Devarim 38 (ano 14, abril 2019)

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NADA MAIS SAMÊACH! Rabino Sérgio Margulies

O

s eventos que descrevem a narrativa de Pessach começam com a anulação da história, conforme as palavras da Torá: “E um novo rei – que não conhecera Iossef [José] – se levantou sobre o Egito”. Iossef, que foi o segundo homem mais poderoso do Egito antigo e administrou os anos de fartura e de penúria, tornou-se desconhecido. Foi esquecido como se nunca tivesse existido. Este novo rei – um Faraó que de modo similar a tantos outros faraós – considerava-se divindade. Antes de deus1 nada poderia existir, senão somente deus (ou deuses). O Faraó, assim, anula a história prévia: o anterior a ele era desconhecido, como se inexistente ou irrelevante. A anulação da história é acompanhada do aniquilamento da memória. Isto destitui o senso de humanidade, pois tal como um indivíduo desprovido de sua memória perde a identidade e a capacidade de constituir vínculos, um povo sem memória fica desumanizado. Assim, a escravidão – na perversa ótica do Faraó – é coerente ao tratar desumanamente com os humanos desumanizados. O Faraó como divindade coloca-se além da condição humana. Neste processo a relação transcorre entre o escravocrata desumanizado e o escravizado desumanizado. Então surge Moshé [Moisés]. Ele é o ser humano que tenta resgatar o sentido de humanidade do povo escravizado. Surge como líder através da convocação divina. Deus que o convoca não tem face visível sendo assim o único verdadeiro não humano. É o Deus que, conforme relato da Torá,

A abertura do mar simboliza o rompimento da bolsa d’água no nascimento. Nasce um povo livre. A liberdade é repleta de incógnita. Diante das incertezas, este povo precisa constituir suas referências.

1 Em minúsculo para caracterizar o elemento idolátrico.

Revista da Associação Religiosa Israelita-A R I

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