Devarim 27 (Ano 14 - Agosto 2015)

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Revista da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 10, n° 27, Agosto de 2015 devarim O Piyut como caso de evolução da AnabellacomunidadeEsperanza Memórias de um lugarCassioinexistenteTolpolar O esporte paralímpico em Israel Bernardo Kopstein Schanz O valor da linguagem Sandra Helena Bondarovsky Diálogo com Buber Rabino Sérgio Margulies O Sagrado Sangrando Rabino Dario Bialer Recorda que fostes escravo Ricardo PauloCócegasSichelnoRaciocínioGeiger Ser judeu na França em sobresobreSinagoga:Stephane2015BederdivagaçõesformaeconteúdoVittorioCorinaldiSerjudeunaFrançaem2015StephaneBederSinagoga:divagaçõesformaeconteúdoVittorioCorinaldi

ciãos e vossos oficiais, todos os homens de Israel; as vossas crianças, as vossas mulheres e o estrangeiro que está entre vós, do rachador da tua lenha até o tirador da tua água3. Do rachador da lenha ao ti rador da água, todos iguais.

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4. “Why the Jews Are the Canary in the Coal Mine”, postado em www.gatestonein stitute.org.

O povo hebreu nasce a partir da incompatibilidade mortal entre os anseios deste povo e a estrutura piramidal e hierárqui ca da sociedade egípcia, que é assim descrita: E à meia noite o Eterno feriu todos os primogênitos da terra do Egito, do primogê nito do Faraó, sentado em seu trono, ao primogênito do cativo nas masmorras e também todos os primogênitos dos animais2 Poucas palavras para retratar uma estrutura que trafega em direção úni ca do topo até a base.

1. Abraham J. Twerski, Living Each Week, editado em 1987 por Mesorah Pubns Ltd. O Rabino Twerski nasceu em 1930 nos EUA, onde vive. É médico psiquiatra e membro emérito das famílias chassídicas Chernobyl e Sanz.

Raul Cesar Gottlieb – Diretor de Devarim

3. Devarim / Deuteronômio 29:9-10

editorial

A Grécia antiga é glorificada como o berço da democracia, mas naquele sistema votavam apenas cerca de 2% da população, sendo excluídos as mulheres e os que não possuíam proprieda des. E sabemos que voto seletivo e sem igualdade não é demo cracia. Neste aspecto, a Torá é um documento revolucionário, que nega definitivamente os privilégios derivados de ascendên cia ou riqueza.

A Torá previa a existência de escravos e isto contradiz a igual dade que ela propõe. Contudo, o escravo da Torá não se apro xima de forma alguma do escravo-propriedade que era comum no mundo até o século 19. Os direitos dos escravos da Torá –eles existem! – se aproximam aos dos trabalhadores assalaria dos de hoje.

A entrega dos dez mandamentos no Monte Sinai retrata a primeira legislação da história da humanidade que não só inde pende da vontade de um governante como também que o sub mete a ela. Os dez mandamentos são o protótipo das constitui ções que fundamentam as democracias modernas.

A Torá é o primeiro documento histórico da humanidade a propor a igualdade entre todos os habitantes do planeta, que é o valor fundamental da democracia em sua concepção moderna.

Ao postular a igualdade, o judaísmo se coloca frontalmen te contra as tiranias e os esquemas totalitários de organização social. Para o advogado J. P. Golbert (cujo texto4 inspirou este editorial), é justamente por postular a igualdade que o judaís mo provoca tanta oposição em sua longa história. Regimes to talitários não toleraram os valores da Torá. Daí surge, segun do o advogado, o antissemitismo, uma doença que já teve vá rios contornos e que hoje é manifestada principalmente atra vés do Israelantissionismo.éumailhade democracia num mar de violência e des potismo. Não admira que seja tão vilipendiado e que tenha difi culdades imensas em travar relações com seus vizinhos.

As histórias de Jacó e Esaú, de José e seus irmãos e de Efraim e Menashe deixam claro que o mérito vem antes da primogeni tura e, por consequência, da ascendência.

Os judeus só são considerados cidadãos iguais em democra cias e apenas as democracias, mesmo as imperfeitas que temos, garantem segurança, progresso e igualdade às sociedades. Fique mos atentos, pois, ao que acontece em Israel, pois ele é o prin cipal termômetro da saúde da humanidade. Quando os EUA –o bastião da liberdade – aceita colocar a existência de Israel em risco temos razões para ficar preocupados. Não apenas como ju deus, mas essencialmente como seres humanos livres.

screve o Rabino Twerski: Apesar de vivermos numa socieda de democrática, temos que levar em conta que a democracia não se aplica ao judaísmo. A Torá não planejou Israel como uma nação democrática e sim como uma teocracia. Os princípios ju daicos não são sujeitos a mudanças pelo voto da maioria da congre gação. Numa comunidade obediente à Torá, o Rabino tem que ser o tipo de líder que Moisés descreveu: sinceramente dedicado ao bem -estar da comunidade, mas não apegado aos desejos de seus mem bros. O Rabino tem que estabelecer os padrões apropriados e depois ajudar a sua congregação a aderir a eles 1

2. Shemot / Êxodo 12:29

A Torá se apresenta ao mundo estabelecendo o princípio de que todos os homens compartilham uma origem comum. Mui to além da tola discussão a respeito de sua improbabilidade cien tífica, esta é a principal mensagem que emana do relato judaico da criação do mundo.

Já os israelitas são assim descritos: Todos vós estais hoje presen tes diante do Eterno vosso Deus, os líderes de vossas tribos, vossos an

Não há dúvida sobre o valor do Rabino Twerski, que tam bém é um médico psiquiatra autor de mais de 60 livros e que fez inúmeras palestras sobre dependência química, stress, auto estima e espiritualidade. Contudo, não concordo com a afirma ção que traduzi e transcrevi acima.

Cócegas no Raciocínio Paulo Geiger 64

O Sagrado Sangrando Rabino Dario Ezequiel Bialer 9

F oto GRAFIA de CAPA dblight (istockphoto.com)

e d I ção editora narrativa Um

Revista Devarim Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 10, n° 27, Agosto de 2015

Dor e Esperança: Um retrato do esporte paralímpico em Israel Bernardo Kopstein Schanz 53

Livros: O valor da linguagem, de Sandra Helena Bondarovsky . 56

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A revista devarim é editada pela Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro www.arirj.com.br www.devarim.com.br Administração e correspondência: Rua General severiano, 170 – botafogo 22290-040 – Rio de Janeiro – RJ telefone: 21 2156-0444

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O Piyut como caso de evolução da comunidade Anabella Esperanza 17

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R A b I nos d A ARI sérgio R. Margulies, dario e bialer

Sinagoga: Divagações sobre forma e conteúdo Vittorio Corinaldi 25

Conselho e d I to RIA l breno Casiuch, Rabino dario e bialer, Germano Fraifeld, henrique Costa Rzezinski, Jeanette erlich, Marina ventura Gottlieb, Mario Robert Mannheimer, Mônica herz, Paulo Geiger, Raphael Assayag, Raul Cesar Gottlieb, Ricardo Gorodovits, Rabino sérgio Margulies.

sumário

Colaboraram neste número: Anabella esperanza, bernardo Kopstein schanz, Cassio tolpolar, Rabino dario ezequiel bialer, Paulo Geiger, Ricardo sichel, sandra helena bondarovsky, Rabino sérgio R. Margulies, stephane beder e vittorio Corinaldi.

devARIm [hebraico] Plural de davar, sm. 1 Coisas, todas as coisas, ou algumas coi sas, ou as que interessam. 2 Palavras, não só as palavras em si (seria então mi lim), mas os signos de coisas, ideias, conceitos, pensamentos. 3 O quinto e úl timo livro da Torá, sua recapitulação pós-mosaica, soma das palavras e das coi sas. 4 Revista da ari, onde as palavras recapitulam o judaísmo milenar em sua inserção planetária e contemporânea.

e d I ção de A Rte Ricardo Assis (negrito Produção editorial) tainá nunes Costa

Diálogo com Buber: Bereshit Recriado Rabino Sérgio R. Margulies 3

os critérios para grafar palavras em hebraico e transliterá-las para o português seguem as seguintes regras: (a) chet e chaf tornam-se ch; (b) tsadik é ts; (c) hei final acentua a vogal e desaparece; (d) kaf e kuf são k; (e) não usamos hífen ou apóstrofe em casos como ledor, em vez de le-dor, e beiachad, em vez de b’iachad e (f) palavras em hebraico de uso corrente na ARI não estão em itálico.

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Memórias de um lugar inexistente Cassio Tolpolar 45

Rev I são de t exto Mariangela Paganini (libra Produção de textos)

Em poucas palavras 59

Ser judeu na França em 2015 Stephane Beder 33

P R es I dente d A ARI Ricardo Gorodovits

os artigos assinados são de responsabilidade intelectual de seus autores e não representam necessariamente a opinião da revista devarim ou da ARI.

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Recorda que fostes escravo Ricardo Sichel 39

A contracapa de devarim é uma criação baseada no slogan do Movimento Reformista de Israel – IMPJ. A distribuição de devarim é gratuita, sendo proibida a sua comercialização.

dIR eto R d A Rev I stA Raul Cesar Gottlieb

rabino sérgio r. margulies

Criou Deus. O criador também precisa ser encontrado, mas não numa tro ca em que Deus é dirigido para atender nossos interesses. Se assim fosse, a es piritualidade cederia ao anseio de manipulação que torna Deus em objeto a ser possuído. O encontro com Deus acontece através do vínculo humano. “Ame

No início. Toda a vida é um encontro. É o relacionamento que marca o iní cio da vida. Sem diálogo não há vida. Talvez sobrevivência, mas não vida. Di álogo é o início e também a continuidade. Sem diálogo, o que prossegue é o vínculo moldado pelo interesse. A relação sustentada pelo interesse não perce be o outro como uma pessoa inteira, e sim como uma ferramenta que fornece algo. Ser pessoa inteira é criar relacionamentos genuínos que possibilitem diá logos verdadeiros. Este é o início, esta é a criação.

O imediatismo é o brilho fugaz de uma luz que se esvairá. Conhecimento é a luz duradoura na construção das vidas erguidas através de valores.

“No início criou Deus o céu e a terra.” (Bereshit/Gênesis 1:1)

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d iálogo com Bu B er: Bereshit r ecriado

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á 50 anos, no dia 13 de julho, em Jerusalém, falecia o filósofo Martin Buber. Seu pensamento influenciou o modo de atuar no mundo e de transmitir valores. Estudioso do judaísmo, deixou um legado de várias obras, sendo a mais conhecida o livro intitulado Eu e Tu. Seus escritos e palestras, bem como os encontros com alunos e mestres, propiciaram outras obras. Buber incentiva o pensar e questionar, o refletir e ponderar, o atuar e agir. Sua mensagem não cessa em si mesma, e por isso é sempre pre sente. O que escreveu, ensinou e disse continua conversando com cada leitor, pupilo e ouvinte. O texto que segue é um pedaço do diálogo que este autor estabelece com Buber. É uma recriação de passagens de Bereshit – a narrativa bíblica da criação.

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Responsabilidade é responder às necessidades que sur gem nas diversas situações do dia a dia, sobretudo as mais inesperadas e assustadoras. A responsabilidade é de cada um, não transferível e não delegável. Não é alguém que decide por nós. Responsabilidade é rejeitar o conforto de evadir-se da decisão deixando alguém ou um grupo impor sua visão fracionada.

Integrados conosco próprios integramo-nos com os outros. Quem está separado de si próprio, separa as pesso

lho fugaz de uma luz que se esvairá. Co nhecimento é a luz duradoura na constru ção das vidas erguidas através de valores.

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“A terra era sem forma e vazia.” (Bereshit/Gênesis 1:2)

Após o dia um, o relato bíblico da criação segue: segun do dia, terceiro dia, quarto dia, quinto dia, sexto dia até o último dia da semana: Shabat. Somente o dia um é número absoluto, depois a contagem é ordinal. Um é unidade. É inteiro. O empenho judaico é lutar pela integridade da pessoa, da sociedade e da nação. A missão é integrar os vá rios aspectos da vida rompendo o que nos divide. Ser in tegro é romper a hipocrisia entre o que proclamamos ser e a forma como agimos.

o próximo como a ti mesmo”, ensina a Torá. A interpretação chassídica sugere o complemento da mensagem divina: “Em seu amor ao próximo Me achará”. Quem é o próximo? Todo aquele que encontra mos na jornada da vida.

“E Deus disse: ‘Haja luz!’ e houve luz.” (Bereshit/ Gênesis 1:3)

A espiritualidade é terrestre: compromete-se com a rea lidade deste mundo. Quando tudo ou muito está sem for ma ou vazio, como uma travessia em tempos tragicamen te difíceis, urge a afirmação dos valores da vida.

“E foi tarde e foi manhã, dia um.” (Bereshit/Gênesis 1:5)

O céu e a terra. Não são lá e aqui, dis tantes entre si. O céu, lugar simbólico dos ideais sublimes, deve ser próximo da terra onde ocorre a vivência diária. A separação escraviza: abraçar a utopia irrealizável de uma vida celestial é ser escravo do fanatismo; se resignar às in justiças terrenas é ser escravo da inércia. A espiritualidade é terrestre, integrada com a vida.

Da palavra surge a ação. O enunciado estabelece um compromisso com o ato a fim de adquirir significado. Em complemento, as ações devem ser guiadas pelo co nhecimento que as palavras transmitem para que tenham propósito.Quando é citada a explicação do sábio Hillel (século1 a.e.c.) sobre a essência do judaísmo: “Não faças ao outro o que é o odioso para você. O resto é comentário”, frequen temente é esquecido o complemento da mensagem: “Agora vá e estude”. Sem o estudo a ação torna-se cega às con sequências. Afoga-se no abismo do momento. É uma ação focada nas vantagens temporárias. Buber alerta para o pe rigo de sucumbirmos ao imediatismo e relegarmos a per manente busca do conhecimento. O imediatismo é o bri

“E Deus viu que a luz era boa.” (Bereshit/ Gênesis 1:4)

Pode a luz não ser boa? Certa vez foi solicitado a Bu ber participar de um encontro que promoveria a paz. Ele concordou desde que não houvesse a presença da mídia. Qual era a finalidade: gerar condições efetivas que levas sem a uma paz genuína ou fazer do encontro um espetá culo que criaria um artificial efeito de luzes para iludir pla teias? Quantos espetáculos são montados na vida social, re ligiosa e política preocupados com as aparências sem que seja dada relevância à essência? Queremos transformar a vida numa performática apresentação substituindo rela cionamentos por palcos montados sob a luz de imaginá riasOribaltas?livrobíblico dos Provérbios (6:23) afirma: “Torá é a luz”. Pode a luz/Torá não ser boa? A luz/Torá pode ilu minar. Igualmente pode queimar. Depende do uso que fa zemos dela. Depende de como se desenvolve o relaciona mento entre Sua mensagem e nossas vidas. Depende se a luz/Torá é fonte de aprendizado ou instrumento que justi fica dogmas. Depende se a luz/Torá é energia que dá pro pulsão ao questionamento ou se nos encapsula em regras insignificantes ditas como absolutas. Depende se a luz/ Torá é usada para promover uma visão religiosa utilitarista, como se os desígnios divinos pudessem ser manipula dos ou se nos convida a contemplar o mistério.

Religiosidade é evitar a intoxicação da alma diante da imutabilidade das visões concepções.e

Somente o dia do Shabat é santificado? Se somente um tempo específico é santi ficado é possível deduzir que somente um determinado lugar é santificado? Cada dia carrega centelhas do sagrado. Cada lugar pode emanar sacralidade. O sagrado emer ge do convívio e do encontro. Assim, cada tempo de convívio e cada lugar de encon tros genuínos são sagrados. O Shabat não é sagrado por si, torna-se sagrado pelo po tencial do encontro vivenciado neste dia. Sagrado é considerado como o inacessível e o intocá vel. Atingir o sagrado é adquirir uma condição de prote ção e segurança. Diferentemente, Buber sugere que o sa grado confere a insegurança. Sagrado é o rompimento da falsa segurança que ilusórias verdades prometem. Sagrado é o estremecimento das estruturas erguidas pelos dogmas de aparente firmeza, mas que relevam grande fragilidade diante dos desafios que a vida impõe. Reconhecer a inse gurança é parte da vida. Não reconhecê-la é não viver en quanto anos de vida nos são facultados.

Religiosidade é evitar a intoxicação da alma diante da imutabilidade das visões e concepções. A expressão religiosa renova-se com novos significados como se fossem reve lados a cada geração novamente. Nenhuma geração cessa em si mesmo. Cada geração torna-se transicional: cria uma transição entre os feitos de hoje e as realizações que con tinuarão com novas respostas às antigas perguntas e com

“E Deus fez duas grandes luzes.” (Bereshit/Gênesis 1:16)

“E assim foram acabados os céus, a terra...” (Bereshit/ Gênesis 2:1)

Frequentemente os contatos são mascarados por con versas superficiais. São esquivadas as colocações mais pro fundas. Mesmo quando há abertura para perguntas, as res postas são envoltas de cuidados excessivos a fim de escon der um posicionamento mais firme. Existem, no entanto, passos ainda mais contundentes: além de responder com autenticidade às perguntas feitas, preocupar-se em respon der aos questionamentos não formulados. É o diálogo ge nuíno que não receia confrontar-se com a indagação inesperada. É o diálogo empenhado em superar a superficiali dade que nos afasta uns dos outros e cada um de si.

as umas das outras através de rótulos e estigmas. Integrados conosco próprios so mos os mesmos com os vários outros. A existência íntegra pavimenta caminhos de autenticidade.

O judaísmo propõe a unidade dos elementos numa vi são integradora do ‘e’. Enquanto na matemática [A] se opõe a [–A], na convivência espiritual os opostos intera gem, coexistem e trabalham juntos. O que impede esta convivência é a arrogância. A arrogância gera a idolatria de si e desdenha o outro.

“E Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o.” (Bereshit/Gênesis 2:3)

Ao término de uma etapa do processo da criação ou tra se abre. É o contínuo desenrolar da vida que se renova e que está em constante descoberta. O comprometimento judaico é de reconhecer a incompletude dos processos da vida. Aceitar o término definitivo da busca da verdade en gessa a mente, sufoca o espírito e fecha os caminhos de no vas descobertas. Se aceitarmos uma verdade como definiti va nada mais há para ser buscado e descoberto. Isto acon tece quando um dogma apresentado como verdade inabalável é imposto sobre o indivíduo.

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“E o Eterno chamou o homem e lhe disse: ‘onde estás’?” (Bereshit/Gênesis 3:9)

Sérgio R. Margulies é Rabino e serve à Associação Religiosa Isra elita do Rio de Janeiro – ARI.

Sagrado é considerado como o inacessível e o intocável. Atingir o sagrado é adquirir uma condição de proteção e SagradoconfereDiferentemente,segurança.Bubersugerequeosagradoainsegurança.éorompimentodafalsasegurançaqueilusóriasverdadesprometem.

Se a ideia é buscar a integração por que dois? Um não bastaria? Unidade não é anulação das partes que compõem o todo. Em acréscimo, diferentes reivindi cações devem buscar uma forma de con vivência. O desafio é acabar com os antagonismos que fomentam ódios e pro movem a excludente postura “ou eu ou você”, “ou nós ou eles”.

perguntas até então não pensadas. O ím peto renovador não cessa.

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o sangrandosagrado

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Falar em nome de Deus, atuar em nome de Deus e matar em nome de Deus. Tão terrível quanto tentador ser administrador do sagrado. E para melhor controlar, se investe no reino do espaço, pois um Deus que posso mostrar é um Deus que posso manipular. Isso é o sagrado sangrando.

Teologiacapturados.éadoutrina de Deus, mas estes momentos não são nem doutrina nem exclusivamente divinos. Eles são tão humanos quanto divinos”.1

Para transmitir estes conhecimentos o homem tem que usar uma linguagem compatível com o indescritível, cujos termos não pretendem descrever, mas esbo çar; apontar em vez de capturar. Estes termos são muitas vezes paradoxais, radi cais ou negativos. O maior perigo da filosofia da religião é a tentação de genera lizar o que é essencialmente único, de explicar o que é intrinsicamente inexplicá vel, de ajustar o incomum ao nosso senso comum.

Com essas palavras, Rabi Abraham Joshua Heschel (1905-1972), mestre dos meus mestres e um autentico profeta2 dos nossos dias, indaga sobre as qua lidades, virtudes e mentiras do sagrado.

rabino dario ezequiel Bialer

uem procura por arte vai encontrá-la em galerias e museus. Aquele que procura por literatura vai achá-la em bibliotecas e livrarias. Mas onde fica o local da religião? Será que os símbolos visíveis preservados em templos, as doutrinas e os dogmas contidos em livros contêm a tota lidade da religião?

Não temos uma palavra para a compreensão destes momentos, para os eventos que constroem a história secreta da religião, ou para o registro no qual estes ins tantes são

A que nos referimos quando falamos do sagrado no judaísmo? A um local ao qual podemos nos dirigir? A um objeto que podemos comprar? A uma pes soa a quem deveríamos adorar?

O Talmud evolui esta mishná dizendo que isto vale apenas para sinagogas isoladas no campo (ou seja, que não estão mais em uso). E que uma sinagoga em uso não pode ser vendida, pois pertence à comunidade, sendo que a sua santidade é diretamente proporcional à quantidade de gente que a frequenta.

A maioria se aproxima da religião para tentar controlar o futuro. Spinoza dizia que os rituais são as formas mágicas com as quais a religião procura dar a sensação de controle sobre o futuro.

A sinagoga é considerada entre os níveis mais baixos de santidade, muitas vezes menor do que um Sefer Torá, e também – surpreendentemente para muitos – menor que a sua mobília ou que uma cópia de um dos livros da Torá! Além disso, a santidade do lugar é dada pelas pesso as que frequentam a sinagoga para rezar, jamais pelo edi fício em si.

As coisas sagradas – é bom lembrar – sempre estão à mer cê do homem. Embora por demais sagradas para serem po luídas, elas não são por demais sagradas para serem explora das, indica Heschel quando denuncia que para perpetuar a presença de Deus a sua imagem é moldada. No entanto, um Deus que pode ser moldado, um Deus que pode ser con finado, não é senão uma sombra do homem.

A Torá não é um livro de dogmas nem um manual de história. É o ponto de encontro entre Deus e os homens. A experiência religiosa judaica é a resposta humana dian te do Sagrado. Os rituais, as roupas, os templos, as ceri mônias não são o sagrado que o homem na sua busca exis tencial procura.

As religiões foram desde seus primórdios, e ainda o são, frequentemente dominadas pela noção de que a dei dade reside no espaço, em locais especiais como monta nhas, florestas, árvores ou pedras, que são, portanto, esco lhidas como lugares sagrados. A deidade está ligada a uma terra em particular, e a santidade a uma qualidade associa da a coisas do espaço. A questão primordial é: “Onde está Deus?”, mas quando essa pergunta existencial se torna obsessão, o sagrado – que é indescritível, misterioso e trans cendente – se confunde com uma tentativa de apreender a divindade e, portanto, no fundo, de controlar Deus. Fa lar em nome de Deus, atuar em nome de Deus e matar em nome de Deus. Tão terrível quanto tentador ser adminis trador do sagrado. E para melhor controlar, se investe no reino do espaço, pois um Deus que posso mostrar é um Deus que posso manipular. Isso é o sagrado sangrando.

nar-se tão importante que a ideia que ele representa é destinada ao esquecimento.3

A pergunta fundamental. Onde está Deus?

Esse texto vai em busca do seu espírito, com citações de suas obras funda mentais, bem como colocações minhas que procuram ser coerentes com o ho mem que em Selma, Alabama, marchou com Martin Luther King, desafiando vozes contrárias de sua própria comuni dade, e aquele que, mesmo visitando a Casa Branca para dar lições de moral ao presidente John F. Kennedy, continua va humilde sabendo-se pequeno diante do Criador.

Os sábios do Talmud, seguramente cientes do risco de acabar adorando pe dras e não ideias, estabelecem uma cate gorização da santidade dos objetos de cul to, e vejam como é interessante o lugar ocupado pela sinagoga:

Com o dinheiro da venda de rechová shel ir (termo hebraico que rotula um lo cal público de reunião) os membros da comunidade podem comprar uma sina goga. Se venderem a sinagoga podem comprar uma tei vá (o conjunto de móveis onde se realiza a leitura do Se fer Torá); se venderem a teivá eles podem comprar matpe chot (os invólucros e enfeites do Sefer Torá); se venderem as matpechot podem comprar sefarim (os livros da Torá editados separadamente); se venderem os sefarim podem comprar um Sefer Torá. Mas se venderem um Sefer Torá eles não podem comprar chumashim, se venderem chu mashim não podem comprar matpechot, se venderem ma tpechot não podem comprar uma teivá, se venderem a tei vá não podem comprar uma sinagoga e se venderem a si nagoga não podem comprar uma rechová shel ir. O mes mo se aplica às sobras do dinheiro.4

Neste momento, o homem religioso, quase sem o per ceber, se torna profanador de qualquer vestígio de santida de à qual podia aspirar no início da sua busca espiritual. A metamorfose do sagrado pela reverência à imagem sagra da, aos santuários nacionais, aos estandartes e bandeiras; a homenagem a monumentos erigidos em honra de reis e heróis, e em todo lugar a profanação de santuários sagra dos, é considerada um sacrilégio. O santuário pode tor

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Foi apenas depois que o povo sucumbiu à tentação de adorar uma coisa, o bezerro de ouro, que a construção do Tabernáculo, da santidade no espaço, foi ordenada.

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Dessa forma, Heschel irrompe no mundo do culto às coisas para nos advertir que o genuinamente precioso se encontra no reino do tempo e não no do espaço.

A maioria se aproxima da religião para tentar controlar o futuro. A religião, da mesma forma que a política, ver sa sobre poder e controle. De pessoas controlando pessoas. De ofertar a ilusão de que é possível controlar o futuro. Spi noza dizia que os rituais são as formas mágicas com as quais a religião procura dar a sensação de controle sobre o futuro.

A santidade do tempo veio em primeiro lugar, a santidade do homem, em segundo, e a santidade do espaço, por último. O tempo foi abençoado por Deus; o espaço e o Tabernáculo foram consagrados por Moisés.

Em Devarim / Deuteronômio7, a ideia sobre o sa grado e o local da imanência do divino é bem diferen te. Olha desde a habitação de Tua santidade, desde os céus, e abençoa Teu povo, Israel, e a terra que nos deste... A san tidade de Deus não está no santuário, mas no céu. Isto

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Numa passagem do livro do Shemot / Êxodo, Deus ordena ao povo construir um santuário, mas não para ha

A ilusão de possuir o sagrado

A religião tenta criar métodos para manter Deus den tro do santuário. Não só para trazê-Lo para perto, mas para mantê-Lo todo o tempo que for possível. E a iro nia é que quanto mais você tenta controlar, menos con trole você tem.

bitar nele e sim “para que Eu [Deus] habite entre eles [as pessoas que construíram o santuário]”.6 É uma frase su tilmente desconcertante: Deus encomenda uma casa para habitar fora dela! Contudo, foram muito poucos os que deram a esta mensagem o significado de que Deus absolutamente não precisa de espaço físico e sim da ação cria tiva de homens para que se aproximem Dele e vivenciem instantes sagrados.

Os monumentos de bronze vivem graças à memória dos que contemplam a sua forma, enquanto que os monumentos da alma perduram mesmo que sejam relegados às profundidades da mente.

No início da Criação havia somente uma santidade no mundo, a santidade no tempo. Quando no Sinai a pala vra de Deus estava a ponto de ser proferida, um chamado em prol da santidade no homem foi proclamado: “Tu hás de ser perante mim o povo sagrado”.5

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Um tempo que não existe apenas em si mesmo, mas em relação com os outros tempos não consagrados, mas não por isso depreciados.

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Para compreender a mensagem da Bíblia, a pessoa pre cisa aceitar sua premissa de que o tempo tem um significa do para a vida que é, pelo menos, igual ao do espaço; que o tempo tem uma significação e soberania próprias, e que será no tempo e não no espaço aonde o homem deve bus car a presença de Deus.

Pensar no sagrado como uma coisa que pode ser con quistada, no melhor dos casos, quando não usurpada, é uma referência que reduz à sua mínima expressão o en contro com o Divino. Isso fica perfeitamente claro des

Pensemos na palavra kadosh: comumente traduzida como santo ou sagrado, mas que deve ser interpretada como consagrado. A ação de consagrar é o ato de separar, extrair da rotina, do cotidiano. O sagrado nunca é sagra do em si mesmo.

A teologia da santidade de Deus residindo no espaço cria uma falsa sensação de imunidade. Que só precisamos de rituais para manter Deus à vontade dentro desse espa ço e tudo estará bem. E essa é uma falsa teologia.

Porque quem reside no templo é a co munidade e não a santidade de Deus. De finitivamente, a grande pergunta da religião não deve ser como fazer com que Deus esteja presente, mas como fazer com que nós estejamos presentes.

A teologia da santidade de Deus residindo no espaço cria uma falsa sensação de imunidade. Que só precisamos de rituais para manter Deus à vontade dentro desse espaço e tudo estará bem. E essa é uma falsa teologia.

A Santidade como palácio no tempo

A distância que separa essas perguntas daquelas que abrem este texto é a mesma distância que separa aos pa

E nesse instante em que nasce o shabat, o povo de Isra el apresenta ao mundo o profundo sentido do sagrado, um tempo que nos iguala, nos eleva, nos abraça e transforma.

O judaísmo nos ensina a atribuir santidade ao tempo, a nos vincularmos aos acontecimentos sagrados, a apren der como consagrar santuários. E são os shabatot nossas grandes catedrais; o kodesh ha kodashim9 nosso Santo dos Santos, um palácio construído no tempo.

cria uma nova teologia, que se exemplifica muito claramente com o profeta Je remias.8 Deus ordena ao profeta para ir até a porta do templo e advertir àqueles que ingressam para adorar a Deus: “Me lhorem vossos caminhos e vossas ações –melhorem vossa sociedade – e Eu farei que vocês habitem nesse lugar. Não con fiem nas palavras mentirosas que dizem: oh o templo do Eterno, o templo do Eter no, o templo do Eterno!”

o espaço e a benção das coisas do espaço é desmerecer os trabalhos da criação, os trabalhos que Deus contemplou e viu “que eram bons”.

de o início mesmo da Torá. Quando o mundo é criado, qual imaginam que foi o primeiro objeto santo na história do universo? Teria sido uma montanha, teria sido um altar? A palavra kadosh é usada pela primeira vez no Livro de Be reshit / Gênesis ao final da história da criação para ser aplicada ao tempo: “E Deus abençoou o sétimo dia, e fê-lo santo” Não há referência no relato da criação a nenhum objeto no espaço que teria sido dotado com a qualidade de santidade.

O trabalho é um ofício e o descanso do sábado, uma arte. O resultado de um acordo entre o corpo, a mente e a imaginação para celebrar nesse palácio feito de alma, ale gria e reserva.

O contrário do tempo consagrado é o cotidiano, nun ca oDesmerecerprofano.

Tudo o que conseguimos colocar à parte de nossos interesses e corrupções é sagrado.10

Esta é uma diferença radical do costu meiro pensamento religioso. Da mentalidade que, após o estabelecimento do céu e da terra, Deus criaria um lugar santificado – uma montanha sagrada ou uma fonte sagra da – sobre a qual seria erigido um santuário.

O sétimo dia se manifesta em todo seu esplendor quando há seis dias prévios de criação. Sem esse tempo essencial de trabalho não haveria necessidade alguma do dia de descanso. Assim vivemos a vida, de alguma forma indo e voltando entre kodesh e chol, instantes de santida de e longas jornadas de esforço e dedicação, para voltar a nos aproximar, desta vez sim, a perguntas poderosas, que vibram e comovem. A pergunta sobre a santidade não é outra que: Como lhe dar sentido à vida, como lhe dar bri lho? E como permitir que o divino brilhe em nós? Como lhe permitimos se expressar na obra das nossas mãos?

4. Talmud da Babilônia, tratado Meguilá, folha 25-b. Evitei traduzir rechová shel ir, teivá, matpechot e chumashim para palavras discretas em português, por que o seu sentido talmúdico exige uma explicação mais ampla.

5. Shemot / Êxodo 19:6

8. Jeremias / Yermiahu, 7:1-3

2. Eis a definição de Heschel sobre profecia: “Profecia é a voz que Deus empresta à agonia silenciosa, uma voz para as pobrezas saqueadas, para as riquezas profana das. É uma forma de viver, um ponto de interseção entre Deus e o homem. Deus fica irado usando as palavras do profeta...”. “Essential Writings: Os profetas, “que tipo de homem é o profeta?”.

Notas

O Rabino Dario Ezequiel Bialer serve na Associação Religiosa Is raelita do Rio de Janeiro – ARI. Cursou estudos rabínicos no Semi nário Latino-Americano Marshall T. Mayer em Buenos Aires, Argenti na, e no Schechter Institute for Jewish Studies em Jerusalém, Israel.

O objeto mais precioso que já existiu na Terra foram as duas tábuas de pedra que Moisés recebeu no topo do Monte Sinai. “As tábuas eram obra de Deus; também a escritura era a escritura de Deus, esculpida nas tábuas.”

1. Tradução livre de trecho do livro Depth Theology: The Insecurity of Freedom, de Abraham Joshua Heschel, Farrar, Straus e Giroux, 1963, cujo original segue: Who is in search of art, will find it in works of art as preserved, for example, in art col lections. He who is in search of literature will find it in books as preserved in libraries. But where is the place of religion? Do visible symbols as preserved in temples, doctrines and dogmas as contained in books, contain the totality of religion?

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7. Devarim / Deuteronômio, 26:15

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gãos que exaltavam as coisas sagradas, dos profetas que abençoam as ações sagradas.

Mas ao descer do monte com as duas tábuas que ele tinha acabado de receber nas mãos, Moisés viu as pessoas dançando em volta do bezerro de ouro, então ele arremessou as tábuas e as quebrou diante dos olhos do povo.

To convey these insights, man must use a language which is compatible with his sense of the ineffable, the terms of which do not pretend to describe, but to indicate; to point to, rather than to capture. These terms are not always imaginative; they are often para doxical, radical or negative. The chief danger to philosophy of religion lies in the temp

tation to generalize what is essentially unique, to explicate what is intrinsically inex plicable, to adjust the uncommon to our common sense. We do not have a word for the understanding of these moments, for the events that make up the secret history of religion, or for the records in which these instants are captured. Theology is the doctrine of God, but these moments are neither doctrine nor exclusive ly divine. They are human as well as divine.

6. Idem, 25:8

A pedra está quebrada, mas as palavras estão vivas. A re produção das tábuas originais que Moisés fez em seguida tam bém desapareceram, mas as palavras não estão mortas. Elas seguem chamando de nossas portas como se pedissem para se rem gravadas nas “tábuas” de cada coração 11

3. Trechos retirados de O Schabat, de Abraham Joshua Eschel, Editora Perspectiva, 2004.

11. La Tierra es del señor: El mundo interior del judío en Europa Oriental. Ediciones del Seminario Rabinico Latinoamericano, 1984.

9. Santo dos santos era o espaço mais sagrado do templo de Jerusalém, onde apenas o sumo sacerdote podia ingressar e, mesmo ele, apenas no dia da expiação de Iom 10.Kipur.Bonder, Nilton. O Sagrado, Editora Rocco, 2007.

ELIEZER MAX: EDUCAÇÃO JUDAICA RENOVADA

Cultura Judaica viva no Eliezer Max

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Sede Laranjeiras tel 21 2156-6100 Rua das Laranjeiras, 401 Unidade Infantil Ipanema tel 21 2513-3318 Rua Saddock de Sá, www.facebook.com/eliezermax74AEscolaEliezer

Max vem construindo uma nova maneira de ensinar o currículo judaico, através de práticas pedagógicas inovadoras. Entendendo a sociedade brasileira a partir do estudo de Tanach, realizando o Kabalat Shabat com atividades escolhidas e desenvolvidas pelos alunos ou integrando os chaguim com a cultura brasileira, a Cultura Judaica no Eliezer Max é viva e parte essencial da formação de jovens engajados na construção de um futuro melhor.

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o Piyut como caso de evolução da comunidade

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Os primeiros Piyutim foram compostos nos primeiros séculos da era co mum em Israel. Alguns estudiosos até consideram os Tehilim, Salmos, como primeiros indícios do que posteriormente se tornaria uma obra incansável de poemas sagrados. Em Eretz Israel, Piyutim foram compostos para enriquecer o Shemá Israel e suas berachot (bênçãos) e a Amidá em shabatot e Chagim e ra shei chodashim (princípios de mês). Estas duas partes eram o que formava a Te filá no seu início, segundo o que nossos sábios do Talmud mencionam no tra tado de LevandoBerachot.istoem conta, fica claro que os Piyutim, portanto, enriqueciam os fragmentos principais e indispensáveis da reza. Entre os Paiytanim, os poetas,

O Piyut (plural Piyutim) é definido como um poema litúrgico. A palavra Piyut (טויפ) parece ter sua origem no grego e significa “canção”.

Com hinos de louvor te exaltaremos, Adonai nosso Senhor תורימזבו תוחבשב וניהלא 'ה ךללהנ

anabella esperanza

exta à tardinha, o sol já se põe no horizonte e é esta hora que nossos lábios chamaram Shaat Chesed, a hora de bondade, na qual a claridade do dia se funde com o princípio da noite. Nesta hora tão especial, ao caminhar pelas ruas já tranquilas de Yerushalaim, é possível ir ouvin do estas melodias de Kabalat Shabat que transmitem tanta história. Lechá dodi likrat kalá, cantam os congregantes, sabendo a grande importância que essas palavras possuem e ensinando aos jovens o seu significado antigo e sua relevân cia no presente. Assim como o “lechá dodi”, existem muitas canções litúrgicas que enriquecem a vida da Sinagoga, a tefilá e a vida judaica paralitúrgica, nas nossas casas, tanto no Shabat como em toda ocasião e evento judaico.

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Assim também encontramos Piyutim para as Birkat Hamazon (a Berachá para depois da refeição), como Tzur Mishelo ou para festividades que se comemoravam na casa de família ou em comunidade, fora do ambiente formal da tefilá. Aqui, por exemplo, vemos novos poemas parali túrgicos de Purim, Pessach, Shavuot e os demais. Compre endendo isso e considerando que o hebraico passou a ser a prerrogativa da elite rabínica e de intelectuais da época, com o agravante de que muitos dos membros das comu nidades foram se esquecendo da sua língua materna, o he braico, percebemos com o passar dos séculos que muitos dos Piyutim começam a ser escritos nos idiomas ou dia letos que os judeus falavam na diáspora. Temos Piyutim, por exemplo, em francês, italiano, judeu-espanhol ou la dino, judeu-árabe, ídiche etc.

Vejamos na página ao lado um exemplo de Piyut para Shavuot em Ladino:

Este corpo Piyutico cresceu consideravelmente e foi se desenvolvendo à medida que a oração judaica foi evoluin do. A criação piyutica se expandiu até os países do Orien te e Ocidente, compondo uma parte importantíssima da criação literária judaica, assim como da oração judaica. Conhecemos assim os piyutim da Babilônia, França, Itá lia, de Marrocos, Líbia, Turquia, Grécia, Tunísia e também da Espanha, ou, melhor dizendo, Sefarad, a partir do sécu lo 10, a Idade de Ouro. Este período tão produtivo para o povo judaico permitiu também uma abertura crucial para a criação de novos poemas. Foi assim que conhecemos os rabinos poetas como Joseph Ibn Abitur, Salomón Ibn Ga birol, Isaac Ibn Ghayyat, Moisés Ibn Ezra, Judah Halevi e Abraham Ibn Ezra, entre outros.

À medida que a liturgia judaica foi evoluindo, os Piyu tim deixaram de ser uma alternativa à tefilá original e pas

De que forma e quando se cantavam os Piyutim?

que conhecemos desta época, reconhecemos Yanai, Yosei Ben Yosei e, mais tarde, Elazar Hakalir, graças ao arquivo judaico do Cairo, encontrado ao final do século 19 na len dária sinagoga Ben Ezra. Este arquivo guardava documen tos, cartas e escritos desde o século nono da era comum.

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Estes novos fragmentos, então, foram uma alternativa à tefilá tradicional que todos já sabiam de cor. Os congre gantes esperavam escutar os novos Piyutim e provar a cria tividade de seus criadores. Os primeiros paytanim compu nham tefilot para dias específicos da semana, para Shaba tot e Chagim. Estes poetas tratavam de impactar o públi co com sua criatividade, escrevendo Piyutim que combinavam o dia específico em que eram ditos (por exemplo na terça-feira) e a parashá na qual estavam refletindo na quela semana.1

Como havíamos mencionado na época de nossos sá bios z’l, a tefilá era composta por duas partes. O Shemá Is rael e suas Berachot e a Amidá. A tefilá era recitada duas ve zes: a primeira em silêncio e a segunda cantada pelo She liach tzibur (a pessoa da congregação que lidera a recitação das orações). Esta forma repetitiva se tornou extensa demais e exigiu soluções criativas por parte dos líderes espi rituais. Foi assim que a tefilá cantada pelo Sheliach tzibur começou a tomar uma nova forma. Começaram a escrever fragmentos da tefilá levando em consideração o significa do das Berachot originais, conservando também a Chatimá da tefilá, quer dizer, a última frase com a qual se encerra a Berachá (singular de Berachot, ou seja, benção) específica.

Aqui podemos contemplar a qualidade com a qual foi conservado um dos piyutim de Yanai, “הלילה רצחב יהיו” vayehi be chatzer halaila, do ano 1000 aproximadamente. Está disponível no site “An invitation to Piyut” graças à Universidade de Cambridge, Unidade de Taylor-Schechter.

saram a enriquecer a tefilá geral, e abundavam os espaços entre a tefilá e a tefilá anterior e posteriormente às tefilot importantes.

Em que locais se desenvolveu?

Da mesma maneira que as orações formais nas sinago gas, os eventos do ciclo de vida judaico sempre existiram. Estes eventos, como o Brit Milá, os casamentos, os enter ros, também demandaram seus próprios costumes, entre eles a criação dos Piyutim, que refletem a alegria, o amor, a melancolia e a dor, respectivamente. Chamamos estas orações de paralitúrgicas, por não serem escritas e recita das na tefilá formal.

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El se venge de todos los ke sierven idolos I bendiga tu puevlo “am goralo” I diran todos aunamente “ashre a-am she kaha lo”.

Os judeus assumiram promessas com a Lei Santa: te tomarei como noiva de alto nível que és, te estimarei como se estima a um colar na garganta.

Israel ke oyeron la boz del Dio bendicho Diheron estaremos siempre a su komando i a su dicho Aremos i oyeremos todos su buen dicho

Izo partido kon eyos de darles la Ley kon kenes dieran fiansa Eyos dieron a los ijos ke es la mas emportansa De afirmar la Ley tanto kon provesa komo tener muncha bonansa

Não quis descer sobre nenhum monte alto apenas no monte Sinai que se rebaixou tanto Para que suba o homem que fez da humildade um manto.

Viendo el Dio Baruh-U ke lo amimos aava raba Tambien el mos aplazo komo novio kon grande hiba Esta es la ketuba

A K ETUB á DA L EI

É motivo para louvar a Deus, grande e poderoso, com respeito/temor no coração e alegria e júbilo, Neste santo e temível dia.

Neste dia Deus desceu ao Sinai junto a milhares de anjos, para dar a lei ao seu povo, a casa de Israel, pelas mãos de Moshé Rabeinu, pastor fiel.

Fez um pacto com eles de dar-lhes a Lei, com eles que Lhe deram como fiança a seus filhos, a coisa mais importante. Para afirmar a Lei con modéstia, para ter muita bonança.

Dia de Shaba resivieron los djidios la Ley de la mano del Dio Al sesh de sivan el mez tresero ke Israel de Misraim salio En anyo de dos mil i kuatrosientos i kuarenta i ocho ke el mundo se krio

Es razon de alavar a el Dio grande i poderozo Kon temuridad de korason i alegria i gozo En el dia el este santo i temerozo

En este dia abasho el Dio en Sinay I milarias de malahim kon El A dar la Ley a su puevlo, kaza de Israel Por mano de Moshe Rabenu pastor fiel

Ao ver o Deus Abençoado o nosso grande amor, ele também nos abraça como um noivo, com grande amor. Esta é a ketubá.

Besiyata dishmaya siempre en ti mis mientes metere I a todas tus demandas yo komplire De dia i de noche kon ti me apegare

Non kijo abashar sovre ningun monte alto Salvo en monte de Sinay ke se arebasho tanto Porke deprenda el ombre i tome la anava por manto

Izieron estos tenaim los djidios kon la Ley Santa Te tomare komo novia ke sos de vanda alta T’estimare komo s’estima el yerdan en la garganta

Yamo i disho el Dio Baruh-U a los djidios mi kompanya ermoza Azme ver a tu vista ehemplada a la roza Ke tu boz savroza i tu vista donoza

Deus, Abençoado seja, falou aos judeus: Minha companhia graciosa, deixe-Me ver teu rosto semelhante ao da rosa porque tua voz é agradável e tua face formosa.

Disse Israel, que ouviu da boca do Deus Bendito: sempre estaremos sob Seu comando e às Suas ordens Faremos e ouviremos todas as Suas boas palavras

Com a ajuda de Deus, pensarei sempre em ti e a todas as tuas demandas eu cumprirei. De dia e de noite a ti me apegarei.

No dia de Shabat receberam os judeus a Lei da mão de Deus. Em seis de sivan, o terceiro mês da saída de Israel do Egito no ano de dois mil quatrocentos e quarenta e oito da criação do mundo

Ele se vingará dos que servem aos ídolos e abençoará a Seu povo, “o povo de Seu destino”. E dirão em uníssono “feliz é o povo para quem é assim”.

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O Piyut como caso de Revolução litúrgica literária

Até hoje os Piyutim são escritos, muitos deles passaram a fazer parte da obra canônica dos distintos Sidurim. Nós

Este Piyut faz parte da tradição sefaradi e foi escrito pelo rabino Yehuda Bar Leon Kakai, no século 18 em Tes salônica, na Grécia2. O Piyut fala da Ketubá como se fos se a Torá, metáfora adaptada do Piyut escrito em hebrai co pelo Rabino Israel Naggara, também sefaradi. O pac to entre marido e mulher, através da Ketubá, representa o amor entre o povo de Israel e Deus e durante todo o poe ma este amor e desejo por Deus se refletem na metáfora de amor entre o casal e é preservado através das Mitzvot (os Épreceitos).importante mencionar que entre os congregantes im possibilitados de saber o hebraico estavam as mulheres. Ao mesmo tempo, sabemos que estas mulheres eram as agen tes de transmissão mais importantes da cultura oral, entre estes, os Piyutim paralitúrgicos. Não é por acaso então que estes Piyutim tenham sido escritos em idiomas judaicos lo cais, de acordo com a cultura da congregação de mitpale lim (pessoas que rezam juntas), formada por todas as clas ses sociais, homens, mulheres, crianças, idosos, ricos, po bres, intelectuais, comerciantes e todos os demais.

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Como já analisado anteriormente, o Piyut não deixa de ser uma obra de criação constante, de renovação da tefi lá formal e paralitúrgica. Esta renovação incansável reflete um desenvolvimento da vida das comunidades judaicas ao redor do mundo. Cada comunidade escrevia seus próprios Piyutim segundo suas necessidades e seus costumes, como é o exemplo do Piyut “A Ketubá da Lei” que vimos antes. Este ato de escrita litúrgica e paralitúrgica nos indica que sem dúvida as comunidades souberam achar um equilí brio entre a tefilá tradicional e a renovação necessária, para manter vivos seus costumes e suas preces, tanto particula res como em comunidade. Pelo seu aspecto tão renovador, muitos foram os opositores da inclusão do Piyutim durante a tefilá, dizendo, entre outros argumentos, que eles dis traíam os orantes e lhes faziam perder o ritmo e a kavaná (intenção) da reza.

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Piut de Israel Nadjara (Safed, Séc XVI)

Chizki raiá chikech keiein tov, ki tsits ish’i raanan veratov Ulessiráich echrot veechtov, vechish eshlach lach et segani

1. Em Eretz Israel da Antiguidade, a leitura da Torá não era composta por Parashiot e sim Sedarim (ordens). A leitura da Torá era concluída em um ciclo de quase três anos e meio. Os paytanim mencionados eram compostos segundo o sedarim e não segundo a leitura das parashiot que conhecemos hoje.

conhecemos muitos destes Piyutim que transcenderam o tempo e espaço, entre eles Adon Olam, Igdal Elohim Chai, Lechá Dodi, Aleinu Leshabeach, e, como vemos, compõe parte integral de nossa tefilá até o dia de hoje e enrique cem a reza formal com palavras de louvor e melodias que alcançam nossa alma.

Anabella Esperanza é a coordenadora do Netzer e do TaMaR (mo vimento juvenil e de jovens adultos da WUPJ) para os países de fala hispânica e portuguesa. Anabella é mestranda em Piyut e Tefilá dos judeus sefaradim na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Este Piyut é inspirado no relato de Shir Hashirim ריש םירישה, Cântico dos Cânticos. A metáfora de amor entre o povo de Israel e seu criador aparece também em nos so Piyut. O escritor pede à sua amada, a gazela, que se aproxime de seu jardim em flores e coma de seus saboro sos frutos. Ele promete ser seu eterno namorado e formar seu Mishkan, seu lar espiritual, nela. Aqui também vemos a metáfora dos apaixonados para se referir ao pacto entre Deus e o povo de Israel, que não pode ser rompido.

הלעי הלעי   הרא’גנ לארשי 'ר תפצ 16 האמ יָבוֹא דוֹדִי יָחִישׁ צְעָדָיו

Notas

2. Neste link é possível ouvir o Piyut recitado pelo Rabino Hazan İzak Algazi Efen di (1889 Izmir Turquia- 1950 Montevidéu, Uruguai) <https://www.youtube.com/ watch?v=KuK-iXViblU>. Neste site está a sua biografia em inglês <http://www. jewish-music.huji.ac.il/content/isaac-algazi> e neste em ladino <http://www.aki -yerushalayim.co.il/ay/088/088_11_el_rav.htm>

Este ato, que não começou como um ato revolucioná rio e sim como uma forma de conectar os mitpalelim às suas próprias raízes, aos seus textos, chega a transcender hoje em dia a maioria das comunidades judaicas no mun do e ser mais relevante do que nunca, enriquecendo nos sa vida espiritual e nos ajudando a expressar nossos senti mentos à Elohim e sua criação.

IAALA IAALA3

Iaala iaala bôi legani, henets rimon parchá gafni Iavo dodi iachish tseadav, veiochal et pri megadav Im iedidi archu nedudav, eich iechidá eshev al kani Shúvi elái, at bat ahuvá, shúvi at, vaani ashuva Hine imi zot ot ketuvá, ki betochech eten mishkani Rei, dodi, nafshi padita, ulevat meaz oti kanita Atá li vein amim zerita, veeich tomar ki ahavtani Aiumati letov zeritich, velitehilá uletov saritich Ki ahavat olam ahavtich, al ken hoshivech al duchani Lu iehi chidvarchá, iedidi, atá maher tessof nedudi Uletoch Tsion neche guedudi, vesham akriv lach

3. Agradeço ao Hazan Oren Boljover pela transliteração fonética.

Termino com este Piyut tão precioso que tive a opor tunidade de ensinar no último Lashir Benefesh, seminário para Chazanim e Shlichei tzibur da WUPJ-LA. Seu nome é Yala Yala הלעי הלעי, escrito por Rab Israel Nadjara, Sa fed, século 16.

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SHANÁ TOVÁ UMETUKÁ

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Ali a comunidade organiza a cada ano um seminário de estudos que atrai público não somente judaico, mas também geral, da cidade e do país. Cada ano é escolhido um tema-título e os palestrantes são convidados a desenvolver con forme suas diferentes inclinações profissionais ou intelectuais.

Essas sinagogas, bem como o rico museu judaico e as demais instituições e dependências da comunidade, atraem interesse e movimento para o antigo ghetto, o bairro judeu onde se situam. Este ano o ghetto comemorará os 500 anos de sua existência, que cunhou o nome adotado por toda parte para desig nar os setores de separação discriminatória dos judeus (ghetto é uma corruptela da palavra italiana “getto”, cujo significado é “fundição” e se refere a uma ofi cina dessa atividade que ocupava a ilhota da cidade lagunar onde os judeus fo ram forçados a se instalar).

vittorio corinaldi

Na cidade medieval, a catedral é o símbolo incontestado da visão de mundo, e, portanto, um depósito sagrado da fé generalizada, um santuário que domina a cidade com sua figura, sem necessidade de recorrer a perspectivas ou grandes espaços de acesso.

Página anterior: Grande Sinagoga de Budapeste, Hungria.

O tema deste ano foi: “Aspectos do Sagrado no Judaísmo”. Nesse quadro, coube-me abordar o tema como arquiteto e minha apresentação – baseada em conceitos gerais de interpretação e crítica arquitetônica – recorreu, porém, de forma natural a exemplos e citações especificamente relevantes para o públi co italiano.

s dinagoga:ivagações so B re forma e conteúdo

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A

comunidade judaica de Veneza, Itália, hoje muito pequena, é porta dora de uma tradição longa e gloriosa, manifesta, entre outras coisas, na presença de cinco maravilhosas sinagogas, em sua maioria não mais operantes e conservadas como monumento histórico e artístico de ex cepcional qualidade.

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Já o Renascimento estabelece uma igualdade de valores entre a igreja e o palácio ou outros símbolos do poder civil, inserindo-os num entorno urbano de escala controlada, destituído de intenções sagradas, antes pretendendo enco rajar uma celebração consciente e orgulhosa da suprema cia humana, tendência que foi se acentuando com o pas sar do tempo e com o progresso científico e tecnológico. E em nossos dias, a ausência de um impulso sagrado des loca-nos para um extremo oposto, a criação de um novo culto, o do consumo e da supremacia do deus-mercado –praticado nos templos pagãos dos shopping centers ou dos bancos, pregado nos incessantes “sermões” da publicidade.

Já no Renascimento, mesmo quando as dimensões são até maiores do que no Gótico, o equilíbrio entre as pro porções horizontal e vertical garante um domínio do indi víduo sobre o espaço, o que corresponde a uma tendência da sociedade em que o homem é o centro do fazer univer sal, o racional substitui o místico, o conhecimento se an tepõe ao legado legendário. Aqui a arquitetura não preten de e não transmite um sentido de sagrado, e se este é aplicado, é por uma determinação hierárquica da autoridade da Igreja, não por um impulso social.

E então, voltando-nos para a sinagoga, devemos cons tatar a existência, através dos séculos, de exemplos de no

Nesse contexto, a catedral gótica é tida como o exem plo mais eloquente: a aspiração mística que era a base de toda a cultura medieval levou ao desejo de elevação espiri tual cuja tradução em espaço físico é a verticalidade, a pro porção vertical dominante sobre a horizontal. O olhar é obrigatoriamente dirigido para o alto, para uma imaginá ria entidade suprema, diante da qual o indivíduo se sente pequeno e sem expressão.

Apoiando-nos no assunto debatido no simpósio de Ve neza, e admitindo que tratar de arquitetura sinagogal pres supõe a intenção de identificar nela elementos caracterís ticos de sacralidade, perguntamo-nos se eles efetivamen te aparecem na sinagoga, tida como elemento tipológico determinado.Antesdetentar responder a essa pergunta é preciso, po rém, que deixemos claro o que é que permite classificar em geral uma arquitetura como “sagrada”, enquanto outras –mesmo se destinadas à mesma função – não merecem esse adjetivo. Para tanto, forçoso é recorrer aos exemplos da ar quitetura cristã, na qual nossa cultura ocidental reconhe ce o máximo expoente de um espírito sacro.

Isto dá origem ao maravilhoso esquema estrutural que equilibra os esforços estáticos da construção gótica, e que é a essência visível de um sistema onde os cheios supérflu os são eliminados, e os grandes vazios são preenchidos pe los vitrais – que, filtrando a luz através das imagens cheias de cor, infundem uma atmosfera carregada de mistério e sacralidade no observador, física e espiritualmente orien tado para o alto.

Também em nível do ambiente urbano, esta diferença entre as duas atitudes é perfeitamente distinguível. Na ci dade medieval, a catedral é o símbolo incontestado da visão de mundo, e, portanto, um depósito sagrado da fé ge neralizada, um santuário que domina a cidade com sua fi gura, sem necessidade de recorrer a perspectivas ou gran des espaços de acesso.

Detalhe estrutural.doadasverticalidadegótica:construçãodealinhaseevidênciaprincípio

A análise do tema, porém, traz à tona uma problemática que abrange setores mais amplos do público judaico e aspectos que não são objeto da atenção corrente. E sob este prisma surge o interesse de pôr em foco a arquitetu ra sinagogal, capítulo que só recentemente começa a apa recer na literatura crítica e documentária de arquitetura.

Este rápido apanhado de caracterização arquitetônica pode parecer estranho para introduzir o assunto da arqui tetura sinagogal, que – antes mesmo de qualquer estudo mais aprofundado – se apoia em construções de bem me nor amplitude. Mas ele visa pontualizar critérios de obser vação válidos para qualquer espaço ritual.

tável valor artístico e não menos importante valor histórico. O exemplo italiano é dos mais característicos: sina gogas do século XVI, tanto em Veneza como em peque nas cidades das regiões do Veneto, Piemonte, Lombardia, Emilia e Toscana, exibem riquíssimos exemplares de ar quitetura barroca, não discerníveis do exterior dos edifí cios, testemunhos de prósperas comunidades que o domí nio da Igreja impedia de se manifestarem de forma muito evidente. A completa extinção dessas comunidades con denou essas sinagogas a um lamentável abandono, e mui to de seu patrimônio se perdeu ou estava em ameaça de desaparecimento.Ojudaísmoitaliano empenhou-se numa iniciativa de salvação: algumas dessas sinagogas foram transferidas para Israel na crença de que com isto elas iriam adquirir nova vida, servindo a comunidades ativas. Em outros casos, ape nas alguns apetrechos de culto (em especial Aronot-Kodesh) foram instalados em sinagogas existentes, vindo a funcio nar para ritos de comunidades estranhas à tradição que lhes deu origem, geralmente incapazes de compreender o valor dos objetos que lhes eram legados.

A Segunda Guerra Mundial marca uma transformação profunda na liturgia judaica. A fundação de Israel após o

Atualmente, talvez em função dos esforços de conser vação empreendidos por iniciativa judaica, nota-se um despertar de interesse por estes tesouros de uma cultura que – muito tarde – a Europa reconhece como parte de sua formação. E por toda parte no continente velhas sina gogas são restauradas e introduzidas como museus em iti nerários que procuram resgatar valores até agora ignora dos ou desprezados – e dentre eles o acervo arquitetônico.

Em geral, creio poder dizer que não existe na sinagoga uma intenção de sacralidade: ela é um espaço de reunião (Beit-Knesset), um espaço de estudo (Beit-Midrash, Shil na Europa Oriental, Scola em Veneza) – não um lugar a que a atividade ritual confere uma intrínseca categoria de san tidade. A santidade se expressa na presença dos Sifrei-Torá, respeitosamente mantidos no Aron-hakodesh, e nos ob jetos destinados a glorificar o ensinamento daqueles livros; não nas paredes e na estrutura construída.

O nominativo de “Templo” vem de época posterior, quando, com a abolição dos guetos e a emancipação civil,

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Mas serão esta riqueza arquitetônica e este alto valor histórico correspondidos por uma natureza “sagrada” do espaço? Ou haverá um sentido de sagrado no tratamento do espaço, independentemente da maior ou menor quali dade artística do ambiente?

A destruição da vida judaica na Europa com a Shoá pôs um fim à ilusória sensação de segurança, bem-estar e igualdade civil que aqueles grandes “templos” simbolizavam. Quando não literalmente destruídos pela barbárie nazista, eles permanecem como mudos testemunhos de comunidades desaparecidas ou violentamente mutiladas.

surge o desejo da comunidade judaica de pôr em evidên cia sua igualdade social e jurídica, através da construção de grandes “catedrais” judaicas, comparáveis às basílicas e igrejas cristãs. O recurso a ecléticas ambiciosas arquiteturas, imitações de estilo oriental ou neoclássico, certamen te não infundem espírito de santidade, antes uma retóri ca monumentalidade. Exemplos como os de Budapeste, Berlim, Roma, Firenze, Trieste ou outras grandes sinago gas encontradas na Europa são representativos dessa nova consciência civil, e do prestígio alcançado pelas comunida des judaicas aceitas no geral convívio gentio. O ritual nes sas grandes “catedrais” já não se baseia numa democrática, espontânea e íntima participação do público, e sim numa hierarquia institucionalizada à semelhança do clero ecle siástico e num uso de expedientes coreográficos (música coral, órgão, púlpito e “altar”) trazidos do costume cristão.

Igual e não menos cruel destino atingiu as pequenas sinagogas disseminadas pela Europa. Podemos vê-las em Cracóvia, Praga ou Amsterdam – órfãs sobreviventes da fú ria assassina que as relegou a uma função de objeto de ex posição, e inspiradoras de um mudo respeito proveniente da antiguidade e da memória de gloriosos capítulos da sa bedoria judaica.

A Velha Sinagoga de Cracov, hoje Museu. (desenho de V. Corinaldi)

Dentre estes, quero citar dois, de projeção indiscutida no panorama da arquitetura contemporânea: Frank Lloyd Wright e Erich Mendelsohn.

Sinagoga nas imediações de Filadelfia. Arqiteto Frank Lloyd Wright.

Holocausto; o deslocamento dos centros de influência para Israel e para as Américas; e o surgimento de correntes que, mesmo quando com raízes anteriores à Shoá, tomaram im pulso e a forma definida depois dos traumáticos aconteci mentos da guerra (Chabad do lado ortodoxo; Reformista e Conservador do lado liberal); a formação de grupos de tradição Sefardita propositalmente acentuada – todos es tes são acompanhados por uma transformação física, qua litativa e quantitativa do edifício da sinagoga.

Paralelamente, no terreno geral da conceituação críti ca, novas correntes vêm modificar a percepção da arquite tura desde os inícios do século XX, em direções que evi denciam uma poética assentada em critérios e valores atualizados. As retóricas afirmações do Academismo eclético já não conseguiam expressar os anseios de uma sociedade mais aberta, menos baseada em diferenças de “status”, promotora de um amplo desenvolvimento tecnológico, exi gente de uma interpretação mais funcional e utilitária do ambiente construído.

ples e digna às necessidades de novas congregações em for mação. Pessoalmente tenho muito viva a lembrança da pequena sinagoga da CIP à Rua Brigadeiro Galvão em São Paulo, onde uma austera decoração de linhas modernas formava o quadro de fundo para o desempenho de uma atividade comunitária (não só litúrgica) de novos louváveis endereços. Creio que esse caráter sóbrio e esse uso multi funcional tenham servido de base para o programa que orientou o arquiteto no projeto da nova sede quando esta se tornou uma necessidade para a já estabelecida e eficien te Congregação.Igualprocesso se verificou com a ARI no Rio de Janei ro, e creio serem estes os dois primeiros casos no Brasil de uma concepção atualizada e dinâmica da sinagoga, que se manifesta numa arquitetura solene mas despretensiosa, inspirada em sadios postulados funcionais e em critérios de bom gosto radicados em assimilada autêntica cultura.

No caso da sinagoga, não só o recurso a ícones como o arco ou a cúpula já não dava a imagem automática de um pseudo-orientalismo que a época romântica atribuía ao lu gar de oração judaico, como também a reza não mais era a função única do espaço sinagogal.

Também testemunhamos o aparecer de modestos am bientes de oração, adaptados para atender de forma sim

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O primeiro é o conhecido gênio patrocinador da Ar quitetura Orgânica, criador de obras de incalculável origi

Mas estes citados casos brasileiros não são fenômeno isolado. Eles são parte de uma corrente que teve sua maior expressão nos Estados Unidos, onde novas congregações (movidas por uma preocupação de renovar não só o as pecto religioso, mas igualmente o educativo e o comuni tário) erguem notáveis Centros Judaicos, recorrendo a ar quitetos de qualidade e renome.

Os primórdios da emigração judaica nas Américas ain da nos apresentam casos de recurso a estes símbolos, em geral com certa esquemática saudosista a ingenuidade, aqui ou lá com bom resultado arquitetônico (como, por exemplo, o desativado Templo Beit-El de São Paulo, ago ra destinado ao Museu Judaico).

O templo Beth-El em São Paulo. Arquiteto Samuel Roder.

namento da “Bauhaus”, claramente discernível nas cons truções dos anos 30, particularmente em Tel Aviv, agora declarada pela Unesco “Patrimônio da Humanidade” gra ças à grande concentração de edifícios que documentam aquele período.

Sinagoga Universidadeda de Tel Aviv: vistas do exterior e do interior. Arquiteto Mario Botta.

O legado de Mendelsohn para a arquitetura de Isra el é essencial, representado por importantes obras que ele aqui executou nos poucos anos de sua permanência, antes da criação do Estado, obras que denotam sua excepcional sensibilidade para as condições geográficas, físicas e am bientais. No entanto não há em Israel nenhum projeto de sinagoga de Erich Mendelsohn. Emigrando para a Améri ca, foi lá que ele executou diversos projetos nesse setor, no táveis precursores da citada tendência do judaísmo americano, mas pouco reveladores do impacto desse grande ar quiteto para o Movimento Moderno.

Dois projetos de Erich Mendelsohn nos Estados Unidos: Sinagogas e Centros Comunitários a elas anexos.

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nalidade e coerência artística. Sua contribuição para a ar quitetura sinagogal é limitada a poucos casos de grande va lor, mas frutos de uma concepção individualista e desliga da de um conhecimento íntimo da vida judaica.

O segundo em vez é proveniente da cultura judaico-eu ropeia. Seu nome se liga, como uma das principais figuras, aos inícios do Movimento Moderno Europeu, ao lado de Le Corbusier, Walter Gropius e Mies Van der Rohe. Tem, porém, uma posição singular dentro do movimento, com uma linguagem expressionista que o diferencia da linha severa daqueles, buscando desde então maior plasticida de e movimentação de volumes. Vítima da discriminação nazista, ele deixou a Alemanha, onde já tinha um acervo considerável de obras e uma posição teórica assentada, e foi para a então Palestina (Eretz Israel). Na mesma época acorrem ao país outros arquitetos de formação centro-eu ropeia, trazendo consigo o “Estilo Internacional” e o ensi

Ao lado e acima: a antiga “Altneuschule”, em Praga, e abaixo, o Gueto Novo, em Veneza.

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A fundação do Estado movimentou um vasto processo de construção, cristalizando uma linguagem arquitetônica adaptada às funções que o momento requeria: habitação, edifícios públicos, infraestruturas. Israel se afirmou então – não obstante as difíceis condições de seus primeiros anos – como um case-study de interesse mundial. As típicas ca racterísticas do Estilo Internacional receberam um trata mento próprio, baseado no uso generalizado do concreto como material quase exclusivo, trabalhado plasticamen te num jogo que utilizava a forte luz e os contrastes volumétricos que ela realçava como elementos formadores da arquitetura. O adjetivo de “Brutalista” que acompanhou a Arquitetura Moderna de após-guerra no mundo casa-se admiravelmente com essa fase da arquitetura israelense.

Vittorio Corinaldi é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetu ra e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), vive em Israel desde 1956. Durante 40 anos foi membro do Kibutz Broch Chail. Atualmente vive em Tel Aviv. Atuou como arquiteto no escritó rio central de planejamento e organização dos kibutzim, tendo sido seu arquiteto-chefe por dez anos. Executou numerosos projetos em dezenas de kibutzim e trabalhou em planejamento rural, mais espe cificamente naqueles ligados ao movimento kibutziano.

Em Israel, poucos são também os exemplos significativos daquela época, de outros arquitetos modernistas, e o esforço construtivo daqueles anos parece ter se concen trado em necessidades prementes da crescente população leiga do “Ishuv”, pouco inclinada a exigências religiosas.

Sinagoga de uma base militar no Neguev. Arquiteto Zvi Hecker.

prezo de conceitos mais abertos de estética e de ambien te, bem como de finalidades mais dinâmicas de comuni dade, sejam um freio para a aceitação de um design reno vador da sinagoga. Talvez a anacrônica cega veneração de personagens rabínicos assentados no topo de uma hierar quia rigidamente defensora de instituições obsoletas explique a grosseira provinciana arrogância de muitos dos edifícios das grandes sinagogas e yeshivot de Jerusalém e Bnei-Berak, grotescos “míni Vaticanos” de grupos religio sos menos ou mais agressivos, menos ou mais coercivos de suas regras de comportamento social.

Sinagoga

Davidisraelensebrasileiro-ArquitetoJerusalém.HebraicaUniversidadedadeResnik.

Onde estão então os exemplos de uma nova arquitetu ra sinagogal que se esperaria encontrar, como sintoma de uma nova cultura judaica da qual Israel se tornou o prin cipal e essencial fator no panorama judaico de hoje?

Ou será tudo isto sintoma de uma necessidade de refor mulação das exigências a nível nacional neste campo, uma vez que a existência do Estado de Israel criou um relacio namento diferente do cidadão perante a atuação religiosa? Certamente parte das funções que a sinagoga, em sua ver são moderna, desempenha na Diáspora são aqui preenchi das por instituições da sociedade civil.

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A resposta a essa pergunta traz uma inegável decepção. Pouco temos a mostrar de arquiteturas de sinagogas que se possam incluir no rol de autênticas contribuições mo dernas para a antiga tradição. Poucos são os casos de inter pretação mais erudita e esteticamente desenhada do con teúdo funcional e espiritual da sinagoga.

Talvez se deva atribuir esta lacuna à retrógrada hege monia ortodoxa no campo do desempenho religioso. Tal vez o acento exclusivo no estudo mecânico das escrituras e na prática automática de mitzvot, em detrimento de um enfoque mais amplo de disciplinas atualizadas, e em des

Para definir o lado espiritual, faz-se necessário um aprofundamento teórico e prático, no espírito que o Judaísmo Progressista vem fazendo, mas voltado especifica mente para a realidade israelense. Qual será o caminho para isto – é um desafio que somente o tempo será capaz de desvendar.

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A simultaneidade do ataque contra o Charlie Hebdo, a representação da im prensa livre, e contra o Hypercasher, mercado casher, símbolo da comunidade

As fotografias deste artigo são do bairro judaico do Marais, Paris.

A simultaneidade do ataque contra o Charlie Hebdo, a representação da imprensa livre, e contra o Hypercasher, mercado casher, símbolo da comunidade judaica, ilustra a realidade de que os ataques contra os judeus são apenas parte de ataques sistemáticos contra a democracia.

Mas a mensagem que os judeus vinham tentando transmitir o tempo todo – “nós somos apenas as primeiras vítimas de pessoas que odeiam a França e a democracia como um todo” – só se tornou óbvia em janeiro do ano passado.

stephane Beder

s er judeu na f rança em 2015

Por isso os ataques contra judeus perpetrados por jovens muçulmanos eram caracterizados como choques entre comunidades, jogando agressores e vítimas uns contra os outros.

E

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m janeiro deste ano aconteceram em Paris dois ataques que choca ram o mundo. E o que aprendemos? Qual é realmente a situação dos judeus na França hoje em dia? Claramente estamos vivenciando um daqueles raros momentos da história em que percebemos um antes e um depois. Os acontecimentos de janeiro de 2015 foram decisivos para a percepção e a compreensão da situação, assim como dos perigos que ameaçam nossas democracias.

O fato é que até o ano passado havia o consenso de que, embora lamenta velmente, o conflito no Oriente Médio “logicamente” gerava tensões entre co munidades na França, e parecia que este era o preço lógico a ser pago pelo fato de a França abrigar uma das maiores populações judaicas do mundo (estima da entre 500 mil e 600 mil pessoas) e uma das maiores populações muçulma nas (estimada em cerca de seis milhões de pessoas).

Não se trata mais de um debate de ideias e sim de um simples desejo de ferir e ofender pessoas por elas serem o que são, em oposição a fazê-lo pelo que pensam ou fazem. Esta é uma diferença essencial que para muitos despercebida.passa

judaica, ilustra a realidade de que os ataques contra os judeus são apenas parte de ataques sistemáticos contra a democracia.

Há um grupo de jovens muçulmanos franceses desvin culados, com raízes na África do Norte, que não se inte graram bem na França e são muito receptivos à narrativa de vitimização. Sua vida é miserável e sem boas perspecti vas para o futuro, enquanto outros ao seu lado têm uma vida muito melhor. E os extremistas atribuem todos os seus problemas aos sionistas. Tipicamente as pessoas mais receptivas a esta conversa não tem instrução política, re ligiosa ou acadêmica. Uns tantos demagogos cínicos con seguiram manipulá-los com muita facilidade para que se identificassem com os palestinos, usando uma mistura de antissemitismo e teoria da conspiração.

As prisões revelaram-se incubadoras incríveis de jiha distas em potencial. Ali jovens pouco instruídos encontra ram mentores em quem se inspirar, o que é especialmente verdadeiro para aqueles que decidiram converter-se ao Islã enquanto cumpriam pena. Uma vez corretamente identi ficadas como celeiros, as prisões deveriam tornar-se uma área de atenção em todo o mundo, embora encontrar a res posta adequada ao problema não seja tarefa fácil.

A outra área que nos deve causar preocupação especial também é global – a internet. A sensação de proteção trazi

Tem havido uma grande preocupação em não condenar ao ostracismo os mu çulmanos que já sofrem de várias formas de racismo no dia a dia. Este esforço le gítimo também levou a muita negação e complacência, especialmente vindo de boa parte dos partidos de esquerda e de extrema esquerda, e entre os movimentos altermundialistas e antirracistas. Ironica mente, isto fez com que a vida dos muçul manos moderados, não extremistas, que vinham sofrendo bullying por parte de islamistas radicais, ficasse bem mais difícil.

O Imã de Drancy, subúrbio de Paris, declarou há tempo, com toda transparência, que o ódio a Israel e aos judeus não tinha como ser justificado pelo Islã, e que havia neces sidade de um verdadeiro entendimento, com a promoção de iniciativas inter-religiosas. Ele passou a ser um alvo im portante para os grupos islamistas, e desde então passou a se fazer acompanhar por guarda-costas.

As autoridades francesas, começando com o atual presidente e o primeiro-ministro, não poderiam ser mais transparen tes em seu desejo de lutar contra o antis semitismo. Em recente discurso aberto, o primeiro-ministro disse que qualquer ata que contra judeus franceses é um ataque contra a França e não será tolerado.

O antissemitismo atual na França nada tem a ver com trágicos acontecimentos passados (o affair Dreyfus, o re gime de Vichy etc.). Na verdade, se levarmos em conta o seu passado trágico, a França ainda tem o antissemitismo como o tabu máximo (pesa mais do que a liberdade de expressão, por isso o governo cancelou shows de um co mediante antissemita chamado Dieudonne, baniu mani festações pró-Hamas e agiu contra postagens antissemi tas no EsteTwitter).énaverdade um dos desafios em que precisamos nos deter: há algumas sutilezas essenciais para definirmos o secularismo na França. É perfeitamente admissível pela lei e para a sociedade (e também muito valorizado por to dos os intelectuais) questionar, criticar e zombar de qualquer ideologia filosófica, política e religiosa. Isto vem a ser quase que um princípio para a independência de pensa mento, e referências ao Iluminismo encontram fontes em algumas formas de anticlericalismo. É por aí que as cari caturas do Charlie Hebdo são vistas como uma base fun damental e saudável da nossa sociedade livre quer estejam zombando de Moisés, Jesus ou Maomé, o que é muito di ferente de bradar contra judeus e/ou muçulmanos enquan to comunidades. Aqui já não se trata mais de um debate de ideias e sim de um simples desejo de ferir e ofender pesso

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da pelo anonimato e pelo distanciamento levou os operadores mais cruéis a perver ter as redes sociais especialmente para lan çar campanhas de ódio contra os judeus e recrutar jihadistas em potencial.

Foi criado um departamento especial da polícia para combater ações racistas e antissemitas na internet. Não podemos esquecer que a França tem leis muito severas e que são cumpridas à risca contra discursos de ódio, incluindo a ne gação da Shoá. Um ex-professor voltou a ser condenado a um ano de prisão depois de seu recurso do dia 17 de junho por ter postado este tipo de vídeo no Youtube.

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as por elas serem o que são, em oposição a fazê-lo pelo que pensam ou fazem. Esta é uma diferença essencial que para mui tos passa despercebida.

Os comentários de Netanyahu tive ram muito eco, não só porque foram fei tos durante a última campanha eleitoral em Israel, mas também porque pareciam de alguma maneira ter o apoio da intensa aceleração do número de judeus franceses fazendo aliá nestes últimos meses. Toda decisão neste sentido é complexa e sofre a influência de múltiplos fatores, entre os quais os mais importantes costumam ser o ambiente econômico e fiscal, paralelamente a situações pessoais e familiares. É certo que a sensação de segurança ou de falta de segurança tem um peso, mas dar a ela o papel de ser o motivo central ou único para as pessoas faze rem aliá está longe de ser verdade.

A cobertura dos ataques antissemita na mídia muitas vezes estabeleceu paralelos com a Segunda Guerra Mun dial (por exemplo, Kristallnacht em Paris). Permitam -me esclarecer: Estamos falando de acontecimentos muito ruins e muito sérios, mas a situação está muito longe do panorama apocalíptico em que se pode acreditar ao ouvir a CNN. Não posso deixar de pensar nos meus amigos is raelenses que me explicam que a vida continua até mes mo quando ouvem as sirenes de alerta várias vezes ao dia.

“O racismo é a mais grave ameaça do homem ao homem – o máximo de ódio para o mínimo de razão” (AbrahamHeschel).Joshua

É comum a atitude que tenta estabe lecer um paralelo entre as caricaturas do profeta e o pseudocomediante negativista. E a pergunta então vem a ser: Por que é aceitável fazer piada com os muçulma nos, mas não com os judeus? Obviamen te precisaríamos de algo mais do que a tradicional inter pretação generalizada de liberdade de expressão para res ponder; e nestes tempos de comunicação imediata não é fácil fazer-se ouvir com uma resposta complexa a uma per guntaFalandoenviesada.decomunicação, ao visitar a França poucos dias depois do ataque o primeiro-ministro de Israel cau sou o maior rebuliço ao convidar os judeus da França a se mudarem para Israel. Muita gente achou que este convi te era uma espécie de vitória para os terroristas, levando a ideia de um possível desaparecimento da presença judaica na França. A nossa opinião, muito simples, e que de fendemos energicamente, é que os judeus deveriam estar seguros em qualquer lugar onde decidam estabelecer-se, e uma das funções dos políticos e governantes é fazer com que isso aconteça.

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Hoje em dia na França os restaurantes casher são mui to concorridos e animados. A população de modo geral,

o Judiciário, a polícia e o governo têm o compromisso de não permitir que os ata ques contra os judeus continuem. Assim, a pergunta que mais ouço dos meus ami gos que não vivem na França é: O que po demosAlgumasfazer? sugestões concretas: Venha, visite e apoie o judaísmo refor mista na França. Temos umas tantas sina gogas espalhadas pelo país, com comuni dades crescentes, sem recursos suficientes, e nos faltam rabinos com conhecimento do nosso idioma.

nados em Toulouse pelo mesmo terroris ta que atacou a escola judaica: Latifa Ibn Zaten, uma muçulmana que incansavel mente visita escolas e prisões em comunidades onde se encontra especialmente com os jovens para explicar as consequên cias do extremismo e deixar uma podero sa mensagem de fraternidade. Lembrei-me das palavras de Abraham Joshua Heschel ao rezarmos juntos du rante o serviço religioso de Cabalat Sha bat: “O racismo é a mais grave ameaça do homem ao homem – o máximo de ódio para o mínimo de razão”.

Em face das dificuldades atuais, mui tos judeus acabam tentados a radicalizar também, e o judaísmo reformista ofere ce uma oportunidade única de construir pontes, mantendo a razão e a sabedoria como guia de nos sas Numações. shabat recente, uma de nossas sinagogas ofere ceu um prêmio de paz à mãe de um dos soldados assassi

A cobertura dos ataques antissemita na mídia muitas vezes estabeleceu paralelos com a Segunda Guerra Mundial. Estamos falando de acontecimentos muito ruins e muito sérios, mas a situação está muito longe do panorama apocalíptico em que se pode acreditar ao ouvir a CNN.

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Stephane Beder é presidente da Federação dos Judeus Liberais de Fala Francesa (organiza ção que representa comunidades liberais na França, Suíça, Bélgica e em Luxemburgo), vice-presidente da EUPJ – União Europeia do Judaísmo Progressista – e membro do comitê executivo da WUPJ – União Mundial do Judaísmo Progressista.

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ricardo sichel

ecorda que fostes escravo na terra do Egito..., assim está escrito na Torá. Com esse ensinamento busca-se estabelecer um elo de solida riedade com o forasteiro, com o oprimido ao nos lembrar da situação vivida na terra do Egito. O ano de 2015 começou e fomos surpreen didos com os atentados em Paris, primeiro na revista satírica Charlie Hebdo e, posteriormente, em um supermercado casher. Houve um consenso em apon tar o fundamentalismo islâmico como responsável. Em vários países europeus movimentos xenófobos ganham espaço ao apontar para os seguidores do Islã como sendo responsáveis por todas as mazelas. Neste ponto, temos que ter cuidado adicional para não repetir erros do passado, criar uma generalização de culpados e, com isso, estigmatizar um grupo com as terríveis consequências deste comportamento insano.

Após os atentados em Paris, a Chanceler alemã Angela Merkel advertiu para os riscos da generalização de responsabilidade dos muçulmanos, mas, por outro lado, recomendou que a sua liderança evidencie a sua separação daqueles que pregam o terror. Os atentados, segundo o deputado alemão Gregor Gysi, são uma afronta à democracia, à liberdade de expressão e ao direito à vida. A sátira, segundo o parlamentar, pode ser boa ou de mau gosto, mas ela deve ser livre, sob pena de não ser sátira. O conceito da liberdade de expressão não é novo e vem a ser um dos pilares da liberdade. O terror não deve ou pode comprome ter o nosso comprometimento com a democracia. Nesse sentido, vale transcre ver o que alguns pensadores, ao longo dos tempos, defenderam:

Afirmar que o Islã é responsável pelo terror e pelo Estado Islâmico na Síria, além de dar guarida a partidos radicais, como a Frente Nacional na França, ao movimento Pegida na Alemanha, ignora o fato de que a desestabilização da ditadura síria foi fomentada pelos governos ocidentais, esperando sua derrocada rápida, porém gerando o caos, o mesmo tendo acontecido quando da invasão do Afeganistão pela URSS, quando os talibãs foram treinados e armados pelos EUA.

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r ecorda que fostes escravo

Falamos, muitas vezes, orgulhosos dos atos heroicos do Estado de Israel e, inclusive, da nossa situação como víti mas, seja do Holocausto, como também de ataques feitos por terroristas palestinos, e reclamamos, com vibrante in tensidade, da indiferença da Comunidade Internacional. Na verdade, estamos querendo a solidariedade mundial, porém fomos nós solidários com as vítimas nigerianas do Boko Haranm quando sequestrou meninas na Nigéria? Onde estávamos quando se praticou o massacre em Sebre nica, que, em 1995, assassinou 8.373 bósnios muçulma

Em todo o caso, a análise dos fatos é feita, na maioria das vezes, em cima de fatos recentes, esquecendo-se das origens de sua ocorrência. Quando o povo grego elege um determinado grupo, o mundo olha assombrado para a sua postura, mas se esquece, entretanto, das imposições im postas a este povo, da redução de sua renda, do desempre go e da falta de esperança.

“Povos livres, lembrai-vos desta máxima: A liberdade pode ser conquistada, mas nunca recuperada”. (Jean-Jac ques Rousseau)

Políticas de apaziguamento, conduzidas de forma in consequente nos anos 30 do século XX, foram responsá veis pela 2a Guerra Mundial, não pela ascensão ao poder do regime nazista. Neste último caso, tem-se como um dos responsáveis a forma irresponsável com que se conduziu o término da 1a Guerra Mundial, com a imposição de pesadas reparações de guerra à Alemanha, conduzindo o povo à miséria e à falência das instituições democráticas. O mesmo foi imposto ao povo grego, salários, pensões e aposentadorias foram reduzidos; ao povo sírio onde se im pôs o boicote à ditadura síria, mas o povo é que veio a ser atingido, fazendo surgir campo fértil para fundamentalis mos e radicalismos.

O meu ideal político é a democracia, para que todo ho mem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado.” (Albert Einstein)

Porém, ficamos indignados com ataques feitos em Paris e queremos pretender uma solidariedade mundial, apon tando um grupo, de forma genérica, como sendo respon sável pelo mesmo. Em todo o caso, não podemos em mo mento nenhum esquecer que o povo judeu sempre teve problemas quando a sociedade em que vivia passava por períodos de exceção, enquanto em democracias a nossa dignidade se viu respeitada.

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nos? Quando nos manifestamos sobre a opressão no Ti bete, as perseguições a minorias na Síria, ao massacre em Ruanda? Esta relação não se limita a estes fatos, mas silen te ficamos. Estranho o nosso comportamento.

Quando surge o terror, muitas vezes se sugere viola ções de dados pessoais, a adoção de medidas de exceção, com vistas a garantir a “segurança”. Após os atentados de setembro de 2001, a histeria causada levou à prisão de vá rios em Guantánamo sem que houvesse uma acusação for mal. Por outro lado, o fato de usar turbante levou a assassi natos de pessoas, muita embora não fossem muçulmanos.

A liberdade e a democracia, como a conhecemos hoje, foi conquistada ao longo do século XX. Os direitos humanos foram editados em momentos de crise, seja na Revolu ção Francesa como também após a 2a Guerra Mundial. Na América Latina, o período no final do século XX foi mar cado pelo término de ditaduras militares, que importaram na morte do seguinte quantitativo de pessoas: Argentina –30.000 1, Brasil – 858 2, Chile – 40.000.

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Para defender a democracia não se pode ser atraído por soluções simplistas que buscam resolver problemas com aparente “simplicidade” e, desta forma, se abrir mão das individuaisgarantiasqueaLeiestabelece.

Por outro lado, o garantismo legal não importa em im punidade, mas sim no estabelecimento de garantias in dividuais, onde todos têm o direito de previamente sa

A liberdade conquistada, o Estado Democrático de Di reito, impõe o respeito irrestrito aos direitos humanos e, desta forma, igualmente, acata o princípio básico do Di reito Penal, no sentido da individualização da pena e da responsabilidade e, portanto, não generalizar responsáveis sob pena de se dar início a uma histeria que, no passado, levou a vida de 6 milhões de judeus.

Entretanto, para defender a democracia não se pode ser atraído por soluções simplistas que buscam resolver problemas com aparente “simplicidade” e, desta for ma, se abrir mão das garantias individu ais que a Lei estabelece. Começando pelo Brasil, certo é que a violência se consti tui um grave problema, momento em que surgem aqueles que advogam a redução da maioridade penal para 16 anos. De ve-se perguntar se, reduzida a maioridade penal, menores de 16 anos praticarem cri mes, será então necessário defender uma nova redução desta maioridade? Qual o limite, talvez dois anos? Não é esta obviamente a solução, uma vez que a causa desta violência, na maioria dos casos, decorre da exclu são social, da miséria e, neste ponto, indaga-se: O que se tem feito para minorar a exclusão social, melhorar a justiça social e assim se propiciar um futuro melhor para as pesso as, uma perspectiva de vida melhor para todos?

ber qual a acusação e, portanto, basean do-se no princípio da presunção da ino cência, apresentar a sua defesa. Em ne nhum caso este posicionamento pode ser considerado como uma leniência do Es tado com relação a responsáveis, muito ao contrário, estes serão condenados, porém o que não pode ser admitido, em hipóte se alguma, é a responsabilização genérica de grupos. A responsabilização penal deve ser sempre individualizada, garantindo-se ao acusado o direito de defesa, como ali ás propiciado quando do julgamento, em Israel, de Eichmann.

A conquista dos direitos fundamentais da pessoa hu mana, o respeito à dignidade da pessoa, não pode ser questionada, mesmo diante de problemas e crises coloca das. Soluções populistas e simplistas escondem interesses escusos e importam na nossa perda de garantias. A De mocracia e, por fim, a Lei, é a nossa garantia contra o ar bítrio, em defesa de nossa liberdade. Afirmar, no momen to atual, que o Islã é responsável pelo terror e pelo Estado Islâmico na Síria, além de dar guarida a partidos radicais, como a Frente Nacional na França, ao movimento Pegi da na Alemanha, ignora o fato de que a desestabilização da ditadura síria foi fomentada pelos governos ocidentais, esperando sua derrocada rápida, porém gerando o caos, o mesmo tendo acontecido quando da invasão do Afe ganistão pela URSS, quando os talibãs foram treinados e armados pelos EUA. O nosso conforto, a manutenção de regalias em detrimento de direitos básicos da pessoa, em algum momento vai gerar a retaliação. Esquecemos da origem do problema, muitas vezes iludidos com uma visão equivocada da realidade, além da hipocrisia de que rer impor a sociedades um determinado padrão de com portamento (vide a Primavera Árabe), acabando por ge rar uma reação que não podemos antever, na medida em que surge com o rompimento de todos os parâmetros an teriormente existentes.

Desta forma, não podemos em momento algum es perar que a solução de problemas decorra da generaliza ção de responsabilidades, mas em todo caso devemos nos manter atentos e vigilantes na defesa das liberdades democráticas, dos direitos humanos e da justiça social e as sim nos solidarizarmos com todos aqueles que são opri

1. -da/,http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ditadura-argentina-a-mais-sanguinariaaccess14/3/2014

A conduta que o Estado Democrático de Direito deve ter em lidar com esse tipo de problema não pode prescin dir do cumprimento aos dispositivos no ordenamento ju rídico, sem o estabelecimento de medidas de exceção, sob pena de se criar um Estado injusto, que se baseia no medo e que já foi objeto de filmes como o V de Vingança. Não se trata de medida de apaziguamento, mas sim em tratar, nos termos da Lei, com todas as garantias que esta esta belece, as infrações e desta forma evidenciar a capacida de do Estado em equacionar os problemas. A resposta da violência não é a mais apropriada, principalmente quan do a posteriori, sob pena de se generalizar os culpados e criar o estado de terror. A solução bélica, como alerta o deputado alemão Gregor Gysi, gera mais violência e não traz solução para os problemas, apontando para o ocor rido no Afeganistão ou no Iraque e o esfacelamento des tes Estados que, com o vazio do poder, cedeu espaço para grupos extremistas.

2. brasil,30.256,http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2012/05/16/interna_access14/3/2014

Temos que rejeitar a ideia preconceitodecoletivaresponsabilidadedesobpenaseadmitirqueoeoracismotenhamalgumlugarderazoabilidade

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Por fim, a liberdade é um bem supremo, da mesma for ma que a dignidade da pessoa humana. Temos que rejeitar a ideia de responsabilidade coletiva sob pena de se admitir que o preconceito e o racismo tenham algum lugar de ra zoabilidade e desta forma negar que a conquista das liber dades, que teve sua origem no sacrifício de várias pessoas, possa alcançar o lema advogado pela Revolução Francesa: Liberdade, igualdade e fraternidade.

Soluções baseadas na violência, bem como conclamar medidas desta nature za não trazem, a longo prazo, a resolução destes. O bem-estar social, a certeza da es tabilidade das relações humanas, de for ma a que o cidadão, independentemen te de seu padrão social, tenha as necessárias condições para garantir o sustento de seu grupo familiar, é que vai viabilizar a construção de uma sociedade onde o sen timento de paz prevaleça. O homem an seia pela paz e somente dá ouvidos ao fundamentalismo quando os mecanismos sociais não funcionam ou quan do se sente oprimido.

midos pela arrogância humana, para que, quando vitimados, também tenhamos a solidariedade dos outrora perseguidos. Como falou Hannah Arendt: “A essên cia dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”, assim temos que respeitar os direitos dos outros para que os nossos se jam respeitados. Temos que buscar a ori gem de conflitos e não fazer uma análi se simplista, baseado em um fato recen te, esquecendo da origem destes.

Notas

Ricardo Sichel é conselheiro da ARI, ativista, professor universitário (UNIRIO) e Procurador Federal.

QUER DOAR, PATROCINAR OU SABER MAIS  SOBRE O ASSUNTO?  ENTRE EM CONTATO COM DUDA OU MARCIA  NA ADMINISTRAÇÃO DA ARI:  TEL: 21 2156-0444 DUDAGONIK@ARIRJ.COM.BR A Revista DEVARIM foi aprovada como Projeto Cultural para captação de recursos incentivados pela Lei Rouanet . Um projeto enquadrado na Lei Rouanet  oferece aos doadores e patrocinadores  (pessoas física ou jurídica) a  possibilidade de descontar parte do valor  da contribuição do seu imposto de renda,  reduzindo o imposto a pagar ou  aumentando a restituição.

M

Página anterior: Memorial às vítimas do Holocausto em Chisinau, Moldávia.

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A primeira viagem foi em maio de 2008 com meu pai e irmã. Foram 12 dias na terra dos meus antepassados, visitamos dez cidades/vilarejos e fizemos muitos contatos diretos com moldavos e outros estrangeiros. Em 2012, voltei no que seria minha segunda e última (até agora) viagem ao país, desta vez com

m emórias de um lugar inexistente

Sempre fui avisado a não tentar viajar a este país, que tal aventura poderia se tornar desastrosa, muito pelo fato de ser o país mais pobre e com menos in fraestrutura da Europa Oriental, com notícias frequentes de corrupção, tráfico de mulheres e de órgãos. Além dos percalços naturais das diferenças de língua e cultura. Somente a tentativa de conseguir o visto foi uma peripécia em si, já que Brasil e Moldávia não possuem relações diplomáticas, e foi necessário con tratar uma empresa moldava para nos ajudar a emitir um convite para entrar no país, para então aplicar para o visto. Foi somente em 2008, após três anos de pesquisa genealógica, de muita preparação e finalmente já com o visto, que consegui realizar este sonho.

eus avós paternos emigraram da Bessarábia para o Sul do Brasil em 1931. Eu nunca os conheci, e sabia quase nada sobre suas vidas na terra de origem. A Bessarábia sempre foi um lugar ima ginário para mim, muito distante e completamente fora da minha realidade. Mais tarde aprendi que este lugar não era um país, mas sim uma região formada por parte da Romênia e da Ucrânia e a totalidade da Moldávia. Mas o que era a Moldávia e como chegar até lá? Seria possível ir até os vilarejos, os shtetls de onde minha família veio? Ainda existem remi niscências judaicas na região?

cassio tolpolar

Em primeiro lugar, é necessário enten der que a Moldávia é um país com dificul dades de compreender sua própria identi dade e história, e ainda mais a história da sua comunidade judaica. Existem poucas reminiscências, que vagarosamente estão se esfacelando com o tempo e com a fal ta de recursos em mantê-las. Há um cen tro comunitário judaico, um museu, es cola e sinagoga, mas tudo concentrado na capital Chisinau. No interior, onde estão os “ex-shtetls”, a população judaica é mi núscula, pobre e idosa. Cidades como Te leneshty, onde moravam cerca de quatro mil judeus, hoje abriga seis famílias, cujos filhos mais jovens já pensam em mudar para a capital ou emigrar para países como Canadá, Esta dos Unidos ou Israel. É preciso ressaltar que a maioria da juventude, judaica ou não, sonha em sair do país, muito pela falta de perspectiva de empregos decentes.

minha esposa e filha. A viagem de uma semana foi abreviada para quatro dias por problemas de atraso de voo causado por um tornado em Dallas.

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Cemitérios a céu aberto em comple to abandono foi uma paisagem comum a nós. Livros de registro incompletos ou mesmo ausentes. Em alguns, como o de Rezina, é quase impossível distinguir uma pedra no chão de uma lápide. Falta de cercas ou proteção ajuda os vândalos a roubarem fotos e destruírem túmulos. Daqueles que visitamos, apenas os cemi térios de Chisinau, Orhei e o novo de Re zina apresentam certa organização.

A palavra “Holocausto” é ainda nova. Isto porque a antiga União Soviética (Moldávia era “República Socialista da Moldávia” até 1991) nunca reconheceu o termo. Para os russos, toda sua popula ção foi vítima, e reconhecer o termo Ho locausto seria destacar os judeus como vítimas especiais ou exclusivas. Esta tentati va unificadora apenas contribuiu para que a memória da comunidade judaica fosse aos poucos se es vaindo. No bairro judaico de Oliscani, aldeia do meu avô, as casas, a sinagoga e as lojas foram substituídas por um mato fechado com uma estrada de areia no meio. Nin

Por tudo que ouvi e sempre entendi, a comunidade judaica local estava em profunda decadência, mas pessoalmente vi algo diferente em 2012. Muitos judeus com laços na Moldávia e que outrora moravam em países como Ucrânia e Romênia agora estão voltando e reconstruindo uma espécie de comunidade.nova

A vida simples em Oliscani, Moldávia.

Memorial às vítimas do pogrom de 1903 em Chisinau, Moldávia.

guém mais sabe dos Tolpolares, e o último judeu imigrou para Israel em 1954. Acredito que existam muitos outros shtetls com história parecida ou, mais especificamente, sem nenhuma história.

Mas o que afinal encontrei? Eu tinha muitas pistas e al gumas informações concretas, que foram ou se confirman do ou se desmentindo durante a viagem. Para começar, quase ninguém conhecia o meu sobrenome. Seguindo um endereço descoberto em um dos documentos, chegamos até uma casa onde uma vez Shabsa Tolpolar havia vivido. Mas os moradores atuais são jovens e não sabem nada da quele lugar. Fomos até Orhei, onde minha avó nasceu, mas não achamos nada de sua família. Fomos até Rezina, mas não encontramos absolutamente nada. Fomos até Edinitz e achamos, desta vez, uma pérola: o vizinho do nosso pri mo Fima, um senhor judeu que tinha nove anos quando a

A própria história da Moldávia também não contri bui para a preservação da memória. Ora parte da Romê nia ora parte da Rússia, até se tornar república soviética e

A população idosa vai morrendo, e com ela o passado. Pouca coisa está catalogada, ou foi propriamente investi gada, explorada, classificada. Não estamos falando da Po lônia, Ucrânia ou Romênia, onde historiadores publica ram livros, pesquisas e onde até filmes foram produzidos. Aqui nada disso aconteceu. Ainda podemos encontrar al guns livros em inglês sobre o famoso pogrom de 1903 em Kishinev, mas ficamos por aí. O que uma vez existiu está quase indecifrável em um russo antigo que poucos com preendem, ou foi perdido ou foi destruído com as guerras. Por exemplo, nossa pesquisadora contratada para procu rar documentos no Arquivo Nacional às vezes mal conseguia ler os textos escritos no século 19, por serem de uma ortografia e gramática muito antigas.

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finalmente independente em 1991, a Moldávia é como se fosse um antigo país novo. E extremamente dividida en tre etnias e povos, que basicamente identificam-se ou com romenos ou com russos. Esta divisão e falta de identida de consolidada e mais a separação da Transnistria deixaram o país fragilizado política, econômica e socialmen te. Como George Friedman, renomado cientista político norte-americano, bem colocou, a Moldávia é um país sem ser uma nação.

Sinagoga em Soroca, Moldávia.

segunda guerra havia começado. Sobrevivente de campo de concentração, ele nos levou até a antiga casa de Fima, de seu pai e irmãos, agora um restaurante. A dona não sabia de nada, e foi difícil sentir al guma emoção ao ver uma casa que foi da nossa família, mas que agora está com pletamente remodelada, sem resquícios do que uma vez foi, sem uma história.

mo nosso havia sido assassinado com sua esposa e outras famílias. Ele confirmou que os corpos haviam sido jogados no mato, apontando exatamente para o local. Enquanto explicava a história, um se nhor de idade se aproximou e começou a conversar em romeno. Nossa guia, espan tada, virou-se para nós e disse que aque le senhor tinha sido testemunha do assas sinato. Acontecimentos como este ainda podem acontecer na Moldávia, mas são cada vez mais raros. Já de volta em 2012, soubemos que este senhor havia falecido e, com ele, outras narrativas.

Muitos perguntam se senti antissemitismo ao percorrer o país. Minha resposta é não. Ao contrário, fomos domumcalorosamenterecebidosporpovoquetememsuamaiorvirtudeahospitalidadeeodefazerumdosmelhoresvinhosdomundo.

O que tudo isto quer dizer? Se ficásse mos na Moldávia por mais um mês, me ses ou anos, talvez encontrássemos mais coisas e entendêssemos mais dos judeus do país. Minha pesquisa não parou após as viagens, e continuei percor rendo pistas e entrando em contato com diferentes pesso as. Achei algumas respostas que estava procurando, outros mistérios ainda permanecem.

Muitas vezes era complicado saber o que era verdade. Muitas informações eram contraditórias ou apenas suposi ções. Tínhamos que confrontar os fatos, ir até os locais e perguntar incansavelmen te para chegar perto da verdade. Tivemos sorte ao localizar o historiador Iuri Zagor cea, que, apesar de não ser judeu, traba lha para que monumentos sejam erguidos em aldeias onde houveram assassinatos em massa durante a guerra. Ele en frenta muitas vezes a resistência dos próprios moradores, porque muitos ainda pertencem às famílias dos criminosos.

Cemitério abandonado em Vadul Rascov, Moldávia.

Iuri nos levou a um lugar em Cepeleutz, onde um pri

Minhas duas viagens resultaram no documentário Mamaliga Blues, que espero que contribua para ser um registro de uma vida judaica rica e extensa que não exis te mais. E que também aponte para a responsabilidade que todos nós temos em carregar a memória de nossos antepassados.

geográfica e histórica, que fez com que caísse nas mãos de vários invasores, desde os tártaros, passando por turcos, russos e romenos. Todos estes estrangeiros nunca fizeram nada que satisfizesse as necessidades do próprio país, e seu legado não é motivo de orgulho.

Cassio Tolpolar é cineasta e diretor do documentário Mamaliga Blues (www.mamaligablues.com).

Museu dos Judeus da Bessarábia, em Chisinau.

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Por tudo que ouvi e sempre entendi, a comunidade judaica local estava em profunda decadência, mas pessoal mente vi algo diferente em 2012. Muitos judeus com la ços na Moldávia e que outrora moravam em países como Ucrânia e Romênia agora estão voltando e reconstruindo uma espécie de nova comunidade, com muita ajuda finan ceira e suporte de americanos e israelenses. A ambulância para atender somente os judeus mais pobres foi compra da por um milionário americano com raízes no país, por exemplo. Fora isso, ainda não há uma continuidade e cer teza de progresso econômico que possa sustentar esta co munidade no futuro. Uma pena, pois a nossa história nes se país foi extremamente rica. Um dos maiores exemplos é o escritor Ihil Shreibman. Falecido em 2005, foi o últi mo grande escritor em ídiche do país, que descrevia minuciosamente em seus livros o cotidiano dos shtelts. Mas infelizmente seus inúmeros livros nunca foram traduzidos além do russo.

Muitos perguntam se senti antissemitismo ao percor rer o país. Minha resposta é não. Ao contrário, fomos rece bidos calorosamente por um povo que tem em sua maior virtude a hospitalidade e o dom de fazer um dos melhores vinhos do mundo. Claro que isso não quer dizer que tal sentimento não existe nos habitantes locais.

Em resumo, a Moldávia é um país com muito a ser re velado, mas continua a pagar o preço de uma ingratidão

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Acompanhar e viver o mundo dos esportes sempre foi parte inseparável de minha vida, e a experiência no Venezuela Kalisher e naquele específico ano de cursos na faculdade me despertou o interesse em uma área que até então era to talmente desconhecida: o esporte “adaptado” ou esporte para pessoas portado ras de deficiência. Presenciei um jogo de basquete sobre cadeira de rodas e tive a oportunidade de jogar por alguns minutos. Era o que faltava para passar a ad mirar esse novo “universo” e em especial a todos os esportistas.

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d or e e s P erança

Bernardo Kopstein schanz

D

Naquela ocasião, o contato maior foi com jovens e adolescentes portadores de paralisia cerebral. Frequentei durante um ano uma das mais impressionantes escolas que tive a oportunidade de conhecer na vida: Venezuela Kalisher, loca lizada em Tel Aviv, é uma escola voltada a crianças e jovens com paralisia cere bral e outras síndromes neurológicas que têm como consequência a limitação das atividades motoras e cognitivas. Acompanhei e guiei uma pequena e mara vilhosa turma de cinco alunos da quarta série e um jovem de 20 anos.

Em todo esporte competitivo, seja ele qual for, a superação é peça-chave na performance do atleta, no esporte paralímpico, no entanto, a superação acompanha o atleta mesmo antes da performance. O atleta, por si só, já é um grande herói.

Foram alguns dias de curiosidade e muitas horas buscando por vídeos de competições nas mais diferentes modalidades e categorias de esportes para por tadores de deficiência. Precisava ver todos e entender exatamente como funcio navam. Desde o vôlei sentado, praticado por portadores de deficiência física, passando pelo rugby em cadeira de rodas até chegar na bocha, disputada, en

urante o ano de 2013, tive a oportunidade de fazer uma especiali zação na área de “necessidades especiais”, inserida no currículo dos estudos de Educação Física da Faculdade Seminar HaKibutzim, em Tel Aviv. Foi a primeira vez que senti e vivi de perto a realidade de um portador de deficiência.

Um retrato do esporte paralímpico em Israel

São tantas histórias, tantos exemplos, tantas vidas que receberam um significado diferente e extraordinário atra vés do paradesporto que fica muito difícil selecionar al gumas que sirvam de exemplo. Cada atleta possui uma história e certamente cada uma delas poderia ser conta da em livro e cada livro poderia ser um best-seller. Apesar da imensa dificuldade, selecionei duas histórias que representam, de certa forma, o esporte paralímpico israelense como um todo.

À direita da foto, Doron Shaziri, atual campeão europeu de tiro espor tivo e possuidor de seis medalhas paralímpicas, três de prata e três de bronze.

O Comitê Paralímpico trabalha em paralelo ao Comi tê Olímpico Israelense e é responsável pela participação de atletas em torneios locais, campeonatos europeus, mun diais e jogos paralímpicos. O Comitê Paralímpico traba lha com 20 diferentes modalidades esportivas, tanto em âmbito nacional, organizando torneios locais, quanto em âmbito internacional, preparando atletas para campeona tos mundiais e os jogos paralímpicos propriamente ditos.

tre outros, por portadores de paralisia cerebral que com petem, muitas vezes, utilizando a boca como instrumento para arremessar a bola.

Tinha a convicção de que o esporte paralímpico isra elense era insignificante no cenário nacional e que fatalmente nenhum grande tipo de incentivo ou estímulo era dado a essa área. Errei. O esporte paralímpico é inclusive mais “representativo” que o esporte convencional. Israel tem, em jogos paralímpicos, uma quantidade muito maior de medalhas (veja o quadro) do que em jogos olímpicos.

Os para-atletas israelenses se dividem em cinco dife rentes tipos de deficiências: amputados, paralisados, por tadores de paralisia cerebral, cegos ou portadores de defici ência visual e portadores de deficiências motoras variadas.

Em todo esporte competitivo, seja ele qual for, a supe ração é peça-chave na performance do atleta, no esporte paralímpico, no entanto, a superação acompanha o atle ta mesmo antes da performance. O atleta, por si só, já é um grande herói.

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As 20 modalidades esportivas são: Ciclismo, Badminton, Bocha, Judô, Tiro com arco, Tênis de cadeira de ro das, Triathlon, Rugbi de cadeira de rodas, Tênis, Tiro es portivo, Natação, Atletismo, Tênis de mesa, Levantamen to de peso, Caiaque, Esgrima, Remo, Basquete em cadei ra de rodas, Goal ball e Hipismo.

Ao centro da foto, Noam Gershoni, medalha de ouro no tênis em cadei ra de rodas individual e medalha de bronze na categoria de duplas nos Jogos Paralímpicos de 2012.

Junto ao Comitê, trabalham sete grandes e exemplares organizações: “Nechei Tzahal” (Desabilitados do Exérci to), “Ilan”, “Etgarim” (Desafios), “Centro de Esportes dos Desabilitados de Rishon leTzion”, “Promoção do Esporte de Ashdod”, “Centro Educacional dos Cegos” e a “Com panhia dos Centros Comunitários”.

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Medalhas de Israel desde as Paralimpíadas de 1992: Ano Ouro Total 1992 2 13 1996 0 9 2000 3 6 2004 4 13 2008 0 6 2012 1 8

Israel pode, sem sombra de dúvidas, se orgulhar pelo suporte, pelas condições e pelo investimento que faz com seus para-atletas, mas a esperança de medalhas nas Para limpíadas do Rio de Janeiro, no ano que vem, certamente se confunde com o sonho de que, daqui a cinco anos, nos jogos do Japão, tenhamos bem menos para-atletas como Noam e Doron.

Após os jogos paralímpicos, Gershoni decidiu que o tê nis seria apenas o seu hobby, e agora pratica o esporte ape nas por Doronlazer.Shaziri tem 47 anos e chegou ao Tiro espor tivo de uma forma nada convencional. Ele servia o exérci to como atirador de elite em 1987 quando, durante uma operação, pisou numa mina e acabou tendo uma das per nas amputadas. A partir daquele momento, passou a dedi car sua vida a duas causas: o tiro esportivo e a “comodida de” de outros portadores de deficiência, importando e fa bricando novas e diferenciadas cadeiras de rodas.

Shaziri tem na carreira uma enorme quantidade de con quistas. Além de ser o atual campeão europeu da catego ria, conquistou nada menos que seis medalhas paralímpicas, sendo três de prata e três de bronze. Ele treina no Beit haLochem (Casa do Combatente), filiada à Nechei Tzahal.

Assim como nos Jogos Olímpicos, a maioria dos paí ses do mundo está também representada nos jogos para límpicos, então o que há de tão especial? O que nos dife

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rencia de todos os outros? A resposta para estas pergun tas é uma mescla inseparável de orgulho, tristeza e espe rança. Uma grande parte dos atletas paralímpicos israe lenses são oriundos de guerras. São pessoas que dedicaram suas vidas à manutenção do país e sofreram graves ferimentos, mas encontraram no esporte uma excelente razão para seguir lutando.

Bernardo Kopstein Schanz é formado em Educação Física pela fa culdade Seminar HaKibutzim de Tel Aviv. Atualmente é gerente de produtos na start-up israelense 90min.com. No Brasil, foi membro do Habonim Dror, onde ocupou cargos de liderança no movimento juvenil em Porto Alegre.

Noam Gershoni, de 29 anos, foi piloto de helicópte ro de combate durante a segunda guerra do Líbano. Em uma colisão de helicópteros da própria força aérea israe lense, acidentou-se gravemente e teve fraturas em grande parte de seu corpo. Depois de um longo período nos hos pitais, Noam passou a frequentar um centro de reabilita ção para soldados e casualmente deparou-se com uma qua dra de tênis. O resultado? Medalha de ouro para Israel no tênis em cadeira de rodas individual e medalha de bronze na categoria de duplas, ao lado de seu companheiro Shar ga Wainberg, nos jogos paralímpicos de 2012.

sandra helena Bondarovsky

resenha de livro

móz Oz nasceu em Jerusalém, em 1939, cresceu, na sua infância, du rante a guerra pela independência do Estado de Israel, na luta contra os ingleses e os árabes. Esse período o marcou tanto que dedicou um romance autobiográfico, narrado sob o ponto de vista de um menino de nove anos no ano de 1947: Pantera no porão, publicado em 1995. Tem tradução para o português e foi editado em 1999 pela Companhia das Letras, dirigida por Luiz Schwarcz, que já publicou outros 14 títulos do autor, além desse, aqui resenhado, e Pantera.

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Para os autores, nossa linhagem não é de sangue, mas de texto. Assim, a continuidade judaica é articulada em palavras orais ou escritas sujeitas às inter pretações, aos debates e às discórdias. Os textos hebraicos antigos estão sempre com dois pares fundamentais: pais e filhos; professores e alunos. Na sinagoga, na escola e sobretudo em casa essa interação envolve sempre duas ou três ge rações em conversas profundas. Desde os tempos talmúdicos meninos estuda vam hebraico na escola a partir dos três anos até os 13 (bar-mitsvá), num nível suficiente para ler e escrever. Poucos permaneciam iletrados.

o valor linguagemda

Agora, junto com sua filha Fania Oz-Salzberger, historiadora, nos brinda com Os judeus e as palavras. Trata-se de uma viagem no tempo e no espaço so bre o valor da palavra, ou melhor, da linguagem, para a cultura judaica. É bom lembrar que ambos são nativos de Israel e falantes de hebraico. Mas são judeus seculares. Lembram que os textos judaicos há muito tempo estão disponíveis por escrito. Primeiro em pedra, depois em papiros, pergaminhos e papel. Argu mentam também que, na tradição judaica escrita, todo leitor é revisor de ori ginais e todo aluno um crítico. E isso não é pouco.

Resenha do livro os judeus e as palavras, de Amóz oz e Fania oz-salzberger

A

Os judeus e as palavras, de Amóz Oz e Fania Oz-Salzberger, Companhia das Letras, 2015, 251 páginas, tradução de George Schlesinger.

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damente patriarcal e a gramática hebrai ca notoriamente chauvinista. Em segui da afirmam que as mulheres bíblicas apa recem em todas as idades e formatos, fa zendo um desfile de mulheres ativas, começando por Eva – Mãe de Todo Ser Vivo. Continua com Lilite, Sara, Rebe ca, Raquel e o time de mulheres talen tosas que trouxeram Moisés ao mundo. Saltando dos textos bíblicos para a era pré-moderna aparece a dupla: pão e le tra. As mulheres cuidando do pão e os homens das letras. Ou seja, as mulheres tiveram parte ativa na Bíblia, mas eram mantidas à dis tância do Talmude. E assim permaneceram como quase todas as mulheres das outras culturas até os tempos mo dernos. Assim mesmo, não deixaram de aparecer mulhe res que se destacaram. E lançam a pergunta: “Que outra sociedade tradicional, ponderamos, produziu tantas mulheres documentadas, nomeadas, vocais e obstinadas an tes do início da modernidade?”

Para os autores, a linhagem judaica não é de sangue, mas de texto. Assim, a continuidade judaica é articulada em palavras orais ou escritas sujeitas às interpretações, aos debates e às discórdias.

Em “Mulheres vocais”, o segundo capítulo do livro, estão em sintonia com os acadêmicos modernos que acre ditam que o sentido psicológico e gramatical de O Can to dos Cânticos não foi escrito por Salomão, mas para Sa lomão, o que explicaria o texto altamente erótico no câ none bíblico. Consideram a linguagem bíblica profun

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Professor e aluno, rabi e talmid for maram pares subsequentes tais como: “Moisés recebeu a Torá no Sinai e a pas sou a Josué, e Josué aos anciãos, e os an ciãos aos profetas, e os profetas passaram aos homens da Grande Assembleia”. Esta corrente continuou até a era moderna com Medelssohn, Asher Ginzberg, Ger shom Scholem, Franz Rozenzweig, Mar tin Buber, Emmanuel Levinas, Morde cai Kaplan, Abraham Joshua Heschel e Yeshayhu Leibowitz. As crianças herdam não só a fé, o destino coletivo e a circunci são para os meninos, mas também o início de uma biblio teca. Esse é um encargo pesado para pais e mães.

O passado judaico está fortemente entrelaçado com o passado de outros povos. Somos uma nação com mui to mais história do que geografia, nos encontrando em cada caminho importante na História do Oriente Mé dio e da Europa. Outros povos utilizaram a Bíblia, que é um coquetel de fatos, mitos e tipo de ficção que con tém verdades profundas. Todos puderam beber de Gê nesis, Isaías e Provérbios, que se sustentam incólumes ao fluxo do tempo. O Talmude, por sua vez, tem um sofis ticado senso de parábola e símbolo. A concepção judai ca do tempo não é linear, que marcha para o progresso. A própria língua hebraica dá costas para o futuro e tem a face virada para o passado. Este é o nosso tempo e a nos sa atemporalidade.“Cadapessoatem um nome; ou os judeus precisam do judaísmo?”, seu quarto capítulo, discute extensamen te quando os hebreus ou filhos de Israel se tornaram yehu dim, judeus; tal passagem ocorreu entre a destruição do Primeiro Templo e a construção do Segundo Templo. Res salta-se que o hebraico moderno é definido na Wikipédia como: “Extinta como língua nativa no século IV acc, re vivida nos anos 1880.” Trata-se do maior empreendimen to linguístico dos tempos modernos. O hebraico moderno usa pronúncia sefaradita e sintaxe ídiche alemã. Seu vo cabulário tem bons respingos de russo, alemão, polonês, francês, inglês e árabe. Em compensação, o hebraico deu

• Ou inventaram Deus, então legislaram.

• O que veio antes talvez não saibamos

• Mas eras se passaram, e nisto ainda estão:

• E nada deixando sem debater”.

Relacionam muitas mulheres que se destacaram nas últimas gerações na dianteira do mundo acadêmico, a partir do momento que, já no final do século XIX, foram per mitidas as entradas de judeus e mulheres na universidade.

Sandra Helena Bondarovsky é economista e especialista em de senvolvimento urbano.

• “Os judeus escolheram Deus e pegaram sua lei

resenha de livro /GnotigoriStockphoto.com

• Empenhando raciocínio, não reverência,

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Os judeus e as palavras abre-se, entre suas epígrafes, com:

A reunião de um dos maiores escritores contemporâne os com sua filha historiadora resultou numa narrativa es clarecida, leve sem perder em profundidade e rigor, além de fácil leitura. O valor da palavra lembra que, além da nossa casa, habitamos também a nossa linguagem, daí a importância do estudo hebraico pelas novas gerações.

A conclusão do livro dedica parte significativa ao que chamam de “(...) uma teologia judaica da chutzpá. Ela re side na sutil junção de fé, tendência a discutir e fazer hu mor de si mesmo. E redunda numa reverência especial mente irreverente. Nada é tão sagrado que não mereça uma zombaria ocasional. Você pode rir do rabino, dos an jos e até mesmo do Todo Poderoso”. São inúmeras as ane dotas contadas que mostram o amplo espectro do humor judaico, lembrando que nesse humor vai uma boa dose de autoanálise e, também, um instrumento para enfrentar os momentos difíceis.

às línguas europeias as palavras amém, aleluia, ganef (la drão) e chutzpá (atrevimento, descaramento).

A modernização do antissemitismo

Na economia de Israel o efeito é nulo. O país registra crescimento exponencial nos últimos dez anos, foi pouquíssimo afetado pela crise econômica de 200809, foi recentemente admitido na OCDE e tem renda per capita nivelada com os países da Europa. Tudo isto tendo que

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e m Poucas Palavras

Com dez anos de atraso e trazido pelas improváveis mãos de Caetano Veloso, os judeus do Brasil tomaram conhecimento do BDS (movimento que prega o boico te, o desinvestimento e as sanções contra Israel sob a alegação que é injustificada a presença israelense na Cisjordânia). A carta de Roger Waters (músico genial que em suas músicas prega a derrubada das paredes, um tijolo de cada vez, mas que paradoxalmente ergue barreiras de segu rança em seus shows para segregar os que pagam menos, os que pagam mais e os que pagam ainda mais) a Caetano Ve loso e Gilberto Gil instando os músicos brasileiros a não se apresentar em Israel e a boa resposta de Caetano foram muito divulgadas dentro da comunidade judaica e fora dela. Por elas o Brasil tomou conhe cimento de um movimento que acontece há muitos anos e que produz efeitos diver sificados nas suas várias frentes.

suportar uma guerra continuada e uma significativa parcela da população que não trabalha por motivos ideológicos de fundo religioso.

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As absurdas alegações de apartheid na sociedade israelense também eviden ciam que o BDS não se preocupa com os fatos, mas com a criação de uma pre disposição anti-israelense no mundo. O foco único em Israel como país ocupan te, sem a menor menção à ocupação do

norte de Chipre pela Turquia, do Tibete pela China e da Criméia pela Rússia dei xa evidente que a campanha não é con tra o conceito da ocupação, mas contra a ocupação por Israel. Sendo que em to dos os demais exemplos citados o país ocupante não sofria qualquer ameaça por parte do território ocupado, o que não é o caso de Israel.

Ao longo dos séculos os judeus se acostumaram a sofrer esporadicamente, se bem que com uma frequência muito maior que o razoável, falsas acusações e acusações seletivas. No século 19 foi in ventado um nome para isto: antissemitis mo. O BDS é apenas a mais nova mani festação deste velho e persistente antis semtismo. Como brasileiros ficamos mui to felizes em ver que os nossos músicos estão imunes a ela.

Já para a economia dos territórios pa lestinos o BDS tem efeito negativo. Em presas israelenses que exportam sua pro dução evitam abrir fábricas nos territórios diminuindo as possibilidades de emprego dos palestinos (um exemplo disso é a So dastream, que transferiu sua fábrica de sempregando algumas centenas de pa lestinos – isto não é maldade, é sobrevi vência, pois os empregos dos palestinos estavam condenados quer a empresa se mudasse quer ela deixasse de vender no mundo). É evidente que a depauperação dos palestinos é ruim para Israel do pon to de vista estratégico, mas é ainda pior para os palestinos, que sofrem estratégi ca e Doeconomicamente.pontodevistada colaboração cien tífica e tecnológica o resultado é igual mente nulo. Nos dez anos do BDS Israel manteve intacta a sua cooperação cientí fica com as universidades do mundo e se colocou entre os líderes no fornecimen to de tecnologia embarcada nas grandes cadeias de produção. Hoje em dia é raro o equipamento eletrônico que não tenha uma parte israelense dentro dele.

Resta o aspecto moral, que é onde a campanha colhe os seus únicos e pre ocupantes sucessos. As falsas alega ções do movimento BDS criam uma ima gem muito negativa de Israel aos olhos do mundo, e isto é, evidentemente, muito ruim em todos os sentidos.

O ministro de Serviços Religiosos de Israel, David Azulay, do partido ultraorto doxo sefaradi Shas, declarou no começo

de julho numa entrevista à Radio do Exér cito que “um judeu Reformista, no mo mento em que ele para de praticar a lei Ju daica... eu não posso me permitir de dizer que ele é judeu”. A frase é gramaticalmen te imperfeita, pois foi elaborada de impro viso durante uma entrevista, mas seu sen tido é perfeitamente inteligível por todos: para David Azulay só é judeu quem prati ca as leis que ele considera obrigatórias. Suas declarações provocaram uma enxurrada de reações indignadas, co meçando pela do primeiro-ministro Ne tanyahu que rejeitou o que ele chamou de “considerações ofensivas sobre o ju daísmo Reformista”, passando pelo minis tro Naftali Benet – um ortodoxo moder no – que lamentou as palavras do cole ga de ministério declarando em sua pá gina do Facebook que “todos os judeus são judeus, não importa se reformistas, conservadores, ortodoxos, ultraortodo xos ou seculares” e chegando até os lí deres do movimento Reformista em Isra el e nos NoedelhapEUA. iStockphoto.com

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Santa Ignorância

Santo Photoshop

Já o rabino norte-americano Rick Jaco bs lamentou a ignorância do ministro isra elense e afirmou não entender como uma pessoa pode ser ministro de assuntos re ligiosos e ao mesmo tempo manter uma atitude de ódio e ignorância para com as vertentes liberais do mundo judaico.

Contudo, o ministro Azulay também teve quem o defendesse. O parlamen tar Moshe Gafni do partido ultraorto doxo UTJ (na sigla em inglês) declarou que, apesar de admitir que os Reformis tas são judeus (discordando do ministro neste ponto), ele considera que os Refor mistas “apunhalam a anta Torá pelas cos tas”, que “despedaçam a Torá em peda cinhos” e que são culpados pelas altas taxas de casamentos inter-religiosos nos EUA e no Canadá.

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O ministério de Israel, empossado em março passado, é composto por 23 pes soas, sendo três mulheres – a ministra da Justiça Ayelet Shaked, a ministra da Cul tura Miri Regev e a ministra para a Igual dade de Gêneros Gila Gamliel.

Com toda a certeza se só houvesse uma corrente judaica no mundo o judaís mo já teria desaparecido ou estaria raquí tico para além do que podemos imaginar. O que seria do judaísmo hoje sem a for ça transformadora (e violentamente con

Este último ponto de Gafni é muito in teressante. Ele reflete uma falácia que é endossada por muitos e que é, sem a menor dúvida, fruto da ignorância aludida por Jacobs. Sustentam muitos ultraorto doxos (e alguns ortodoxos também) que se houvesse apenas uma corrente de ju daísmo todos os judeus a seguiriam e não haveria mais nem assimilação nem dúvi das sobre os caminhos a serem trilhados. E isto é uma bobagem monumental!

Os exemplos da controvérsia criati va no judaísmo se sucedem em quanti dade imensamente maior que este espa ço, mas há um ponto adicional na ques tão de que a Reforma provoca a assimila ção: Quem pode em sã consciência as segurar que todos os 15 milhões de ju deus da atualidade prefeririam continuar judeus tendo para isto que abdicar da in teração e dos contatos sociais de amiza de e de amor com não judeus, além de

O rabino israelense Gilad Kariv dis se que, além de condenar as declara ções de seu ministro, o primeiro-ministro Netanyahu deveria “lançar imediatamen te um diálogo estratégico com os líderes dos movimentos não ortodoxos em Israel para estabelecer definitivamente o reco nhecimento da igualdade de status entre todas as correntes religiosas”.

concordar em retirar as mulheres do es paço público (conforme está descrito em outro post desta coluna)? Evidentemen te ninguém pode assegurar isto, sendo muito provável que haveria uma defec ção maciça. Realmente, a certeza abso luta só é atingida pelo caminho da igno rância. Quanto maior uma maior a outra.

Logo após ser nomeado, o ministério pousou para a foto oficial na residência do presidente, que foi publicada por qua se toda a imprensa. Contudo, algumas

testada à época) de Baal Shem Tov e do Chassidismo? O que teria sido perdido sem as controvérsias criativas do Rabi no S. R. Hirsch que criou a ortodoxia mo derna com o lema “Torá im derech eretz” (Torá e um caminho mundano) e do Rabi no Moshé Sofer que criou a ultraortodo xia com o lema “Chadash assur ba Torá” (O novo é proibido pela Torá)?

iStockphoto.com/Palau83

O profeta Micá, num dos textos mais bonitos da Bíblia, ressalta: “Como deve rei me apresentar diante do Eterno, como me prostrarei ante o Deus Altíssimo? De verei fazê-lo com ofertas de elevação... ou com rios de azeite? Devo dar o meu pri mogênito pela minha transgressão, o fru to do meu corpo pelo pecado da minha alma? A ti foi dito, ó homem, o que é bom e o que o Eterno exige de ti somente que saibas agir com justiça, que ames a be nevolência e que caminhes humildemen te com o teu Deus” (Micá / Miquéias 6:68). Com isto o profeta deixa muito claro que Deus não quer oferendas e sim com portamento ético.

Mas nem todos que leram os profetas entenderam a mensagem. Então tivemos

Mais de mil pessoas se reuniram num parque público da cidade de Bet She mesh no dia 18 de junho para testemu nhar uma atividade religiosa, lúdica, ultra passada e “Consagreminútil. para mim todos os pri mogênitos machos. O primeiro fruto de cada útero entre os Israelitas pertence a Mim [Deus], humano ou animal” está es crito em Shemot / Exodus, 13:2. Ou seja, era costume na Antiguidade que os pri mogênitos serviam como sacerdotes. Po rém, este costume foi substituído por uma nova injunção presente no texto da Torá, em Bamidbar / Números 3:12, que com clareza estabelece a revogação do cos

E, como sabemos, os judeus só con seguiram alcançar a cidadania plena e a igualdade graças à democracia. Devería

O que havia então a modificar para tor nar a imagem palatável aos olhares do pú blico ortodoxo? Ora, a própria presença das mulheres! A ultraortodoxia se inco moda com a presença das mulheres na cena pública e faz de tudo para escon dê-las. Um dos jornais simplesmente reti rou as três senhoras da imagem, deixan do dois bizarros buracos entre os minis tros e substituindo a imagem de uma das ministras pela de um membro do partido que publica o jornal. Outro jornal borrou o rosto das senhoras, mas manteve visí veis, talvez por descuido, talvez por algu ma obscura razão haláchica, as pernas descobertas abaixo dos joelhos da mi nistra da Justiça.

O Burrico não falou – que pena!

iStockphoto.com/Pshonka

Este costume parece folclórico quan do se trata apenas de maquiar fotografias, mas é seriíssimo quando confrontado com a intenção que o impulsiona. A construção de uma sociedade machista onde as mu lheres são honradas e respeitadas apenas se ficarem em casa, “no seu lugar”, sem se atrever a participar da cena pública é in compatível com os preceitos de direitos iguais a todos os indivíduos que sustenta as sociedades democráticas.

tume antigo de consagrar os primogêni tos ao sacerdócio.

organizações ultraortodoxas não publica ram a foto oficial e recorreram ao profano (no contexto que é um software desenvol vido por uma equipe onde nem todas as pessoas seguem as mitsvot e que muito provavelmente inclui indianos politeístas) photoshop para “casherizar” a foto.

Não que houvesse nada de escanda loso na pose coletiva. Na verdade, a foto é, como todas as fotos oficiais, essencial mente “bem comportada”. Os homens de terno e um sorriso discreto e as mulheres com sóbrios terninhos femininos e o mes mo sorriso no rosto.

mos ser os primeiros a identificar as ati tudes que podem solapá-la.

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E, apesar do presidente [Obama] ter declarado que qualquer violação faria as sanções voltarem a ter efeito, o acordo

Há um famoso episódio na Torá onde um burrico fala e alerta um vidente char latão sobre a presença de Deus em sua frente, coisa que o vidente não enxerga va, mas que até o burrico via com clare za. Infelizmente em Bet Shemesh o burri co se manteve calado e não alertou ao ra bino sobre as palavras do profeta acerca das oferendas inúteis, a respeito do impe rativo da preservação da dignidade de to dos os humanos e sobre a necessidade de honrar os salários pagos pelo Estado em algo mais útil para a comunidade do que um espetáculo circense.

Embora eu tenha feito apenas uma lei tura preliminar do texto do acordo e, por tanto, ainda não quero tomar posições definitivas, me parece que o Irã terá 24 dias antes de garantir o acesso de ins peções em suas instalações – nenhuma das quais foi desligada ou desmontada –o que vai facilitar incrivelmente eventuais trapaças dos iranianos.

Os jovens ficaram assim sem bar mits vá algum, visto que o Rabinato Ortodoxo não aceita que pessoas com dificuldade de aprendizado leiam da Torá.

Os Estados Unidos e seus aliados fe charam um acordo com o Irã que efeti vamente garante que ele será um Esta do nuclear com mísseis balísticos em dez anos, e isto assumindo que o Irã seguirá os termos do acordo, o que é uma supo sição um tanto improvável.

prevê que a única maneira disto aconte cer é depois de uma comissão da ONU se reunir, concordar que tais violações aconteceram e então impô-las de volta – e todos sabemos que a Rússia jamais permitirá isto.

O Direito ao Desespero

iStockphoto.com/Katsapura

Ou seja, o que os presentes no par que presenciaram foi uma farsa teatral num cenário religioso. O rabino Simchá Hakohen Kook tinha ficado tristemente famoso por ter impedido alunos com di ficuldade de aprendizado de uma esco la pública de Rechovot realizar o seu bar mitsvá, pois ele seria feito em uma sina goga não ortodoxa, o que contraria o re gulamento das escolas públicas de Isra el, que só reconhece como rabinos os re gistrados na Ortodoxia.

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O presidente e o secretário de Estado estão fazendo grandes e falsas louvações para o acordo; o mesmo será feito por to dos os seus signatários, que estão vendo estrelas do Nobel em seus olhos.

o evento em Bet Shemesh, onde um ca sal comprou um burrico, primeiro filho de uma jumenta, e o consagrou para o Ra bino chefe de Rechovot – uma cidade no centro de Israel. O rabino aceitou o bur rico e o devolveu ao casal, que declarou pretender vendê-lo de volta ao dono ori ginal, visto que não tem utilidade alguma para o animal.

Este é um dia infame, e mesmo que não silenciem nem desistam da luta aque les que percebem a nuclearização do Irã como o limiar da ameaça para o resto do 21º século, é apropriado ter um momen to para se desesperar e que nós – os Es tados Unidos e o Ocidente – tenhamos chegado a isto.

Editorial de John Podhoretz, editor da revista Commentary, em 14 de julho, a respeito do acordo entre os Estados Uni dos e o Irã, assinado no dia anterior:

P onte a B erta e iluminada Paulo g eiger

cócegas no raciocínio

para uma nação-abrigo, e sim a consolida ção do direito de cada indivíduo, de cada judeu, de cada grupo de ser parte da hu manidade e de conviver com ela, de con tribuir para ela, de usufruir de suas con quistas. Israel é e sempre será o Estado do povo judeu, seus cidadãos judeus são parte do mesmo povo a que pertencem todos os judeus do mundo. O sionismo, hoje, é o reconhecimento dessa realidade, e a manutenção desse vínculo: um povo só onde quer que esteja, cujo centro é (e sempre foi) Sion, onde hoje existe um Esta do-nação judaico, que também é parte do povo judeu. Lutar contra o antissemitismo é uma causa da humanidade que não deve ser abandonada e substituída pela fuga do antissemitismo. Porque não queremos ser Esparta nem Massada, nem gueto. Em Is rael ou onde for.

Herzl disse que ‘sionismo é o povo ju deu em marcha’. No modelo inicial do sio nismo a nação e o Estado-nação judaicos assimilariam a totalidade do povo judeu.

cobriu como jornalista o caso Dreyfus na França, sabia dos pogroms na Rússia pré -revolucionária. O lugar seguro para os ju deus seria o Estado judeu, e só o Estado judeu. O Holocausto, perpetrado e realiza do pela nação mais ‘civilizada’ da Europa foi um trágico endosso dessa ideia.

Mas será este um modelo preventivo também? Ou seja, na questão existencial a única escolha dos judeus no mundo é entre serem cidadãos de um Estado judai co ou estarem potencialmente ameaçados a perseguições e extermínio, não se sabe onde nem quando?

Independentemente do caso ‘isolado’ dos judeus franceses, que de ameaçados passaram a ser vítimas, e para muitos dos quais esse convite pode ser realmente uma forma de salvação, esse apelo reacende uma questão também estrutural, ideoló gica, que diz respeito ao modelo de (co) existência do povo judeu como cidadão do mundo há dois mil anos, com o povo ju deu como cidadão de Israel, seu Estado -nação há 67 anos, e com o próprio Esta do. O modelo ‘emergencial’ que caracteri za o apelo de Netanyahu explica-se por si mesmo. Já foi usado para os judeus da Eti ópia, dos Bálcãs, da antiga União Soviéti ca, para sobreviventes do Holocausto. Em Entebbe. Se estivesse disponível no início da década de 1940 talvez milhões de ju deus tivessem sido salvos.

Herzl conhecia o antissemitismo numa Eu ropa ‘emancipada’ e ‘iluminista’, ele mes mo fora alvo em Budapeste e em Viena,

O Estado judeu tornou-se realidade, como Estado de seus cidadãos e Esta do da nação judaica (do povo judeu). Não para ser um gueto judaico no mundo, mas como opção voluntária para cada judeu que assim queira, ou como resgate para cada judeu que dele necessite. A preven ção prioritária contra o crescente antisse mitismo não deve ser a fuga precipitada

Recentemente, quando os atentados contra judeus na França deixaram de ser ‘lamentáveis’ eventos ‘isolados’ e co meçaram a configurar um antissemitismo atuante e premeditado, o primeiro-ministro de Israel convocou os judeus franceses a irem em massa para Israel, único lugar no mundo em que as ameaças e os atos con tra judeus e o povo judeu e a nação judai ca podem ser defendidos estruturalmente, maciçamente, até mesmo preventivamente.

iStockphoto.com/Aliaksei_7799

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O século 19 e as ideias libertárias nele engendradas, os direitos do homem e os direitos das nações, os ideais de jus tiça social e de igualdade das diferenças e das minorias parecem ecoar as palavras dos profetas judeus da Antiguidade. Os ju deus saíram do gueto, não para serem as sassinados e perseguidos, como ocorreu em diversas ocasiões, como ocorre hoje na França e até mesmo em Israel, mas para se inserirem como indivíduos e como na ção e como estado na humanidade em ge ral, para contribuírem em suas conquistas, para usufruírem dos mesmos direitos.

Sionismo, hoje, é a visão dessa unida de nacional e planetária, dessa unicidade formada pelo povo judeu no mundo (e in tegrado no mundo) e no Estado judeu, e pelo próprio Estado (como membro ativo e igualitário da família das nações). Não uma visão passiva, mas ativa na preserva ção desse modelo, no combate ao antis semitismo como fenômeno anti-humanida de, uma ponte permanente e aberta e ilu minada entre cada judeu e Israel. Para que possa se pôr ‘em marcha’ sempre que qui ser, ou precisar.

Mas se este é o modelo, se o antisse mitismo no mundo é uma realidade irrepa rável e o único futuro possível para os ju deus é num Estado-nação próprio, capaz de dar-lhe segurança estrutural, a conse quência disso seria uma Esparta judaica, uma nova Massada, fortificada e cerca da de inimigos. Se, como disse Martin Lu ther King, o anti-israelismo é o antissemi tismo voltado contra o Estado judeu, Isra el acabará sendo no plano político o judeu da França hoje, mas, ao contrário deste, não terá para onde ir. Um gueto judaico no mundo. Massada.

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