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Bernardo Kopstein Schanz
dor e esPerança
Um retrato do esporte paralímpico em Israel
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Bernardo Kopstein schanz
Durante o ano de 2013, tive a oportunidade de fazer uma especialização na área de “necessidades especiais”, inserida no currículo dos estudos de Educação Física da Faculdade Seminar HaKibutzim, em Tel Aviv. Foi a primeira vez que senti e vivi de perto a realidade de um portador de deficiência.
Naquela ocasião, o contato maior foi com jovens e adolescentes portadores de paralisia cerebral. Frequentei durante um ano uma das mais impressionantes escolas que tive a oportunidade de conhecer na vida: Venezuela Kalisher, localizada em Tel Aviv, é uma escola voltada a crianças e jovens com paralisia cerebral e outras síndromes neurológicas que têm como consequência a limitação das atividades motoras e cognitivas. Acompanhei e guiei uma pequena e maravilhosa turma de cinco alunos da quarta série e um jovem de 20 anos.
Acompanhar e viver o mundo dos esportes sempre foi parte inseparável de minha vida, e a experiência no Venezuela Kalisher e naquele específico ano de cursos na faculdade me despertou o interesse em uma área que até então era totalmente desconhecida: o esporte “adaptado” ou esporte para pessoas portadoras de deficiência. Presenciei um jogo de basquete sobre cadeira de rodas e tive a oportunidade de jogar por alguns minutos. Era o que faltava para passar a admirar esse novo “universo” e em especial a todos os esportistas.
Foram alguns dias de curiosidade e muitas horas buscando por vídeos de competições nas mais diferentes modalidades e categorias de esportes para portadores de deficiência. Precisava ver todos e entender exatamente como funcionavam. Desde o vôlei sentado, praticado por portadores de deficiência física, passando pelo rugby em cadeira de rodas até chegar na bocha, disputada, en-
Ao centro da foto, Noam Gershoni, medalha de ouro no tênis em cadeira de rodas individual e medalha de bronze na categoria de duplas nos Jogos Paralímpicos de 2012.
tre outros, por portadores de paralisia cerebral que competem, muitas vezes, utilizando a boca como instrumento para arremessar a bola.
Em todo esporte competitivo, seja ele qual for, a superação é peça-chave na performance do atleta, no esporte paralímpico, no entanto, a superação acompanha o atleta mesmo antes da performance. O atleta, por si só, já é um grande herói.
Tinha a convicção de que o esporte paralímpico israelense era insignificante no cenário nacional e que fatalmente nenhum grande tipo de incentivo ou estímulo era dado a essa área. Errei. O esporte paralímpico é inclusive mais “representativo” que o esporte convencional. Israel tem, em jogos paralímpicos, uma quantidade muito maior de medalhas (veja o quadro) do que em jogos olímpicos.
O Comitê Paralímpico trabalha em paralelo ao Comitê Olímpico Israelense e é responsável pela participação de atletas em torneios locais, campeonatos europeus, mundiais e jogos paralímpicos. O Comitê Paralímpico trabalha com 20 diferentes modalidades esportivas, tanto em âmbito nacional, organizando torneios locais, quanto em âmbito internacional, preparando atletas para campeonatos mundiais e os jogos paralímpicos propriamente ditos.
As 20 modalidades esportivas são: Ciclismo, Badminton, Bocha, Judô, Tiro com arco, Tênis de cadeira de rodas, Triathlon, Rugbi de cadeira de rodas, Tênis, Tiro esportivo, Natação, Atletismo, Tênis de mesa, Levantamento de peso, Caiaque, Esgrima, Remo, Basquete em cadeira de rodas, Goal ball e Hipismo.
Junto ao Comitê, trabalham sete grandes e exemplares organizações: “Nechei Tzahal” (Desabilitados do Exército), “Ilan”, “Etgarim” (Desafios), “Centro de Esportes dos Desabilitados de Rishon leTzion”, “Promoção do Esporte de Ashdod”, “Centro Educacional dos Cegos” e a “Companhia dos Centros Comunitários”.
Os para-atletas israelenses se dividem em cinco diferentes tipos de deficiências: amputados, paralisados, portadores de paralisia cerebral, cegos ou portadores de deficiência visual e portadores de deficiências motoras variadas.
São tantas histórias, tantos exemplos, tantas vidas que receberam um significado diferente e extraordinário através do paradesporto que fica muito difícil selecionar algumas que sirvam de exemplo. Cada atleta possui uma história e certamente cada uma delas poderia ser contada em livro e cada livro poderia ser um best-seller. Apesar da imensa dificuldade, selecionei duas histórias que representam, de certa forma, o esporte paralímpico israelense como um todo.

À direita da foto, Doron Shaziri, atual campeão europeu de tiro esportivo e possuidor de seis medalhas paralímpicas, três de prata e três de bronze.

Noam Gershoni, de 29 anos, foi piloto de helicóptero de combate durante a segunda guerra do Líbano. Em uma colisão de helicópteros da própria força aérea israelense, acidentou-se gravemente e teve fraturas em grande parte de seu corpo. Depois de um longo período nos hospitais, Noam passou a frequentar um centro de reabilitação para soldados e casualmente deparou-se com uma quadra de tênis. O resultado? Medalha de ouro para Israel no tênis em cadeira de rodas individual e medalha de bronze na categoria de duplas, ao lado de seu companheiro Sharga Wainberg, nos jogos paralímpicos de 2012.
Após os jogos paralímpicos, Gershoni decidiu que o tênis seria apenas o seu hobby, e agora pratica o esporte apenas por lazer.
Doron Shaziri tem 47 anos e chegou ao Tiro esportivo de uma forma nada convencional. Ele servia o exército como atirador de elite em 1987 quando, durante uma operação, pisou numa mina e acabou tendo uma das pernas amputadas. A partir daquele momento, passou a dedicar sua vida a duas causas: o tiro esportivo e a “comodidade” de outros portadores de deficiência, importando e fabricando novas e diferenciadas cadeiras de rodas.
Shaziri tem na carreira uma enorme quantidade de conquistas. Além de ser o atual campeão europeu da categoria, conquistou nada menos que seis medalhas paralímpicas, sendo três de prata e três de bronze. Ele treina no Beit haLochem (Casa do Combatente), filiada à Nechei Tzahal.
Assim como nos Jogos Olímpicos, a maioria dos países do mundo está também representada nos jogos paralímpicos, então o que há de tão especial? O que nos diferencia de todos os outros? A resposta para estas perguntas é uma mescla inseparável de orgulho, tristeza e esperança. Uma grande parte dos atletas paralímpicos israelenses são oriundos de guerras. São pessoas que dedicaram suas vidas à manutenção do país e sofreram graves ferimentos, mas encontraram no esporte uma excelente razão para seguir lutando.
Israel pode, sem sombra de dúvidas, se orgulhar pelo suporte, pelas condições e pelo investimento que faz com seus para-atletas, mas a esperança de medalhas nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, no ano que vem, certamente se confunde com o sonho de que, daqui a cinco anos, nos jogos do Japão, tenhamos bem menos para-atletas como Noam e Doron.
Medalhas de Israel desde as Paralimpíadas de 1992: Ano Ouro Total 1992 2 13 1996 0 9 2000 3 6 2004 4 13 2008 0 6 2012 1 8
Bernardo Kopstein Schanz é formado em Educação Física pela faculdade Seminar HaKibutzim de Tel Aviv. Atualmente é gerente de produtos na start-up israelense 90min.com. No Brasil, foi membro do Habonim Dror, onde ocupou cargos de liderança no movimento juvenil em Porto Alegre.