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A embriaguês, a ressaca e o lenitivo
A embriaguês, a ressaca e o lenitivo
Final de expediente. Era sexta feira. Depois de uma semana corrida e cheia de possibilidades, restou a ele aquela sensação silenciosa de frustração. Embora não gostasse de beber quando estava psicologicamente instável, não resistiu ao desejo de tomar umas doses de qualquer coisa que o fizesse relaxar e se desligar do turbilhão de pensamentos que o afligia e o angustiava: dívidas, relacionamento, a carreira, o futuro, a morte... Quem sabe um porre não seria oportuno, pra desconectar e desligar, de forma radical, a sua mente do real...
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De imediato, aceitou o convite dos amigos para estenderem o expediente num barzinho a beira mar. Depois de muitas cervejas, doses de uísque, tira-gostos dos mais variados tipos e muita “conversa jogada fora”, a roda de amigos começou a ser desfeita e, um após o outro, cada um ia se despedindo e indo embora cuidar de seus compromissos: namorada, esposa, filhos, pais, suas obrigações os aguardavam. Ele, que nessas ocasiões, era um dos primeiros a ir embora, foi ficando... E bebendo... E ficando... E bebendo... Até que se viu sozinho.
Sob o risco de não conseguir se levantar ou sair do recinto notou que não aguentava consumir mais nem uma dose sequer. Solicitou imediatamente a conta e pediu que chamassem um táxi. Seu carro, estacionado a poucos metros do botequim onde se encontrava, ficaria ali mesmo. Viria buscá-lo quando estivesse sóbrio, caso lembrasse aonde o deixou. O táxi solicitado logo chegou. Entre resmungos, cambaleios e tropeços, foi embora. Já no apartamento, com certo esforço, conseguiu abrir e fechar a porta. Jogou-se na cama vestido com os mesmos trajes que saiu pela manhã.
Embora não possuísse nenhuma doença hepática, pancreática ou renal, esses três órgãos vitais (pelo menos para quem exagera na
dose), fígado, pâncreas e rins, cobrariam caro para fazer o metabolismo daquele excesso de álcool consumido. No meio da manhã, ao despertar meio atordoado e sem saber exatamente como conseguiu chegar a sua cama, são e salvo (a bem da verdade, mas salvo do que são), logo foi obrigado a tomar consciência da devastação física que a brincadeira da noite anterior agora lhe creditava. A boca seca e o gosto amargo de bílis logo brotaram em seu paladar... Enjôo, vômito, taquicardia, tremores, dores abdominais...
O aumento da frequência cardíaca e o tremor das mãos eram os sintomas que mais lhe incomodavam. Consistiam em sinais claros de que, além dos efeitos gastrintestinais, o sistema nervoso central e o coração também haviam sido atingidos pelo exagero etílico cometido e agora pediam clemência, através daqueles efeitos colaterais nada desejados. Também, pudera! Misturou fermentado com destilado, sem contar as doses generosas de energéticos. Assim que tomou consciência de que seu estado físico não era dos melhores, ligou para a farmácia e pediu para que enviassem um pacote de remédio em quantidade suficiente para aliviar todos aqueles sintomas que experimentava naquele vão momento... Logo a entrega da encomenda redentora foi feita. Abriu a sacola plástica com uma ansiedade quase famélica. Ali estava a possível cura para o seu vasto, genérico e irrestrito mal-estar.
Um a um, foi selecionando os medicamentos, conseguindo montar um verdadeiro coquetel farmacológico: 01 flasconete de Epocler, 01 flasconete de Xantinon, 02 comprimidos de Engov, 02 comprimidos de Dramin, 01 comprimido de Repoflor e uma 01 Cápsula de Omeprazol. Por último, para sentir as vísceras borbulharem e ter a certeza de que elas ainda estavam lá, colocou 02 efervescentes antiácidos num copo d’água. Após deglutir tudo, sentou-se no sofá para esperar os benéficos efeitos dessa farra química, que prometia aliviar os males, sintomas e efeitos danosos do desatino praticado na noite anterior. Não sem antes prome-
ter a si mesmo que nunca mais voltaria a beber.
Aos poucos, os incômodos estomacais e a inquietação emocional foram dando lugar a uma indisposição física faraônica. Logo se consolidou nele a vontade de não fazer nada. O desjejum nem pensar. Nem imaginava a hora em que poderia ingerir algum alimento sólido. Os excrementos fermentados e as flatulências nada agradáveis também se constituíam em efeitos colaterais que evidenciavam que a flora intestinal fora devastada. Restaurá-la era a prioridade.
Em pouco tempo, após a ingestão do coquetel salvador, acendeu o desejo de ingerir líquidos, de preferência bem doces, para hidratar e repor a glicose e auxiliar na queima do excesso de calorias, provenientes das elevadas doses ingeridas de alcalóides. A cabeça também lhe doía ao longe. Por precaução, ao sentir a cabeça pesar mais que o suportável, ingeriu logo dois analgésicos para também aliviar a tensão no crânio. Em instantes, adormeceu e sonhou com ilhas paradisíacas, cachoeiras refrescantes e belas mulheres a lhe servirem saborosos sucos de frutas tropicais.