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Em poucas palavras

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Paulo Geiger

Paulo Geiger

A modernização do antissemitismo

Com dez anos de atraso e trazido pelas improváveis mãos de Caetano Veloso, os judeus do Brasil tomaram conhecimento do BDS (movimento que prega o boicote, o desinvestimento e as sanções contra Israel sob a alegação que é injustificada a presença israelense na Cisjordânia). A carta de Roger Waters (músico genial que em suas músicas prega a derrubada das paredes, um tijolo de cada vez, mas que paradoxalmente ergue barreiras de segurança em seus shows para segregar os que pagam menos, os que pagam mais e os que pagam ainda mais) a Caetano Veloso e Gilberto Gil instando os músicos brasileiros a não se apresentar em Israel e a boa resposta de Caetano foram muito divulgadas dentro da comunidade judaica e fora dela. Por elas o Brasil tomou conhecimento de um movimento que acontece há muitos anos e que produz efeitos diversificados nas suas várias frentes.

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Na economia de Israel o efeito é nulo. O país registra crescimento exponencial nos últimos dez anos, foi pouquíssimo afetado pela crise econômica de 200809, foi recentemente admitido na OCDE e tem renda per capita nivelada com os países da Europa. Tudo isto tendo que

suportar uma guerra continuada e uma significativa parcela da população que não trabalha por motivos ideológicos de fundo religioso.

Já para a economia dos territórios palestinos o BDS tem efeito negativo. Empresas israelenses que exportam sua produção evitam abrir fábricas nos territórios diminuindo as possibilidades de emprego dos palestinos (um exemplo disso é a Sodastream, que transferiu sua fábrica desempregando algumas centenas de palestinos – isto não é maldade, é sobrevivência, pois os empregos dos palestinos estavam condenados quer a empresa se mudasse quer ela deixasse de vender no mundo). É evidente que a depauperação dos palestinos é ruim para Israel do ponto de vista estratégico, mas é ainda pior para os palestinos, que sofrem estratégica e economicamente.

Do ponto de vista da colaboração científica e tecnológica o resultado é igualmente nulo. Nos dez anos do BDS Israel manteve intacta a sua cooperação científica com as universidades do mundo e se colocou entre os líderes no fornecimento de tecnologia embarcada nas grandes cadeias de produção. Hoje em dia é raro o equipamento eletrônico que não tenha uma parte israelense dentro dele.

Resta o aspecto moral, que é onde a campanha colhe os seus únicos e preocupantes sucessos. As falsas alegações do movimento BDS criam uma imagem muito negativa de Israel aos olhos do mundo, e isto é, evidentemente, muito ruim em todos os sentidos.

As absurdas alegações de apartheid na sociedade israelense também evidenciam que o BDS não se preocupa com os fatos, mas com a criação de uma predisposição anti-israelense no mundo. O foco único em Israel como país ocupante, sem a menor menção à ocupação do norte de Chipre pela Turquia, do Tibete pela China e da Criméia pela Rússia deixa evidente que a campanha não é contra o conceito da ocupação, mas contra a ocupação por Israel. Sendo que em todos os demais exemplos citados o país ocupante não sofria qualquer ameaça por parte do território ocupado, o que não é o caso de Israel.

Ao longo dos séculos os judeus se acostumaram a sofrer esporadicamente, se bem que com uma frequência muito maior que o razoável, falsas acusações e acusações seletivas. No século 19 foi inventado um nome para isto: antissemitismo. O BDS é apenas a mais nova manifestação deste velho e persistente antissemtismo. Como brasileiros ficamos muito felizes em ver que os nossos músicos estão imunes a ela.

Santa Ignorância

O ministro de Serviços Religiosos de Israel, David Azulay, do partido ultraortodoxo sefaradi Shas, declarou no começo de julho numa entrevista à Radio do Exército que “um judeu Reformista, no momento em que ele para de praticar a lei Judaica... eu não posso me permitir de dizer que ele é judeu”. A frase é gramaticalmente imperfeita, pois foi elaborada de improviso durante uma entrevista, mas seu sentido é perfeitamente inteligível por todos: para David Azulay só é judeu quem pratica as leis que ele considera obrigatórias.

Suas declarações provocaram uma enxurrada de reações indignadas, começando pela do primeiro-ministro Netanyahu que rejeitou o que ele chamou de “considerações ofensivas sobre o judaísmo Reformista”, passando pelo ministro Naftali Benet – um ortodoxo moderno – que lamentou as palavras do colega de ministério declarando em sua página do Facebook que “todos os judeus são judeus, não importa se reformistas, conservadores, ortodoxos, ultraortodoxos ou seculares” e chegando até os líderes do movimento Reformista em Israel e nos EUA.

Noedelhap /iStockphoto.com

O rabino israelense Gilad Kariv disse que, além de condenar as declarações de seu ministro, o primeiro-ministro Netanyahu deveria “lançar imediatamente um diálogo estratégico com os líderes dos movimentos não ortodoxos em Israel para estabelecer definitivamente o reconhecimento da igualdade de status entre todas as correntes religiosas”.

Já o rabino norte-americano Rick Jacobs lamentou a ignorância do ministro israelense e afirmou não entender como uma pessoa pode ser ministro de assuntos religiosos e ao mesmo tempo manter uma atitude de ódio e ignorância para com as vertentes liberais do mundo judaico.

Contudo, o ministro Azulay também teve quem o defendesse. O parlamentar Moshe Gafni do partido ultraortodoxo UTJ (na sigla em inglês) declarou que, apesar de admitir que os Reformistas são judeus (discordando do ministro neste ponto), ele considera que os Reformistas “apunhalam a anta Torá pelas costas”, que “despedaçam a Torá em pedacinhos” e que são culpados pelas altas taxas de casamentos inter-religiosos nos EUA e no Canadá.

Este último ponto de Gafni é muito interessante. Ele reflete uma falácia que é endossada por muitos e que é, sem a menor dúvida, fruto da ignorância aludida por Jacobs. Sustentam muitos ultraortodoxos (e alguns ortodoxos também) que se houvesse apenas uma corrente de judaísmo todos os judeus a seguiriam e não haveria mais nem assimilação nem dúvidas sobre os caminhos a serem trilhados. E isto é uma bobagem monumental!

Com toda a certeza se só houvesse uma corrente judaica no mundo o judaísmo já teria desaparecido ou estaria raquítico para além do que podemos imaginar. O que seria do judaísmo hoje sem a força transformadora (e violentamente contestada à época) de Baal Shem Tov e do Chassidismo? O que teria sido perdido sem as controvérsias criativas do Rabino S. R. Hirsch que criou a ortodoxia moderna com o lema “Torá im derech eretz” (Torá e um caminho mundano) e do Rabino Moshé Sofer que criou a ultraortodoxia com o lema “Chadash assur ba Torá” (O novo é proibido pela Torá)?

Os exemplos da controvérsia criativa no judaísmo se sucedem em quantidade imensamente maior que este espaço, mas há um ponto adicional na questão de que a Reforma provoca a assimilação: Quem pode em sã consciência assegurar que todos os 15 milhões de judeus da atualidade prefeririam continuar judeus tendo para isto que abdicar da interação e dos contatos sociais de amizade e de amor com não judeus, além de concordar em retirar as mulheres do espaço público (conforme está descrito em outro post desta coluna)? Evidentemente ninguém pode assegurar isto, sendo muito provável que haveria uma defecção maciça. Realmente, a certeza absoluta só é atingida pelo caminho da ignorância. Quanto maior uma maior a outra.

Santo Photoshop

O ministério de Israel, empossado em março passado, é composto por 23 pessoas, sendo três mulheres – a ministra da Justiça Ayelet Shaked, a ministra da Cultura Miri Regev e a ministra para a Igualdade de Gêneros Gila Gamliel.

Logo após ser nomeado, o ministério pousou para a foto oficial na residência do presidente, que foi publicada por quase toda a imprensa. Contudo, algumas

organizações ultraortodoxas não publicaram a foto oficial e recorreram ao profano (no contexto que é um software desenvolvido por uma equipe onde nem todas as pessoas seguem as mitsvot e que muito provavelmente inclui indianos politeístas) photoshop para “casherizar” a foto.

Não que houvesse nada de escandaloso na pose coletiva. Na verdade, a foto é, como todas as fotos oficiais, essencialmente “bem comportada”. Os homens de terno e um sorriso discreto e as mulheres com sóbrios terninhos femininos e o mesmo sorriso no rosto.

O que havia então a modificar para tornar a imagem palatável aos olhares do público ortodoxo? Ora, a própria presença das mulheres! A ultraortodoxia se incomoda com a presença das mulheres na cena pública e faz de tudo para escondê-las. Um dos jornais simplesmente retirou as três senhoras da imagem, deixando dois bizarros buracos entre os ministros e substituindo a imagem de uma das ministras pela de um membro do partido que publica o jornal. Outro jornal borrou o rosto das senhoras, mas manteve visíveis, talvez por descuido, talvez por alguma obscura razão haláchica, as pernas descobertas abaixo dos joelhos da ministra da Justiça.

Este costume parece folclórico quando se trata apenas de maquiar fotografias, mas é seriíssimo quando confrontado com a intenção que o impulsiona. A construção de uma sociedade machista onde as mulheres são honradas e respeitadas apenas se ficarem em casa, “no seu lugar”, sem se atrever a participar da cena pública é incompatível com os preceitos de direitos iguais a todos os indivíduos que sustenta as sociedades democráticas.

E, como sabemos, os judeus só conseguiram alcançar a cidadania plena e a igualdade graças à democracia. Deveríamos ser os primeiros a identificar as atitudes que podem solapá-la.

O Burrico não falou – que pena!

Mais de mil pessoas se reuniram num parque público da cidade de Bet Shemesh no dia 18 de junho para testemunhar uma atividade religiosa, lúdica, ultrapassada e inútil.

“Consagrem para mim todos os primogênitos machos. O primeiro fruto de cada útero entre os Israelitas pertence a Mim [Deus], humano ou animal” está escrito em Shemot / Exodus, 13:2. Ou seja, era costume na Antiguidade que os primogênitos serviam como sacerdotes. Porém, este costume foi substituído por uma nova injunção presente no texto da Torá, em Bamidbar / Números 3:12, que com clareza estabelece a revogação do costume antigo de consagrar os primogênitos ao sacerdócio.

O profeta Micá, num dos textos mais bonitos da Bíblia, ressalta: “Como deverei me apresentar diante do Eterno, como me prostrarei ante o Deus Altíssimo? Deverei fazê-lo com ofertas de elevação... ou com rios de azeite? Devo dar o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo pelo pecado da minha alma? A ti foi dito, ó homem, o que é bom e o que o Eterno exige de ti somente que saibas agir com justiça, que ames a benevolência e que caminhes humildemente com o teu Deus” (Micá / Miquéias 6:68). Com isto o profeta deixa muito claro que Deus não quer oferendas e sim comportamento ético.

Mas nem todos que leram os profetas entenderam a mensagem. Então tivemos

o evento em Bet Shemesh, onde um casal comprou um burrico, primeiro filho de uma jumenta, e o consagrou para o Rabino chefe de Rechovot – uma cidade no centro de Israel. O rabino aceitou o burrico e o devolveu ao casal, que declarou pretender vendê-lo de volta ao dono original, visto que não tem utilidade alguma para o animal.

Ou seja, o que os presentes no parque presenciaram foi uma farsa teatral num cenário religioso. O rabino Simchá Hakohen Kook tinha ficado tristemente famoso por ter impedido alunos com dificuldade de aprendizado de uma escola pública de Rechovot realizar o seu bar mitsvá, pois ele seria feito em uma sinagoga não ortodoxa, o que contraria o regulamento das escolas públicas de Israel, que só reconhece como rabinos os registrados na Ortodoxia.

Os jovens ficaram assim sem bar mitsvá algum, visto que o Rabinato Ortodoxo não aceita que pessoas com dificuldade de aprendizado leiam da Torá.

Há um famoso episódio na Torá onde um burrico fala e alerta um vidente charlatão sobre a presença de Deus em sua frente, coisa que o vidente não enxergava, mas que até o burrico via com clareza. Infelizmente em Bet Shemesh o burrico se manteve calado e não alertou ao rabino sobre as palavras do profeta acerca das oferendas inúteis, a respeito do imperativo da preservação da dignidade de todos os humanos e sobre a necessidade de honrar os salários pagos pelo Estado em algo mais útil para a comunidade do que um espetáculo circense.

O Direito ao Desespero

Editorial de John Podhoretz, editor da revista Commentary, em 14 de julho, a respeito do acordo entre os Estados Unidos e o Irã, assinado no dia anterior:

Os Estados Unidos e seus aliados fecharam um acordo com o Irã que efetivamente garante que ele será um Estado nuclear com mísseis balísticos em dez anos, e isto assumindo que o Irã seguirá os termos do acordo, o que é uma suposição um tanto improvável.

Embora eu tenha feito apenas uma leitura preliminar do texto do acordo e, portanto, ainda não quero tomar posições definitivas, me parece que o Irã terá 24 dias antes de garantir o acesso de inspeções em suas instalações – nenhuma das quais foi desligada ou desmontada – o que vai facilitar incrivelmente eventuais trapaças dos iranianos.

E, apesar do presidente [Obama] ter declarado que qualquer violação faria as sanções voltarem a ter efeito, o acordo prevê que a única maneira disto acontecer é depois de uma comissão da ONU se reunir, concordar que tais violações aconteceram e então impô-las de volta – e todos sabemos que a Rússia jamais permitirá isto.

O presidente e o secretário de Estado estão fazendo grandes e falsas louvações para o acordo; o mesmo será feito por todos os seus signatários, que estão vendo estrelas do Nobel em seus olhos.

Este é um dia infame, e mesmo que não silenciem nem desistam da luta aqueles que percebem a nuclearização do Irã como o limiar da ameaça para o resto do 21º século, é apropriado ter um momento para se desesperar e que nós – os Estados Unidos e o Ocidente – tenhamos chegado a isto.

Katsapura / iStockphoto.com

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