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O Renascimento da Língua Hebraica
Ruth Josephson
Durante cerca de 1.300 anos, entre a época de Josué e a conquista da Palestina pelos romanos (1150 aec - 135 ec), os judeus falaram hebraico. Depois passaram a falar outras línguas. Como e por quê?
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Já quando dispersos na Babilônia (desde 586 aec) parte do povo falava línguas “estrangeiras”: lá era o aramaico; no Egito, no período dos gregos, a língua dos judeus era o grego. E até mesmo em partes da própria Palestina, os judeus falavam aramaico e grego.
Apenas na região de Judá predominava a língua hebraica, que já se havia distanciado da língua bíblica, tendo adquirido novas formas. Com a destruição de Judá pelos romanos (70 - 135 ec) e a migração de seus habitantes judeus para outros lugares, o hebraico deixou de ser utilizado, sendo substituído, gradativamente, pelo aramaico. Só há uns 120 anos voltou o hebraico a ser uma língua falada.
Por outro lado, nos 2.000 anos de Diáspora, os judeus continuaram a ler e a escrever o hebraico. A literatura escrita neste período foi rica e vasta: códigos de lei, filosofia, ciências, textos humorísticos, poemas religiosos e seculares, peças de teatro, guias de viagem e livros de história. E houve até países, tais como a Inglaterra, onde cartas e documentos particulares eram escritos em hebraico.
Além disso, havia os que, às vezes, também falavam o hebraico: há relatos de que judeus em terras longínquas, não tendo uma língua em comum, falavam hebraico entre si quando não queriam que “outros” os entendessem. Judeus ortodoxos (muito religiosos) falavam hebraico aos sábados. Ninguém pensava em fazer do hebraico uma língua falada para uso cotidiano. Sendo os judeus o “povo do livro”, qual a importância da língua falada comparada com a língua das escrituras?
Ninguém, porém, pensava em fazer do hebraico uma língua falada para uso cotidiano. Sendo os judeus o “povo do livro”, qual a importância da língua falada comparada com a língua das escrituras?
Ainda na Idade Média, línguas não eram sinal de nacionalidade, que inexistia no sentido moderno do termo. Mesmo quando, mais tarde, povos europeus começaram a lutar por sua independência e pelo uso de línguas nacionais como oficiais de seus países, os judeus não consideravam a si próprios como todos os outros povos: embora tenham criado literatura moderna em hebraico, eles não exigiam que fosse dado “status” oficial à “língua do passado”. O hebraico atuava estritamente nos campos da religião e da literatura.
O único lugar no qual o uso do hebraico falado era comum em pleno século XIX, era em Jerusalém, ainda sob domínio turco, onde se concentravam judeus das mais diversas comunidades: havia os que falavam iídiche, os que falavam árabe e aqueles que falavam ladino. A única língua comum que todos entendiam um pouco era o hebrai
co, embora também naquela época ninguém tivesse pensado em torná-la a língua nacional do lugar.
Esta situação perdurou até 1881, quando chegou à região um jovem lituano que, ainda na Lituânia, elaborou a ideia da nacionalidade judaica, em que o hebraico seria a língua falada cotidianamente.
O nome, autoatribuído 1 , deste jovem era Eliezer ben Yehuda. Abandonando a Lituânia, mudou-se para Paris e lá começou a divulgar seus ideais revolucionários. Quando encontrava judeus da então província turca que viria a se tornar o Estado de Israel, dirigia-se a eles apenas em hebraico. Ao imigrar para Jerusalém insistiu não apenas em lutar, mas também em vencer a luta, por dois princípios que jamais tinham sido expressos até então: • O hebraico fosse a língua falada nos meios familiares; • O hebraico fosse a única língua ensinada nas escolas.
Eliezer ben Yehuda pôs ambos em prática. Seu filho, Itamar ben Avi, foi o primeiro menino judeu que, em sua
1 Seu nome ao nascer era Eliezer Ytzhak Perlman.
casa, só ouvia e falava hebraico. Também O único lugar no qual Em 1953, já com maior número de memnas classes e escolas nas quais Eliezer lecionava as aulas eram administradas somente em hebraico. o uso do hebraico falado era comum em bros, o comitê passou a se chamar “Academia da Língua Hebraica”. O Comitê da Língua, assim como a Academia da Lín
Nas vésperas da Primeira Guerra pleno século XIX era gua Hebraica, muito fizeram para divulMundial, ocorreu a chamada “Guerra em Jerusalém, sob gá-la, para corrigi-la entre seus falantes e das Línguas” entre os judeus que habitadomínio turco. A única entre os que a escreviam, e para ampliá- vam a região do futuro Estado de Israel. Naquela época, jardins de infância, escolas e seminários de professores estavam língua comum que todos entendiam um -la, criando palavras novas. Até hoje integram a Academia eruditos, escritores e professores, todos eleitos nas mãos de judeus provenientes da Alepouco era o hebraico, para seu cargo em caráter vitalício. Eles manha. No início eles ajudaram a divulembora naquela época publicaram e continuam publicando digar o hebraico. Com o passar do tempo, porém, passaram mais e mais para o uso corrente do alemão, introduzindo-o em suas escolas, apesar do protesto da granninguém tivesse pensado em torná-la a língua nacional. cionários profissionais necessários para as mais diversas atividades, tais como música, anatomia, mecânica, eletricidade, física, etc. Até mesmo, fruto do trabalho de maioria dos professores. Este procesde uma equipe composta por cientistas so só foi interrompido às custas de manifestações de proe linguístas, um dicionário científico foi compilado pela testo, reuniões tumultuadas e até mesmo o pedido de deAcademia, com vocabulário baseado em hebraico antigo missão em massa dos professores no país inteiro, a partir e linguagem atual. do momento em que se decidiu que o idioma a ser usaNos dicionários hebraicos de hoje encontram-se palado no “Technion” em Haifa (escola técnica para estudos vras com mais de 3.000 anos, ao lado de palavras criadas superiores) seria o alemão. há 1.000 anos, que, por sua vez, estão junto de palavras
Alunos e professores lutaram contra esta tendência e a criadas na atualidade. O falante natural do idioma não mobilização geral estendeu-se a extremos tais que comernota diferença de uso nas palavras e formas, quer sejam ciantes se negavam a vender seus produtos para quem não elas novas ou antigas. se dirigisse a eles em hebraico. O impacto da “guerra das Como curiosidade, quero mencionar que a Bíblia usa línguas” foi enorme e ele trouxe muito prestígio ao heapenas cerca de 8.000 palavras, das quais 2.000 aparecem braico, que passou a ser usado em todo o mundo judeu, uma única vez, apesar de que na época já existiam cerca de tanto na região que se tornaria o Estado de Israel quan30.000 palavras. Isso, porém, é compreensível posto que to na Diáspora. a Bíblia não é uma enciclopédia e sim trata de um núme
É certo que, embora o hebraico tinha deixado de ser ro limitado de assuntos, para os quais o vocabulário utililíngua falada por 1.700 anos, a atividade literária foi inzado foi suficiente. tensa nesse período e, devido à grande variedade de temas Pesquisadores afirmam que, em qualquer língua, abordados, a língua hebraica pôde se desenvolver consi1.000 palavras correspondem a 85% da linguagem enderavelmente. contrada num texto comum. Entre as 1.000 palavras
Foram criadas dezenas de milhares de palavras. Em mais corriqueiras do hebraico, cerca de 800 são do pe1889 quatro judeus formaram o primeiro comitê responríodo bíblico. Isto significa que a importância das palasável por todos os assuntos ligados a questões da língua hevras dessa época não deve ser medida por seu número braica. Um destes quatro era Eliezer ben Yehuda. Foi este dentre as 60.000 existentes, mas pela proporção na lincomitê que introduziu pela primeira vez livros contendo guagem usada na prática. palavras úteis e novas para o uso cotidiano (e mais tarde, Desde o renascimento da língua, há mais de um sédicionários). culo, calcula-se em mais de 15.000 o número de palavras
Este “Comitê da Língua” atuou desde 1889, duranrenovadas, inclusive no campo da terminologia técnica. te o período turco e durante todo o mandato britânico. Os jornais em hebraico, publicados em Israel e na Diás
pora, tiveram grande influência no deEntre as 1.000 palavras grande movimento imigratório. Chegasenvolvimento e na propagação da língua falada. Nos jornais de Ben Yehuda havia uma coluna fixa com propostas de palamais corriqueiras do hebraico, cerca de ram a Israel muitos profissionais liberais e sua integração dependia do conhecimento da língua hebraica, indispensável no seu vras novas para os leitores. Por exemplo, 800 são do período campo de trabalho. Foi encarando este aspalavras como meias, guarda-chuva, sorbíblico. Isto significa pecto que, em 1949, o Ministério da Eduvete, revólver, calçada, restaurante e asque a importância cação e Cultura criou o primeiro Ulpan sim por diante. Os jornais traziam notícias do país e do mundo, falavam de assuntos como política, economia, agridas palavras dessa época não deve ser em Jerusalém, o Ulpan Etsion. Cada curso tinha duração de seis meses, logo após a chegada dos Olim ao país. Em bem pouco cultura, ciência, divulgando assim mais e medida por seu número tempo, Ulpanim foram estabelecidos por mais a linguagem em uso. dentre as 60.000 todo Israel. O Ulpan teve ecos tão positiAs transmissões pelo rádio da “Voz de Israel” começaram na época do Mandato Britânico, em 1936. O hebraico falado no rádio tornou-se um modelo e até existentes, mas pela proporção na linguagem usada na prática. vos que até no exército, em plena guerra, criou-se um acampamento militar especial para Olim, que durante um mês recebiam uma “bagagem” linguística básica hoje é a linguagem que mais gente tenta antes de começar o serviço militar. imitar. Em 1968 começaram a falar hebraico pela televiA língua hebraica falada hoje é a mistura da língua bísão. O rádio, a televisão e a internet são os meios de maior blica com a da Idade Média com a linguagem atual. O ivrit penetração e influência no desenvolvimento linguístico do (hebraico) ensinado no Ulpan é a língua falada na rua e no povo. Em Israel sua importância é especialmente significatrabalho, a linguagem do jornal, do rádio e da televisão. O tiva, devido ao fato de se concentrarem pessoas provenieninício de seu uso cotidiano foi um suporte primordial para tes de todos os cantos do mundo, sendo que a língua veo renascimento nacional judaico em nossa época. O ivrit lha-nova é aprendida constantemente. tornou-se o idioma comum entre os habitantes de Israel e
A contribuição da mídia na ampliação dos conhecitambém o elo com as comunidades judaico-sionistas dismentos linguísticos e na aquisição de uma cultura comum, persas pelo mundo. mas homogênea, é de capital importância.
Com o surgimento do Estado de Israel, começou o Ruth Josephson mora em Jerusalém e é professora de hebraico.
