Ela sorria quando amava Era seu aniversário. 50 natais já se passaram e o tempo começava a tornar visíveis os estragos produzidos em seu corpo. Uma ruga aqui, outra acolá, uma leve artrite que ocasionalmente atingia as articulações, o afligiam por alguns dias. Eliachar acordou pensativo. Fez uma breve regressão no tempo e revisou alguns fatos que lhe causaram decepção e sofrimento, especialmente aqueles relativos aos amores contrariados. Contemplativo, passou em revista algumas paixões, mas logo esqueceu esses aborrecimentos e infortúnios do coração e concentrou-se nos compromissos festivos que o esperavam ao longo do dia e que, à noite, o aguardavam. Logo que se distraiu das ponderações sobre essas obrigações, uma frase surgiu dê repente em sua mente, trazendo-lhe à memória uma antiga namorada: “Ela sorria quando amava...”. Um caso relativamente curto, mas que marcou sua vida. Lembrou-se que, a princípio, quando a conheceu, ela apresentava um sorrido de lábios finos, quase retos, que se abriam miúda e gradualmente, revelando dentes que não eram tão brancos quanto ele desejaria. Mas na intimidade, esse sorriso se ampliava e fazia do amor uma coisa alegre e clara, um rastilho de inocência que mascarava a violenta satisfação animal que aquela mulher si permitia e também lhe proporcionava. Recordou que, quando a viu pela primeira vez, chegou falar pra si mesmo: não quero o amor dessa mulher, quero apenas possuir o seu esbelto corpo sedutor e seu lindo rosto. Mas na penumbra dos dias sem sol e na escuridão das noites sem luar, seus sentimentos resvalaram para o precipício desse desejo obstinado que é a paixão, essa forma recorrente de cobiça e vontade que fisga e captura violentamente os homens. Quando trocava intimidades com aquela mulher, aqueles 50 | Sonetos da Meia Noite Contos do Meio Dia