A tvcom maceio e seu papel na democratizacao da comunicao

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CENTRO UNIVERSITÁRIO TIRADENTES

PABLO DIAS DE MELO GOMES

A TVCOM MACEIÓ E SEU PAPEL NA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

Maceió 2016


PABLO DIAS DE MELO GOMES

A TVCOM MACEIÓ E SEU PAPEL NA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Centro Universitário Tiradentes (UNIT), como parte das exigências para a obtenção do Grau de Bacharel em Jornalismo. Sob a orientação do Professor Walcler Mendes Júnior.

Maceió, 09 de junho de 2016.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Walcler Mendes Júnior Orientador- Comunicação Social/UNIT

________________________________________ Prof. Dr. Pedro Simonard Comunicação Social/UNIT

________________________________________ Prof. Dr. Juliana Michaello Macedo Dias Arquitetura/UFAL


“Dedico este trabalho aos colegas de profissão, engajados na luta pela democratização da comunicação por todo o país e no mundo inteiro, sempre corajosos diante dos desafios, resistentes às ameaças da voz dominante e esperançosos por dias melhores.


AGRADECIMENTOS À equipe da TVCOM Maceió. Ao fundador da TVCOM Maceió, Lutero Rodrigues, e ao atual presidente da entidade, Luiz Gomes da Rocha. À Rachel Eve, minha esposa, e aos meus pais, que me acompanharam na realização deste trabalho. Ao meu orientador, Prof. Dr. Walcler Mendes Junior.


RESUMO

Este trabalho é uma análise do papel das TVs Comunitárias como instrumento na democratização da comunicação no Brasil. Baseado em pesquisas bibliográficas, documentos e entrevistas com diretores da TVs comunitárias, este trabalho utiliza como estudo de caso, a TVCOM Maceió. Palavras-chave: TV comunitárias, Democratização da comunicação, TVCOM Maceió, Monopólio da comunicação, Mídia alternativa, Mídia independente.


ABSTRACT This work is an analysis of the role of community television as a tool in the democratization of communication in Brazil. Based on research- including a literature review and interviews with community TV directors- this work uses TVCOM Maceiรณ as a case study.

Keywords: Community TV, Democratization of Communication, TVCOM Maceiรณ, Concentration of media ownership, Alternative Media, Independent Media.


SUMÁRIO Introdução.........................................................................................................8 Capítulo 1- Monopólio da Comunicação no Brasil......................................12 Capitulo 2- Mídias Independentes e Mídias Alternativas............................21 Capítulo 3- TVs Comunitárias........................................................................29 3.1 TVCOM Maceió Analógica..........................................................................32 3.2 TVCOM Maceió Digital................................................................................40 Capítulo 4- Questões sobre a Democratização da Comunicação.............43 Capítulo 5- Conclusão....................................................................................52 Referências Bibliográficas.............................................................................59


INTRODUÇÃO

Este trabalho parte de um pressuposto: o Brasil precisa urgentemente de uma lei que assegure um processo de democratização da comunicação.

O Código

Brasileiro de Comunicações de 1962 (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962), elaborado no governo João Goulart, é o que ainda regula a radiodifusão no Brasil. O código chegou a ser reformulado por outros decretos, mas a essência continua a mesma. A Constituição Federal de 1988 (artigo 221, capítulo V que trata da Comunicação Social) proíbe que os meios de comunicação social sejam, direta ou indiretamente, objetos de monopólio ou oligopólio. No entanto, a realidade é diferente. O Decreto-Lei 236, de 1967, que limita a dez o número de concessões que uma pessoa física ou jurídica pode controlar (cinco em VHF e cinco em UHF), é burlado o tempo todo para favorecer a concentração de poder e controle dos meios de comunicação na mão de poucas famílias ou empresas. As emissoras adquiridas por um indivíduo ou grupo econômico acabam sendo registradas em nome de parentes do concedido. No fim, uma mesma família acaba controlando dezenas de emissoras com cada membro da família tendo direito a dez concessões. Da mesma forma, a má interpretação do Decreto-Lei 236, de 1967, dá brechas para que políticos também possam ter concessões, o que é proibido pelo Código Brasileiro de Comunicações de 1962. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Antônio Carlos Magalhães são os exemplos mais famosos de políticos que são donos de conglomerados de redes de televisões e rádios. O mesmo acontece com o Decreto 91.837, de 1985, que impede duas concessões para um mesmo indivíduo numa mesma localidade. Em Alagoas, por exemplo, Fernando Collor de Mello, que é senador da república, também é o dono da rádio gazeta e da TV Gazeta. Desta forma, ele comete duas irregularidades: político com concessão pública de meios de comunicação e titular de duas concessões numa mesma localidade.

No livro, O Quarto Poder, o jornalista Paulo Henrique Amorim aponta por meio de suas experiências nos bastidores dos maiores veículos de comunicação no Brasil, como o magnata Roberto Marinho, que dirigiu as organizações Globo, influenciou e determinou decisões políticas significativas dentro do país. A família Marinho tem empresas de revista, editora de livros, dois jornais, incluindo O Globo, uma emissora


de rádio, portais de internet, TV por assinatura e uma TV aberta, a Rede Globo de Televisão. Isso fez de Roberto Marinho um recordista mundial em “propriedade cruzada”. Em seu livro, Paulo Henrique Amorim narra um momento crucial na elaboração da Constituição de 1988, que tinha previsto no artigo 224, a seguinte emenda: “o Congresso instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social”. Antônio Carlos Magalhães, então Ministro das Comunicações, confessou ao jornalista Paulo Henrique Amorim que “o conselho não ia se instalar e que se fosse instalado, não iria funcionar.” Curioso, o jornalista pergunta por quê? E Antônio Carlos Magalhães responde: - “Porque a Globo não quer.” (Amorim, 2015, pg. 113).

As organizações Globo barraram qualquer tipo de avanço democrático no que tange a diversificação dos meios de comunicação no país nas décadas seguintes. A Lei Nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995, no art. 23, determinou que as operadoras de TV a Cabo, na sua área de prestação de serviço, tornassem disponíveis canais de utilização gratuita. É com essa lei que são criadas canais reservados para a Câmara dos Deputados (TV Câmara), um canal reservado para o Senado Federal (TV Senado), um canal universitário, reservado para o uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou municípios da área de prestação do serviço; um canal educativo-cultural, reservado para utilização pelos órgãos que tratam de educação e cultura no governo federal e nos governos estadual e municipal com jurisdição sobre a área de prestação do serviço; um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça (TV Justiça) e um canal comunitário aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos (TVs Comunitárias). Anos depois, aparece a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. Ambas as leis, de 1995 e de 2011, embora representassem passos significantes na abertura e regulamentação de canais de TV, fora do poder econômico e do modelo dos oligopólios de comunicação, ainda eram limitadas e omitiam detalhes importantes para captação de financiamento. Essa limitação tornou a tarefa de auto sustentabilidade dessas TVs bastante complicada.

Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que prometeram implantar leis no sentido de incentivar as TVs Comunitárias, também pouco avançaram no processo de democratização dos meios de comunicação. As TVs


Comunitárias foram as que mais perderam com a falta de políticas públicas sensíveis às necessidades dos pequenos veículos de comunicação. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), que propunha uma Lei de regulamentação e democratização da Comunicação, também não avançou no Congresso Nacional.

Em Alagoas, somente com a criação da primeira TV a Cabo, a Big TV, em 2000, foi que a capital, Maceió, pôde ter a primeira TV Comunitária, a TVCOM Maceió, em 2001, quase seis anos após a aprovação da Lei de criação das TVs Comunitárias. A TVCOM Maceió foi formada através de uma associação de entidades lideradas pelo Sindicato dos Urbanitários de Alagoas. No entanto, apesar desse aparente avanço na democratização do espaço midiático do Estado de Alagoas, o fato de uma TV comunitária passar a compor o quadro de canais de uma empresa de TV a cabo, não foi suficiente para democratizar de fato, isto é, em números de espectadores, o acesso ao espectro de emissoras, que mesmo sendo um bem público, continua concentrado na mão de poucos. Ao mesmo tempo, os obstáculos financeiros de acesso a contratos, financiamentos, verbas e incentivos de capital privado ou público ampliaram o debate da necessidade de encontrar leis que regulamentassem estratégias de autogestão de recursos e verbas das TVs Comunitárias.

Nos últimos dois anos, sobretudo com o avanço das redes sociais e dos blogs independentes, voltou à tona o debate da necessidade de democratizar e regulamentar os meios de comunicação no Brasil tirando o poder midiático da mão de poucas famílias, como os Frias, os Marinhos, os Mesquitas e os Civitas1. A TV Comunitária de Maceió, que hoje é um canal de acesso apenas pela TV a Cabo NET, através do Canal 12, tenta sobreviver à burocracia de leis que ainda limitam a sustentabilidade e autogestão das TVs comunitárias. Por outro lado, a independência financeira da TVCOM Maceió em relação ao poder econômico, principalmente das grandes empresas de capital privado, garante a liberdade

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Quatro famílias detêm a parte do leão da imprensa escrita no Brasil. São elas a família Frias, a família Marinho, a família Mesquita e a família Civita, controladoras, respectivamente, dos jornaisFolha de S.Paulo, O Globo, Estado de S.Paulo e da revista Veja. Durante décadas, essa gente influenciou a sociedade brasileira. Na maior parte do tempo, de forma extremamente nefasta. Só para se ter uma idéia do mal que essas famílias e seus patriarcas já fizeram ao Brasil, basta lembrar que foram responsáveis, por exemplo, por atirá-lo numa ditadura militar que durou duas décadas, e por sustentála durante a maior parte desse tempo (http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-emquestao/asquatro-familias-midiaticas/ em 01/05/2016).


corporativa do canal, assim como a pluralidade de sua linha editorial, considerando que seus profissionais e administradores não possuem vínculos escusos com poderes econômicos, nem políticos. Essa liberdade é um dos principais fatores que possibilitam um conteúdo politizador, além de uma estética crítica ao pensamento dogmático determinado pelo mercado e por valores difundidos e defendidos, via de regra nos meios de comunicação de estética burguesa e organização empresarial. Considera-se essa decisão editorial da TVCOM Maceió e demais TVs comunitárias como uma ferramenta tanto ética quanto prática na luta pela democratização da comunicação. Essa decisão se expressa de forma mais visível na forma de abordagem e cobertura de fatos e fenômenos sociais da TVCOM Maceió, considerando ainda uma pauta independente e objetiva, que contempla assuntos geralmente ignorados pela mídia empresarial, orientada a desqualificar ou invalidar problemas relativos a injustiças sociais, pobreza, disparidades de renda, violência do Estado, etc., seja por descaso, seja por responderem a interesses alinhados com poderes políticos e econômicos tradicionais, via de regra, contrários aos interesses da população pobre e/ou organizada. É na TVCOM Maceió, que trabalhadores, movimentos sociais do campo e da cidade, sindicatos, movimento estudantil e da juventude, artistas independentes, associações e outras minorias (que na verdade constituem a grande maioria da população não contemplada pelos privilégios do modelo

político-econômico

hegemônico)

que

não

têm

voz

nos

espaços

monopolizados, têm encontrado espaço para dar sua opinião e levantar suas questões, reivindicar direitos e necessidades.

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise do monopólio midiático no Brasil, um breve histórico dos meios de comunicações alternativos e

independentes, das

TVs comunitárias no Brasil e um estudo de caso da TVCOM Maceió, mostrando um breve apanhado de sua história e programação, além dos acontecimentos dos últimos anos que aproximou o canal dos movimentos sociais e sindicais abrindo as portas para avanços no processo de digitalização. No capítulo seguinte, uma discussão do papel da TV Comunitária, dando exemplos da direção, programação e estética da TVCOM Maceió, como ferramentas que contribuem no processo de democratização da comunicação no país.


Capítulo 1 – Monopólio da Comunicação no Brasil A televisão surgiu no Brasil como desenvolvimento da tecnologia do rádio, e incorporou naturalmente seu modelo de negócios: o modelo comercial. Getúlio Vargas foi quem optou formalmente pela existência das emissoras comerciais, logo no primeiro ano de sua chegada ao poder, após a Revolução de 1930. O Decreto 20.047, de 27 de maio de 1931, autorizou a publicidade nas transmissões, limitada a 10% do tempo de cada programa. Além disso, a duração de um comercial não poderia ser superior a 30 segundos. (MARTINS, 2007, pp. 309-210).

Getúlio Vargas poderia ter optado pelo modelo europeu de rádio, com controle público ou estatal, sem publicidade, como a BBC Inglesa, que é uma empresa publica-- em que a linha editorial e a programação são independentes do Estado. Na Inglaterra funciona da seguinte maneira: quem financia a empresa é quem compra um aparelho. Ao comprar um aparelho, paga-se uma taxa. No caso das emissoras estatais, o controle é totalmente do Estado. No Brasil, o governo não tinha dinheiro para montar e operar nem um sistema público nem um sistema estatal de radiodifusão. Isso deve-se à falta de dinheiro que o governo brasileiro enfrentava e o ambiente político e econômico a que o Brasil estava submetido, nos anos 20, a supremacia de uma nova potência, os Estados Unidos da América. Ao contrário do modelo aqui adotado, na maioria dos países da Europa, a rádio pública possuía caráter hegemônico e dominante, e, pelo menos até a década de 1980, as agências de radiodifusão não dependiam de verbas publicitarias para sua gestão. É revelador o relato de uma das primeiras locutoras do Serviço Brasileiro da BBC, Lya Cavalcanti, a voltar ao Brasil em 1945, depois de quatro anos na Inglaterra: “Quando o navio entrou em águas brasileiras e o rádio começou a transmitir anúncios eu fiquei em pânico. Estava acostumada com a BBC que tinha programas fantásticos e não tinha anúncios. [...] Eu fiquei apavorada. Como é que pode? Que selvagens, que loucura!” (INTERVOZES, 2009, p.14).

Mesmo assim, o rádio no Brasil nasce estatal. A primeira regulamentação surgiu no governo Venceslau Brás (1914-1918) através do Decreto 3.296, de julho de 1917, tornando o rádio monopólio estatal e centralizou o poder de concessão no Poder Executivo. Em 20 de abril de 1923, é inaugurada a primeira emissora brasileira com


programação regular; a PR-A, Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que depois se tornaria na Rádio MEC. A característica das “rádios sociedades” era o fato de ser sustentada por “associados” mediante uma contribuição voluntária. Os sócios eram os responsáveis por ceder os discos de vinil para ser tocado na rádio, geralmente músicas clássicas, com o objetivo de “construir ima emissora a serviço da educação e da cultura, nos moldes europeus.” (AMORIM, 2015, p. 27).

A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, apesar de seu caráter elitista, com uma programação voltada para os interesses da burguesia urbana, mostrava-se certamente mais preocupada com a veiculação de conteúdos culturais do que seus pares contemporâneos comerciais. Com a legislação do governo Getúlio Vargas, optou-se pelo modelo institucional estadunidense, dando prioridade aos operadores privados. O formato “rádio sociedade” deu frutos também em outras regiões do Brasil. Em 1924, surgiram a Ceará Rádio Clube, a Rádio Sociedade da Bahia. No ano seguinte, iniciou-se as transmissões da Rádio Sociedade Maranhense.

No entanto sem a receita da publicidade e sem tocar músicas populares, como o samba, o maxixe, as polcas, ou mesmo o jazz de salão, a programação das rádios sociedades ficava limitada exclusivamente à música clássica e à ópera, o que inibiu sua popularização e limitou sua disseminação e capacidade de gerar lucro. Infelizmente, a rádio começa a perceber seus prejuízos, afinal o público ouvinte de suas transmissões eram membros da elite, ou seja, os gastos dos equipamentos eram caros demais e os programas não despertavam muito o interesse de camadas sociais mais baixas, ou seja da grande maioria da população. Foi somente na metade dos anos 20 que as pessoas acabaram despertando para o lucro que poderia receber ao permitir um espaço para anúncios publicitários, com isso a Rádio Clube do Brasil, fundada em 1º de junho de 1924 foi a primeira a ter autorização para a publicidade. Com ela também surgem programistas e comunicadores e transmitir músicas populares ganhando muito mais a atenção da população e alcançando uma grande diversidade de ouvintes de todas as camadas da sociedade (http://historiaradiofonica.blogspot.com.br/2011/04/implantacao-do-radio-nobrasil-ii.html. Em 05/05/2016).

No Brasil, o rádio começou a se expandir no fim de 1926 e em 1927. As estações já tinham em boa parte profissionalizado seus departamentos comerciais e logo começam a surgir os primeiros astros, apesar dos cachês ainda modestos. Em 1936, o jornal A Noite comprou a Rádio Philips, que foi rebatizada como PRE-8 Rádio


Nacional do Rio de Janeiro. Nascia a primeira grande emissora brasileira. Com problemas financeiros, a Rádio Nacional acabou estatizada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940. No entanto, o modelo comercial foi mantido. Assim ela competia no mercado publicitário com outras emissoras e ainda tinha uma grande vantagem sobre elas: recebia subsídios do governo. A Rádio Nacional começa a se transformar no primeiro fenômeno de indústria de radiofusão na década de 40, quando o Estado Novo determina a encapação do grupo o qual ela fazia parte, foi usado o argumento de uma dívida de 3 milhões de libras esterlinas, divída a qual o próprio presidente havia deixado de lado e agora por interesses fazia uso para seu benefício. Todos os patrimônios inclusive a rádio passa a ser da União, ou seja, do governo. Como registra Sérgio Cabral, após o decreto Getúlio Vargas passa a controlar o jornal de maior circulação na capitão federal, A noite, e aquela que com o tempo se tornaria a principal rádio do país. A Nacional começou a trilhar sua história em rumo a liderança de audiência em 1940, Dóris Fagundes explicava o sucesso da rádio a partir da dupla situação, a de pertencer ao governo, mas ser regida de forma comercial, pois a rádio era rica em publicidade e o dinheiro era reinvestido na própia rádio nacional, garantindo assim uma programação rica e que conquistava o público. A rádio começa um caminho de conquista do mercado, contrata todo o Elenco Musical da Mayrink Veiga que era uma rádio carioca que fez muito sucesso nos anos 30, sendo considerada um reduto de novos talentos, a patir dessa contratação o faturamento cresceu ano a ano em 1956 mútiplicou seu valor cem vezes se comparado com 1936, além dos faturamentos diversos acontecimentos ao longo do período de liderança da Nacional atestam sua penetração junto aos ouvintes, um dos acontecimentos marcantes foi o de um boeing que após atravessar a floresta amazônica apresenta problemas elétricos e o piloto fica sem condições de localizar o campo de pouso, quando a informação repassada pelo comandante chega ao oficial da Base Aérea ele contata a Rádio Nacional e minutos depois a mesma transmite uma mensagem aos moradores da região onde o avião se encontrava, pedindo que todos se dirigissem com seus automóveis para o aeroporto a fim de iluminar a pista de pouso. A mensagem teve grande repercussão e pouco tempo depois o avião aterrisou na pista de pouco iluminada pelos fárois dos automóveis. Fatos como esse comprovam o poder da Rádio Nacional no território brasileiro, constituindo-se como um elemento de grande relevância na opinião pública (http://historiaradiofonica.blogspot.com.br/2011/04/oapogeu.html em 05/05/2016).

As empresas de publicidade foram fundamentais para o desenvolvimento do rádio no Brasil: pagavam pelo espaço publicitário e produziam elas próprias muitos programas, que levavam o nome das agências ou dos produtos que os patrocinavam. Um exemplo foi o Repórter Esso. A influência do mercado no Repórter Esso, começa a ser notada durante a Segunda Guerra Mundial, com o noticiário fazendo duras críticas aos países do Eixo. No Brasil, tinha como diretriz não dar cobertura à campanha “O Petróleo é Nosso”. Obviamente, a campanha de criação da Petrobrás não era de interesse do governo americano, muito menos para a Esso.


O mais famoso noticiário de todos os tempos, o Repórter Esso, estreou no rádio há 70 anos, no dia 28 de agosto de 1941. Foi o primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil, comandado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Patrocinado pela empresa norte-americana sediada no Brasil, Standard Oil Company of Brazil, o Repórter Esso se especializou em divulgar, principalmente, notícias sobre a evolução das guerras travadas pelos Estados Unidos em todo o mundo. O Repórter Esso (...) foi um noticiário histórico do rádio e da televisão brasileira. Foi o primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil que não se limitava a ler as notícias recortadas dos jornais, pois as matérias eram enviadas por uma agência internacional de notícias sob o controle dos Estados Unidos da América (http://radionainternetbrasil.blogspot.com.br/2011/08/ha-70-anos-entrava-noar-o-reporter.html em 05/05/2016)

Getúlio Vargas também teve seu papel ao usar o papel de Estado para influenciar os meios de comunicação. Quando voltou ao poder pelo voto em 1950, Getúlio Vargas publicou o decreto 29.783, que previa a revisão das concessões de rádio a cada três anos, além de tornar de “interesse público” o serviço de radiodifusão, regulado pelo Estado, com finalidades educacionais. Os meios de comunicação brasileiros reagiram negativamente ao decreto, que nem sequer entrou em vigor. A reação dos donos de rádios e jornais foi unir-se a oposição antinacionalista de liderados por grupos como a UDN para combater Vargas. As críticas da imprensa ao governo Vargas eram muito mais de natureza política e administrativa do que econômica. O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, não fazia críticas à política do ministro da Fazenda Horácio Lafer, industrial paulista que tinha grande prestígio junto ao jornal. As críticas à política econômica incidiam, muitas vezes, sobre a orientação nacionalista e as restrições ao capital estrangeiro adotadas pelo governo. .A oposição a Vargas se intensificou a partir de 1953 e teve na imprensa a liderança dos jornalistas Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, e Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados. Carlos Lacerda utilizou, além do seu jornal, a Rádio Globo e a Rede Tupi de televisão, esta pertencente aos Diários Associados. O clima de confronto entre a oposição e o governo culminou no atentado a Carlos Lacerda, e 5 de agosto de 1954. A partir desse episódio deu-se a mobilização da imprensa, que de modo geral manifestou-se em editoriais contra a permanência de Vargas à frente do governo (http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/Relaca oImprensa em 05/05/2016)

Em uma das cenas do filme Chatô, o Rei do Brasil, (2015) de Guilherme Fontes, sarcasticamente, Assis Chateubriand, interpretado por Marco Ricca; e Getúlio Vargas, interpretado por Paulo Betti, discutem sobre a parceria da imprensa e do Estado. Embora trata-se de uma obra de ficção, o diálogo reflete a realidade da relação Estado


e empresas de comunicação. No filme, Chateubriand fala pra Getúlio “A sua revolução precisa do meu jornal", Getúlio então responde ironicamente: “Um governo forte precisa de um jornal forte”. Em outra cena, Chateubriand complementa: "Quem ganha guerra não é tropa, quem ganha guerra é propaganda". A influência do governo e o poder econômico do mercado é que ditavam as regras nos veículos de comunicação desde o início de sua história no Brasil. O discurso do dono dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand (Chatô), na solenidade de inauguração da TV Tupi, em São Paulo, em 1950, gira em torno apenas dos nomes dos anunciantes da nova emissora. O sociólogo Renato Ortiz considerou a fala “uma bela peça de surrealismo político latino-americano”. Foi mais do que isso. Tratava-se de uma confissão pública de fé num modelo de radiodifusão alheio a qualquer tipo de preocupação com a cultura ou com a educação do país. Em palavras mais simples, era visto apenas como mais um negócio voltado para a acumulação de riquezas materiais, associadas ao prestígio social e ao poder político, adquiridos por quem controlava as emissoras. (INTERVOZES, 2009, p. 14).

Assim como Getúlio Vargas, o magnata da comunicação Assis Chateaubriand também tentou ditar regras em outros governos: “Se V. Exa der o canal de TV à Nacional, jogo toda a minha rede de rádio, imprensa e televisão contra o seu governo” disse o dono da Tupi, como conta Mário Lago em suas memórias. JK recuou, o Brasil perdeu a sua TV pública, mas quem ganhou não foi Chatô. Em 1957, Juscelino passou a concessão para as Organizações Globo, que, só em 1965, pôs a sua emissora no ar. Ficava, dessa forma, intato o monopólio comercial da televisão brasileira. E com ele a alienação da sociedade em relação ao modelo público. (INTERVOZES, 2009, p. 15).

Anos depois, durante a Ditadura Militar, a TV Globo foi uma das maiores beneficiárias, se não a maior desse tipo de aliança entre governo e empresas de comunicação. Cresceu apoiando e sendo apoiada pelo regime militar, que inclusive impôs a censura em todos os veículos de comunicação, incluindo a Rede Globo. Obviamente essa censura sobre as empresas da família Marinho não chegou a configurar um problema de fato, pelo menos, não para seus proprietários, ideologicamente alinhados com a Ditadura Militar. Além desses acordos, via de regra, com características inconstitucionais (negociação entre o grupo estadunidense TimeLife e a TV-Globo), os militares também lançaram uma TV pública com o objetivo de educar o povo sob os princípios morais e cívicos do regime militar:


Como resultado da preocupação dos militares com a necessidade de constituir um sistema de educação da massa pela televisão no país, o Decreto-Lei 236, de 1967, instituiu a figura da televisão educativa como tipo de radiodifusão de sons e imagens voltada à divulgação de programas educacionais, palestras, aulas, conferências e debates. A norma estabeleceu ainda o caráter não-comercial desse tipo de comunicação, proibindo qualquer tipo direto ou indireto de publicidade ou patrocínio. Desde então houve a criação de um sistema de emissora comandada pelo governo federal (por meio da criação da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa e, posteriormente, pelo nascimento da TVE) e pelos governos estaduais, bem como pelas universidades federais. (INTERVOZES, 2009, p.43).

A única emissora, que pelo menos em discurso, alegava ter um projeto de independência era a TV Cultura, de São Paulo, mantida pela Fundação Padre Anchieta e controlada por um conselho nos moldes europeus. Segundo Miriam Goldfeder, a TV Cultura surge no auge de um período de transição política e econômica iniciado quatro anos antes com o golpe militar de 1964. A partir desse momento, a televisão passa a desempenhar um papel fundamental na manutenção do poder. Em 16 de junho de 1969, a TV Cultura era relançada e trazia para o mercado brasileiro o conceito de TV pública. Segundo Leal Filho (1988, p. 20), logo depois de ser vendida para o governo de São Paulo, a emissora iniciaria a sua segunda fase, desta vez, inteiramente dedicada a finalidades educativas e culturais. (...) Roberto Muylaert foi o presidente da TV Cultura que conseguiu realizar mudanças importantes, como transformar a tevê em uma emissora pública, semelhante às suas congêneres internacionais, inspirando-se no modelo norte-americano de TV pública. Outro objetivo da gestão de Roberto Muylaert era desvincular, ao máximo, a TV Cultura do governo estadual, fato de difícil realização visto que a emissora dependia financeiramente do poder executivo. A solução seria buscar a independência financeira, mas havia um impedimento: o artigo 12, item 1, do Decreto-lei 282 de 1967, proibia as televisões educativas de buscarem patrocínio por não terem um caráter comercial (ROCHA, 2010, p.10)

Mas a Globo continuou sendo a maior empresa de comunicação no país inclusive impondo regras na política, tanto no regime militar, quanto no regime pósditatorial. O melhor exemplo disso ocorreu na elaboração da Constituição de 1988 em que Roberto Marinho foi publicamente contra o artigo 224, que acabou subtraído da Constituição pelo Conselho de Comunicação Social, de acordo com o Ministro de Comunicação, da época, Antônio Carlos Magalhães. Em janeiro de 1987 Roberto Marinho deu a Antônio Carlos Magalhaes uma demonstração pública de apreço que tinha as feições típicas de um pagamento de dívida: tirou da TV Aratu, da Bahia, os direitos de retransmissão da Globo no Estado e os concedeu a TV Bahia, controlada por parentes e amigos de Magalhaes. (...) As ligações explicitas entre Roberto Marinho e Antônio Carlos Magalhaes são tão escandalosas que motivaram, desde o final de 1986, uma proposta, defendida por vários parlamentares e pelo governador eleito da Bahia, Waldir Pires, da realização de ''uma investigação do Congresso em cima dos negócios especiais que o Dr.


Roberto Marinho teria obtido, graças as suas intimas relações com o poder" (HERZ, 1986, p. 59).

Aprovada a Constituição, o modelo institucional das comunicações brasileiras passou a ter o que poderíamos chamar de “duas camadas de regulação uma, presente na Carta Magna, que estrutura o modelo em sistemas; e outra, no plano de regulamentação dos serviços de radiodifusão, que distingue as modalidades de comunicação pelas suas outorgas (comercial, educativa e comunitária).

Em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e dentro dela, a TV Brasil, abre-se o debate da importância de uma TV pública, em um país dominado pela comunicação corporativa, empresarial, burguesa e monopolista. Era um corpo estranho num país dominado pelo modelo comercial de televisão. Muitos passaram a se perguntar do que se tratava. Afinal, haviam sempre convivido com emissoras de TV que, na sua lógica empresarial, não se distinguem das redes de supermercados ou de eletrodomésticos., embora ofereçam, além de mercadorias, idéais, hábitos e valores. (INTERVOZES, 2009, p. 13).

A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), articulada com o claro propósito de diferenciar-se do que até então havia sido construído pelo governo federal em termos de comunicação própria, busca operar como uma mídia publica efetiva, com claros contornos independentes em relação aos interesses do capital privado e monopolista assim como comprometida com interesses sociais, considerando apoiar minorias historicamente apagadas ou ignoradas pelas mídias burguesas e empresariais. A lei que criou a empresa, Lei de número 11.652/2008, é a primeira a fazer menção ao artigo 223 e Institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta e autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação- EBC.

A criação da TV Brasil visa também alimentar TVs comunitárias com seu conteúdo; em Maceió a TVCOM Maceió utiliza programas da rede como o Espaço Público, em que, recentemente, foram discutidos assuntos relativos ao impeachment do Governo Dilma que acabou por configurar-se como um golpe expressando interesses subterrâneos dos partidos de oposição, coligados a poderes midiáticos,


empresariais, jurídicos e mesmo de origem religiosa, representado pelos apoiadores da bancada evangélica. Antes desse episódio retrógrado e vergonhoso, o programa serviu como discurso de resistência a favor da democratização da comunicação, sobretudo, após as eleições de 2014, quando Rede Globo, Revista Veja e o jornal Folha de São Paulo se uniram para impedir a reeleição da presidente do Partido dos Trabalhadores utilizando propaganda das mais variadas formas.

Mesmo com as constantes críticas ao governo Dilma e à campanha de reeleição da presidente, inclusive com a capa da revista Veja, dois dias antes do segundo turno, afirmando que Dilma e Lula sabiam de todo o esquema da Petrobrás investigados na operação “Lava Jato”, Dilma Rousseff foi reeleita e gritos de “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” foram ouvidos no primeiro discurso da presidente exibido na cobertura da própria Rede Globo no programa Fantástico.

A reeleição de Dilma Rousseff, novamente, trouxe à tona, a discussão da Lei de Meios, da democratização da comunicação no Brasil, aos movimentos sociais, sindicais e organizações de classe.

Mais recentemente, com o afastamento da presidente Rousseff, o governo interino de Michel Temer modifica o quadro de direção da TV Brasil e traz de volta o debate sobre o papel da independência da comunicação pública:

A preocupação não era de fato com uma TV Pública que nascera com um share de apenas 2%, diante de um mercado de elevado nível de ibope. Mas com um canal que fosse capaz de promover importantes debates acerca de assuntos que pudessem ampliar a participação de diferentes grupos sociais, intelectuais e outros atores dispostos a compartilhar aquilo que a TV comercial não tem interesse em oferecer ao telespectador. É evidente que àquela altura, mais de 50 anos depois da televisão ter sido implantada no Brasil como um modelo de negócio, não caberia ao governo estabelecer, por exemplo, o mesmo sistema de financiamento utilizado pela Grã-Bretanha na gestão da BBC. Era preciso criar um ambiente regulatório que oferecesse autonomia para que a nova emissora pudesse de fato ser soberana e plural. (http://www.brasil247.com/pt/colunistas/deciojunior/233015/%C3%89-horade-temer-pela-TV-P%C3%BAblica.htm em 18/05/ 2016).

A exoneração do diretor da TV Brasil, Ricardo Pereira Melo, também mexeu na programação do canal e tirou programas como o Espaço Público do ar. Programas esses, que nos últimos anos têm feito o papel de contraponto da grande mídia, com


debates e discussões, até de críticas ao governo, mas de modo muito mais independente do poder das corporações e da influência do mercado na programação e no editorial dos telejornais. Setores a favor da mudança estrutural da TV Brasil argumentam que “se a TV é do governo, vai ser “chapa-branca”. O que comprova ainda mais que a cultura brasileira, diferente da europeia, não se acostumou com o sistema público de comunicação.


CAPÍTULO 2 – Mídias Alternativas e Mídias Independentes

A força e influência do capital empresarial privado sobre os meios de comunicação no Brasil geraram um modelo de oligopólio sem paralelos no mundo. Outro reflexo dessa atuação foi o enfraquecimento das emissoras e organizações públicas de comunicação, desde o início do jornalismo impresso no país. Um efeito colateral desse fenômeno de concentração de poder e sequestro das mídias em nome da ideologia de mercado foi a abertura de espaços para as mídias alternativas que funcionaram com produtoras de um discurso de contraponto ao discurso de monopólio na mídia brasileira, sobretudo, através da concentração de poder dos meios de comunicações pelas Organizações Globo. A título de exemplo vale lembrar que essa mídia corporativa empresarial brasileira conseguiu, nos primeiros anos, superar o que os americanos chamam de “cross ownership” (propriedade cruzada) de emissoras de rádios e TV e de jornais e revistas em um só mercado. Os senadores Fernando Collor de Mello e José Sarney são exemplos desse tipo de propriedade. Collor é proprietário de uma TV, rádio, jornal e portal de notícias, que estão situadas em Maceió, Alagoas e o mesmo vale para a família Sarney no Estado do Maranhão. No Rio de Janeiro, as Organizações Globo detêm o controle de dois jornais, uma empresa de revistas, uma editora de livros, emissora de rádio, rede de televisão aberta, televisão por assinatura e portais na internet. Isso faz das Organizações Globo, um recorde mundial da “propriedade cruzada”. O cenário da comunicação brasileira se demonstra cada vez mais perverso, marcado por monopólios, pelo não respeito aos artigos da Constituição, por guerras claras de poder e pelo uso indevido das informações, em um processo que mais confunde do que esclarece a população. A concepção de uma mídia para além dos grandes grupos transnacionais de comunicação, independentemente de ser chamada alternativa, radical, subalterna, contrahegemônica ou popular, se caracteriza essencialmente pela crítica e pela manifestação da diversidade e é necessária para a construção de uma sociedade que saiba lidar melhor com a pluralidade de culturas (http://www2.faac.unesp.br/blog/obsmidia/2010/11/30/uma-outracomunicacao-e-possivel/ em 09/05/2016).

Na contramão dessa marcação monopolizadora dos territórios midiáticos, as mídias alternativas, (diferente das mídias independentes e que veremos mais adiante) se opõem a hegemonia ou a uma posição política dominante. As mídias alternativas seriam então combatentes ao discurso da mídia corporativa, influenciada pelo capital financeiro, numa outra maneira de discutir e exercer o papel da comunicação. As TVs


e rádios comunitárias fariam parte desse segmento de ferramenta midiática alternativa. Em geral as mídias alternativas se confundem com territórios e espaços determinados seja nas cidades seja em suas periferias onde o conceito de ethos se torna central na identificação, classificação e analise desse tipo de atuação midiática. A ética social imediata, ou eticidade, esta que experimentamos no cotidiano de nossas relações com o socius, é propriamente a maneira (que vem de manere, permanecer, morar), a forma de vida de um grupo social específico. Forma social (para a sociologia da linhagem de Georg Simmel) ou forma de vida (Wittgenstein) são categorias atinentes à noção de ethos. E não há um ethos sem um ambiente cognitivo que o dinamize, sem uma unidade dinâmica de identificações do grupo, que é o seu modo de relacionamento com a singularidade própria, isto é, a cultura. Aí atuam as formas simbólicas que, historicamente, orientam o conhecimento, a sensibilidade e as ações dos indivíduos (SODRÉ, 2002, p.46).

Vale lembrar que a mídia alternativa, mesmo sendo um suporte para o jornalismo alternativo, se transforma também em um espaço para circular conteúdo dos mais diversos, incluindo esportes e artes produzidos por sujeitos específicos de ethos específicos. O que significa que os sujeitos e ações divulgados ali, dificilmente serão os mesmos que encontramos nas mídias empresariais tradicionais. Isso faz da mídia alternativa um espaço propício a um formato de comunicação democrático e plural em que assuntos de um determinado ethos sejam contemplados com sua devida relevância, fato praticamente desconhecido nas mídias corporativas.

As Mídias Alternativas geralmente enfrentam problemas financeiros (já que a leis para fontes de financiamento raramente existem, no caso das TVs comunitárias). O problema se agrava ainda mais com a falta de interesse de anunciantes em investir em mídia de baixa circulação, limitação de acessos e também com insegurança às causas ideológicas, que são geralmente opostas ao do capital e aos interesses de mercado. Além de todos esses percalços, vale destacar ainda as perseguições políticas que as mídias alternativas sofrem, além da desconfiança do telespectador em relação a veracidade dos conteúdos, via de regra, gerada pela precariedade dos equipamentos e recursos técnicos em geral, considerando que o padrão de expectativa do telespectador está alinhado com aquele determinado pelas TVs comerciais. Por fim, falta de profissionais é outro obstáculo, considerando que, muitas vezes, eles não estão dispostos a atuar no segmento da área que tradicionalmente


tem baixa remuneração. Essa falta de profissionais acaba atraindo amadores para os veículos de mídia alternativa, o que agrava ainda mais a credibilidade desses veículos.

A bandeira de luta pela democracia é o livre pensamento formado por um diálogo democraticamente instaurado entre diversos grupos sociais que vão desde o movimento negro até as lutas de gênero e da juventude, além do fomento à cultura alternativa e ao esporte nas comunidades e periferias. O fato de, na maioria das vezes, a mídia alternativa estar ligada aos movimentos sociais, reforça a imagem de que as mídias alternativas geralmente têm os discursos ideologicamente posicionados como de esquerda. Não que isso não seja verdade, mas é possível também encontrar segmentos alternativos também nas ideologias de luta contra governos comunistas e revolucionários. Um exemplo desse caso era os samizdat2 que circulavam na União Soviética nos anos 60 e 70. Um exemplo ainda mais claramente marcado por uma ideologia de direita e mesmo reacionária foram os folhetos e veículos da propaganda Nazista na década de 20 que apesar de provocarem risos na classe média urbana e educada da Alemanha, o Nacional-Socialismo de Hitler acabou tomando de assalto o poder em um país que apesar de contar com a população mais educada e escolarizada do mundo, jamais desconfiou da emergência do monstro, àquela altura pintado com cores ridículas alvo de piadas do pensamento intelectual alemão. Essa propaganda alternativa se mostrou tão eficaz que assume-se hoje que o povo alemão de fato aderiu ao pensamento nazista ainda que esse atuasse em muitos aspectos contra o interesse do povo, paradoxos, que os estudos sociológicos e antropológicos um dia hão de explicar.

Voltando ao nosso contexto nacional, a mídia alternativa aparece no Brasil Colônia, quando a imprensa era censurada pela Coroa Portuguesa. A imprensa alternativa floresce principalmente no Primeiro Reinado, com a publicação de pasquins e panfletos, com conteúdo mais voltado à propaganda ideológica do que jornalismo. A mídia alternativa desse período foi importante em momentos de crises pressionando a abdicação de D. Pedro I (1831), a maioridade de D. Pedro II (1840) e a proclamação da República (1889), além do movimento abolicionista que atravessou

2

Mediante essa prática, indivíduos e grupos de pessoas copiavam e distribuíam clandestinamente livros e outros bens culturais que haviam sido proibidos pelo governo soviético, atuando principalmente nos países do bloco sob o jugo da dominação da URSS (https://pt.wikipedia.org/wiki/Samizdat).


toda a segunda metade do século XIX como bandeira de luta da libertação dos escravos e de justiça social em um país que mal reconhecia o valor do trabalho.

A mídia alternativa também teve um papel importante durante a Era Vargas (1930-1945). O Homem do Povo, de Oswald de Andrade e Pagu, é um dos exemplos mais marcantes. O Partido Comunista Brasileiro e outros movimentos socialistas também tiveram papel marcante nesses movimentos alternativos de comunicação.

Mas, é o período de 1964 em diante, após o golpe militar, que pode ser considerado o em que mais determinou o surgimento de mídias alternativas, especialmente pela censura sistemática à imprensa (incluindo a mídia corporativa que de certa forma apoiou o golpe). Vale destacar desta época, jornais como o Opinião (semanário brasileiro que circulou entre 23 de outubro de 1972 e 8 de abril de 1977 e que chegou a atingir a tiragem de 38 mil exemplares semanais em seu primeiro ano, aproximando-se à tiragem da revista Veja), Movimento (uma das mais importantes publicações da imprensa alternativa durante a ditadura militar, reunindo colaborações de importantes intelectuais brasileiros de oposição ao regime), O Sol (com uma linguagem inovadora, influenciada pelo movimento da contracultura, influenciou diversos veículos da imprensa alternativa da época e de anos seguintes), Cadernos do Terceiro Mundo ( revista brasileira dedicada a cobrir notícias e processos de desenvolvimento de países do terceiro mundo), Jornal da República e O Pasquim (semanário alternativo brasileiro reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e por seu papel de oposição ao regime militar).

O Pasquim, a princípio uma publicação comportamental (falava sobre sexo, drogas, feminismo e divórcio, entre outros) foi se tornando cada vez mais politizado à medida que aumentava a repressão da ditadura, sobretudo após a promulgação do repressivo ato institucional N°5, conhecido como, AI-5. O Pasquim passa então a ser porta-voz da indignação social brasileira, atingindo a marca de mais de 200 mil em seu auge, em meados dos anos 1970, se tornando um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro.


É também nesse período que começam a aparecer as rádios piratas e comunitárias, facilitadas principalmente pela disseminação, barateamento e consequente democratização da tecnologia de transmissores. No Brasil, pouco a pouco vão aparecendo relatos de transmissões de rádio clandestinas acontecidas na década de 50. O marco oficial aconteceu na década de 70. No início era uma diversão de técnicos em eletrônica, que montavam transmissores de rádio caseiros por hobby. Nos anos 80, o movimento ganhou força. Grupos políticos de esquerda e algumas associações estudantis resolveram colocar suas emissoras no ar como forma de protesto contra o sistema oficial de concessões de rádio, que privilegiava políticos. As transmissões de muitas dessas estações aconteciam durante a noite, como forma de burlar a fiscalização. Alguns apresentadores usavam pseudônimos para não serem identificados e presos. (...) Na década de 90, a situação mudou. A absolvição do jornalista e radialista Léo Tomaz, em 1993, proprietário da Rádio Reversão, uma das que foram fechadas, causou verdadeira revolução. Com a sentença, abriu-se jurisprudência para que várias emissoras sem concessão se espalhassem pelo país. Ou seja, rádio pirata continuava crime, mas a chance de condenação era pequena. Com a explosão das piratas, o governo federal se viu praticamente obrigado a enviar lei ao Congresso Nacional, em 1995, para regulamentar a situação. A tramitação durou pelo menos três anos, e em 1998 foi sancionada a Lei de Radiodifusão Comunitária, de número 9.612 (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd210820023.htm em 09/05/2016).

A respeito das mídias independentes e sua diferença ao modelo de mídia alternativa, pode-se afirmar que a mídia independente não necessariamente se contrapõe a uma hegemonia ou causa, inclusive, há exemplos de mídia que são independentes, mas que produzem conteúdos similares ao da grande mídia, como pequenas

emissoras

de

cunho

religioso,

em

geral

oriundas

de

Igrejas

neopentecostais, cuja ideologia e discursos se apresentam bastante alinhados com a ideologia burguesa de mercado, propriedade e consumo. Isso significa assumir que apesar da mídia independente não estar sob o controle de grandes empresas de comunicação e tampouco estar ligada aos interesses dos grandes anunciantes, grupos políticos ou instituições governamentais, ainda assim pode reproduzir seus interesses e ideais. Podemos então considerar que a mídia independente é o tipo de publicação que pode ou não apoiar o tipo de discurso das mídias corporativas empresariais. Ainda assim, via de regra, a mídia independente também sofre dos mesmos problemas da mídia alternativa, no que diz respeito ao amadorismo dos funcionários dos veículos, falta de capacidade técnica e baixa infraestrutura. Há exemplos de mídias independentes que buscam cobrir o que acontece nos


movimentos sociais tanto na esfera regional quanto na nacional, com o objetivo de dar voz aos segmentos que a mídia tradicional raramente deixa de lado.

É papel também da mídia independente, questionar a legislação vigente que rege os meios de comunicação, discutir maneiras de democratizar o conteúdo nos veículos de mídia, sobretudo, a liberdade de expressão. Para que certa isenção seja garantida, a mídia independente é formada por meios de comunicações que não possuam vínculos a partidos políticos, entidades religiosas, órgãos estatais ou grupos de interesses comerciais, com o objetivo de buscar ser uma alternativa à apropriação tendenciosa do conteúdo de notícias divulgadas. Dentro desse contexto está o Centro de Mídia Independente (CMI), também conhecido por IndyMedia, uma rede internacional formada por produtores de informações de ordem política e social, que se autodeclaram livres e independentes de interesses empresarias e governamentais e que se apresenta com uma filosofia anticapitalista. O projeto foi criado no final de 1999 para coordenar uma cobertura jornalística alternativa dos protestos em Seattle contra o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC). O projeto original consistia em um site para a publicação livre, no qual diferentes órgãos de imprensa alternativa publicariam relatos, entrevistas, promovendo o intercâmbio de informações e a cooperação mútua. Durante os protestos, no entanto, não apenas jornalistas independentes, mas os próprios ativistas se manifestaram, publicando seus pontos de vista, fotos e depoimentos. A junção da cobertura dos meios jornalísticos independentes com os relatos diretos dos participantes provocou um crescimento do site, alcançando mais de um milhão de acessos.

Os coletivos do CMI oferecem oficinas de redação, reportagem popular, fotografia, informática, vídeo e rádio, capacitação a indivíduos e movimentos sociais com objetivo de fomentar a produção independente de mídia. O CMI tem projetos em veículos impressos e também para rádios, como é o caso do “CMI no Ar” que produz programas em formatos MP3 para serem reproduzidos em rádios comunitárias, além de projetos em vídeo, produzindo documentários e vídeo-reportagens e projetos de democratização do acesso à internet com ênfase na produção de mídia. O Indymedia também já sofreu diversos ataques de censura como em maio de 2004, quando o site de busca na internet Google parou temporariamente de incluir notícias do Indymedia no processo de buscas, após o site fazer críticas ao governo de Israel. Em 7 de


outubro de 2004, vários servidores do CMI situados na empresa Rackspace, em Londres, foram temporariamente levados por policiais locais, o que resultou na desativação de 20 sites do CMI no mundo todo. Esse tipo de ataque é considerado “sequestro de servidores” e é considerado um ato inconstitucional.

Jornalistas trabalhando para o Indymedia também já sofreram ataques. Em julho de 2001, durante protestos contra a reunião do G8 em Genova, na Itália, jornalistas do Indymedia foram atacados por policiais infiltrados com protestantes dentro da Escola Diaz3, um espaço reservado para os jornalistas do Indymedia. Em 9 Este episodio escatológico e grotesco gerou um filme em formato de docudrama chamado “Diaz: politica e violência, seguem alguns relatos contidos no filme: "Eu gritava, sou jornalista", disse Covell de Londres. "O policial que estava me batendo disse em inglês pra mim 'voce não é jornalista, você é Black Block. Nós vamos matar todos do Black Block'. Nesse momento eu tinha certeza que iria morrer". Covell teve 8 costelas quebras, um pulmão danificado, uma mão quebrada, a espinha danificada e teve 10 dentes quebrados."Eu fui jogado na rua e usado como bola de futebol", declarou Covell. "Depois disso uma van policial arrebentou os portões. A policia entrou no prédio. Depois disso eu ouvi vários gritos vindo de dentro do prédio [Dias Pertini]."Durante a batida, 93 manifestantes de vários paises (Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália) foram presos. 62 tiveram machucados sérios que precisaram ser hospitalizados, incluindo 6 pessoas que foram internadas imediatamente na UTI.O neozeolandês, Sam Buchanan, estava dentro da escola quando a polícia entrou no prédo: "Eu me lembro de ter tido uma longa discussão de onde era o lugar mais seguro para se dormir em Gênova", relembra Buchana. "Nós decidimos que provavelmente era mais seguro ficar na escola". "Duas horas depois nós ouvimos gritos, olhamos pela janela e vimos cerca de 60 policiais de capacetes e roupas especiais, passando pelos portões da escola. Naquele momento nos rapidamente nos vestimos, pegamos nossos passaportes e os escondemos debaixo de uma mesa". Após ouvirem os gritos dos manifestantes sendo espancados, a policia entrou na sala onde Buchanan e seus amigos estavam. "Três policiais vieram até mim", disse Buchanan. "Eu deitei no chão tentando me proteger com uma cadeira. E finalmente eu decidi que isso era uma perda de tempo. Eu iria acabar apanhando de qualquer jeito e decidi acabar logo com isso". Buchanan foi golpeado repetida vezes no lado esquerdo do seu corpo, e levou três golpes na cabeça de três policiais diferentes. "Eu então fui levado para baixo, e vi o resto de todos que estavam no prédio. Alguns deles em um estado muito pior que o meu. Eu sai relativamente bem se comparando com os outros. Alguns estavam inconsciente, havia pessoas sangrando. Foi uma cena estarrecedora". Buchanan, junto com outras 30 pessoas, foi preso e levado diretamente pra prisão Bolzaneto, a cerca de 10 km de Genova. Outros 40 manifestantes foram levados ao hospital San Martino. Nas 24 que sucederam o ataque a escola Diaz, as vítimas foram novamente atacadas em suas camas pela polícia no hospital, e depois levadas a prisão Bolzaneto. Lá as vítimas eram novamente espancadas, além dos policiais jogarem urina nelas. As mulheres eram molestadas, e forçadas a cantar canções fascistas junto com os policiais. Na prisão Bolzaneto, Buchanan foi revistado, golpeado nos rins e na cabeça e foi colocado em uma cela de concreto por 30 horas. "Nós passamos as primeiras duas horas espremidos contra a parede e sendo chutado caso nos movêssemos," recorda Buchanan."A pior coisa foi não ter a menor idéia de onde estávamos e do que estava acontecendo. Nos não haviamos sido legalmente acusados de nada. Simplesmente haviamos desaparecido". Foram mantidos sob custódia da polícia por 5 dias, em Balzaneto e outras prisões ao redor de Gênova, sem qualquer tipo de acusão legal. Foram repetidas vezes espancados e foi negado qualquer contato e comunicação entre as vítimas e seus representantes legais e famílias. Após esse período as vítimas receberam sua primeira visita legal". "Nós fomos apresentados a uma advogada", disse Buchanan. Ela disse que não havia acusação legal, e que nós podiamos ir, que as prisões eram ilegais". Após terem sido libertadas, todas as vítimas e testemunhas foram deportadas sob ordem judicial, emitida por um representante do Ministro do Interior, Di Giovine."Um relatório de polícia diz que antes da batida, os escritórios policiais foram atacados com "com objetos de todos os tipos", incluindo "pedras e pedaços de vidros". Isto os levou a crer que os manifestantes tinham "todo tipo de arma". O vídeo da batida policial desmente isso. A promotoria afirma que a polícia mentiu para justificar a batida. A polícia argumenta que o vídeo não mostra todos os cômodos da escola. A lista com o nome dos policiais indiciados na batida da escola Diaz, é uma lista de corrupção inacreditável, abuso de poder e violação de direitos humanos. Desde prisões ilegais e evidencias falsas até abuso de poder para plantar provas e para abuso de força. Entre os indiciados encontra-se o Chefe da Digos (esquadrão de inteligência) Spartaco Mortola, Francesco Gratteri e Gilberto Caldarozzi, Delegado chefe do esquadrão anti-terrorismo Giovanni Luperi, e o chefes do esquadrão de choque Vincenzo Canterini e Michaelangelo Fournier. (http://cinematecamazucheli.blogspot.com.br/2013/11/diaz-politica-e-violencia.html em 09/05/2016). 3


de julho de 2003, um fotógrafo do Indymedia Argentina foi atacado pela polícia enquanto fazia cobertura jornalística entre policiais e trabalhadores. Em 27 de outubro de 2006, o jornalista americano Bradley Roland Will, fotógrafo e documentarista para o CMI de Nova York, foi morto durante um ataque paramilitar no levante popular Oaxaca, no México.

No capítulo a seguir, veremos uma outra forma de mídia alternativa: as TVs comunitárias. Logo mais, será feita uma análise da TVCOM Maceió, sua programação, sua estrutura política e técnica e seu papel como voz na luta pela democratização dos meios de comunicação.


CAPÍTULO 3– TVs Comunitárias

A TV Comunitária é uma TV independente que promove a apropriação pública da tecnologia e de espaços na mídia televisiva. O canal comunitário, nas tevês a cabo, é o espaço reservado para a divulgação de assuntos de interesses das comunidades locais.

A TV Comunitária surge no Brasil no formato de uma TV Livre, também conhecida por TV de Rua, produzindo vídeos educativos-culturais exibidos em circuito fechado ou em praça-pública. Desde seu início, nos anos 80, as TVs Comunitárias já surgem como proposta das lutas pela democratização da comunicação. Os canais comunitários são responsáveis por manter uma programação local, diferenciada do que é normalmente assistido na chamada grande mídia, mostrando a cultura, a identidade e os interesses de cada localidade.

Os canais comunitários foram institucionalizados através da Lei Federal número 8.977, de 6 de janeiro de 1995, conhecida como Lei do Cabo. Essa lei deu origem aos chamados Canais Básicos de Utilização Gratuita como forma de contrapartida social dos operadores de cabo. A legislação criou os canais comunitários para serem utilizados por organizações não-governamentais, contudo sem prever a viabilidade econômica desse novo veículo de comunicação. A sociedade civil organizada passa então a ocupar esses canais previstos em lei transformando as TVs Comunitárias em realidade. A primeira cidade brasileira a ter uma transmissão de canal comunitário foi Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 15 de agosto de 1996, através do canal 14 da NET sul. Em seguida, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Campinas também lançaram seus canais de TV Comunitários.

A TV Rocinha (TVROC) foi criada em 1996 através de um contrato com a NET. O canal é de circulação restrita aos moradores da Favela da Rocinha no Rio de Janeiro, localizada no Bairro de classe média alta da Zona Sul Carioca chamado São Conrado. Os programas comunitários são feitos por estagiários, e o pouco gasto que temos (com fitas, por exemplo) são cobertos com o que recebemos das assinaturas de TV a cabo", disse o diretor da TV Roc, Dante Quinterno. A TV


Comunitária apresenta programas semanais com perfil jornalístico e de variedades, alguns produzidos por pessoas da própria Rocinha. Quinterno acredita que o mercado das classes mais pobres ainda seja pouco explorado no Brasil e que a Rocinha seja um bom exemplo; Afirma Dante Quinterno, diretor da TVROC. (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2002/021128_comunicacaorg.shtm l em 03/12/2002).

Os canais comunitários também podem ser tanto produtores quanto provedores. O canal é considerado produtor quando ele mesmo produz seus programas, já os canais provedores, disponibilizam espaço para transmissão de programas produzidos por terceiros.

Os canais comunitários, na maior parte das vezes, são geridos por um coletivo, ou seja, várias associações sem fins lucrativos, legalmente registrados. E são essas associações, ligadas aos movimentos sociais, que têm feito o debate da democratização da comunicação. Vale lembrar também que setores de Igrejas, sindicatos e entidades filantrópicas também encontram espaço nas TVs Comunitárias.

No entanto, há casos em que a participação da população através das associações é quase nula. O processo, desde a origem, envolve a participação da população, desde cidadãos individualmente até sua representação através de entidades civis. O que varia é a intensidade e a amplitude, ou numa palavra, a qualidade desta participação, de uma experiência para outra. O que quer dizer que enquanto em algumas experiências há grande participação na gestão, em outras chega a ser quase nula. Ou seja, existem casos em que poucas pessoas, que são ou se dizem representantes, conduzem o processo de implantação e gestão de canais comunitários de modo isolado e autoritário, com baixíssima participação das organizações comunitárias locais. (PERUZZO, 2007, p. 4).

Mas um dos maiores problemas nas TVs comunitárias, o que veremos mais adiante com o exemplo da TVCOM Maceió, está relacionado ao financiamento e sustentabilidade dos canais. Os canais comunitários surgem de maneira autônoma e são obrigados a encontrar suas próprias alternativas para viabilização econômico –financeira. Com o agravante de que por lei, nos mesmos moldes dos veículos de comunicação de propriedade pública, como Rádio e TV educativas, não podem vender espaços para anúncios comerciais, a principal fonte de receita dos canais privados. É permitido apenas o apoio cultural (menção ao patrocínio de programas), o qual tem se revelado insuficiente, pelo menos na forma como vem sendo aplicado e até o presente momento. A Lei de TV a Cabo também não estabeleceu outros mecanismos de contribuição que


pudessem ajudar na viabilização dos canais, como por exemplo o estabelecimento de um fundo a partir da destinação, pelas operadoras de TV a Cabo, de um percentual sobre o que arrecada dos assinantes. Afinal, elas acabam usufruindo de um canal com programação autônoma, sem custos e outros encargos. Outra lacuna na lei é não obrigar as operadoras destinarem um suporte técnico para produção e edição de sons e imagens – por mínimo que fosse – para potencializar a produção de programas pelos próprios canais comunitários e suas entidades associadas sem condições de dispor de seus próprios estúdios. Os canais comunitários no Brasil são jogados à própria sorte, no entanto é deles que mais se espera e mais se cobra uma programação de cunho educativo e cultural. À sociedade civil é colocada a possibilidade de acesso a canais de televisão, o que é um grande avanço, mas não lhe são asseguradas formas de apoio para os tornar viáveis e competentes. Fazer TV exige conhecimento especializado, os custos de produção são altos, sem falar nos altos preços dos equipamentos para se montar os estúdios. (PERUZZO, 2007, p. 6).

A Lei Federal nº 12.485, de 12 de setembro de 2011 - Dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado; altera a Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e as Leis nos 11.437, de 28 de dezembro de 2006, 5.070, de 7 de julho de 1966, 8.977, de 6 de janeiro de 1995, e 9.472, de 16 de julho de 1997; e dá outras providências. A Lei, no entanto, não resolve ainda o problema de sustentabilidade financeira dos canais comunitários. Como se vê, esse ainda é o grande problema que as TVs Comunitárias enfrentam, o que também acaba gerando outros problemas administrativos.

Pelo último levantamento da Frente nacional pela Valorização das TVs do Campo Público (Frenavatec), dos 258 municípios onde são oferecidos os serviços de operadoras de TV a cabo, existem 67 canais comunitários em funcionamento, registrados através do Mapeamento de Tvs Comunitárias. A instituição também fez uma pesquisa sobre a produção audiovisual comunitária. Foram catalogados mais de 550 programas televisivos, produzidos e veiculados dentro da rede de canais comunitários, fazendo dessa rede a maior produtora audiovisual televisiva brasileira.

Em Alagoas, através da TVCOM Maceió, documentários já foram produzidos para serem exibidos na grade de programação. Um deles, A Bota Velha é Nossa (2011) produzido pela TVCOM Maceió, CUT e a Comissão Pastoral da Terra, sobre a luta dos moradores do assentamento Bota Velha, chegou a ser exibido na Mostra Sururu de Cinema Alagoano, em outubro de 2011.


A seguir, veremos como a TVCOM Maceió, com sua grade de programação com conteúdo independente e programas patrocinados pelos movimentos sociais, abriram caminho para pequenos (embora importantes) avanços tecnológicos que iniciaram o processo de digitalização do canal. Ao mesmo tempo, esses avanços abriram espaço para a profissionalização de uma equipe técnica para o canal e que foi fundamental para a eficácia de uma nova programação dedicada a propagar a a urgente discussão sobre políticas para a democratização dos meios de comunicação. Mesmo com a precária condição profissional e organizacional dentro da TVCOM Maceió, esse momento de transição com mínimos avanços demonstrou que a luta pela democratização é realmente possível.

Capitulo 3.1 Primeira Fase da TVCOM Maceió - Analógica

Sete anos após a aprovação da lei de TV a Cabo e um ano após a criação da Big TV (primeira TV a cabo de Alagoas), a Associação das Entidades Usuárias do Canal Comunitário de Maceió (TVCOM Maceió) é fundada, em 18 de outubro de 2001. Na época, entidades e sujeitos como o Sindicato dos engenheiros, Urbanitários, assistentes sociais, jornalistas e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) fizeram parte da associação como representantes do canal. O total era de 29 entidades compondo o corpo de entidades associadas, mas todas elas assumiram muito mais o papel de representação do que o de colaboração financeira. Embora tenha sido fundada em 2001, a TVCOM Maceió só foi ao ar em 12 de janeiro de 2002. A burocracia e as limitações para captação de recursos desde o início, impediu qualquer tipo de avanço para a TV Comunitária de Maceió. O espaço físico em que a TV se localizava foi escolhido estrategicamente para ficar próximo ao prédio da Big TV, que depois foi comprado pela NET. A proximidade física ao prédio da Big TV foi estrategicamente escolhida para que a TV não precisasse pagar pelo metro dos cabos coaxiais, um tipo de cabo condutor usado para transmitir sinais. Este tipo de cabo é constituído por um fio de cobre condutor revestido por um material isolante e rodeado de uma blindagem. O cabo coaxial conectado no modulador e transcode é o responsável por passar as imagens da TV até a operadora de tv a cabo. Todos esses equipamentos, incluindo câmeras mini-dv, tripés e 2 mini televisores, foram doados para a instituição


Quando entrou no ar em janeiro de 2002, a TV COM Maceió encontrou outro problema: conteúdo de programação. Para não deixar a TV fora do ar, um aparelho de DVD era usado para passar uma programação exclusiva de shows de MPB que ficava reprisando quase o dia inteiro. A primeira diretoria da TV, composta por alguns dos representantes das entidades que eram associadas ao canal, tinha como presidente o jornalista Lutero Rodrigues. Lutero, que acabava de voltar de Porto Alegre, e que tinha naquela região, adquirido conhecimento técnico e experiência de outras TVs comunitárias, foi quem encabeçou o canal por quase 10 anos, durante três mandatos entre 2001 a 2010. À época, o apoio financeiro do Sindicato dos Urbanitários foi fundamental para a sustentação da TVCOM diante dos problemas financeiros. O canal começou a exibir o programa Espaço Sindical, que futuramente teria um destaque importante numa outra fase da TV, que voltaremos a discutir mais adiante. Com o programa Espaço Sindical, o canal começa timidamente a mostrar a voz de um setor da comunidade, cumprindo um pouco do papel inicial da instituição de exercer um espaço comunitário e popular. As dificuldades financeiras novamente entraram em cena e o programa Espaço Sindical é cancelado.

Nos anos seguintes, a TVCOM Maceió começa a terceirizar os programas para poder manter o mínimo de estrutura funcionando. O mínimo significa dizer (aluguel do espaço, água, energia) já que a TV Comunitária gozava da isenção de pagamento do espaço na NET por conta da Lei das TVs Comunitárias. A terceirização do espaço trouxe uma variedade de programas para a grade da TV, o que de certa forma preencheu a programação com programas variados dos mais diferentes temas e formatos. O programa Fala Alagoas, apresentado pelo jornalista Fernando Palmeira e o Camisa 12, programa de debate esportivo, foram um dos programas que entraram na grade trazendo uma espécie de conteúdo comunitário, mas que na verdade, tratava-se apenas de um aluguel de horário temporário para a TV. Os contratos mostram que os valores eram mínimos, variando de 100, 250 até 300 reais por mês por programa semanal, que às vezes era diário com reprises durante várias vezes ao dia. De fato, a presença dessa programação já dava uma “cara alagoana” ao canal, que até então vivia de reprisar DVDs de shows dos mais variados, sem nenhum tipo de diálogo comunitário com o telespectador. É importante acrescentar que mesmo sendo shows de artistas nacionais, muitas vezes telespectadores telefonavam para a TVCOM Maceió pedindo para que os operadores da TV reprisassem um determinado


artista ou show. Isso demonstra que de fato havia um certo número de telespectadores que assistiam regularmente o canal, que muitas vezes sequer, era exclusivo da TVCOM Maceió já que os shows eram exibidos de DVDs piratas, muitas vezes disponíveis nos camelôs da cidade. A passividade do telespectador e o ato de assistir algo do conforto de sua casa independe se o conteúdo é transmitido de uma tv comercial ou de uma tv comunitária.

A TVCOM Maceió também foi, por incrível que pareça, uma das pioneiras em transmitir jogos do campeonato alagoano da série C. Sem ter equipamentos que pudessem transmitir os jogos ao vivo, muitas vezes uma pequena equipe de colaboradores ia até o estádio e pré-gravava a partida, horas depois colocando o material no ar.

É importante também citar as transmissões através de satélite, da programação da TeleSur e da TV Brasil Internacional, canais públicos que também serviam de alimentação para o canal comunitário em Maceió ainda sem recursos financeiros e técnicos para manter uma programação de 24 horas totalmente independente e local.

Entre os anos 2001 e 2010 a TVCOM funcionou praticamente dessa forma, utilizando programação terceirizada e colaboradores que pagavam horas de espaço na grade. Edinaura Wanderley com o programa Alagoas Agora e Maria Aparecida com o Programa Os Fatos, a Mulher e a Crítica, este último com um aspecto interessante pois foi repercutido por toda a cidade virando um ícone da TVCOM Maceió por vários anos. O programa de denúncias, apresentado por uma jornalista de sessenta e poucos anos, que enfrentava políticos de grande influência no estado, ia ao ar ao vivo todos os sábados entre 11:00 e 11:30 da manhã. O programa virou um sucesso em Alagoas e ganhava repercussão, inclusive com processos contra a apresentadora vindo de grandes personalidades da política e do judiciário do estado. Fato curioso é que mesmo sendo um programa simples, com defeitos técnicos de som e imagem, com um enquadramento único parado de frente a apresentadora por quase quarenta minutos, ainda sim conseguia ser visto por uma parcela significante da capital alagoana, que via no discurso da apresentadora, uma forma irreverente e até corajosa de falar o que muitos alagoanos gostariam de falar para políticos e personalidades do estado.


Assim como em outros canais, incluindo a TV Alagoas Canal 5, as igrejas neopentecostais também se aproximaram da TVCOM e alugaram horário. A igreja do Pastor Ido Rafael, da Igreja Casa de Oração, alugou uma boa parte do espaço da TVCOM. Como contrapartida, deu para a TV uma mesa de corte e alguns televisores para que fossem usados como retorno. Na mesma época, outro espaço da TV ficou alugado para a União Planetária, que também reprisava conteúdo de terceiros e de outros locais do país também por um determinado horário, principalmente na grade da madrugada. Nessa época, a presidência do canal foi transferida para Robson Sarmento, diretor do Sindicato dos Urbanitários, que ficou na direção a TV entre 20112013. Na época apenas dois funcionários--- encarregados de cuidar da exibição da programação--- trabalhavam na tv. Por outro lado, apresentadores dos programas que alugavam horário traziam seus próprios funcionários para operar câmeras e outras funções de produção. Até o fim do ano de 2010, a programação da TVCOM contava com uma série de programas enviados por outras TVs comunitárias, como é o caso do Programa Animal, Hardsoft e StayHeavy, produzidos em diferentes regiões do país. Somente os programas do pastor Ildo Rafael, da organização União Planetária e Alagoas Agora com Edinaura Wanderley eram produzidos localmente e direcionados exclusivamente ao público alagoano.

No final de 2010, a secretaria de comunicação da CUT (Central Única de Alagoas) decide produzir um programa voltado ao mundo sindical e a luta dos trabalhadores do estado de Alagoas. Na época, o diretor de comunicação da central, Luiz Gomes da Rocha, idealizou um programa de TV diário produzido pela CUT com a parceria de sindicatos cutistas, incluindo o Sindicato dos Urbanitários de Alagoas, que antes já havia tido um espaço na grade da TVCOM Maceió. O programa que seria chamado Eu Quero Ver, contava com reportagens sobre greves, atos públicos, entrevistas com sindicalistas e dirigentes dos movimentos sociais, além de um espaço cultural para promover a cultura local e periférica. O programa tinha um formato de 20 minutos diário com 10 minutos de material local e mais 10 com informações da CUT Nacional, que então tinha um telejornal produzido por uma produtora independente. À frente do programa Eu Quero Ver, o cineasta e sociólogo Daniel Santos e uma equipe básica de quatro pessoas que incluía três colaboradores. O programa Eu Quero Ver é crucial nesse momento da TVCOM Maceió porque se torna um ator importante numa mudança na estrutura do canal, não só no ponto de vista tecnológico, mas também


político/ideológico. O papel da CUT Alagoas nesse processo é extremamente fundamental porque também acontece num momento em que começa a ser discutido em todo o país, a democratização dos meios de comunicação através de entidades como a FNDC (Fórum Nacional em Defesa da Comunicação) além das mobilizações por todo o Brasil, incluindo os protestos de 2013 que desencadearam e foram o pontapé para a crise política no Brasil até então.

Outro fator importante que deve ser mencionado diz respeito ao suporte financeiro da TVCOM que o Programa Eu Quero Ver proporcionou ao canal. Até então, o programa Eu Quero Ver paga uma quantia de R$ 1,000 (um mil reais) mensais para ter um espaço de 30 minutos diários entre 11.30 e 12.00 da tarde.

Durante esse tempo, o programa Eu Quero Ver também começou a produzir material extra para a TVCOM Maceió através de um programa semanal chamado DOC CUT, com documentários sobre democracia, luta de classes e política, além da produção de documentários locais para serem exibidos no DOC CUT e em outros meios de comunicação como a internet através de uma página no Youtube. A programação da TVCOM Maceió passa então a exibir uma série de materiais de esquerda sobre a luta dos trabalhadores em meio aos programas evangélicos neopentencostais e de “bem-estar” espiritual da Igreja Casa de Oração e da União Planetária. A entrada da CUT na TVCOM trouxe consigo uma série de entidades que começam a divulgar o canal sabendo da importância do espaço midiático para ser utilizado como contraponto aos canais da grande imprensa, que geralmente dão pouco espaço para que os movimentos sociais e sindicais falem sem serem censurados. Com a CUT, o Eu Quero Ver leva o Sindicato dos Bancários de Alagoas, o Sindpol- sindicato dos policiais civis de Alagoas, Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Alagoas), Sina (Sindicato Nacional dos Aeroportuários), Sintufal (Sindicato dos Técnicos da Ufal), Sintect-al (Sindicato dos Trabalhadores dos Correios), Sindguarda-al, Sindspref (Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Maceió), Sindsaúde (Sindicato dos Servidores da Secretaria Municipal de Saúde Maceió) e o Sindicato dos Urbanitários de Alagoas, que volta a ter um espaço no canal, agora junto as outras entidades. Essas entidades pagavam ao projeto da CUT uma quantia determinada, que por sua vez pagava a TVCOM para que o canal exibisse o programa no horário da grade.


Os próximos anos da TVCOM Maceió serão marcados pela transição do canal- um espaço ainda mal utilizado tecnicamente---- para um outro local mais adequado para comportar a chegada de profissionais capacitados, que começa a dar um novo formato para a TV diante do grande desafio de se digitalizar por conta da implantação das novas leis de telecomunicação no país. Em 2014, o diretor de comunicação da CUT-AL, Luiz Gomes da Rocha, decide se candidatar à presidência da TVCOM Maceió e vence com uma chapa composta ainda por antigos diretores. Uma das decisões dessa nova chapa é a transferência da equipe do programa Eu Quero Ver, formada por dois jornalistas, um editor de imagens e um cinegrafista, para a sede da TVCOM, situada na época no bairro de Jatiúca, a alguns metros do prédio da NET.

A transferência da equipe do programa Eu Quero Ver para a TVCOM muda radicalmente a estrutura interna do canal, que até então tinha uma série de dificuldades para manter uma equipe trabalhando nas mínimas condições. Nos últimos dez anos da TV, o canal tinha tido alguns funcionários, mais exclusivamente um operador de máster que ficava encarregado da programação e que volta meia, também era operador de câmera ou assistente de produção. Pouquíssimos materiais eram produzidos em externa ou que tivesse demanda de uma equipe maior de produção e de custos operacionais. Nesse tempo, foram funcionários da TV, o operador de câmera Zé Maria de Oliveira e Thor Joseph Sarmento, que atuou como operador de máster e câmera de estúdio.

Só com a chegada da equipe do programa Eu Quero Ver em janeiro de 2014, foi que o canal teve funcionários trabalhando durante dois turnos. Os funcionários também eram responsáveis pela produção da TV dando assistência a outros programas terceirizado, como foi o caso do Alagoas Agora, com Edinaura Wanderley.

Em janeiro de 2014, a TVCOM Maceió chegou a produzir um telejornal diário, o TVCOM Notícias, que seria pré- gravado horas antes da exibição, marcada para as 12.30 da tarde. O telejornal era dirigido pelo então estudante de jornalismo Pablo Gomes e apresentado por Thaíse Aureliano, que também era apresentadora do programa Eu Quero Ver. A TVCOM tinha possibilidade de exibir o telejornal ao vivo mas por não ter outros recursos básicos como o teleprompter e uma ilha de edição adequada para colocar VTs e outros tipos de mídias, a produção do telejornal decidiu


pré gravar o noticiário. O TVCOM Notícias estreou no dia 18 de fevereiro de 2014. O noticiário de 15 minutos era composto por três blocos: 1- primeiro com notícias locais, depois no segundo bloco com notícias internacionais (foi exibida no piloto, a crise na Ucrânia, que derrubou o presidente Viktor Fedorovych Yanukovych e na Venezuela com os protestos de ruas contra o governo de Nicolas Maduro. O terceiro bloco era composto por uma reportagem especial ou notícias de esporte. A reportagem especial era geralmente uma matéria pronta que seria colocada logo mais no programa Eu Quero Ver, que passou então a ser exibido semanalmente. Veja que nesse caso, o programa Eu Quero Ver e o TVCOM Notícias alimentava um ao outro com reportagens e materiais. A equipe do programa continuava a mesma, só que agora produzindo dois programas. Sem os recursos financeiros possíveis para manter o telejornal, o TVCOM Notícias acabou sendo cancelado após duas semanas de testes. No entanto, o programa Eu Quero Ver continuou na grade de programação junto com o TVCOM DOC, que ficou no lugar do DOC CUT, o TVCOM Entrevista, (uma espécie de mesa redonda) também produzido pela equipe do programa Eu Quero Ver, e o programa Alagoas Agora com Edinaura Wanderley. Esses três são os únicos programas da grade do canal que são produzidos em Alagoas. O resto da programação continua sendo alimentada de outros canais comunitários. O conteúdo da TV Supren, parte da grade da União Planetária, entre as 19.00h até as 10.00h do dia seguinte, continua também ocupando o espaço do canal. Das 10.00h da manhã até as 19.00h, a programação da TVCOM Maceió contava com a exibição de materiais enviados por outras TVs comunitárias do país como era o caso dos programas Hard Soft, sobre informática, produzido pela TV comunitária de Blumenau, Santa Catarina; Programa Animal, sobre animais, produzido pela Avalon e exibido em vários canais comunitários por todo o Brasil, Stay Heavy, seleções de clip de heavy metal e o Debate Brasil, produzido pela AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás. Além desses três programas que eram enviados em DVDs para a TVCOM, a nova diretoria decide também inserir programas da TV Brasil e da TVT (TV dos Trabalhadores). Nessa nova grade foram inseridos os programas “Melhor e Mais Justo” mesa redonda da TVT, “Espaço Público” da TV Brasil, “Caminhos da Reportagem” da TV Brasil, “Aula Pública” do portal Opera Mundi, “ABCD em Revista” da TVT. No meio desses programas, geralmente a tarde, era inserido clips de surf e hip hop, este último produzido pelo movimento hip hop alagoano. No início da manhã após o término da programação da TVSupren era inserido curtas de animações produzidos por cineastas


independentes. Também era inserido no horário da tarde e nos finais de semana, documentários políticos. No mês de abril de 2014, que comemorou os 50 anos da Ditadura Militar no Brasil, a TVCOM Maceió exibiu um especial com documentários sobre o golpe militar e suas consequências para a democracia.

Outro fato importante a ser destacado nessa nova formatação da programação da TVCOM Maceió foi a inserção de institucionais que dificilmente seriam exibidos em um canal de TV aberta e até mesmo em canais comerciais da TV a cabo. Campanhas contra a privatização da água, contra privatização do setor elétrico, da educação do campo promovido pelo MST, pela publicização dos documentos da Ditadura Militar, contra a terceirização e a favor da carga horária de 40 horas sem redução de trabalho promovido pela CUT Brasil, eram exaustivamente exibidos durante a programação, com exceção da faixa de horário da TVSupren.

A TVCOM Maceió também começou a partir daí, com parceria do programa Eu Quero Ver, a produzir pequenos institucionais dos sindicatos parceiros da TV. Foram produzidos vídeos de 30’, spots, do Sindicato dos Bancários de Alagoas, do Sindpolal, do Sindicato Nacional dos Aeroportuários, do Sindsaúde e da CUT-AL.

Entre janeiro de 2014 até outubro de 2015, a TVCOM Maceió funcionou com essa estrutura de programação e de produção interna. No entanto, a necessidade de digitalizar o canal aparece como um grande desafio para a estrutura da TVCOM Maceió. Para mudar o cabeamento coaxil para fibra ótica e fazer as mudanças necessárias de outros equipamentos analógicos para se adequar aos equipamentos digitais, a TV precisaria investir no mínimo cerca de 25 mil reais. Na época foi pensado pela diretoria numa campanha para arrecadar fundos e “salvar” a TVCOM Maceió, que sairia do ar automaticamente em março de 2016, por decisão federal da lei de telecomunicações, se não trocasse seu sinal analógico. Com um orçamento abaixo de 10 mil reais mensais, a TV também não conseguiria fazer as mudanças necessárias por conta própria. Novamente, a parceria da TVCOM Maceió com o programa Eu Quero Ver, sindicatos e a CUT parecia ser a saída para o problema enfrentado pelo canal que corria o risco de perder o sinal se não se digitalizasse.


Em novembro de 2015, a TVCOM Maceió, com parceria da CUT Alagoas e da TV Maceió, antigo canal 26 da NET, se une para digitalizar o canal. A saída encontrada era uma contrapartida da TV Maceió de entregar para a TVCOM o sinal do canal 26 para o canal 12 através do transcoder, que instalado no prédio da NET receberia a programação da TVCOM Maceió pelo programa MegaUpload e pelo sistema TeamViewer --software que dá acesso remoto entre computadores. Isso significava que a TVCOM Maceió não iria mais precisar ficar em um local próximo a NET para diminuir custos com cabeamentos. Desta forma, a TVCOM Maceió foi transferida para um prédio anexo ao da CUT Alagoas mudando todo sinal analógico para o digital.

Capitulo 3.2 Fase Digital da TVCOM Maceió

No dia 4 de novembro de 2015, a TVCOM Maceió se tornou digital. Na mudança, o sinal do canal 12 foi transferido para o modulador que fica localizado na sala de máquinas da NET. O processo não seria mais através de cabos ligados com a GVT. A TVCOM Maceió digital também muda toda a programação para se adequar ao conteúdo digital. Sem a parceria da programação da TVSupren, a TVCOM Maceió fica com praticamente toda a grade, com exceção de seis horas que ficaram destinados aos programas da TV Maceió. A equipe da TV continua a mesma, mas é reformulada para se adequar à nova realidade do canal. Em dezembro de 2015, a TV fez uma festa de inauguração do sinal digital no auditório do Sindicato dos Bancários de Alagoas, apresentando a nova estrutura do canal, que inclui um website com a transmissão ao vivo da programação, além de páginas nas redes sociais (Youtube e Facebook) que visam dar visibilidade ao canal. Entidades parceiras foram convidadas para o evento, incluindo ex-diretores e presidentes de instituições como a CUT Alagoas, o Sindicato dos Urbanitários de Alagoas e a Fetag-AL( Federação dos Trabalhadores na Agricultura). O lançamento do sinal digital da TVCOM Maceió contou com a presença do diretor da TeleSur no Brasil, Beto Almeida, que fez uma palestra com o tema “A democratização dos Meios de Comunicação” e discutiu com os convidados a importância e urgência de encontrar mecanismos para esse processo.


Em 2016, a TVCOM Maceió iniciou o ano já com o sinal digital e uma nova programação, que incluiu mais três produções locais além do Eu Quero Ver, TVCOM DOC e TVCOM Entrevista. Entram na grade, o Conexão Periferia, programa sobre a cultura periférica, produzido pela Kasebre Filmes; e o Fetag na TV, co- produção da FETAG-AL com a TVCOM Maceió. A inserção desses dois novos programas à TVCOM Maceió enfatiza ainda mais o caráter de espaço popular e democrático aos segmentos que não têm voz ativa nos canais comerciais. O fato do canal ter um website com a programação sendo exibida 24 horas, também serviu para dar o alcance necessário que a TV precisava para dialogar com telespectadores fora das regiões em que a NET tem sinal, inclusive fora do estado e até do país. A importância do site neste caso é fundamental devido ao alcance limitado da NET, que abrange apenas moradores de certos bairros na capital alagoana. A inserção do site, inclusive, foi o argumento encontrado pela direção da TV, para convencer dirigentes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura a virarem parceiros do canal, já que qualquer camponês poderia então acompanhar a programação do canal através do computador ou de um smart phone. Outro fato importante na produção do programa Fetag na TV é o projeto de colaboração e participação de militantes e diretores da federação como produtores e realizadores do programa. A TVCOM Maceió, por não ter profissionais suficientes para cobrir todos os eventos da entidade, tem dialogado com a federação para que jovens e adultos que se interessam por comunicação, possam virar parceiros do projeto, seja atuando como documentaristas, jornalistas ou fotógrafos. Desde o início do programa em abril de 2016, essa solução encontrada pelo canal comunitário tem surtido um efeito positivo, ainda que não seja suficiente para alimentar a produção integralmente.

Desta forma, o ano de 2016 pode ser considerado então como um dos mais importantes para a TVCOM Maceió desde a sua criação. Com imagem e áudio de qualidade, uma equipe básica na produção e uma programação plural embora ainda não 100% alagoana, pode-se dizer que a TVCOM Maceió conseguiu, mesmo com as dificuldades financeiras e as burocracias que impedem o avanço tecnológico e financeiro do canal, se organizar minimamente ao ponto de poder se estabelecer nesse novo universo digitalizado.


O que se pretende discutir a partir de agora, dando como exemplo a TVCOM Maceió como um canal comunitário que está tentando desempenhar o papel propagador na democratização dos meios de comunicação, como a tv comunitária pode de fato cumprir esse papel democrático. Será então analisado as características do canal como contraponto do discurso majoritário. A história do canal demonstra que setores da comunidade que não encontravam voz nos canais comerciais procuravam a TV Comunitária para poder se expressar. Exemplos como os programas Eu Quero Ver, TVCOM Entrevista, Fetag na TV e Conexão Periferia, que continuam no ar, demonstram que a TVCOM Maceió tem na sua grade de programação vozes marginais que podem fazer o contraponto do discurso majoritário da mídia comercial. O que será analisado mais adiante é como esse discurso de democratização dos meios de comunicações pode ser intercalado nos canais comunitários, mais especificamente neste trabalho, na TVCOM Maceió.


Capítulo 4- Questões Sobre a Democratização da Comunicação “O sinal digital marca a nova fase na história da TVCOM Maceió”, essas foram as palavras do Presidente do canal, Luiz Gomes da Rocha, no dia do lançamento do sinal digital do canal em dezembro de 2015. Na ocasião, o presidente afirmou que a digitalização da TVCOM Maceió não é só um avanço técnico que permite adentrar em novas fronteiras, como transmissão ao vivo via PC, tablet e smartphone, mas sobretudo, como um ponto de apoio para a luta em defesa da democratização da comunicação no Brasil.

O jornalista Marcelo Pellegrini, em artigo para a revista Carta Capital em 10 de novembro de 2015, destacou seis pontos importantes que definem o caráter não democrático dos veículos de comunicação no Brasil: 1- Concentração de Mídia e falta de conteúdo local; 2- Posse de veículos de mídia por políticos; 3- venda de concessão; 4- Subconcessão; 5- Descumprimento do percentual de conteúdo educativo na programação; 6- Emprego do veículo para a prática de crime ou contravenção. É importante destacar dois exemplos dos que foram citados acima. Um está no que diz respeito a concentração e a falta de conteúdo local. O outro está no que diz respeito ao descumprimento do percentual de conteúdo educativo na programação. Em conjunto, a Constituição e o Decreto-Lei 236, de 1967, proíbem a formação de oligopólios na radiodifusão e colocam barreiras na veiculação de conteúdo unificado em todas as regiões brasileiras, como maneira de garantir a produção local e diversificada de conteúdo. A realidade mostra que essas exigências não são cumpridas. (...) Atualmente, os grupos Globo, SBT, Record e Band dominam 69,4% da audiência televisiva. Os números derivam do fato de esses canais terem empresas afiliadas que, em sua maioria, retransmitem e reproduzem a grade de programação das empresas sede, as chamadas cabeças-de-rede. Por meio das afiliadas, a Globo, maior cabeçasde-rede do Brasil, transmite sua programação para 98,6% do território nacional, seguida por SBT (85,7%), Record (79,3%) e Band (64,1%). (Revista Carta Capital, em 10 de novembro de 2015).

No mesmo artigo o autor observa que: O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) determina que as emissoras de radiodifusão destinem ao menos 5% de sua programação para a transmissão de notícias e reservem 5 horas semanais para programas educacionais. Muitas empresas, contudo, não respeitam esses parâmetros. (...) Produzido em 2014 pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Informe de Acompanhamento do Mercado da TV Aberta revelou que a categoria Entretenimento ocupou 49,4% das grades de programação da TV aberta de São Paulo, seguida pelos grupos Outros (20,1%), que engloba os programas


religiosos; Informação (19,3%), e Publicidade (7,7%, sem considerar comerciais e chamadas). O grupo Educação aparece com 3,5%. O mesmo levantamento apontou a inexistência de programas educativos na Record e no SBT. Na Band e na Rede TV!, menos de 1% da programação era dedicada à educação. Na Rede CNT e na TV Gazeta, eram menos de 2%. De acordo com a Ancine, o percentual mínimo era respeitado somente pela Globo (5,6%) e pelas emissoras públicas: Cultura (9,2%) e TV Brasil (12,5%). (http://www.cartacapital.com.br/sociedade/radio-e-tv-no-brasil-uma-terrasem-lei-8055.html em 10/11/2015).

É importante destacar que nem mesmo a TVCOM Maceió tem cumprido o papel de democratização da comunicação no que diz respeito a inserção de material educativo na sua grade. Programas como o HardSoft, que dá dicas de informática e jogos eletrônicos, ainda é um dos poucos programas da grade que pode ser considerado de caráter educativo. Mesmo sendo comunitário, o canal ainda precisa “importar” material de outras TVs comunitárias e produtoras parceiras, demonstrando também que a TVCOM Maceió ainda tem na maior parte de sua grade, material de outros locais. Apenas o Eu Quero Ver, TVCOM Entrevista, Fetag na TV, Conexão Periferia e Luiggy.com , além de alguns programas que fazem parte da TV Maceió, são produzidos localmente. O motivo para a falta de programação local, de acordo com a direção da TV, é causado pela falta de recurso financeiro, já que a TV continua de certa forma terceirizando o material que é produzido localmente. A questão da democratização da comunicação também se dá na esfera da seleção dos conteúdos que são exibidos no canal e na imparcialidade dos jornalistas e dos produtores principalmente dos programas jornalísticos. No caso da TVCOM Maceió, a presença de programas como o TVCOM Entrevista, Conexão Periferia, Eu Quero Ver e Fetag na TV, que visam mostrar a luta dos trabalhadores e da cultura periférica num espaço que raramente é visto na mídia comercial, reforçam esse caráter democrático da TVCOM. Os próprios sindicalistas que são diretores de sindicatos parceiros da TV reconhecem que programas como o Eu Quero Ver e Fetag Na TV são uma ferramenta importante para suas lutas. Durante o lançamento do sinal digital da TVCOM Maceió, em dezembro de 2015, a diretora da Fetag-AL e presidente da Central Única dos Trabalhadores falou da importância do canal como “ferramenta que dialoga com a sociedade e que mostra o que está acontecendo com os trabalhadores”. Jairo França,


que é presidente do Sindicato dos Bancários de Alagoas, também destacou o papel da TV como “um espaço para os trabalhadores”. A TVCOM Maceió precisou ceder seis horas de seu espaço para a TV Maceió como contrapartida para o processo de digitalização. A diretoria do canal em tese tem apenas controle das outras 22 horas que em grande parte é de materiais vindo de outras emissoras. O “espaço para os trabalhadores” mencionado por sindicalistas fica então resumido a uma hora diária que, no caso representado pelo programa Eu Quero Ver. Quanto aos outros horários, sem dinheiro para produção local, fica inviável o controle do canal para conteúdo exclusivo de programas que visam dar “espaço para dar voz aos trabalhadores”. Ainda assim, vale questionar se a TV como espaço da voz dos trabalhadores se torna efetivamente uma ferramenta de democratização da comunicação. Considerando, nesse aspecto, o fato da TVCOM Maceió ter exibido em abril de 2014, uma série relembrando o golpe militar de 1964 --- talvez um dos poucos canais a discutir tal evento como contraponto da maioria dos veículos de comunicação do país--- sobretudo, da Rede Globo de Televisão, que foi apoiadora do golpe naquele ano, demonstra um aspecto importante da programação do canal comunitário na democratização da comunicação. Mais recentemente, as investigações da Lava Jato, constantemente exibidas pelos canais de TV comerciais, incentivaram os protestos de rua e os protestos midiáticos contra o governo Dilma Rousseff, o que acabou provocando seu afastamento da presidência da república. Durante os protestos contra e pró governo, o programa Eu Quero Ver, deu ampla cobertura aos movimentos contra o impeachment, claramente a favor do governo e denunciando o “golpe” arquitetado pelas mídias comerciais, o empresariado, parte do judiciário e a oposição no congresso. Por outro lado, os programas independentes da direção da TV--- ligada aos movimentos sociais e sindicais, aqueles que fazem parte da grade do conteúdo produzido pela TV Maceió--- chegaram a dar espaço para entrevistados que não consideravam o impeachment um golpe de estado, ou que seriam a favor do golpe contra o governo Dilma Rousseff. Essa pluralidade de opiniões dentro de um mesmo canal pode ser considerada como um ponto positivo na discussão da democratização dos meios de comunicação? Ou


isso estaria mais ligado ao fato da TVCOM Maceió, ao está exibindo programas de terceiros, não ter controle total sobre o conteúdo veiculado em sua programação? Ainda que sua direção seja formada por segmentos que representam os movimentos sociais e sindicais, seria a terceirização uma possibilidade concreta de trazer pluralidade aos debates e contrapor discursos antagônicos, fato que é raramente observado nos grandes veículos de comunicação, principalmente pelo fato desses veículos representarem o mercado financeiro e raramente terem programas terceirizados? Ou seja, seria a terceirização da programação uma forma de adquirir independência no discurso do canal e desta forma “democratizar” o veículo de comunicação? Podese afirmar que a terceirização dos programas traz, de certa forma, equilíbrio aos conteúdos e discursos propagados no canal já que essa prática quebraria o discurso unilateral, que pode ser encontrado mesmo em um canal comunitário como a TVCOM Maceió. Sobre a possibilidade de uma programação polifônica pode-se afirmar que há equilíbrio quando justiça seletiva e jornalismo discricionário se fundem? Normas e técnicas jornalísticas não são meros enfeites para códigos ou lições esquecidas nos bancos da escola. São peças essenciais para a sobrevivência da democracia. Na Lava Jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores momentos do jornalismo do passado. A audição generosa e justa do chamado outro lado das denúncias, tanto na apuração das informações como em sua edição, não existiu. (...) O abuso de reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornouse a regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. Quando informações em "off" dão as cartas e o outro lado é uma formalidade, o jornalismo não existe senão como contrafação. (...) O que foi feito do esforço de convivência de tantos profissionais de ponta com outras culturas jornalísticas mais avançadas, tolerantes e variadas? Onde estão as intenções de controle técnico, equidistância, sobriedade e isenção?” (http://www.conversaafiada.com.br/pig/mario-vitor-e-o-apocalipse-do-pig em 18/05/2016).

Mas na TVCOM Maceió, programas como o Eu Quero Ver, tampouco usam da “sobriedade e isenção”. Na verdade, o que pode ser considerado como uma garantia de “democratização” do espaço na grade de programação, tem mais a ver com o fato da independência dos realizadores dos programas veiculados na grade de programação do que da pluralidade e isenção dentro de cada programa. Obviamente, a TVCOM Maceió e demais TVs comunitárias, por não serem canais comerciais, ou


seja, canais que visam lucro, não estão obrigados a reproduzir o discurso do mercado. Mas, o discurso dos patrões ou daqueles que produzem os programas, mesmo ditos “independentes” ,de certa forma acaba influenciando o conteúdo dos jornalistas ou apresentadores ao produzirem seus materiais. A questão aí não é meramente econômica, mas também político-ideológica. A atual crise política no Brasil, ainda mais intensificada com o afastamento da presidente Dilma Rousseff e agora mais recentemente, com o vazamento da conversa do Ministro do Planejamento Romero Jucá, demonstra que jornalistas brasileiros, principalmente os que fazem parte da “grande mídia empresarial”, agem de acordo com os desmandos de seus chefes.

Em seu blog, Renato Rovai fala do que ouviu de uma de suas fontes a respeito do vazamento do áudio em que Romero Jucá diz que é necessário retirar Dilma Rousseff do poder para barrar a lava jato: “Também não por acaso, ontem, depois disso tudo acontecer e quando dava uma entrevista conturbada no Congresso que um repórter da GloboNews se aproximou dele e perguntou à queima roupa: – O senhor está pensando em fazer delação premiada? Jucá ficou atordoado e saiu sem responder. Mas a pergunta não estava fora de contexto. Teria sido pedida por um dos editores ao jovem jornalista. Era um aviso para Jucá dos seus amigos do PMDB de que a ameaça já havia vazado. E de que a Globo não iria preservá-lo.” (http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/2016/05/24/jornal-nacional-deontem-foi-negociado-com-temer/ em 24/05/2016).

Em “Os Novos Cães de Guarda”, Serge Halimi explica essa relação entre jornalistas e patrões. Meios de comunicação de massa cada vez mais presentes, jornalistas cada vez mais dóceis, uma informação cada vez mais medíocre. Ainda durante muito tempo, o desejo de transformação social há de continuar a esbarrar nesse obstáculo. Diante de um partido não declarado, de uma oligarquia da qual nada se deve esperar, é preferível ir à procura e encorajar as vozes dissidentes, conscientes do caráter irreversível de sua marginalidade mediática.” (...) Falando dos jornalistas de seu país, um sindicalista americano fez a seguinte observação: “Há vinte anos, eles almoçavam conosco nos bares. Hoje, jantam com industriais”. Limitando-se a encontrar “decididores”, pervertendo-se numa sociedade regida pelos cerimoniais de corte e voltada para os interesses do dinheiro, transformando-se em máquina de propaganda do pensamento atrelado à economia de mercado, o jornalismo confinou-se numa classe e numa casta. (HALIMI, 1998, p.148)

Conscientes da influência da imprensa, os patrões sabem que os jornalistas têm certo poder, ainda que na posição de funcionários, no sentido de assumirem a


voz dos veículos onde trabalham. Em entrevista ao Observatório da Imprensa, Halimi comenta sobre a relação da hierarquia na imprensa. A imprensa é um sistema dual que reflete as tendências dominantes. Quem está por cima são os próprios beneficiários, quem está por baixo repercute o pensamento oficial porque tem medo de perder o emprego (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd201098a.htm em 20/10/1998).

Seria ingenuidade acreditar também que isso seria apenas característica dos meios de comunicações pressionados pelo mercado. O poder político, influenciado também pelo capital mesmo em países considerados “socialistas”, impõe suas regras direcionando o papel dos jornalistas. O sociólogo e cientista política, Emir Sader, apresentando o livro “Os Novos Cães de Guarda”, de Serge Halimi: A grande imprensa francesa submetia ao “socialista” François Mitterrand listas de jornalistas, para que ele, democraticamente, escolhesse os que deviam participar das suas entrevistas coletivas. Na terra da “liberdade, igualdade, fraternidade” (HALIMI, 1998, p. 7).

Mas, voltando ao debate da democratização da comunicação, quais formas concretas poderiam ser adotadas para que casos grotescos como essa seleção de Mitterrand de fato não acontecesse?

Eduardo Amorim, do Coletivo Intervozes, em artigo publicado pela Carta Capital, após voltar à tona o debate da democratização da comunicação, afirmou que: Sinceramente voltarmos a falar como se fosse só a família Marinho o problema é reduzir demais um debate complexo. Como também é muito pouco pensar nessa questão apenas a partir do exemplo das eleições. Temos que ter noção de que os interesses financeiros por trás dos grupos de comunicação influenciam em todos os momentos, da vida esportiva à cultura de uma cidade, passando também pelo campo e os pequenos municípios, onde muitas vezes o domínio dos poucos veículos é ainda mais grosseiro.(...) Para aqueles que estão começando a olhar para esse jogo agora, é preciso deixar claro que a eleição é apenas um exemplo de como os grupos empresariais que controlam os grandes veículos de comunicação no Brasil pautam a nossa sociedade de acordo com o interesse deles. E para vencer a batalha para conseguir a democratização do setor, é preciso unir forças que representam diversas matizes sociais. Por isso, a pauta da democratização da comunicação é das ruas. (http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/democratizacao-dacomunicacao-muito-alem-do-debate-eleitoral-3713.html em 07/11/2014).

Mas se o debate da democratização da comunicação é nas ruas, como ela se dá?


Walcler Mendes Junior, no livro Sujeito- arquiautor, descreve cena do filme Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues que retrata a onipresença da televisão, fazendo-se presente mesmo onde a mercadoria se mostra quase ausente ou escassa. As pessoas aglomeradas na pracinha assistiam, bestializadas, à tela azul instalada no coreto. Naturalmente a relação com a televisão, inclusive no interior do país, não é hoje a mesma de trinta anos atrás. Ainda que as emissoras tenham desenvolvido estratégias sutis de persuasão em seu conteúdo imagético, as pessoas que cresceram assistindo televisão não têm a mesma leitura daquelas que, basbaques, a viram chegar e ocupar espaços públicos de muitos lugarejos no país. Porém, para uma TV que monopoliza e penetra a quase totalidade dos domicílios, não é difícil conferir o passo à frente nessa relação. (MENDES JUNIOR, 2010, p. 50).

Ainda do Sujeito-arquiautor: O objetivo é entender como a cidade, consequência da experiência urbana, é “inventada” por uma infinidade de discursos. No desejo de construir a cidade em palavras, os discursos podem somar-se, contradizer-se, reconhecer-se ou sequer se perceber como discursos de um mesmo significante: a cidade.(...) O sujeito-autor confecciona um tecido simbólico que adere a percepções de identidade e território, construindo narrativas que buscam interromper o esvaziamento do espaço público, ao mesmo tempo que se caracteriza como alternativa à leitura que a indústria cultural faz da cidade – construções dos campos da literatura, do cinema, da fotografia, das artes plásticas, da música, que se prestam ao exercício de questionar a leitura racionalizante, unívoca, convergente e mercadológica da indústria cultural. (MENDES JUNIOR, 2010, pp. 85-86)

Segundo o autor, o sujeito-arquiautor seria uma alegoria radicalmente oposta à do telespectador passivo. Na rua, no espaço público, que é “o palco da politização do indivíduo”, o sujeito autor encontraria um lugar “do diálogo e do dissenso que instiga o debate democrático”. Muniz Sodré, em Antropológica do Espelho, fala em “revolução” da mídia e o que ele chama de “democratização” da comunicação. A palavra “revolução” pode revelar-se, aqui, enganosa. Ela sempre implicou o inesperado do acontecimento (portanto, o transe de uma ruptura) e o vigor ético de um novo valor. Revolução não é conceito que se reduza ao da mudança pura e simples, uma vez que seu horizonte teleológico acena éticopoliticamente com uma nova justiça. As transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas de poder, embora possam aqui e ali agilizar o que, dentro dos parâmetros liberais, se chamaria de “democratização”. Mesmo do ponto de vista estritamente material, mutação tecnológica, parecenos expressão mais adequada do que “revolução”, já que não se trata exatamente de descobertas linearmente inovadoras, e sim da maturação tecnológica do avanço científico, que resulta em hibridização e rotinização de


processos de trabalho e recurso técnicos já existentes sob outras formas (telefonia, televisão, computação) há algum tempo.(...) O Impacto efetivamente revolucionário, no sentido da transformação de economia, política e vida social, deu-se com a invenção da ferrovia. (...) Revolução da informação fenômeno da estocagem de grandes volumes de dados e a sua rápida transmissão, acelerando, em grau inédito na História, isto que se tem revelado uma das grandes características da Modernidade. (SODRÉ, 2002, pp.12-14).

Seria então, a internet uma ferramenta extremamente importante no processo de democratização dos meios de comunicação, até mais do que a independência da influência do mercado ou até mesmo do poder popular das ruas na pressão pela democratização?

Seria essa ferramenta da internet tão importante como muitos críticos e estudiosos da comunicação afirmam?

Vejamos

o

caso

da

própria

TVCOM

Maceió,

que

usa

seu

site

www.tvcommaceió.tv.br, como ferramenta, talvez a mais importante do canal, já que a TV a cabo da NET consegue alcançar apenas uma quantidade limitada de telespectadores, abrangendo alguns bairros da capital alagoana. Se não fosse o site, a direção da TV não teria conseguido convencer os dirigentes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura a investir em um programa sobre a luta no campo através do programa Fetag na TV. Neste caso, a Internet é uma ferramenta fundamental no processo de democratização dos meios de comunicação, já que alcança não só espectadores em Maceió, mas também em todo o estado de Alagoas e mais ainda, no mundo inteiro.

Por fim, o outro ponto na discussão da democratização da comunicação tem a ver com as formas de financiamento. As TVs comunitárias têm considerado as leis de financiamento para os canais comunitários um grande retrocesso e impasse no desenvolvimento das emissoras.

A Associação Brasileira dos Canais Comunitários (ABCCOM) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, para contestar o artigo 32, parágrafo 5º, da Lei 12.845, de 2011. O dispositivo proíbe a veiculação remunerada de anúncios nos intervalos da programação dos canais comunitários, bem como a


transmissão de publicidade comercial, ressalvados os casos de patrocínio de programas, eventos e projetos, veiculados sob a forma de apoio cultural. A ABCCOM afirma que o dispositivo viola diretamente os artigos 220, parágrafos 1º e 2º, e 221 da Constituição Federal”. Segundo a CF, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. Além disso, a Constituição veda a oposição, mesmo que em lei, de qualquer embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Da mesma forma, veda "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Segundo a ABCCOM, embora as TVs comunitárias não desenvolvam atividades econômicas sob regime empresarial com objetivo de lucro e predomínio da livre iniciativa e da livre concorrência, elas precisam de patrocínio para manutenção básica como aluguéis, contas de energia, funcionários, encargos sociais e outros. A associação afirma ser importante e necessária a publicidade institucional para o pagamento de salários dos funcionários, para o seu próprio custeio e para obterem maiores recursos para melhorar a qualidade de sua programação. Não se pode negar que a presença de mais recursos financeiros propicia meios audiovisuais mais modernos e atraentes de comunicação (ABCCOM, 2011)

Portanto, o que se vê é que a discussão da democratização da comunicação é algo mais amplo e complexo do que o simples discurso populista e do senso comum, muitas vezes entoado pelo "Fora Globo". Por outro lado, o investimento em grandes veículos versos o investimento totalitário em TVs públicas centralizadas, tampouco conseguiriam cobrir as demandas das diversas comunidades no país e mostrar as várias identidades comunitárias. É importante também que o debate se faça na rua, reconhecendo seu espaço público assim como através das ferramentas midiáticas que auxiliam o processo de compartilhamento das informações, como é o caso da internet. O debate da democratização da comunicação deve ser pensado sempre, levando-se em conta todos esses elementos.


Conclusão

Em abril de 2011, quando assumi a direção do programa Eu Quero Ver, na TVCOM Maceió, o canal comunitário passava por um momento de transição importante. Na época, a nova diretoria eleita já começava a organizar o processo de digitalização do canal. Além disso, a discussão da democratização da comunicação era algo rotineiro na programação do canal, visto que o momento de tensão política no país e a presença dos movimentos sindicais e sociais na direção da tv, abriram espaço para que o debate acontecesse. Não haveria momento melhor para que fosse feito um debate crítico a respeito da democratização dos meios de comunicação. No entanto, a quantidade de discursos com elementos do senso comum, me fez procurar compreender como tal processo poderia avançar de fato, tanto no lado teórico quanto no lado prático. Primeiramente, para que a discussão fluísse e saísse do senso comum, seria muito importante ir além do debate, já tantas vezes discutido, de que o mercado é quem controla os meios de comunicações. Ora, essa não passa de uma discussão óbvia. Segundo Umberto Eco, “hoje um país pertence a quem controla os meios de comunicações”. (Eco, 1984, p.165). Assim como no documentário Além do Cidadão Kane, (Beyond Citizen Kane) de 1993, que mostra o poder da Rede Globo e da família Marinho na política brasileira. Como vimos nos capítulos anteriores, a Rede Globo é quem dita as regras na política do país, numa versão parecida ao “coronelismo midiático”,

O linguista e filósofo Noam Chomsky fez uma análise importante sobre os meios de comunicação de massa: A análise da perversão midiática não exige, nos países ocidentais, qualquer apelo à teoria do complô. Um dia, um estudante americano me fez a seguinte pergunta: “Gostaria de saber como a elite consegue controlar a mídia?”. Respondi: “Como é que ela controla a General Motors? A pergunta não tem razão de ser. A elite não precisa controlar a General Motors uma vez que é sua proprietária”. (CHOMSKY, 1993, p.39).

Se a mídia pertence a elite, se o mercado é quem dita regras nos meios de comunicação, a experiência na TVCOM Maceió me fez questionar qual seria então a alternativa objetiva para esse processo acontecer através de um canal que pertencesse de fato à classe trabalhadora.


Mas o debate dos canais privados versus público levanta um outro questionamento.

Na avaliação do ex-diretor da BBC, John Reith, a mídia pública deveria informar, divertir e educar. A este último propósito, a mídia publica expressa seu papel mais importante, pois é nessa função de educar que poderia influir nas novas gerações através do processo pedagógico também de formar adultos com outro patamar de instrução. Para Reith, o investimento em crianças era estratégico, pois enfrentava menos obstáculos. Já os adultos possuem uma capacidade de apreensão menor, além dos vícios de formação. Assim, o foco incidiria naquelas gerações que em alguns anos estariam nos postos-chave da administração do Reino Unido.

O setor de radiodifusão pública da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aponta como uma das características centrais da mídia pública, o foco em educação e formação de novas gerações, para além de oferta universal, da diversidade e da independência na produção de conteúdo, menos em relação ao Governo do que em relação às limitações, enquadramentos e necessidades impostas pelo mercado. O foco em educação, sob a condição de independência editorial e de conteúdos em geral, implica na categoria de “distintividade”. Distinvidade requer que o serviço oferecido pela radiodifusão pública distingase dos demais. Na programação da radiodifusão pública – na qualidade e no caráter particular dos programas- o público deve conseguir identificar o que distingue este serviço de outros. Não é apenas uma questão de produzir os tipos de programas que outros serviços não estão interessados em fazer, visando audiências rejeitadas por outros. É uma questão de fazer diferente, sem excluir nenhum gênero. Este princípio deve comandar os radiodifusores públicos a inovar, criar novos gêneros e formatos, dar o exemplo no mundo audiovisual e estimular outras redes a seguir o exemplo (UNESCO, 2000, p. 8).

Além da alternativa ao modelo comercial, há também o sistema público nãoestatal, constituindo uma independência ainda mais abrangente, protegendo-se tanto das influências do mercado quanto do controle do Estado. A subordinação a qualquer um desses polos tiraria a dimensão universal de reflexão do público em favor dos


interesses particulares seja de um ou mais capitais, seja de um ou outro partido. A influência dos primeiros impediria qualquer noção de diversidade e de reflexão ao contaminar o espaço público midiático com a lógica de produção homogeneizante e superficial, característica da comunicação comercial. Já o controle dos segundos destruiria a independência editorial necessária à transmissão de conteúdos equilibrados que visem apresentar aos cidadãos aspectos relevantes de uma questão para uma tomada de posição autônoma. Nem controlada pelo mercado ou pelo Estado, a razão de ser da radiodifusão pública é o serviço público. Essa é a organização da radiodifusão pública; ele fala a todos como cidadãos. Radiodifusores públicos encorajam o acesso e à participação na vida pública. [...] Radiodifusão pública é definida como um local de encontro onde todos os cidadãos são bem-vindos e considerados iguais (UNESCO, 2000, p. 4).

A declaração do workshop de sistemas públicos de comunicação realizado pela Unesco no World Forum on Eletronic Media, em Genebra, 2003, coloca essa independência como condição para que os meios públicos consigam produzir conteúdos imparciais e críticos. Ao afastar-se da dependência dos dois polos, os meios públicos garantiram a expressão do universal por intermédio do debate de ideias entre as diversas opiniões existentes sobre cada tema.

A criação de conselhos autônomos, inclusive o que se experimenta em algumas TVs Comunitárias, a pluralidade na diretoria dos canais, é, de acordo com Leal Filho, um modelo consagrado dos sistemas públicos de comunicação na Europa. Criaram-se conselhos gerais autônomos, formados por representantes da sociedade, que detém a última palavra na administração de emissoras onde a participação financeira do Estado é pequena ou simplesmente inexistecomo é o caso da BBC de Londres (LEAL FILHO, 1997, p.79).

O que se pode entender disso é que para que tal missão seja concretizada, o binômio controle-financiamento é condicional para garantir a independência desejada.

Outra discussão acerca da TV pública, diz respeito a dois aspectos centrais: a natureza autônoma e o compromisso cidadão com a diversidade cultural. O primeiro vai ao encontro da necessidade de superar a estreita vinculação governamental do passado. “Assim retirando a televisão do domínio e da orientação hegemônica do Estado, levando-a para uma autonomia social e política”. (BELTRÁN, 2002, p. 100)


Martín-Barbero utiliza esse predicado “cultural”, comparando uma “televisão pública de cultura” a uma televisão pública de qualidade, que se caracterizaria por manter uma produção cultural própria, perpassando todas as faixas da programação, construindo uma relação particular e especial com a acelerada e fragmentada vida urbana, desempenhando um papel alfabetizador da sociedade em relação às novas linguagens e aos meios técnicos das sociedade convergente e por fim, tendo uma concepção multidimensional da competitividade envolvendo “profissionalismo, inovação e relevância social de sua produção. Desta forma, o seu compromisso programático a diferiria dos modelos privados e estatais por interpelar os cidadãos, convidando-os à participação e ao reconhecimento social de suas diversas facetas multiculturais.

De fato, é possível encontrar elementos dessa qualificação de TV pública, no próprio canal comunitário, TVCOM Maceió. Tanto pela produção cultural local através de programas como o Conexão Periferia, quanto pelo uso das novas linguagens e pelo papel pedagógico de formação da sociedade no programa Eu Quero Ver. Outros elementos, como a formação técnica de profissionais e recursos tecnológicos ainda deixa muito a desejar. A fala de Martín-Barbero também discute o papel da cidade, do espaço urbano público como influenciador dos meios de comunicação públicos e da luta pela democratização das mídias. A TVCOM Maceió como ferramenta para a luta da democratização também está entrelaçada com seu papel no sistema capitalista na luta de classes, como TV das comunidades, dos artistas independentes e, sobretudo, da classe trabalhadora. Ainda que pese a abstração e abrangência dessa categoria de classe trabalhadora, o fato da TVCOM levantar a bandeira desse signo como carro chefe das chamadas e da própria programação, deixa claro seu posicionamento ideológico em defesa dos direitos de que grupos e categorias sociais, por sua vez, contrárias e antagônicas ao desfrute de privilégios historicamente estabelecidos e desfrutados pela classe patronal, seja do campo, seja da cidade, seja do setor industrial, de serviços, de alta tecnologia ou de empresário ligado a produção de bens primários. O que torna essa divisão válida desde Marx, é o fato das necessidades do trabalhador jamais coincidirem com as do empregador.


Enquanto na abordagem culturalista o que define os sistemas públicos de comunicação é seu programa cultural e sua interpelação das audiências enquanto cidadãos, a visão ancorada na tradição marxista baseia sua conceituação nos traços constitutivos da instituição Estado no capitalismo e de sua função na dinâmica conflitante que permeia o desenvolvimento desse sistema social: a luta de classes. (INTERVOZES, 2009, p. 40).

Sabendo que o Estado, como se encontra hoje no capitalismo, representa a burguesia, não interessa tampouco sua dominação nos meios de comunicação, que do ponto de vista das redes comunitárias ou de uma imprensa livre, muito se assemelha a dominação do mercado.

Bolaño (2000, pp. 215-216) localiza no Estado um dos sustentáculos da indústria cultural, que seria “um elemento de mediação entre o capital, o Estado e as outras instituições das ordens econômica e política, de um lado, e as massas de eleitores e consumidores, de outro”. Segundo o autor, as classes dominantes organizaram um aparato que cumpre três funções fundamentais perante a população: (1) garante a coesão social em um quadro de desigualdade (propaganda), (2) dá suporte à valorização dos capitais em concorrência no sistema econômico (publicidade) e (3) atende às demandas informativas do público para permitir o êxito dos dois propósitos anteriores (programa).

Os meios de comunicação seriam então aparelhos estatais que existem para garantir os interesses gerais do Estado, segundo um modelo capitalista que apela a formação de um coletivo ideal, povo coeso e homogeneizado (muitas vezes dentro do segmento de classe média, como ocorre na social- democracia em que as disparidades de renda só atingem um apequena parcela de pobres e ricos) pela ação hegemônica da indústria cultural, cumprindo primordialmente a função de propaganda.

Para as TVs Comunitárias, o Estado burguês tampouco serviria como ferramenta de democratização dos canais comunitários, já que o Estado serve a indústria cultural.

Essa última discussão se faz necessária porque explica que não virá do Estado burguês a tentativa de democratizar os meios de comunicação. Para a visão marxista, as instituições públicas não existem fora do Estado, mas, ao contrário, fazem parte do


sistema de aparelhamento. Não existiria, portanto, uma mídia pública e outra, estatal. Ou seja, a mídia pública independente do Estado. O estatuo jurídico da televisão pública é o ponto de partida para entender sua missão. Se a geração, o controle e a remoção das autoridades dependem diretamente do chefe do governo, a conduta do meio deverá seguir a orientação do governo de turno; estamos falando, portanto, de uma “televisão governamental’. Caso contrário, se no processo de geração, controle e remoção das autoridades da empresa intervirem órgãos plurais e representativos do Estado, será possível dar autonomia à empresa em relação ao poder e aos interesses imediatos do governo (PORTALES, 2002, pp. 128-129).

Não se pode esperar do Estado burguês a iniciativa de democratização dos meios de comunicação. Por outro lado, por suas características próprias, as TVs comunitárias, dado por exemplo, a TVCOM Maceió, têm ampliado o debate com os movimentos sociais, sindicais e culturais, utilizando elementos importantes para que esse processo aconteça. Ainda resta muita organização política e até maior participação das entidades de classe que compõem a direção e organização do canal para que a pluralidade possa ser estabelecida. Ademais, o papel dos canais comunitários é fundamental como veículo de aproximação das pessoas às suas próprias identidades. Isso também tem a ver com a tentativa de apropriação do espaço público pelas pessoas à medida que há a expropriação do privado.

A alternativa seria então a luta por uma TV pública-popular, que teria como características: laços de proximidade com a população, diversidade de programação, participação

ativa

de

seus

membros,

caráter

cooperativo,

interação,

representatividade, além de uma grade de programação voltada a educação, cultura, artes e cidadania, em que o interesse público ficaria acima do particulares ou de grupos específicos. O canal público-popular não seria público de alta cultura e nem educativo cultural controlado pelos governos. Seria de fato um canal que pertencesse a sociedade civil. E esse modelo está em construção.

Como já foi falado antes, o processo de democratização da comunicação é muito amplo e complexo. Na prática, dado como exemplo a TVCOM Maceió, é preciso mais mobilização social para dar maior empoderamento a mídia comunitária ao mesmo tempo que também é necessário criar centro coletivos de produção


audiovisual para alimentar as tvs com conteúdo independente. Também é preciso ampliar o acesso popular através da capacitação de jovens e lideranças populares. Isso, por exemplo, já começa a acontecer na TVCOM Maceió através do programa Fetag na TV, que, por conta do custo de produção e de profissionais, a direção da tv e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura criaram um grupo de comunicação na entidade a fim de profissionalizar futuros jornalistas, documentaristas e fotógrafos. Mas se é das ruas que a democratização de fato acontecerá, não restam dúvidas que, a contribuição das TVs e rádios comunitárias não deve ser negligenciada, considerando que o escopo de poder reacionário e antagônico, as transformações efetivas estão devidamente aparelhadas pela parceria entre a ideologia de mercado e o Estado burguês. A saída é realmente pelas ruas, através da conscientização de classe, sobre modos de usar e ocupar o espaço público, forçando sua democratização, reforçando o reconhecimento das identidades culturais (não nacionalistas, mas comunitárias) que organizará a classe trabalhadora para realizar não uma “reforma” da cultura, mas uma “revolução” cultural que caminhará lado a lado de uma revolução social com a derrubada do Estado burguês.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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