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Paulo Geiger
Ponte aBerta e iluminada Paulo geiger
Recentemente, quando os atentados contra judeus na França deixaram de ser ‘lamentáveis’ eventos ‘isolados’ e começaram a configurar um antissemitismo atuante e premeditado, o primeiro-ministro de Israel convocou os judeus franceses a irem em massa para Israel, único lugar no mundo em que as ameaças e os atos contra judeus e o povo judeu e a nação judaica podem ser defendidos estruturalmente, maciçamente, até mesmo preventivamente.
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Independentemente do caso ‘isolado’ dos judeus franceses, que de ameaçados passaram a ser vítimas, e para muitos dos quais esse convite pode ser realmente uma forma de salvação, esse apelo reacende uma questão também estrutural, ideológica, que diz respeito ao modelo de (co) existência do povo judeu como cidadão do mundo há dois mil anos, com o povo judeu como cidadão de Israel, seu Estado-nação há 67 anos, e com o próprio Estado. O modelo ‘emergencial’ que caracteriza o apelo de Netanyahu explica-se por si mesmo. Já foi usado para os judeus da Etiópia, dos Bálcãs, da antiga União Soviética, para sobreviventes do Holocausto. Em Entebbe. Se estivesse disponível no início da década de 1940 talvez milhões de judeus tivessem sido salvos.
Mas será este um modelo preventivo também? Ou seja, na questão existencial a única escolha dos judeus no mundo é entre serem cidadãos de um Estado judaico ou estarem potencialmente ameaçados a perseguições e extermínio, não se sabe onde nem quando?
Herzl disse que ‘sionismo é o povo judeu em marcha’. No modelo inicial do sionismo a nação e o Estado-nação judaicos assimilariam a totalidade do povo judeu. Herzl conhecia o antissemitismo numa Europa ‘emancipada’ e ‘iluminista’, ele mesmo fora alvo em Budapeste e em Viena, cobriu como jornalista o caso Dreyfus na França, sabia dos pogroms na Rússia pré-revolucionária. O lugar seguro para os judeus seria o Estado judeu, e só o Estado judeu. O Holocausto, perpetrado e realizado pela nação mais ‘civilizada’ da Europa foi um trágico endosso dessa ideia.
Mas se este é o modelo, se o antissemitismo no mundo é uma realidade irreparável e o único futuro possível para os judeus é num Estado-nação próprio, capaz de dar-lhe segurança estrutural, a consequência disso seria uma Esparta judaica, uma nova Massada, fortificada e cercada de inimigos. Se, como disse Martin Luther King, o anti-israelismo é o antissemitismo voltado contra o Estado judeu, Israel acabará sendo no plano político o judeu da França hoje, mas, ao contrário deste, não terá para onde ir. Um gueto judaico no mundo. Massada.
O século 19 e as ideias libertárias nele engendradas, os direitos do homem e os direitos das nações, os ideais de justiça social e de igualdade das diferenças e das minorias parecem ecoar as palavras dos profetas judeus da Antiguidade. Os judeus saíram do gueto, não para serem assassinados e perseguidos, como ocorreu em diversas ocasiões, como ocorre hoje na França e até mesmo em Israel, mas para se inserirem como indivíduos e como nação e como estado na humanidade em geral, para contribuírem em suas conquistas, para usufruírem dos mesmos direitos.
O Estado judeu tornou-se realidade, como Estado de seus cidadãos e Estado da nação judaica (do povo judeu). Não para ser um gueto judaico no mundo, mas como opção voluntária para cada judeu que assim queira, ou como resgate para cada judeu que dele necessite. A prevenção prioritária contra o crescente antissemitismo não deve ser a fuga precipitada para uma nação-abrigo, e sim a consolidação do direito de cada indivíduo, de cada judeu, de cada grupo de ser parte da humanidade e de conviver com ela, de contribuir para ela, de usufruir de suas conquistas. Israel é e sempre será o Estado do povo judeu, seus cidadãos judeus são parte do mesmo povo a que pertencem todos os judeus do mundo. O sionismo, hoje, é o reconhecimento dessa realidade, e a manutenção desse vínculo: um povo só onde quer que esteja, cujo centro é (e sempre foi) Sion, onde hoje existe um Estado-nação judaico, que também é parte do povo judeu. Lutar contra o antissemitismo é uma causa da humanidade que não deve ser abandonada e substituída pela fuga do antissemitismo. Porque não queremos ser Esparta nem Massada, nem gueto. Em Israel ou onde for.
Sionismo, hoje, é a visão dessa unidade nacional e planetária, dessa unicidade formada pelo povo judeu no mundo (e integrado no mundo) e no Estado judeu, e pelo próprio Estado (como membro ativo e igualitário da família das nações). Não uma visão passiva, mas ativa na preservação desse modelo, no combate ao antissemitismo como fenômeno anti-humanidade, uma ponte permanente e aberta e iluminada entre cada judeu e Israel. Para que possa se pôr ‘em marcha’ sempre que quiser, ou precisar.




