seucompanheiro parisiense Ricoeur nos previ ne profeticamente: um eco final ressoava nos testemunhos de alguns historiadores proeminentes em referência à “es tranheza da história”. É preciso então transferir o debate para uma outra arena, a do leitor da história, que vem a ser também a do cidadão instruído. Cabe pois a quem recebe o texto histórico determinar tanto individualmente como no patamar da discussão pública o equilíbrio entre Histó ria e memória (MHF, página 499).

1 Nota do tradutor: pessoas nascidas entre 1981 e 1996.

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Há uma passagem em que ela conta a seu pai que na década de 90 o prefeito de Bollene, cidade onde a famí

critos, recontados, compreendidos. Este protesto, que alimenta a afirmação, é par te do que se acredita: pode ser contestado, mas não negado”. (Paul Ricoeur, Memory, History, Forgetting, 2004, p. 498)

As leis globaisinstruímosdademarcampolonesasoslimitesdiscussãopúblicaedadosatualizadosnoslevamacrerquenãooscidadãosobastanteparaquepossamprotegerasmemóriasenquantoHistóriasagrada.

Uma estimativa nos diria que hoje em dia não há mais do que uns 100.000 sobreviventes dos campos e guetos e todos com mais de 80, 90 anos de idade. Certamente nos próximos dez anos passaremos a contabilizar os poucos re manescentes ainda em condições de testemunhar a respei to da indescritível realidade do Mal Radical. Quando, ainda no nosso tempo, o último sobrevivente vier a falecer, não haverá mais ninguém para contar a história como per sonagem da mesma, e tudo vai virar apenas história. Uma destas últimas sobreviventes, Marceline Loridan-Ivens, au tora e cineasta notável, acaba de falecer aos 90 anos em Pa ris. But You Did Not Come Back (Mas Você Não Voltou) é uma espécie de diário escrito como uma carta para seu pai, Szlhama Froim Rozenberg, com quem ela foi deportada aos 15 anos de idade, e que morreu em Auschwitz. Ela se lembra que “o antissemitismo no campo era aterrorizan te, os arianos nos xingavam constantemente, as mulheres polonesas ... eram as piores de todas” (162). Ela castiga o pai “[você] se distanciou o máximo possível dos progroms poloneses …” (247/750).

A Polônia não é o único país da Europa Oriental que propositalmente despiu a memória, e a seguir a Histó

ria, de seu significado e veracidade. “Os judeus mortos do antigo bloco comunista foram triplamente amaldiçoados: metralhados nos limites de suas cidades, ignorados e apa gados pela União Soviética, e, agora, seus algozes glorifi cados pelo nacionalismo renascente dos atuais governos da Europa Oriental. Os nazistas não agiram sozinhos. O Ho locausto, especialmente na Europa Oriental, foi possível com o apoio de governos e para-militares locais, que arre banhavam e massacravam os judeus, quer a serviço dos nazistas, quer por vontade própria” (NYT). Agora que estes países são independentes, a História foi retorcida de ma neira que os genocídios passaram a ser combinados, e não se pode mais identificar as vítimas. A decisão nacionalis ta pós-soviética do leste europeu de glorificar os colabo radores de Hitler fica muito próxima do cerne conceitual do conjunto de questões atuais referentes ao Holocausto na Europa e além. É a teoria que tornou-se de fato, na alta sociedade respeitável do século XXI, a sucessora da clás sica Negação do Holocausto vigente no século anterior.

Na Lituânia, cerca de 96% da população judia foi as sassinada durante o Holocausto, porcentagem das mais al tas da Europa, o que, aliás, faz com que a coragem daque les que fizeram a coisa certa e salvaram alguém, seja uma fonte de inspiração ainda maior. Estas pessoas foram con sideradas traidoras de sua própria causa nacionalista, mas

and Awareness Study – Estudo do Conhecimento e Cons ciência do Holocausto; 2018).

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A internet e a vulgarização da verdade, as opiniões e teorias politizadas nos fazem pensar se o “Medalhões” de Zofia Nalkowska acabará abandonado até pelos polone ses como não sendo mais uma afirmação válida de História polonesa. Não existiram campos de morte polone ses, e sim, existiram campos de morte nazistas na Polônia! Os poloneses foram vítimas da opressão nazista exatamen te da mesma forma que os judeus! Todos os crimes con tra a humanidade devem necessariamente incluir as po pulações nativas da ocupação nazista, independentemen te do conhecimento que estabeleceu sua participação no extermínio dos judeus. O antissemitismo voltou a ser um problema na Polônia depois que a Lei do Holocausto foi aprovada no início deste ano e da subsequente controvér sia a respeito dela. Cito o ex-primaz da Igreja Católica Ro mana daquele país: “Velhos demônios começam a desper tar: a confiança de muitos milhares de pessoas encontra-se abalada e o trabalho de muitas décadas foi ofuscado”. Palavras de Henryk Muszynsky, arcebispo emérito da arqui diocese de Gniezno, publicadas em julho de 2018, na re vista Guia Católico, em polonês.

Em um futuro próximo não haverá mais ninguém para se contrapor à história politicamente determinada; aqueles que tinham as memórias estarão mortos e ausentes e a ca pacidade de ensinar e modelar uma negação nacional do Outro será uma questão de orgulho e patriotismo. Mas o padrão de Ricoeur, “ter como objetivo a vida boa com e para outros em instituições justas” (OAA, p. 180) perde as garantias a partir do momento em que os “outros” são as vítimas mortas pela Shoá, tão facilmente negada, refor mulada e ignorada na medida em que a História nos divi de com um passado que envergonha e mancha para sem pre o futuro. Quem teria imaginado que o Yad VaShem, o Centro de Israel para pesquisa e memória do Holocaus to, argumentaria contra o acordo de seu próprio primei ro-ministro com a Polônia? “A princípio, a nossa posição é que qualquer tentativa de limitar o discurso acadêmico e público a respeito de temas históricos a uma única narra tiva nacional imutável através de legislação e punição não é apropriada e constitui uma violação concreta da pesqui sa. A maneira adequada de corrigir as distorções históricas e perspectivas errôneas é através de pesquisa histórica con fiável, discurso público desimpedido e livre de pressões e atividades educacionais abertas e imparciais”.

Estes são exemplos de atos nacionais de negação trans formados em leis que criminalizam uma visão diferente da História, enquanto as últimas testemunhas sobreviventes vão silenciando. Ricoeur nos adverte incisivamente: “Mas há algo pior; na tortura, quando o algoz tenta alcançar o sucesso máximo e – infelizmente – consegue ele destrói a autoestima da vítima ... O que denominamos humilhação não passa da destruição do amor próprio, além da destrui ção da capacidade de agir. É onde parecemos ter chegado

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às profundezas do mal. Mas a violência também pode es tar escondida na linguagem como um ato de discurso ... A traição da amizade, o inverso da figura da fidelidade, sem ser equivalente ao horror da tortura, nos diz muito a res peito da malícia do coração humano” (Ricoeur, Oneself as Another, 1992, pp. 220-221).

A tréplica do Yad VaShem ao acordo de Netanya hu com o primeiro-ministro polonês faz coro com Ri coeur: “Cabe aos recipientes do texto histórico determi

são as pessoas que deveriam ser homenageadas em todo o país, começando com um museu na capital. Na encar nação atual do Museu do Genocídio, bem perto do Par lamento Nacional, não há mais vítimas humanas indivi duais em carne e osso. A vítima aqui, no século XXI, é a VERDADE. O objetivo é convencer os visitantes de que os crimes soviéticos foram o genocídio que aconteceu nes ta parte do mundo e que os grupos aos quais a maior par te do espaço do museu é dedicada a homenagear, na ver dade eram amantes da verdade e da justiça, humanitários por tolerância multiétnica. Contudo, a triste verdade é que muitos daqueles homenageados foram colaboradores que ou participavam dele ou eram coniventes com o genocí dio. Este é o âmago do título “Museu de Mentiras” que os sobreviventes do Holocausto (em sua maioria não mais entre nós) usaram nas últimas décadas ao descrever o pro jeto. Não há menção do destino sofrido pelas estatistica mente esmagadoras vítimas de Auschwitz e nem de quem elas possam ter sido. É esta a cara da Negação do Holo causto neste nosso novo século: “Retirando o Holocaus to da História sem negar uma única morte, aliás, nem um fato, através de analogias retóricas e comparações falsas” (Dovid Katz, Tablet).

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Este chamado à práxis, como chamado à revisão ou ne gação da História na medida em que a memória das testemunhas vai se apagando, é uma afirmação muito mais fá cil do que a prática presumível. Há uma mudança políti ca tendendo para a direita em toda a Europa que alguns consideram uma perigosa inclinação em direção à renova ção do fascismo. Netanyahu abraça todos os líderes auto cráticos europeus sem pejo independentemente de terem negado o passado.

pancados até a morte; mães viam seus filhos morrerem de fome. E depois chegaram Mengele e suas seleções, o ter ror, o medo, o isolamento, a tortura, as câmaras de gás, as chamas – chamas que subiam aos céus”. (Elie Wiesel 19 de abril de 1985). Só quem pôde desafiar o presidente dos Estados Unidos dentro da Casa Branca, depois de receber o prêmio mais importante que pode ser concedido a um cidadão, é um sobrevivente de Auschwitz que se manteve vivo depois de uma marcha da morte até Bergen-Belsen.

nar, pessoalmente e também no nível da discussão pública, o equilíbrio entre a História e a memória”. (MHF, pá gina 499). Isto exige um compromisso de envolvimento com o discurso público, não na teoria acadêmica, e sim no toma-lá-da-cá muito mais difícil das realidades da so ciedade. David Tracy enfatiza esta necessidade no capítu lo de abertura de seu The Analogical Imagination (A Ima ginação Analógica): “O reino da política se preocupa com os significados legítimos da justiça social e do uso do po der. Esta preocupação traz o controle do uso legítimo da força e a regulamentação dos conflitos, para que se alcan cem as concepções especiais de justiça incorporadas nas tradições de uma sociedade ou em sua constituição” (p.7). “Torna-se crucial a necessidade de reflexão crítica sobre os conflitos reais ou aparentes das reivindicações em diferentes públicos ... um reconhecimento explícito ...da respon sabilidade pelo discurso autenticamente público” (p.29).

Tracy e Ricoeur lecionaram juntos e a importância do discurso público era tema de discussão frequente. Ambos estes mestres reagiram quando Elie Wiesel pediu explica ções ao presidente Reagan a respeito da visita que este ha via feito a um cemitério da Wehrmacht em Bitburg, na Alemanha. O presidente outorgou a Wiesel a Medalha de Ouro do Congresso, e assinou a Declaração da Semana da Herança Judaica. Depois Wiesel declarou “poder à ver dade”: “Então permita-me dizer-lhe, Sr. Presidente, com respeito e admiração ... estou convencido de que, como o senhor nos disse quando conversamos mais cedo, o se nhor não tinha conhecimento a respeito de sepulturas de soldados da SS no cemitério de Bitburg. Claro que o se nhor não sabia. Mas agora todos temos conhecimento dis to. Permita-me, Sr. Presidente, se for minimamente possí vel, implorar que o senhor faça qualquer outra coisa para encontrar uma maneira, uma outra maneira, outro espa ço. Aquele lugar, Sr. Presidente, não é o seu lugar. O seu lugar é com as vítimas dos SS. Ah, nós sabemos que exis tem razões políticas e estratégicas, mas esta questão, como todas as questões relativas a este acontecimento pavoroso, transcende a política e a diplomacia. A questão aqui não é a política e sim o bem e o mal. E jamais devemos confun di-los, pois eu vi os SS em ação, e vi suas vítimas. Eram meus amigos, eram meus pais. Sr. Presidente, havia um grau de sofrimento e solidão nos campos de concentração que desafia a imaginação. Isolados do mundo sem refúgio nenhum; impotentes, filhos assistiam a seus pais serem es

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Em seu epílogo da obra “Memória, História, Esquecendo”, Ricoeur observa que Harald Weinrich está “ator mentado demais por Auschwitz e o esquecimento impos sível” (p.504). Esta descrição certamente pode ser aplica da ao desafio profético lançado por Wiesel ao presiden te dos Estados Unidos: “Aquele lugar não é o seu lugar!” Trata-se de discurso público, um autor e acadêmico que ainda não tinha recebido o Prêmio Nobel da Paz, mas que tinha atendido ao convite de estabelecer o Museu do Me morial do Holocausto dos Estados Unidos em 1979. Wie sel já tinha dado uma resposta corajosa em 1980 a respei to dos revisionistas do Holocausto em uma reunião do Conselho do Memorial do Holocausto dos Estados Uni dos: o melhor que temos a fazer é o que estamos fazen do; escrever mais livros, falar do Holocausto com uma voz mais autêntica, e nos comprometermos com a nossa ta refa mais apaixonadamente … E a única maneira de aca bar com a literatura ruim é escrevendo literatura boa ... E a única maneira de envergonhar os revisionistas é traba lhando com e para a História” (Wiesel, 1980).

Trinta e oito anos, antes que qualquer pessoa pudesse imaginar uma Europa Oriental independente onde a Po lônia, a Hungria e a Lituânia distorceriam a História e a deformariam apresentando-a como um nacionalismo po pulista, o sobrevivente Wiesel já ensinava o que Ricoeur e o Yad VaShem ensinam: discurso público e mais instrução para os cidadãos comprometidos.

Tomemos como exemplo o governo húngaro de Viktor Orban, de extre ma-direita; há sinais perturbadores de que o país esteja legitimando o antisse mitismo. Vejamos: em 2015, o governo húngaro anunciou a sua intenção de eri gir uma estátua para homenagear Balint Homan, um ministro da época do Ho locausto que desempenhou papel decisi vo no assassinato ou deportação de qua se 600.000 judeus húngaros. Em vez de criticar Orban, o que ele jamais fez, Ne tanyahu fez uma visita oficial a Budapeste, e depois con vidou Orban a visitar Israel em julho de 2018.

O que sustenta a amarga divisão traz ameaças e riscos que nem todos podem ignorar. Ainda assim, como ha vemos de justificar usarmos o manto de pensadores que se arriscaram e usaram as forças de sua época? Venho lu tando há muito tempo com qualquer ensinamento, escri to ou pensamento de Heidegger, porque ele foi um na zista que expulsou seu professor e mentor Edmund Hus serl da universidade, comportamento que mancha seu le gadoEufilosófico.melembro do que David Ben-Gurion, o primei ro primeiro-ministro de Israel, disse uma vez: “Os judeus que estiveram seguros e protegidos durante a era de Hitler não deveriam atrever-se a julgar seus irmãos que foram queimados e abatidos como animais, e nem os poucos que sobreviveram ... e os da nossa geração que não passa ram por este inferno fariam melhor (em minha opinião)

O Rabino Joseph A. Edelheit colabora com a União do Judaísmo Reformista na América Latina e serviu, dentre muitas outras posi ções, como diretor de Estudos Judaicos e Religiosos na Universi dade Estadual de St. Cloud, Minnesota, EUA.

se se mantivessem calados em humilda de e pesar. Por analogia, eu me sinto pu nido por não compreender totalmente o que aconteceu com aqueles que escolhe ram o silêncio em oposição ao discurso público, naquela época ou no presente. Estou aposentado, mas até poucos anos atrás fui professor catedrático, com to dos os títulos, e diretor de um programa em que desafiei o nosso campus a respeito do antissionismo, que se transformou em assédio antissemita”.

A recusa de Trump de denunciar os nacionalistas brancos e os neonazistas inequivocamente depois do estrago e das mortes em Charlottesville já pode ser uma afirma ção notável do relativismo vulgar de um líder americano – Trump reagiu aos acontecimentos condenando tanto os neonazistas e os supremacistas brancos como os que a eles se opunham. A comparação dos dois grupos feita por ele chocou o mundo. Embora tivesse sido pressionado por sua equipe para “esclarecer” sua declaração, relatórios muito recentes sugerem que na opinião dele foi a pior correção de declaração que se viu forçado a fazer. Mudar para a prá xis, com uma renovação do discurso público hoje em dia é arriscado em nossas universidades e salas de aula. O uso de nossas credenciais intelectuais para denunciar a inten cionalidade da negação precisa ser levado a sério.

Wiesel já tinha dado uma resposta corajosa em 1980 a respeito dos revisionistas do Holocausto: o melhor que temos a fazer é escrever mais livros, falar do Holocausto com uma voz mais autêntica.

“Chegamos então à questão: será possível uma polí tica sensata sem que haja algo parecido com uma censu ra da memória? A prosa política começa onde a vingan ça termina, para que a História não permaneça trancada na oscilação mortal entre o ódio eterno e a memória es quecida. Uma sociedade não pode estar continuamente zangada consigo mesma”. (MHF, páginas 500-501). Aqui está o paradoxo significativo do nosso tema “Recordação e Reconhecimento”; o equilíbrio entre a História e a memória não estimulou uma divisão de perspectivas prepa rada para um combate. A história traumática das vítimas está sendo usada agora por um outro grupo, deformada pelo tempo, como uma reivindicação de mudança. Fo mos pegos de surpresa pela raiva flutuante dos crimino sos remanescentes, politicamente motivados, e dos espec tadores, para ocultar as memórias desbotadas das vítimas. Estamos com certeza adentrando um período de transi ção até aqui desconhecido, já que somos personagens de uma das experiências mais cruéis e sombrias da humani dade, que vem chegando à sua resolução natural. Nós que ensinamos interpretação precisamos nos ajudar mutua mente a encontrar o vocabulário necessário para manter toda a conversa, para salvar toda tentativa de compreender como o próprio discurso público se transformará na medida em que este passado se instala em seu estado de passado mais definitivo.

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Traduzido do inglês por Teresa Roth.

Parece incrível que em pleno sécu lo 21 as mulheres ainda estejam lutan do por um lugar no espaço público. A boa notícia é que estão vencendo. ü

Acidade

EM POUCAS PALAVRAS

que questionava a decisão de retirada dos cartazes que exigem “modéstia” (um eufemismo para “invisibilidade”) das mulheres da cidade.

israelense de Bet Sheme sh conta aproximadamente 120 mil habitantes. Há uma pequena e crescente maioria de judeus ultraorto doxos (charedim). Estes tendem a vo tar em bloco, assim que o atual prefei to, Moshe Abutbul, é do partido Shas, ultraortodoxo sefaradi.

Devido ao impulso dos charedim em esconder as mulheres nos espa ços públicos, não é raro encontrar cartazes com estes dizeres espalha dos pela cidade: “Pede-se a mulheres esperando por seus maridos que o fa çam apenas em lugares não visíveis” e “Mulheres não devem se postar na porta das sinagogas, elas não devem desviar a atenção dos homens que re zam e estudam”. Além disso, carta zes publicitários com figuras femininas são frequentemente vandalizados.

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ta para a prefeitura de uma grande ci dade e Tal Ohana foi eleita prefeita de Yeruham, uma pequena e conservado ra cidade no Neguev.

UMA VITÓRIA CONTRA O MACHISMO

Este não foi o único golpe que o machismo ultraortodoxo recebeu. Al guns dias depois, ainda na mesma se mana, a Suprema Corte de Israel re jeitou um recurso do prefeito Abutbul,

Outras duas vitórias femininas mar caram as eleições municipais de no vembro: Einat Kalisch-Rotem, de Hai fa, se tornou a primeira mulher elei

Algumas mulheres se conformam com esta situação. Mas, felizmente, não todas. Assim que, numa dispu ta decidida por meros 1,3% dos vo tos, a Dra. Aliza Bloch, uma educado ra, sionista, ortodoxa moderna, venceu a eleição municipal do começo de no vembro. Ao ser perguntada qual seria a sua primeira atitude como prefeita ela respondeu: “Vou limpar a cidade”.

Lvcandy/istockphoto.com

mento Reformista e com os números da pesquisa da organização não go vernamental Hiddush. Então, pode-se afirmar com segurança que, em Israel, como no restante do mundo, o judaís mo liberal conta com mais adeptos do que a ultraortodoxia.

A SINAGOGA QUE OS ISRAELENSES NÃO FREQUENTAM

E há uma outra conclusão feita por Dan Feferman, o organizador da pesquisa do JPPI, que chama a aten ção. Ele afirma que a máxima joco sa usada até agora, “A sinagoga que o israelense não frequenta é orto doxa”, parece estar mudando e que hoje em dia faz mais sentido dizer: “A sinagoga que o israelense não fre quenta é Fefermanliberal”.contextualiza dizendo que anos atrás o israelense laico via o ju daísmo ortodoxo como a única for ma legítima de judaísmo. Então, quan do ele sentia a necessidade de algum serviço religioso (brit milá, bar mitzvá,

dia essa atitude mudou significativamente. Um percentual ex pressivo de israelenses entende que a ortodoxia não é a única forma legíti ma de judaísmo e, mais que isso, que a ortodoxia é uma forma de judaísmo que agride o seu estilo de vida. Então, ele tem procurado mais e mais a sina goga liberal – Reformista ou Conser vadora – para os serviços religiosos queEmnecessita.consequência, é legítimo ima ginar que, por ser a sinagoga liberal mais aderente à visão de mundo dos israelenses laicos, esta procura por serviços liberais acabe alimentando um círculo virtuoso de maior frequên cia nas atividades regulares e uma maior afiliação. ü

Capa do relatório da pesquisa realizada pelo “The Jewish People Policy Institute”, estabelecido pela Agência Judaica.

Boris_Kuznets/istockphoto.com

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Aúltima Devarim trouxe uma entre vista com o rabino Gilad Kariv, CEO do Movimento Reformista em Israel, na qual ele analisava os resul tados de uma pesquisa, encomen dada por seu movimento, a respei to da afiliação religiosa dos judeus israelenses. A pesquisa identificou que 11% da população judia do país se define como pertencente às cor rentes liberais judaicas (Reformista e Conservadora).Umanodepois uma pesquisa in dependente, conduzida pelo “The Je wish People Policy Institute”, estabele cido pela Agência Judaica, chegou a um número ligeiramente maior. Segun do a pesquisa, aproximadamente 800 mil judeus se consideram liberais, o que dá um percentual de 12% a 13% da população judaica do país.

Os números da pesquisa do JPPI convergem com a pesquisa do Movi

casamento, funeral e outros) ia pro curar a “sua” sinagoga ortodoxa, que ele não frequentava, mas usava nes ses

Hojecasos.em

A aprovação em julho pela Knesset (parlamento de Israel) da Lei do Esta do Nação provocou milhares e milha res de manchetes pelo mundo todo, mais ou menos no estilo da que apa receu no G1 em 19 de julho: “Parla mento aprova lei polêmica sobre o es

Contudo, nada disso impediu mani festações mais contundentes do que a anódina constatação de que o assun to é polêmico. Israel é retratado por quase todo o mundo árabe (e por mui tos no mundo) como sendo um Esta do racista e que pratica o apartheid, quando na verdade o Estado de Israel é apenas um (e o único) Estado judai co e, portanto, é natural que se defina comoPortal.que os palestinos podem de clarar que o Islã é sua religião oficial (não obstante a minoria árabe cristã) enquanto que Israel é denunciado por procurar definir e manter seu caráter e identidade judaicas?

tado de Israel”. Podemos concluir, en tão, que a nova lei não é burra?

Do alto de sua sabedoria qua se talmúdica, Nelson Rodrigues decretou a frase “toda unanimidade é burra”. Ao mesmo tempo, a impren sa, dia sim, dia também, qualifica as mais variadas decisões e posturas do mundo como “polêmicas”, signi ficando com isto que não há unani midade sobre o assunto. Conclui-se, com precisão matemática, que tudo o que acontece no mundo ou é “po lêmico” ou é “burro”.

Parece que sim, dizem indiretamen te os palestinos. Pois não é que eles colocaram no artigo quarto de sua Lei Básica, aprovada pelo Conselho Le gislativo da Palestina em 2002, que “O Islã é a religião oficial da Palestina. Os princípios da Sharia Islâmica serão a principal fonte de legislação. O ára be é o idioma oficial”? Ou seja, a Lei Básica da Palestina vai ainda mais lon ge que a de Israel ao definir o caráter árabe e islâmico de seu Estado (que ainda não existe, mas cuja existência já se faz sentir). A lei israelense dá um status especial ao árabe e não defi ne que a lei religiosa judaica é a fonte principal da legislação.

A LEI NACIONAL DA PALESTINA Yarmolin/istockphoto.comDmytro

Será a resposta a esta pergunta “po lêmica” ou simplesmente “burra”? ü

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IconicBestiary/istockphoto.com

Este par de acontecimentos traz à cabeça a canção “What a Diff’rence a Day Made”, composta em 1934 por Stanley Adams e imortalizada pela voz de Dinah Washington:

Foi a primeira vez que a bandeira e o hino de Israel apareceram numa ce rimônia oficial dos Emirados Árabes Unidos. Os dois países continuam a não manter relações diplomáticas.

What a difference a day made Twenty-four little hours Brought the sun and the flowers Where there used to be rain

A paródia é uma autêntica manifes tação da realpolitik que governa as re lações internacionais. ü

Jacques Fux é um escritor minei ro, com diversos livros publicados, entre ele Meshugá, que foi resenha do por Devarim há um ano. Ele tam bém já colaborou com Devarim em 2011 com um delicioso texto sobre ci nema. Após a publicação de seu últi mo livro, Nobel, ele resolveu se lançar numa nova empreitada: a de escre ver de forma profissional e talentosa, como ghostwriter, as histórias das vi das de nossas famílias. As sagas dos imigrantes e dos sobreviventes, as in fâncias, os amores e as saudades. En fim, tudo o que queremos deixar regis trado para as próximas gerações.

Somos o povo do livro, então nada mais apropriado que termos um regis tro em forma de livro das nossas me mórias. Quem tiver interesse em con tatar o Jacques, pode fazê-lo pelo mail jacfux@gmail.com. ü

Melnikoff/istockphoto.com

REGISTRANDO A MEMÓRIA

QUE DIFERENÇA FAZ UM ANO!

What a difference a year made Twelve little months Brought the sun and the funs Where there used to be Iran

A versão 2018 da canção pode ser parodiada assim:

Há um ano o judoca israelense Tal Flicker ganhou uma medalha de ouro no torneio Grand Slam de Abu Dhabi. Ao subir ao pódio foi hasteada a bandeira da Federação Internacional de Judô e o hino tocado também foi o desta federação. Israel e os Emirados Árabes Unidos não mantinham, então, relaçõesExatosdiplomáticas.12mesesdepois outro ju doca israelense, Sagi Muki, ganhou uma medalha de ouro no mesmo tor neio, no mesmo local. Desta vez foi hasteada a bandeira de Israel e o hino tocado, sob intensa emoção do judo ca e as lágrimas da ministra israelense de Esportes e Cultura, foi o Hatikva.

A entrada na escola provoca um choque em Kassem. Ele entra diretamente na segunda série, pois já está alfabetizado, e pela primeira vez tem contato com o mundo fora do ambiente familiar. Na sala de aula se depara com uma foto grande do governante Sírio Hafez Al-Assad, sorrindo de uma forma que o incomoda. Fita longamente o retrato e é imediatamente interpelado por um menino mais velho, alawita (a seita islâmica de Al-Assad), que inicia uma briga com ele. Ao chegar em casa procura o pai e pergunta porque aquilo aconteceu. O pai lhe diz: “Filho, antes de tudo você vai me prometer que nunca mencionará nada do que me falou e nada do que eu vou te falar para ninguém. Nem para o seu professor, nem para os seus vizinhos, nem para os seus irmãos. Você pode me prometer isto?”1 Kassem assente e o pai lhe explica a situação política da Síria e como funciona a ditadura de Hafez Al-Assad, que privilegia os

assem Eid nasceu na Síria em 1986, numa família de palestinos que foram forçados a deixar sua propriedade rural ao norte de Israel em 1948. Kassem não indica quem os forçou a se mudar: se foram expulsos pelos israelenses; se estavam temerosos por sua sorte num Estado judaico; se foram influenciados por propaganda alarmista. Ou, talvez, pela soma de alguns destes, e outros, motivos. De todas as formas, Kassem se define como um Palestino-Sírio. E o “Meu País” (My Country) sobre o qual ele escreve é a Síria. O que ele testemunhou e vivenciou foi compartilhado por inúmeros outros sírios de identidade não hifenizada.

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A Bandeira Nazista na ONU

Digest”, e, com ela, Kassem passa a dominar também o inglês e a ter uma visão sobre a vida nos Estados Unidos.

K

RESENHAS LIVROS

Resenha do livro My Country –A Syrian Memoir, de Kassem Eid, publicado em 2018 por Bloombsbury Publishing.

Os pais de Kassem trabalham muito, a mãe em casa e o pai longas horas fora dela, principalmente como jornalista. Com isto conseguem criar com dignidade uma grande família de oito crianças, das quais Kassem é o mais jovem. Ele é muito interessado em leitura e, incentivado pelos pais, aprende a ler e escrever antes da idade escolar. O pai tem uma grande coleção de “Seleções do Readers

Alam Dar [um amigo] grita para chamar a minha atenção. Ouvi e olhei mas não respondi. Simplesmente não conseguia processar o que estava acontecendo. Ele me dá um tapa no rosto.

Meus olhos queimam, minha cabeça lateja e minha garganta está arranhada em busca de ar. Eu estou sufocando.

De repente minha traqueia se abre novamente. O ar rasga minha garganta e alfineta meus pulmões. Agulhas invisíveis golpeiam meus olhos. Uma dor lancinante atinge meu estômago. Eu me dobro e grito para os meus companheiros, “Acordem! É um ataque químico!”…

A partir daí o livro passa a relatar as crescentes manifestações e sua brutal (na falta de uma palavra mais contundente) repressão. Cenas inacreditáveis são relatadas no livro. Kassem, a princípio, mantém uma distância cautelosa dos manifestantes, mas acaba completamente envolvido na luta pela liberdade e pela democracia na Síria.

alawitas e, dentre os demais, apenas os que lhe juram lealdade incondicional. Tudo muito distante do mundo que o menino lia no Readers Digest.

Ouço… um rugido distante vindo de cima. Os aviões de Assad se aproximam. Levanto meu pescoço olhando para eles e esperando o barulho das bombas. Estará isto acontecendo mesmo? Olho em todas as direções, prescrutando as ruínas do meu bairro, procurando por algo, qualquer coisa, que me ajude a dar um sentido para o que estava acontecendo.

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E o ponto culminante de seu relato, o centro do livro, o evento em torno do qual o restante do texto parece ser um mero envelope, é o dia 21 de agosto de 2013. O infame dia em que gás Sarin foi usado pelas forças de Bashar Al-Assad contra sua própria população na cidade de Moadamya. O relato é contundente e a leitores judeus traz reminiscências dos textos que lemos sobre o levante do Gueto de Varsóvia, 70 anos antes:

Corro para baixo, para a rua, me desviando de janelas destroçadas, paredes que desmoronam, pisos esburacados e pilhas de escombros. Quando chego na porta da frente e olho para a rua, paro e arregalo os olhos em horror.Dúzias de homens, mulheres e crianças se contorcem de dor no chão. Outros gritam por ajuda, rezando e clamando por Alá nos céus, pedindo para que seus caídos voltem a respirar. No canto da minha visão percebo um volume caído no chão. Me aproximo e vejo que é uma criança, com seu rosto voltado para o chão. Corro e viro ela paraAcima.visão de seu rosto me faz esquecer todos os horrores que vi nos últimos três anos: os corpos queimados e pútridos depois dos massacres, as mulheres e crianças estraçalhadas pelas bombas, o grito dos meus amigos feridos no combate – esqueço de tudo isto. Só consigo focar naquele rosto inocente tingido de grotescas manchas de vermelho, amarelo e azul. Seus olhos retornam um olhar vítreo. Vômito branco escorre de sua boca e um som rascante sai de sua garganta enquanto ele luta para respirar

“Estão tentando invadir?”, pergunto tolamente.

4:45 am – 6:30 am

A pequena cidade de Moadamya2, onde Kassem mora, testemunha as primeiras manifestações em março de 2011. Cerca de 300 pessoas marcham pelo centro da cidade pedindo a remoção do prefeito e a restituição de terras desapropriadas pelo governo. Em 20 minutos chega a polícia e os temidos Shabiha (milícia armada e patrocinada pelo governo) e começa a pancadaria. Leva nove horas para a cidade retomar a calma. Os habitantes, Kassem inclusive, estão em transe: “Naquela noite, pela primeira

Tento ao máximo inalar – uma, duas, três vezes. Tudo o que eu ouvia era o mesmo horrível som rascante vindo de minha garganta bloqueada. A dor martela minha cabeça de forma insuportável. Começo a perder o foco.

vez em muitos anos, eu e toda a minha família ousamos acreditar que a liberdade era possível na Síria – não em uma década, ou em uma geração, mas num ano, ou talvez, num mês”.3

Muito jovem ele já sente o peso da discriminação. Tem ótimo desempenho, mas nunca é reconhecido entre os melhores alunos, distinção reservada apenas aos filhos dos aliados do governante. Oportunidades que seriam dele são oferecidas a crianças com menor mérito. Num certo momento, Kassem passa a se desinteressar pelos estudos e passa a ter todo o tipo de problemas com as autoridades do sistema de educação. Torna-se um jovem adulto e trabalha em variadas ocupações, sempre com destaque. Mas nunca é promovido para além de um nível médio. A Síria é um fardo pesado para carregar, mas ele ama o país e ama as pessoas. Ele e seus amigos sonham em silêncio com o dia em que chegarão a liberdade e a igualdade.

E de repente o que era um sonho impossível parece estar ao alcance! Na esteira da “Primavera Árabe”, iniciada na Tunísia em 17 de dezembro de 2010, a Síria começa a se manifestar pelo fim da ditadura de Bashar Al-Assad (o filho de Hafez que assumiu o feudo do pai após sua morte em julho de 2000).

Na“Sim.”verdade eu nunca tinha lutado antes.4

Os observadores da ONU visitam Moadamya. Recolhem amostras do solo e dos estilhaços das bombas, visitam os hospitais, falam com as pessoas. E chegam a uma conclusão: gás Sarin foi usado no ataque. Mas a esperança de Kassem e seus amigos de que o mundo, finalmente, intervirá não se realiza. Duas semanas depois do ataque, Obama anuncia que vai pedir autorização do Congresso dos EUA para intervir na Síria. E Kassem relata:

“De“De“Sim!”onde?”todosos lugares! Precisamos de gente. Você pode lutar?”

Notas

Esperamos pelo veredito do mundo sobre a relevância do nosso sofrimento

5 Páginas 108-109.

O livro continua a relatar as atribulações de Kassem até o dia em que ele consegue, com muitos remorsos e a alma despedaçada por estar abandonando a luta armada, escapar da Síria. Sua missão passa a ser mostrar para o mundo o que está se passando.Vaipara os Estados Unidos, aparece na ONU, vai para a Europa. Fala, mostra, argumenta. Mas suas palavras não fazem efeito nenhum. Desesperado, tenta voltar para a Síria, mas não consegue e, finalmente, se rende e pede asilo à Alemanha, onde mora até hoje. O título do último capítulo do livro resume seu sentimento: “Hope Estinguished” – “O Fim da Esperança”.

Ao leitor judeu que se emocionou com os ecos do Gueto de Varsóvia no relato sobre o horror e a bravura por ocasião do ataque químico em Moadamya, fica um pensamento perturbador:Abandeira nazista poderia, no dia de hoje, estar tremulando no prédio da ONU!Adesgraça de Hitler não foi seu falso viés nacionalista e/ou socialista. O que causou a derrocada do nazismo foi seu sonho imperialista. Talvez, se tivesse, tal qual o clã Assad, limitado

Mesmo sem entender porque é aceitável massacrar o povo com explosivos, mas não com armas químicas, os amigos de Kassem ganham uma nova esperança: agora o mundo vai intervir! Assad será deposto e julgado por seus crimes e a Síria entrará numa nova era de liberdade, igualdade e paz.

e do valor de nossas vidas. Obama consultou o Congresso, o parlamento Britânico debateu o assunto, os franceses tergiversaram. Eu tentei me manter otimista, mas internamente já sabia a verdade. Em 14 de setembro, Obama firmou um acordo com a Rússia, que permitia a Assad escapar da punição por seus crimes, desde que destruísse seu estoque de armas químicas. Assad tinha acabado de sufocar com gás centenas de mulheres e crianças, e ele continuaria a poder nos bombardear e a nos matar de fome, sem punição.5

suas ambições a ser o ditador da Alemanha, sem invadir os vizinhos, teria exterminado cruelmente todos os judeus, homossexuais, portadores de deficiência e opositores políticos de seu Enquantopaís. isso, o mundo derramaria as suas costumeiras lágrimas de crocodilo e mandaria “comissões de verificação”, que fariam extensos e indignados relatórios, que seriam usados em emocionantes discursos cheios de indignação vazia. Ah, sim, também se estabeleceriam solenes e intransponíveis ultimatos nãoMas,cumpridos.apesar de tudo isto, tal qual acontece com a Síria de hoje, a Alemanha nazista faria parte da família das nações, sem maiores restrições. Quem sabe teríamos um figurão das SS, de uniforme preto e caveira na lapela, sentado na presidência da comissão de Direitos Humanos?Alição que Hitler ensinou aos ditadores, incluíndo os da Síria é: não tentem sair de dentro de seus países. Enquanto massacrarem “apenas” sua população ninguém vai se incomodar muito.Olivro de Kassem Eid é pequeno e de leitura fácil. Em um ou dois dias se dá conta dele. Mas a mensagem que dele se extrai é muito perturbadora e precisa nos acompanhar para sempre. Não se esqueçam nem de Moadamya 2013 ao lembrar de Varsóvia 1943.

3 Páginas 61-62.

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Isto aconteceu em 2013. O levante do Gueto de Varsóvia aconteceu 70 anos antes, em 1943. A diferença é que em 2013 existe a ONU, com seu compromisso de manter a dignidade humana em todo o planeta independentemente da truculência dos Ogovernos.presidente Obama dos EUA havia traçado uma “intransponível” linha vermelha: se Assad ousasse usar armas químicas, os EUA interviriam na guerra civil da Síria, afirmou ele do alto de seu Prêmio Nobel da Paz, ganho logo após sua primeira eleição.

1 Página 14.

4 Páginas 93-97.

Raul Cesar Gottlieb

resenhas livros

2 Na zona rural da capital Damasco, da qual dista me nos de 20 km. O Google Maps a chama de Al Moa damyeh.

cócegas no raciocínio

No

Desisti de argumentar que extre mismos, de esquerda ou de direita, levam ao mesmo lugar, que a histó ria sabe bem qual é. Desisti de ten tar lembrar que os judeus, que com todos os motivos e razões apon tam para a experiência histórica

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como, para certas esquerdas, sio nismo é pejorativo. Nervos à flor da pele, somos todos o contrário, ou só diferentes, do que alguém é, e com isso, seu inimigo. Somos rotulados, tachados, xingados, odiados, agre didos, pelo crime de não concordar, ou pelo crime de usar metáforas e ironias, ou pelo crime de não perce ber quão criminosos somos.

No Brasil e no mundo. Morre-se por dizer ssibolet, ou paucinhos, numa sinagoga em Pittsburgh, num acampamento juvenil na Noruega, num consulado em Istambul, numa aldeia indígena, num carro num su búrbio carioca.

SSIBOLET!

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Paulo Geiger

Li também em algum lugar da in ternet que numa luta no sul do Bra sil no fim do século 19, os uruguaios (inimigos) eram identificados quan do se lhes pedia que pronuncias sem a letra ‘j’ (jóta) ou ‘pauzinhos’. O que saía era ‘rrôta’ ou ‘paucinhos’. MorteVivemoscerta.tempos semelhantes.

Não sei que perigo real corriam os pais do garoto na peça de Brecht Terror e miséria no Terceiro Rei ch, mas basta o medo dos pais de serem denunciados pelo filho para configurar o terror e a miséria do tí tulo. Exageros à parte – e num texto solto como este o exagero é permiti do – estaremos a caminho disso no Brasil, e no mundo?

Vivemos aqui e agora um pós-mo mento, que pode se reverter num novo momento, de situações se melhantes. Acabamos, nós, judeus, dentro de nossa comunidade, de passar por isso. Eu mesmo cheguei ao ponto de apagar automaticamen te tudo que entrava em alguns gru pos do whatsapp. Não era discus são de ideias, tentativas de achar al gum denominador comum mesmo dentro das diferenças de opinião e atitude. Era shibolet contra ssibolet.

livro bíblico dos Juízes con ta-se a história de duas tribos, a de Guil’ad e a de Efraim, que es tavam em confronto. Os guiladitas, controlando a travessia do rio Jor dão, pediam a quem quisesse atra vessar que pronunciasse a pala vra shibolet. O som do ‘sh’ não exis tia na fonética efraimita, e o pobre efraimita que, tentando cruzar o Jor dão, pronunciava ssibolet, era mor to na hora.

Em Israel, hoje em dia, quem não aprova o que o governo faz é trai dor, mosser, ‘smolani’ (esquerdoi de na versão atual de nossas re des sociais ou grupos de whatsapp aqui no Brasil). ‘Esquerda’, para al guns, passou a ser pejorativo, assim

Sem ser peixe, morre-se pela boca. Se não se morre, quase... Basta di zer algo que não é o que o interlocu tor espera, ou quer, ou no que acre dita, e o que se segue é desprezo, ou xingamento, ou agressão, e falta pouco para a morte, em alguns ca sos já não faltou nada...

A busca de convicções em meio a tantas incertezas tem a ver mais diretamente com o judaísmo. Já não estou falando de emergências políti cas no Brasil, e no mundo, hoje. Ou seja, não estou falando agora de emergências circunstanciais, mas de ameaças estruturais muito mais amplas e profundas, mais profun das até do que as ameaças e ten dências representadas por líderes no mundo atual, sejam da direita ou da esquerda, como Trump, Putin, Le Pen, Erdogan, Kim Jong Il, Madu ro, Ortega, Duterte, ..... Estou bus cando no que temos de comum, o judaísmo, uma visão proativa dian te das tendências atuais, no mundo todo. Estou pensando não no que quero evitar, mas no que quero que aconteça, algo mais sólido e dura douro do que os ventos mutantes da política como hoje praticada.

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para alertar e advertir contra os pe rigos das extremas, têm de advertir a si mesmos também. Lembrar que o ideal do equilíbrio social e ecoló gico, do convívio das diferenças, da justiça, das mitsvot proativas que realizam tudo isso, é parte não de uma facção do judaísmo, mas do ju daísmo mesmo. Mas pelo jeito, na verdade, não desisti, já que estou escrevendo sobre isso.

Vivemos uma emergência, sim, mas há no judaísmo um fundamento profundo, estrutural e não circuns tancial, que é o ponto cardeal orien tador do nosso povo há mais de 3.000 anos, e que está a nosso dis por, pois é parte de nosso DNA.

E o judaísmo pode ser um boa fonte de inspiração. O judaísmo não se limita a uma crença no divino no sentido de emular o comportamen to divino na atuação dos judeus na Terra. O comportamento judaico é terreno, codificado em mandamen tos claros, e a grande maioria tem a ver com a relação entre os ho mens e entre os homens e a natu reza. Portanto, comportamento so cial e ecológico. Segundo os profe tas, o verdadeiro culto a Deus está na atenção aos carentes, oprimidos, perseguidos. A palavra que designa ‘caridade’ no judaísmo é tsedaká, cuja raiz é tsedek, justiça. Caridade não é benemerência, é justiça. Jus tiça social. Em toda a sua história, o povo judeu, as comunidades judai cas, cultivaram como valor e obriga ção o princípio da equidade social, como justiça e não caridade. As co munidades judaicas têm ao lon go da história, em geral, evitado se identificar com ideias e programas que se apoiam numa divisão, numa lacuna cada vez maior entre cama

E mais um aspecto: quem já visi tou o Museu das Diásporas em Is rael viu, logo na entrada, uma painel de rostos representativos do povo judeu ao longo do tempo e do es paço: múltiplas etnias, múltiplas co res, múltiplas feições, múltiplas ori gens e culturas. O povo judeu é for mado por minorias, no caso, sepa radas pela geografia e pela história, e se constrói, se reconstrói, reunin do todas as minorias, preservando suas diferenças mas somando-as num povo só. O povo judeu foi bus car suas comunidades, abraçou-as, resgatou-as, respeitou-as. Como poderia um judeu apoiar qualquer programa em que minorias são des cartáveis, empecilhos, candidatas à repressão e à humilhação. Como poderíamos nós, judeus, minoria em todos os países do mundo, menos em Israel, que sofreu tanto por ser minoria, que tem na carne a mar ca da intolerância, não sermos soli dários com toda minoria ameaçada?

Permito-me reproduzir o que escrevi sobre este aspecto para um pronunciamento pré-eleitoral que não chegou a ser feito, depois de expurgados os trechos relativos especificamente ao momento brasileiro:

das de elite e de carentes ou des possuídos. A rejeição judaica a ex tremas-direitas e esquerdas passa também por aí. E as regras judaicas de proteção da terra, fonte perecível de nossa sobrevivência física, dão a dimensão, quinze séculos atrás, da preocupação do judaísmo com a ecologia e a preservação.

Como judeus brasileiros, como judeus no mundo atual, nossa his tória e nossa geografia, nossa ex periência e nossa realidade se cru zam e nos alertam, a ameaça já é suficiente. Não podemos fingir que não vemos. A solidariedade que de vemos, como judeus, a todas as mi norias, ricocheteiam numa solidarie dade conosco mesmos, como diz a ética grega.

Um abraço afetuoso de um guila dista a todos os efraimitas. Ssibolet!

cócegas no raciocínio

PeterHermesFurian/istockphoto.com

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