
8 minute read
Stephane Beder
ser judeu na frança em 2015
stephane Beder
Advertisement
Em janeiro deste ano aconteceram em Paris dois ataques que chocaram o mundo. E o que aprendemos? Qual é realmente a situação dos judeus na França hoje em dia? Claramente estamos vivenciando um daqueles raros momentos da história em que percebemos um antes e um depois. Os acontecimentos de janeiro de 2015 foram decisivos para a percepção e a compreensão da situação, assim como dos perigos que ameaçam nossas democracias.
O fato é que até o ano passado havia o consenso de que, embora lamentavelmente, o conflito no Oriente Médio “logicamente” gerava tensões entre comunidades na França, e parecia que este era o preço lógico a ser pago pelo fato de a França abrigar uma das maiores populações judaicas do mundo (estimada entre 500 mil e 600 mil pessoas) e uma das maiores populações muçulmanas (estimada em cerca de seis milhões de pessoas).
Por isso os ataques contra judeus perpetrados por jovens muçulmanos eram caracterizados como choques entre comunidades, jogando agressores e vítimas uns contra os outros.
Mas a mensagem que os judeus vinham tentando transmitir o tempo todo – “nós somos apenas as primeiras vítimas de pessoas que odeiam a França e a democracia como um todo” – só se tornou óbvia em janeiro do ano passado.
A simultaneidade do ataque contra o Charlie Hebdo, a representação da imprensa livre, e contra o Hypercasher, mercado casher, símbolo da comunidade A simultaneidade do ataque contra o Charlie Hebdo, a representação da imprensa livre, e contra o Hypercasher, mercado casher, símbolo da comunidade judaica, ilustra a realidade de que os ataques contra os judeus são apenas parte de ataques sistemáticos contra a democracia.
As fotografias deste artigo são do bairro judaico do Marais, Paris.
judaica, ilustra a realidade de que os ataques contra os judeus são apenas parte de ataques sistemáticos contra a democracia.
Tem havido uma grande preocupação em não condenar ao ostracismo os muçulmanos que já sofrem de várias formas de racismo no dia a dia. Este esforço legítimo também levou a muita negação e complacência, especialmente vindo de boa parte dos partidos de esquerda e de extrema esquerda, e entre os movimentos altermundialistas e antirracistas. Ironicamente, isto fez com que a vida dos muçulmanos moderados, não extremistas, que vinham sofrendo bullying por parte de islamistas radicais, ficasse bem mais difícil. O Imã de Drancy, subúrbio de Paris, declarou há tempo, com toda transparência, que o ódio a Israel e aos judeus não tinha como ser justificado pelo Islã, e que havia necessidade de um verdadeiro entendimento, com a promoção de iniciativas inter-religiosas. Ele passou a ser um alvo importante para os grupos islamistas, e desde então passou a se fazer acompanhar por guarda-costas.
Há um grupo de jovens muçulmanos franceses desvinculados, com raízes na África do Norte, que não se integraram bem na França e são muito receptivos à narrativa de vitimização. Sua vida é miserável e sem boas perspectivas para o futuro, enquanto outros ao seu lado têm uma vida muito melhor. E os extremistas atribuem todos os seus problemas aos sionistas. Tipicamente as pessoas mais receptivas a esta conversa não tem instrução política, religiosa ou acadêmica. Uns tantos demagogos cínicos conseguiram manipulá-los com muita facilidade para que se identificassem com os palestinos, usando uma mistura de antissemitismo e teoria da conspiração.
As prisões revelaram-se incubadoras incríveis de jihadistas em potencial. Ali jovens pouco instruídos encontraram mentores em quem se inspirar, o que é especialmente verdadeiro para aqueles que decidiram converter-se ao Islã enquanto cumpriam pena. Uma vez corretamente identificadas como celeiros, as prisões deveriam tornar-se uma área de atenção em todo o mundo, embora encontrar a resposta adequada ao problema não seja tarefa fácil.
A outra área que nos deve causar preocupação especial também é global – a internet. A sensação de proteção trazi-
Não se trata mais de da pelo anonimato e pelo distanciamento um debate de ideias e sim de um simples levou os operadores mais cruéis a perverter as redes sociais especialmente para lançar campanhas de ódio contra os judeus e desejo de ferir e recrutar jihadistas em potencial. ofender pessoas por As autoridades francesas, começando elas serem o que são, com o atual presidente e o primeiro-miem oposição a fazê- nistro, não poderiam ser mais transparentes em seu desejo de lutar contra o antis-lo pelo que pensam semitismo. Em recente discurso aberto, o ou fazem. Esta é uma primeiro-ministro disse que qualquer atadiferença essencial que contra judeus franceses é um ataque que para muitos passa contra a França e não será tolerado. despercebida. Foi criado um departamento especial da polícia para combater ações racistas e antissemitas na internet. Não podemos esquecer que a França tem leis muito severas e que são cumpridas à risca contra discursos de ódio, incluindo a negação da Shoá. Um ex-professor voltou a ser condenado a um ano de prisão depois de seu recurso do dia 17 de junho por ter postado este tipo de vídeo no Youtube. O antissemitismo atual na França nada tem a ver com trágicos acontecimentos passados (o affair Dreyfus, o regime de Vichy etc.). Na verdade, se levarmos em conta o seu passado trágico, a França ainda tem o antissemitismo como o tabu máximo (pesa mais do que a liberdade de expressão, por isso o governo cancelou shows de um comediante antissemita chamado Dieudonne, baniu manifestações pró-Hamas e agiu contra postagens antissemitas no Twitter). Este é na verdade um dos desafios em que precisamos nos deter: há algumas sutilezas essenciais para definirmos o secularismo na França. É perfeitamente admissível pela lei e para a sociedade (e também muito valorizado por todos os intelectuais) questionar, criticar e zombar de qualquer ideologia filosófica, política e religiosa. Isto vem a ser quase que um princípio para a independência de pensamento, e referências ao Iluminismo encontram fontes em algumas formas de anticlericalismo. É por aí que as caricaturas do Charlie Hebdo são vistas como uma base fundamental e saudável da nossa sociedade livre quer estejam zombando de Moisés, Jesus ou Maomé, o que é muito diferente de bradar contra judeus e/ou muçulmanos enquanto comunidades. Aqui já não se trata mais de um debate de ideias e sim de um simples desejo de ferir e ofender pesso-
as por elas serem o que são, em oposição a fazê-lo pelo que pensam ou fazem. Esta é uma diferença essencial que para muitos passa despercebida.
É comum a atitude que tenta estabelecer um paralelo entre as caricaturas do profeta e o pseudocomediante negativista. E a pergunta então vem a ser: Por que é aceitável fazer piada com os muçulmanos, mas não com os judeus? Obviamente precisaríamos de algo mais do que a tradicional interpretação generalizada de liberdade de expressão para responder; e nestes tempos de comunicação imediata não é fácil fazer-se ouvir com uma resposta complexa a uma pergunta enviesada.
Falando de comunicação, ao visitar a França poucos dias depois do ataque o primeiro-ministro de Israel causou o maior rebuliço ao convidar os judeus da França a se mudarem para Israel. Muita gente achou que este convite era uma espécie de vitória para os terroristas, levando a ideia de um possível desaparecimento da presença judaica na França. A nossa opinião, muito simples, e que defendemos energicamente, é que os judeus deveriam estar seguros em qualquer lugar onde decidam estabelecer-se, e uma das funções dos políticos e governantes é fazer com que isso aconteça. “O racismo é a mais Os comentários de Netanyahu tivegrave ameaça do homem ao homem – o ram muito eco, não só porque foram feitos durante a última campanha eleitoral em Israel, mas também porque pareciam máximo de ódio para de alguma maneira ter o apoio da intensa o mínimo de razão” aceleração do número de judeus franceses (Abraham Joshua fazendo aliá nestes últimos meses. Toda Heschel). decisão neste sentido é complexa e sofre a influência de múltiplos fatores, entre os quais os mais importantes costumam ser o ambiente econômico e fiscal, paralelamente a situações pessoais e familiares. É certo que a sensação de segurança ou de falta de segurança tem um peso, mas dar a ela o papel de ser o motivo central ou único para as pessoas fazerem aliá está longe de ser verdade. A cobertura dos ataques antissemita na mídia muitas vezes estabeleceu paralelos com a Segunda Guerra Mundial (por exemplo, Kristallnacht em Paris). Permitam-me esclarecer: Estamos falando de acontecimentos muito ruins e muito sérios, mas a situação está muito longe do panorama apocalíptico em que se pode acreditar ao ouvir a CNN. Não posso deixar de pensar nos meus amigos israelenses que me explicam que a vida continua até mesmo quando ouvem as sirenes de alerta várias vezes ao dia. Hoje em dia na França os restaurantes casher são muito concorridos e animados. A população de modo geral,
o Judiciário, a polícia e o governo têm o compromisso de não permitir que os ataques contra os judeus continuem. Assim, a pergunta que mais ouço dos meus amigos que não vivem na França é: O que podemos fazer?
Algumas sugestões concretas:
Venha, visite e apoie o judaísmo reformista na França. Temos umas tantas sinagogas espalhadas pelo país, com comunidades crescentes, sem recursos suficientes, e nos faltam rabinos com conhecimento do nosso idioma.
Em face das dificuldades atuais, muitos judeus acabam tentados a radicalizar também, e o judaísmo reformista oferece uma oportunidade única de construir pontes, mantendo a razão e a sabedoria como guia de nossas ações.
Num shabat recente, uma de nossas sinagogas ofereceu um prêmio de paz à mãe de um dos soldados assassi-
A cobertura dos nados em Toulouse pelo mesmo terrorisataques antissemita na mídia muitas vezes ta que atacou a escola judaica: Latifa Ibn Zaten, uma muçulmana que incansavelmente visita escolas e prisões em comuestabeleceu paralelos nidades onde se encontra especialmente com a Segunda Guerra com os jovens para explicar as consequênMundial. Estamos falando cias do extremismo e deixar uma poderode acontecimentos muito sa mensagem de fraternidade. Lembrei-me das palavras de Abraham ruins e muito sérios, Joshua Heschel ao rezarmos juntos dumas a situação está rante o serviço religioso de Cabalat Shamuito longe do panorama bat: “O racismo é a mais grave ameaça do apocalíptico em que homem ao homem – o máximo de ódio se pode acreditar ao para o mínimo de razão”. ouvir a CNN. Stephane Beder é presidente da Federação dos Judeus Liberais de Fala Francesa (organização que representa comunidades liberais na França, Suíça, Bélgica e em Luxemburgo), vice-presidente da EUPJ – União Europeia do Judaísmo Progressista – e membro do comitê executivo da WUPJ – União Mundial do Judaísmo Progressista.

