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Sonho e saúde
Em seu livro A interpretação dos sonhos, Freud situou os sonhos no cérebro e levou-o para o domínio das neurociências. Isso pode parecer óbvio hoje, mas foi Freud quem confrontou a ideia de que os sonhos teriam relações com os seres celestiais ou com fenômenos ligados à alma.
Marcia Rozenthal
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Introdução
Não tivéssemos a convicção quase que atávica de que não existe o acaso, não teríamos tamanha premência para formular perguntas. Sabemos que na Torá não há letra ou palavra fora do lugar, uma vez que aceitamos sua origem divina e, portanto, ela não comporta erros, licenças poéticas ou pequenos tropeços. Vale o mesmo para o idioma no qual ela nos foi passada, o hebraico. Palavras associadas pelas mesmas raízes não são resultantes do acaso, mas sim de uma razão maior. As raízes das palavras são suas características irredutíveis, em que se concentram seus reais significados e, a partir delas, são criadas as famílias etimológicas. As relações entre as palavras hebraicas também podem ser estudadas de outra forma, em que são considerados os valores numéricos de suas letras (guemátria).
Quem teve o privilégio de estudar a Torá em hebraico sabe que se trata de um livro original e único, intraduzível, uma vez que não podem ser criados neologismos tão precisos que denotem o que determinada palavra realmente significa no contexto etimológico. As traduções, em geral, resultam num resultado opaco, que não permite penetrar na amplitude de possibilidades de interpretações decorrentes da escolha pontual de determinada palavra, o que prejudica o entendimento e a formação de um insight sobre sua real função naquele texto.
Algumas palavras compartilham uma raiz comum, porém nem sempre a relação entre estas é óbvia. Quando isso ocorre, somos tomados por uma inquietação e um consequente desejo de compreender o por quê. Esta busca se torna mais interessante ainda quando percorremos nossos próprios caminhos e abrimos nossas trilhas (netivot), ao invés de seguirmos pelas grandes estradas que nos levam a destinos já conhecidos: é a possibilidade de encontrarmos um ângulo novo e original de observação.
A pergunta
“Há uma associação bem interessante que é sonho (חלום (e curar/sarar (להחלים – (chalom e leachlim. Ambas têm a mesma raiz חלמ) chet, lamed, mem), mas a associação entre elas não é tão obvia”; assim chegou uma questão no meu e-mail. Mais pura verdade! Sempre que evocamos a palavra sonho, especialmente na Torá, nos remetemos aos profetas, que ora recebiam mensagens divinas através destes, como no caso do sonho de Yaakov e de Yonah, ou avisos e advertências, que precisavam ser interpretados. Este é o caso de Yossef, que se tornara importante no Egito, graças ao seu talento em detectar mensagens contidas nos sonhos. A interpretação que ele fez do sonho do Faraó, que versava sobre as sete vacas (magras e gordas), mudou a história do Egito, que se tornou um país forte e livre da fome que se abateria sobre o mundo, e a de seu próprio povo, que acabou se unindo e vivendo no Egito, de onde só viria a sair muito tempo depois, em circunstâncias trágicas.
A verdade é que o sonho é um fenômeno extremamente complexo, tanto em sua forma quanto no seu conteúdo. É um fenômeno que ainda causa estranheza, mesmo considerando-se que ele seja parte de nossas vidas. Vale ressaltar que o sonho não se processa dentro do campo da consciência e, talvez por isso mesmo, pareça incognoscível para ela.
Voltando ao tema deste artigo, o que terá este fenômeno a ver com saúde? Será que nossos antepassados sabiam de algo especial? Vale ouvir o que a medicina atual tem a dizer sobre o sonho.
A ciência e o sono
Freud fez uma grande e, talvez, a mais difundida contribuição científica para o campo da pesquisa dos sonhos,
Ilustração: Daniela Strauss

O sonho da paz, disparado pelos Acordos de Oslo, está ferido, mas esperamos o dia em que vamos sarar desta ferida.
mesmo considerando-se as limitações de sua época, as quais impediram que seus estudos fossem melhor sistematizados cientificamente. Em seu livro seminal A interpretação dos sonhos (1899), Freud situou, de forma definitiva, os sonhos no cérebro e, portanto, levou-o para o domínio das neurociências. Isso pode parecer óbvio hoje, mas foi Freud quem confrontou, de forma acadêmica, a ideia de que os sonhos teriam relações com os seres celestiais ou com fenômenos ligados à alma.
O modelo de Freud propunha que os sonhos expressavam desejos inconscientes não saciados. Os desejos, assim reprimidos, eram chamados de “conteúdo latente” e seriam tão intensos e perturbadores para o ser humano, que eles apareceriam nos sonhos, após passarem por um censor (caso contrário, a pessoa despertaria assustada). A resultante desta “camuflagem”, o conteúdo dos sonhos, era chamada de “conteúdo manifesto”. A ciência nunca pôde provar que Freud estava errado, nem certo, já que suas hipóteses se mostraram impossíveis de serem testadas por métodos científicos mais rigorosos.
Estudos posteriores, feitos com o uso de eletrodos no crânio durante o sono para medir a atividade cerebral, mostraram que o sono pode ser dividido em duas fases distintas. A fase mais profunda chama-se sono REM, assim denominada por ocorrerem movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eyes Movement): é nesta fase que ocorrem os sonhos. A fase inicial é a do sono NREM (Não REM), onde a atividade cerebral tende a se alentecer; é dividida em quatro etapas, conforme o grau de aprofundamento do sono. Curioso é que, quando ocorre a transição do sono NREM para o REM e o início do sonho, numerosas partes do cérebro passam a se mostrar surpreendentemente hiperativas.
Estudos mais modernos, envolvendo o uso de neuroimagem funcional cerebral, mostram que existe, efetivamente, aumento da atividade cerebral de base durante o sono REM, o que mostra que o sonho realmente é associado com uma experiência ativa do cérebro. Ao mesmo tempo, nesta fase ocorre uma paralisação total de todos os músculos voluntários do corpo, que permanecem sem qualquer nível de tensão. Isto ocorre pela desativação das regiões cerebrais frontais. A área frontal do cé
rebro pode ser comparada à função do Assim como Deus Enfim, a relação entre os sonhos e a saúde “CEO”, ou seja, é onde ocorre a estruturação do pensamento e das decisões lógicas, é onde é feito o controle das áreas cedescansou no sétimo dia, o que tornou o São descritos, na literatura médica, inúmeros benefícios dos sonhos para o cérebrais que modulam os comportamenshabat um dia sagrado rebro e para o corpo, tais como aumentar tos mais primitivos, incluídas as emopara nós, entendo que a longevidade, a memória e a criatividade. ções. Assim sendo, cada vez que se enenquanto sonhamos, O sonho teria ainda um efeito protetivo tra no estado do sono REM, a capacidade cognitiva para ordenar logicamente o pensamento é temporariamente inestamos vivendo o momento mais sagrado para o câncer e demências, melhoraria o funcionamento do sistema imunológico, reduziria o risco de infarto do miocárdio terrompida. As áreas relacionadas com a de nosso dia. e de derrames, e, de quebra, reduziria sinemoção (sistema límbico) têm sua ativitomas depressivos e ansiosos. dade aumentada em 30% relativamente ao estado de vigília (quando estamos acordados). A raíz comum
Em relação ao conteúdo, os sonhos teriam resíduos dos emocionais e para fazer novas associações entre os novos fatos vivenciados recentemente e um forte componente Não creio que o hebraico precisasse de estudos de neuemocional: entre 35% e 55% dos temas e das preocuparoimagem funcional para poder concluir que existe uma ções emocionais durante a vigília vão pavimentar o sonho forte relação entre sonho e saúde. Talvez o caminho para da noite. esta conexão esteja relacionado às bases judaicas de compreensão do mundo. O sono e o sonho: Sonhar pra quê? Assim como Deus descansou no sétimo dia, o que tor
O sono é universal no reino animal, sendo que existe quanto sonhamos, estamos vivendo o momento mais sadiferenças entre o tempo de duração nas diversas espécies; grado de nosso dia. É quando afrouxamos nossas defesas e nos seres humanos, o tempo total de sono tende a ser meenergias e deixamos o cérebro descansar, porém de forma nor. Por outro lado, a proporção de sono REM no homem ativa. Livre das pressões e dos automatismos, potencialié muito maior, chegando a 20% a 25% do tempo total do zados pelas demandas do cotidiano, damos ao nosso céresono (como exemplo, nos primatas este tempo é de 9%). bro a oportunidade de se reorganizar todos os dias, ama
Como visto anteriormente, durante o período dos sodurecer as experiências vividas, enquanto promovemos um nhos há forte ativação de diversas áreas cerebrais com profundo relaxamento do nosso corpo, para que este tedesativação das áreas motoras e daquelas que controlam nha o seu descanso. o conteúdo e a forma do pensamento racional. Dentre O sono parece ser mais do que uma questão médica as áreas ativadas estão as regiões visuais, emocionais e a para nós, judeus. Considerando a relação que o hebraico memória autobiográfica do cérebro. Assim sendo, temos estabelece entre o sonho e a saúde, podemos inferir que o estas áreas superativadas e, ao mesmo tempo, liberadas sono é um espaço diário de importância transcendente, dede um controle maior; assim sendo, o cérebro fica livre dicado ao respeito e à responsabilidade para com o nosso para recalibrar e buscar a sintonia fina para os circuitos aperfeiçoamento físico e espiritual. nou o shabat um dia sagrado para nós, entendo que enaprendizados ocorridos durante o dia e o seu repertório Referências bibliográficas de informações antigas. Isso permite o surgimento de novos insights e ideias criativas a partir da formação de novas conexões no cérebro. Por esta razão, não é incomum Robb A. Why We Sleep: The transformative power of nightly journey. Walker, M. Why we sleep: The new science of sleep and dreams, NY, Scribner, 2017. acordar na manhã seguinte com novas ideias e soluções Marcia Rozenthal, MD, PhD é Neuropsiquiatra e Professora Assopara problemas antigos. ciada da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Coluna ARYMAX

Por Mariana Resegue
ENTREVISTA
com Assaf Faiguenboim, Diretor do Taglit Brasil
Comumalongaexperiênciaemempreendedorismoe educação no Brasil e em Israel, AssafFaiguenboim nos conta sua trajetória, principais aprendizados e comotemsidodirigiroTaglit,programadereconexão comaculturajudaicaesuacomunidade,hádoisanos.
Arymax:Conteumpoucosobreasuatrajetóriae osseusprincipaisaprendizados?
EunasciemIsraelevimparaoBrasilcomapenasum ano.Meuspaiss ãobrasileirosetinhamidomorarno kibutzBrorHayil,porissonascilá.Euestudeiavida todanocolégioI.L.Peretz,oquefoimuitoimportante paraestarmaispróximodaculturaedacomunidade judaica.
Eumeformeinafaculdadedeadministraçãoecomeceiatrabalharembancosdeinvestimentoseconsultorias,quandosurgiuumaoportunidadedeirtrabalhar emIsrael,eutinhaapenas26anos.De cidiaproveitar achanceevivi em Israel pordoisanos, efoi muito bom.
Tive a oportunidade de conhecer de perto uma sociedadequedáoportunidadeparaaspessoasde estudo,trabalho,dedesenvolversuacriatividadeede realmente trabalharcom o que você gosta. Eu não imaginava que um país se desenvolve de maneira completamentediferenteemaisrápidoquandovocê temadistribuiçãoderenda,fazmuita diferença!
Em 2003 voltei para o Brasil quando meu pai ficou muitodoenteetivequeassumiraempresadafamília, arededecursinhosAnglo.TrouxecomigodeIsraelos aprendizadossobreempreendedorismoeresiliência. Volteicomessamentalidadedearriscarascoisas,de tentar, de acreditarnas minhas ideias e tentarpelo menos, mesmo que demore bastante tempo para conseguirbonsresultados.
Fiqueidez anostrabalhandonaempresanaáreaeditorial etecnologia. Em 2010, aempresafoi vendida paraumgrandegrupodecomunicação,euopteipor continuarcomoconsultorehádoisanosresolvisaire assumircomodiretornoTaglitBrasil.
Arymax:OqueéoTaglit?
Taglit é uma organização não governamental que surgiunosEstadosUnidoshá18anos,pelainiciativa de Charles Bronfman e Michael Steinhardt. Eles começaramaolharosnúmeroseasepreocuparcom aquestãodemográficadopovojudeu,quetemuma tendência de redução no mundo. Então eles começaram o Taglit Birthright - Taglit em hebraico significa descoberta e birthrightem inglês direito de nascença. Criaram umaorganizaçãoquetem como missão proporcionar para cada judeu e judia no mundoumaidaàIsrael, entendemosqueapessoa quenascejudia temessedireitodeireacomunidade judaicatemqueproporcionaressaida,porquemuitas vezesapessoanãotemcondições. Oobjetivodaviagemnãoéumaviagemdeturismo qualquer,elatemtrêsobjetivosprincipais:reconectar o jovem com Israel, reconectar com o judaísmo e reconectarcomasuacomunidadejudaicalocal.

Quandousamosapalavrareconectaréporqueentendemos que em algum momento es sa pessoa já foi conectada de alguma forma com o judaísmo, mas precisaterumaoportunidadedeacessarnovamente aculturaeosvalores. Somos o maior programa judaico mundial fora de Israel e os números são impressionantes: nesses dezoitoanosjáforamparaIsrael600miljovensde18 a26anos,vindosde57países.NoBrasil,levamosmil jovens por ano no programa, sendo que a comunidadejudaicanoBr asiltem100milpessoas, éum númeromuitoexpressivo. Naviagemlevamososjovensparaconhecerosprincipais avanços de Israel e da cultura, e depois entramos na questão histórica e cultural. É uma experiênciaeducacionalcomimpactofortíssimo.
Arymax: Em julho vocês fizeram uma viagem temática em empreendedorismo social e inovação,queteveapoiodaArymax.Comofoiessa experiência?
OTaglitn osEstadosUnidoscomeçouessaexperiência de fazer viagens temáticas de acordo com o interessedaspessoas,alémdoprogramanormaldo Taglit. Essas atividades são ligadas à culinária, trekking, artistas, sobre séries de televisão e tantos outros.AquinoBrasiltambémestamoscomeçandoa fazeressasviagenstemáticas,eempreendedorismo social é uma área que vemos muitas pessoas se interessando. As pe ssoas têm um senso de querer participar, transformar as coisas para melhor, mas muitasvezesnãosabemporondecomeçar. PorissojuntocomaFundaçãoArymaxdesenhamos essenovoprograma,porquetambémédeinteresse da Fundação que os jovens estejam mais bem preparadoseinspiradosparaseremempreendedores sociais. Essa foi a primeira experiência no mundo nessesmoldeseoretornoquetivemosfoimuit obom. Levamos os jovens para conhecerem experiências interessantes em Israel, como escolas que tem palestinos e judeus estudando juntos, para mostrar quesãosereshumanosdosdoisladosediminuiro conflito na região, acolhimento de refugiados e beduínose tantasoutrasiniciativas. Foi muitoinspiradorparajovensquequeremempreenderalgoaqui no Brasil verem que o que muitas vezes parece impossív eldáparatentarfazer.
Arymax: Qual a importância de organizações apoiadorascomoaArymaxparatrabalhoscomo orealizadopeloTaglit?
Foieémuitoimportante. Otrabalhoquerealizamos tem um custo alto, e conseguimos sempre o valor paracustearcadajovememtrêsfrentes:umterçodo valor de cada jovem vem dos Estados Unidos e Canadá,umterçovemdoMinistériodeEducaçãode Israel e um terço da c omunidade local. Por isso precisamos sempre de apoio. Mas além do apoio financeiro, essas organizações são importantes porque são referências e ajudam a construir um trabalho melhor e mais efetivo, participando ativamentedessaconstrução.
Arymax: Qualaimportânciadesetrabalharcom jovens?
É total. Essa geração de jovens vai fazer toda a diferença se tiverem acesso à uma boa educação básica, opções deuniversidade, cursostécnicosea recursosparadesenvolveremsuasideias,sejavindos do governo ou como organizações como aArymax quemelhoramaempregabilidadeedãofinanciamentoparaassuasideias.Éahoraqueaspessoasestão comforçaparafazeralgopelasociedade.
Arymax: Qual mensagem você deixaria para as pessoasqueestãolendoasuaentrevista?
Escuteaspessoaseaprendacomqualque rum,não importa quem seja. Avida é um aprendizado contínuo,crescemosquandoagenteaprende.Quemme falavamuitoissoeraumsenhordeorigemjaponesa que trabalhava com meu avô e sempre me dizia: "orelha grande, boca pequena", aprendera escutar maiseasermaishumilde.
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“AColunaARYMAX,criadaemhomenagemaAntoniettaeLeonFeffer,temcomoobjetivoreconhecereestimularações exemplaresdeativismocomunitárioeempreendedorismosocial.”
