As ameaças randômicas e os efeitos transversais das medidas de prevenção à Pandemia da COVID-19

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As ameaças randômicas e os efeitos transversais das medidas de prevenção à Pandemia da COVID-19

Texto: Lutero Rodrigues B. de Melo – Jornalista

Nenhuma sociedade está plenamente organizada, preparada ou aparelhada para enfrentar uma ameaça randômica (aleatória), que surge de variáveis incontroláveis, imprevisíveis e inesperadas, onde os sujeitos sociais, por si mesmos, não estão em condições de proteger-se dos seus efeitos danosos, nocivos e lesivos, que escapam inclusive aos controles institucionais. Esse é o caso da Pandemia provocada pelo Corona Vírus. As dificuldades para lidar com situações dessa natureza se agravam pelo fato dos próprios atores sociais que as vivenciam colocarem em dúvida as pretensas estratégias e os mecanismos que almejam proporcionar o razoável controle da situação, acrescentando ainda mais exigências ao tênue equilíbrio que as tensões das conjunturas randômicas originam, como no caso da COVID-19. Uma parte das decisões tomadas pelos representantes dos poderes instituídos agrada e beneficia parte da sociedade e/ou desagradam e causam preocupações em outros segmentos coletividade. A instauração do conflito político gerado pela diversidade de reações torna o ambiente social ainda mais cáustico e pernicioso. A probabilidade de colapso do sistema de saúde, público e privado, através do esgotamento de sua capacidade de acolher a totalidade dos possíveis contaminados, a possibilidade de desabastecimento de alimentos e medicamentos que inviabilizem a sustentação da saúde e a conservação do corpo, entre outras plausíveis mazelas, também desestabiliza as emoções e comiserações em boa parte dos cidadãos, provocando insegurança e ansiedade.


Nesse ambiente mental e emocionalmente insalubre, o comportamento social da coletividade, através inesperadas e indesejadas respostas padronizadas, através do chamado efeito de manada, pode tornar-se uma ameaça pior que a causa original, com danos devastadores que prevalecerão após a superação do agente ameaçador. Portanto, deter a dúvida, encorajar o enfrentamento da ameaça de forma rápida, dinâmica e enérgica, evitar a ampliação do medo, acalmar os ânimos e reestabelecer a confiança, são atitudes que impedirão a instauração de um ambiente de confusão, agitação, tumultos e conflitos, agentes precursores da desordem social e do caos. O pedido de decretação de Estado de Calamidade Pública por parte do governo federal e sua autorização pelo Congresso Nacional não é um alvará que liberar os governantes para fazer declarações ou tomar decisões que façam surgir uma atmosfera de desconfiança, conflito e abalo social. Diante da gravidade da atual conjuntura, não há espaço pra se abusar do oportunismo político e exercitar a manipulação da opinião pública através de declarações e decisões venenosas, cujas reais intenções e finalidades são inconfessáveis. Sabem todo/as que, em tempo de anomalia social, as declarações e as decisões políticas trazem implícitas intenções não manifestadas e não reveladas. A ameaça da COVID-19 não pode ser reforçada pela ameaça à lesão ao direito e garantia à vida de todos os cidadãos brasileiros quaisquer que sejam suas fachas etárias. Os riscos de uma ameaça imponderável incluem os riscos dos efeitos das próprias medidas tomadas para combatê-la, contê-la, restringi-la ou atenuá-la. Ou seja, a contextualização das ações e a consistência das alegações e das justificativas para a tomada de decisões, a partir de conhecimentos e reflexões qualificadas que necessitaram da validação baseadas nas experiências de outras nações, cujos resultados confirmam ou negam seu vigor e legitimidade. Portanto, nem mesmo o alinhamento ideológico com o governo federal pode ser justificativa ou impedimento para se refletir de forma crítica sobre as declarações e decisões que são tomadas pelo presidente da república em nome da prevenção à COVID-19, do combate ao desemprego, da estabilidade econômica ou quaisquer outros argumentos. Muitas emoções, sentimentos e pensamentos estão sendo refreados, reprimidos, guardados e silenciados e as declarações, afirmações, avaliações e julgamentos que visam dificultar a união, o entendimento e a adesão da sociedade no combate à Pandemia do Corona Vírus devem ser desaprovadas. As autoridades sanitárias brasileiras têm demonstram um alto nível de conhecimentos e habilidades para o controle da situação e buscam criar as condições ideais para o enfrentamento da Pandemia. Nesse momento de possível flagelo e comoção nacional, a transparência é bem vinda, pois a responsabilidade por possíveis erros cometidos na condução das ações de combate ao Corona Vírus não pode ser creditada ou atribuída aos fatores situacionais, mas as próprias instâncias e comandos decisórios.


A população necessita de (in) formação, pois estão ávidos por instruir-se para colaborar. Querem ajudar a superar essa Pandemia, mas retirar-lhes, simplesmente, dos espaços públicos sem lhes dá algumas garantias, não vai produzir os efeitos desejados. Pelo contrário, trará o medo de passar necessidades. Não se tem como monitorar o comportamento das pessoas dentro dessas zonas de exclusão. Criar as condições para que os sujeitos sociais em situação de risco social também possam em suas vidas diárias adotar comportamentos com padrões minimamente aceitáveis de asseio, higiene e limpeza é, para além de um desafio, uma tarefa inadiável. O conjunto de habilidades ambulatoriais de saúde pública, incluídos aí a higiene, o asseio e a limpeza, devem servir de referência e ser utilizadas para ajudar a população a adotar comportamentos de cuidados pessoais e coletivos. Fazer chegar essas referências em espaços repletos de moradias insalubres, em condições subumanas e degradantes, mas onde as pessoas ainda não estão paralisadas pelo medo da morte, consolidará essa luta travada pela preservação da vida. O medo da população carente de passar necessidade (fome, literalmente) é maior que o medo de ser contaminado com o Corona Vírus e serem vítimas fatais da COVID-19. Para acalmar os ânimos, as autoridades têm que repassar confiança e garantir que não vai faltar alimento na mesa dos mais pobres, adotando medidas práticas, como a distribuição de alimentos da Cesta Básica nas comunidades carentes das áreas urbanas e da zona rural, utilizando para isso o estoque regulador. Essa sim é uma medida eficiente para ajudar no combate à propagação da Pandemia. Portanto, as pessoas só vão se comprometer espontaneamente com as medidas de combate ao Corona Vírus se confiarem nas autoridades e acreditarem que elas as socorrerão caso haja uma crise extrema e um colapso no sistema de saúde e/ou de produção e distribuição de alimentos, exigindo-se uma quarentena quase que absoluta da população. A população carente tem que se convencer e acreditar que fazem parte dom jogo no combate à pandemia. Só conseguiremos um alto nível de comprometimento da população, que possa trazer resultados positivos no presente (e no futuro, caso venha a surgir situações parecidas de ameaça e risco à vida) se a população integrar-se de forma plena no combate à COVID-19. Tudo isso é novo e o Estado brasileiro tem que educar seus cidadãos a lidar com situações dessa natureza. O processo de aprendizagem está só começando e que essa experiência traumática não seja inútil, mas que possibilite o empenho e o engajamento da população. Por seu ineditismo, estamos vivendo uma situação que serve de laboratório. A superação dessa grave situação de saúde pública só vira se houver o comprometimento que englobe tanto o comportamento pessoal quanto o monitoramento do comportamento dos familiares, amigos e vizinhos. Não se trata apenas de cada cidadão desempenhar suas tarefas e obrigações, mas se faz necessário que se passe a ajudar e colaborar coletivamente com atitudes e comportamento proativos em nossas rotinas de vida.


Contra todos nós existe o fato de não haver tempo para a testagem de fórmulas mágicas ou procedimentos ideais de intervenção. Nesse momento, erros e indecisões podem ser fatais, pois pode trazer consigo uma tragédia de dimensão nacional. Não há espaço para tentativas e erros, no sentido de que não haverá oportunidade para repetir medidas e corrigi-las. Não há espaço para a experimentação amadora ou insana. Restringir a circulação de pessoas, impor o distanciamento e o isolamento social dentro de casa, sem garantias de que não passarão necessidade, demonstra ausência de sensibilidade e estupidez. Os seres humanos, em situação de extrema ameaça, agem para inibir a geração e circulação de informações desnecessárias, mesmo que válidas, que criem padrões de oclusão, obstrução e interrupção dos processos de superação do problema ou que atravanquem, embaracem ou impeçam o ciclo de ações para transposição da tragédia no mais breve espaço de tempo. Não adianta o governo federal tenta ocultar suas verdadeiras intenções, buscando criar uma falsa consciência para mascarar os efeitos contrários de suas decisões aos interesses da coletividade de evitar a contaminação e mortes pela COVID-19. Nesse momento, as atuações políticas que busquem estabelecer ou reproduzir condutas que impeçam a transparência ou tentem ocultar que os erros relacionados ao combate à Pandemia do Corona Vírus sejam imediatamente detectados, identificados e corridos a tempo de evitar danos, será repudiado, rejeitado e abandonado até mesmo por seus defensores.


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