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Oslo: a falta que fez a peça que falta

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Sonho e saúde

Sonho e saúde

A interação entre Israel e as lideranças palestinas criaram uma atmosfera de colaboração antes inexistente, que permitiu a Israel ganhar mais controle em termos de segurança e mais conhecimento sobre as expectativas palestinas.

Fachada do edifício do Centro Nobel da Paz, em Oslo, Noruega.

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Ricardo Gorodovits

Numa palestra, um intelectual brilhante expõe o fracasso dos acordos de Oslo, enumerando os motivos pelos quais suas falhas e lacunas essenciais tornavam inviável fazê-los serem bem sucedidos. A plateia atenta, aplaude e agrega perguntas que parecem reforçar o que foi apresentado: os acordos eram natimortos.

Muitos de nós assistiram palestras com este teor. Ou lemos textos, teses, livros. Agora, passados 25 anos da assinatura dos acordos, cuja declaração de princípios foi firmada em setembro de 1993, nova enxurrada de textos enfatiza o ocaso das negociações de paz, o fim definitivo do que havia sido então estabelecido e a inexistência de nova iniciativa que equivalha e substitua aquela. Até porque, aquela, dizem, não deveria ter ocorrido.

Essas análises em geral caminham margeando a história, observando o ritmo das águas e seu destino inevitável. Em geral, porém, tocam apenas de passagem, quando não esquecem totalmente, um fato que me parece extremamente relevante: o assassinato de Yitzhak Rabin, em novembro de 1995, por um judeu ortodoxo da extrema-direita, parte de um grupo que considerava Rabin não apenas um traidor de Israel (como boa parte da direita israelense o via), mas um perigo para o povo judeu, que deveria ser eliminado.

O assassino de Rabin, bem como aqueles que o estimularam e respaldaram, acreditava que sem Rabin, que dava o respaldo político e democrático aos acordos de Oslo, sendo portanto seu principal avalista, os acordos ruiriam. Tendo a acreditar que estavam certos, infelizmente. Os acordos dependiam demais de Rabin, de seu respaldo popular, do respeito que inspirava em lideranças de Israel e do mundo árabe, inclusive dos palestinos. Dependiam de sua mão firme quando tratava de lutar contra o terrorismo (que nunca deixou de existir), de

sua excessiva (para o meio político) sinceO iceberg de Oslo foi o forma de pesquisa e desenvolvimento de ridade, expressa, por exemplo, na relutância evidente do primeiro aperto de mão com Arafat. assassinato de Rabin, e, quem sabe, sem produtos. Apesar de não ter suspendido o boicote comercial de boa parte do mundo árabe, alguns países relevantes, como

Correndo o risco de usar uma metáeste evento os acordos Indonésia, Marrocos e Tunisia, iniciaram fora pobre ou simplificada demais, podeteriam progredido conversações nessa direção, os dois últimos comparar os acordos de Oslo com de forma diferente? mos inclusive abrindo escritórios de reo Titanic. O que poderia acontecer caso não colidisse com o iceberg que o afundou? Ou se o corte em seu casco tivesse O imponderável da história se aplica aqui. presentação em Israel. Outros países deixaram de boicotar ou ameaçar boicotar empresas de outros países que fizessem provocado a ruptura em número inferior negócios com Israel ou cujos fornecedode câmaras estanque, permitindo que as mesmas fossem res tivessem relacionamento comercial com Israel. isoladas e o navio salvo? O Titanic foi, em seu tempo, alvo A interação entre Israel e as lideranças palestinas criade entusiasmo e também de críticas, tendo sido identificaram uma atmosfera de colaboração antes inexistente, que das, após o desastre, inúmeras escolhas consideradas equipermitiu a Israel ganhar mais controle em termos de seguvocadas em seu planejamento e construção, sua condução rança e mais conhecimento sobre as expectativas palestinas. e nos procedimentos relativos ao naufrágio. Porém, sem o Até quase o final de 1995, o alto escalão israelense mantifatídico iceberg, o Titanic poderia ter cumprido seu papel nha encontros semanais com Arafat e seus colaboradores. e seguiria, por muitos anos mais, levando passageiros atraNesse período, o Vaticano finalmente reconheceu o Esvés dos mares transatlânticos. tado de Israel (um trunfo importante em termos diplomá

O iceberg de Oslo foi o assassinato de Rabin, e, quem ticos) e foi assinado o acordo de paz com a Jordânia, o que sabe, sem este evento os acordos teriam progredido de forpraticamente tornou inviável qualquer iniciativa bélica forma diferente? O imponderável da história se aplica aqui. mal de países árabes contra Israel (lembrando que o EgiOs “se” e “talvez” não cabem, apenas os fatos podem ser to já mantinha relações com Israel desde o acordo Beginconsiderados. No entanto, a morte prematura e violenSadat, na década de 70). De acordo com a maior parte da ta do líder israelense não pode ser descartada como fato bibliografia a respeito, Rabin buscaria ainda a paz com a historicamente irrelevante, como quis, recentemente, Yuli Síria e com o Líbano, mas preferiria aguardar as eleições Edelstein, porta-voz do Knesset. Ao contrário, me parece de 1996, quando um novo mandato poderia fortalecer seu que se houve algo inevitável na derrocada do que Oslo hasuporte popular para isso. Em outubro de 1991, quando via definido, esta inevitabilidade estabeleceu-se apenas a ocorreu a Conferência de Madrid (ainda no governo Shapartir deste vergonhoso evento. mir, do Likud), considerada a base sobre a qual Oslo foi

Podemos olhar para o cenário desenhado nos dois anos construído, Israel mantinha relações diplomáticas com 91 em que Rabin esteve à frente do governo, conduzindo a países. Ao final de 1995, eram 155 países. evolução do que havia sido estabelecido nos acordos. Claro que isso não ocorreu de forma linear. E especial

O resultado para Israel foi tremendamente positivo. mente no que tange à segurança, houve reações violentas O produto interno bruto (PIB) israelense deu um salto, que poderiam frustrar a evolução dos acordos. Em atencrescendo acima de 5% nos dois anos seguintes. O PIB tados cometidos por palestinos (sempre atribuídos ao Haper capta alcançou o mesmo patamar da Grã-Bretanha em mas, já na época uma facção relevante entre os palestinos, 1995. O mesmo fenômeno positivo aconteceu com o núcuja força efetiva afloraria para o mundo apenas dez anos mero de turistas visitando o país, que praticamente dobrou depois) terroristas mataram mais de 150 pessoas entre a nesse período. O desemprego caiu significativamente. Emassinatura da declaração de princípios e o final de 1995. presas que se recusavam a investir no país em função de Em 1994, o pior atentado cometido por um judeu isboicotes ou medo de boicotes passaram a planejar e em seraelense teve lugar em Hebron, matando 29 pessoas, o guida executar planos de investimento, fosse para o mercaque levou a implementação pelo governo israelense de dudo interno israelense, fosse para adotar Israel como plataras regras de segurança na cidade. A política de Rabin era

Torre do relógio em Oslo, Noruega.

formulada por ele de forma simples: buscar a paz como se não houvesse terrorismo, combater o terror como se não houvesse processo de paz. Sua ação anterior, não apenas na esfera militar e como primeiro-ministro, mas inclusive como ministro da Defesa durante a primeira intifada, o credenciava como alguém que de forma alguma negligenciaria a permanente sobreposição da segurança às iniciativas dos acordos de Oslo.

Após seu assassinato, em novembro de 1995, mais de 50 israelenses foram mortos em atentados apenas nos primeiros meses de 1996. Shimon Peres, que assumiu provisoriamente o governo até que novas eleições pudessem ser realizadas, no final de maio de 1996, foi co-responsável por Oslo e conhecia muito bem os meandros das políticas israelense e palestina. No entanto, operou durante o governo Rabin sob sua liderança, o que, de acordo com os analistas, permitia que Rabin levasse adiante as melhores ideias trazidas por Peres, mas sempre de acordo com seu próprio ritmo e sob seus cuidados. Um exemplo disso foi o anúncio feito por Peres da conclusão das negociações para o acordo Oslo II, em julho de 1995, indicando sua assinatura em duas semanas. Entretanto apenas no final de setembro de 1995 o acordo foi firmado por Rabin, após sua leitura e discussão aprofundada com a revisão de cada um de seus detalhes. Aparentemente, após assumir o governo, Peres se sentia motivado para avançar o mais rapidamente possível nos acordos, e críticos entenderam na época que ele estava “solto”, sem o freio que Rabin lhe impunha. Pe

res também não tinha o perfil reconhecidamente duro de Rabin, a experiência militar e no combate ao terror.

Com a morte do primeiro-ministro, a soma dos atentados do primeiro semestre de 1996 e a insegurança quanto à capacidade de Peres levar adiante o trabalho iniciado ao lado de Rabin acabaram levando-o à derrota nas eleições subsequentes. Cabe lembrar que nessas eleições foi acordada a separação entre a votação para primeiro-ministro daquela realizada para o Knesset (em Israel, tanto antes disso como depois, a votação é única, sendo convidado para formar o governo o líder do partido com maior número de assentos no congresso, ou aquele que o presidente entender ser o mais capaz de formar um governo estável). Com isso, apesar do Partido Trabalhista eleger a maior bancada (34 cadeiras contra 32 do Likud), e da diferença mínima de votos entre os dois principais candidatos (menos de 1%), a população conduziu Benjamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro, cargo em que, assumido novamente no início de 2009, mantem-se até hoje.

O que era difícil com Rabin, mas possível, tornou-se inviável a partir de então. Netanyahu era o líder da oposição a Rabin e sua maior bandeira era o combate aos acordos “entreguistas” de Oslo. Como seria possível imaginar alguma evolução no processo de paz sob sua liderança? Se por um lado ele não tinha qualquer histórico de uma relação de confiança com os palestinos, ao elegê-lo, os israelenses sinalizavam uma clara preocupação com a continuidade da política anterior. Como país democrático e

Vista da cidade de Oslo, Noruega.

parlamentarista, muitas das ações do governo precisavam do aval do Knesset, que Netanyahu soube, como poucos, controlar e dirigir na direção de solapar qualquer avanço relevante do pacto anterior.

Durante seus três anos de governo, Netanyahu reverteu políticas implementadas por Rabin, entre elas a redução do ritmo de crescimento dos assentamentos nos territórios ocupados. Cabe observar que um dos pontos da plataforma de Rabin era reduzir ou eliminar a participação do Estado na construção de assentamentos, delegando à iniciativa privada este tipo de investimento, sem os subsídios posteriormente oferecidos.

Ehud Barak foi eleito em 1999, ano em que os acordos já deveriam ter evoluído de forma significativa, dentro do processo gradual inicialmente planejado, e possivelmente foi acometido (ou pressionado) pelo mesmo otimismo exagerado que permeava as ações de Peres. Negociou, com a intermediação do governo Clinton, um plano de paz, bastante consistente e, sob o ponto de vista israelense, condescendente em suas premissas, mas colocou Arafat contra a parede, apontando-lhe apenas as opções “tudo ou nada”. Os palestinos optaram pelo recuo e uma nova oportunidade de negociação efetiva surgiu apenas oito anos mais tarde.

No governo de Ehud Olmert, já debilitado em função das acusações de corrupção que acabaram levando-o à prisão, o interlocutor pelo lado palestino passou a ser Mahmoud Abbas, que assumiu a liderança da ANP após a morte de Arafat. Abbas havia participado das negociações em Camp David, no governo Barak, e conhecia bem os limites a que Israel estava sujeito quanto às concessões que poderiam ser feitas. Olmert entretanto o surpreendeu e levou adiante um plano onde oferecia até mesmo a internacionalização de Jerusalém, algo que dificilmente ele conseguiria aprovar no Knesset. Ainda assim, mais uma vez, Abbas declinou da possibilidade de equacionar a questão, com a criação do Estado Palestino. Em recente entrevista, Olmert (que após um período na prisão teve direito à liberdade condicional) afirmou que a reapresentação de seu plano de paz aos palestinos hoje seria o melhor caminho para se chegar a um acordo para a solução de dois Estados. Segundo ele, entretanto, enquanto Netanyahu seguir no poder, as chances disso acontecer são nulas, porque Netanyahu jamais acreditou de fato nesse caminho.

Nossa conclusão é de que afirmar que os acordos de Oslo estavam desde seu início fadados ao fracasso é fruto de uma análise extremamente parcial, em que se busca justificar uma premissa pelos seus resultados, sem levar em conta a tragédia que se abateu sobre Israel com o assassinato de Rabin.

Ao contrário, durante o período em que Rabin esteve à frente do governo, os resultados para Israel e para os palestinos foram extremamente positivos, seja observando-se por meio de uma análise “fria” os números da evolução econômica e diplomática de Israel, seja avaliando- -se, ainda que de forma mais subjetiva, a abertura de Is

rael para o mundo (e do mundo para IsDurante o período em raelense, e o enfraquecimento do campo rael) e o clima majoritariamente positivo que permeou a sociedade israelense naquele momento. que Rabin esteve à frente do governo, os à esquerda do espectro político não parecem oferecer muito alento de que veremos movimentos consistentes na dire

A crítica que pode e deve ser feita se resultados para Israel ção de um acordo com os palestinos em direciona à dependência, hoje evidente, e para os palestinos prazo razoável. que os acordos mantinham em relação à foram extremamente Ficamos, portanto, na expectativa de sua condução por um líder que assegurasse à população israelense sua capacidade de conciliar a busca da paz com a gapositivos, observandose os números da que de um lado e de outro surjam novas lideranças que possam mover as peças deste complexo tabuleiro, com corarantia de segurança. Infelizmente, naqueevolução econômica e gem e também com segurança, no sentile momento, Rabin não tinha um sucesdiplomática de Israel. do de estabelecer um pacto que ofereça sor à altura e, nos meses que se seguiram às gerações futuras uma perspectiva conà sua morte, o processo definhou, sendo enterrado definicreta de paz. tivamente com a eleição de Netanyahu sete meses depois. Quando isso ocorrer, tenho certeza, a figura de Rabin

Ainda assim, muitos dos ganhos então obtidos não se será a principal fonte de inspiração e seu assassinato terá perderam. O mundo não se fechou para Israel, ao confinalmente uma resposta à altura. trário. O desenvolvimento econômico persistiu, a redução dos gastos com a defesa (em percentual do PIB) foi Bibliografia razoavelmente mantida ao longo do tempo. Israel segue Para a elaboração deste texto muitos livros e sites foram consultados, sendo um país democrático, o turismo segue em alta, a sendo as principais referências relacionadas a seguir: infraestrutura melhorou tremendamente. A relação com o mundo árabe teve altos e baixos, mas Egito e Jordânia Yitzhak Rabin, O soldado da paz – equipe do Jerusalem Report, 1996 Rabin, Our Life, His Legacy – Leah Rabin, 1997 mantêm-se com representações diplomáticas de alto níhttps://tradingeconomics.com/israel/tourist-arrivals vel e a existência de um inimigo em comum (o Irã) aprohttps://www.indexmundi.com/israel/gdp_real_growth_rate.html ximou Israel dos países do Golfo Pérsico, especialmente https://en.wikipedia.org/wiki/First_Intifada a Arábia Saudita. No entanto, os dilemas que foram enfrentados por Rabin continuam sendo objeto de preocupação. A solução https://en.wikipedia.org/wiki/Oslo_Accords https://www.nytimes.com/2018/09/12/world/middleeast/israel-palestinian-oslo.html https://foreignpolicy.com/2018/09/13/the-oslo-accords-are-dead-butde dois Estados parece mais distante, tendo surgido uma there-is-still-a-path-to-peace-israeli-palestinian-arafat-rabin-clinton/ questão adicional com o controle do Hamas sobre Gaza. https://www.timesofisrael.com/knesset-speaker-rabins-murder-had-no- E como anexar formalmente a Cisjordânia a Israel levaria -historical-impact/ a um crescimento muito relevante da população não judaica, isso também parece fora de questão. Com isso, o governo israelense tem deixado o diálogo com os palestihttps://www.haaretz.com/israel-news/oslo-accords-25-years/the-oslo-accords-didn-t-achieve-peace-but-they-did-birth-startup-nation-1.6467816 http://www.aish.com/jw/me/48898917.html nos em segundo plano, sem qualquer avanço efetivo nos https://www.timesofisrael.com/abbas-admits-he-rejected-2008-peace- últimos anos. -offer-from-olmert/

A provável mudança de liderança palestina, devido à https://www.rt.com/news/441831-ehud-olmert-netanyahu-palestine/ idade avançada de Abbas, não permite olhar para o futuro próximo com mais otimismo, já que não há, aparentemente, chance de uma voz moderada e com um discurso http://www.mfa.gov.il/mfa/foreignpolicy/terrorism/palestinian/pages/fatal%20terrorist%20attacks%20in%20israel%20since%20 the%20dop%20-s.aspx https://pt.wikipedia.org/wiki/RMS_Titanic firme quanto a construção das condições para a existênhttps://en.wikipedia.org/wiki/2000_Camp_David_Summit cia de um Estado Palestino assumir o controle da ANP. As sucessivas reeleições de Netanyahu evidenciam o suRicardo Gorodovits é engenheiro, ativista comunitário, ex-boguer porte que possui de parcela significativa da população isda Chazit Hanoar e membro do conselho editorial de Devarim.

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