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Clarindo e sua mania em elogiar Clarindo era um sujeito normal. Na verdade, quero dizer, um sujeito comum, mediano, desses que a gente encontra por aí aos milhares, igualzinho a mim e a você. E, como a maioria das pessoas que a gente conhece, convive e interage normalmente em no dia a dia. Cidadão honrado, cumpridor de seus deveres, pelo menos aqueles que ele considerava e acreditava ser indispensáveis para o devido exercício cotidiano da cidadania. Mas Clarindo tinha um defeito visível: não conseguia criticar ou apontar falha em ninguém. Só sabia elogiar. Se o sujeito possuía um defeito ou qualquer má qualidade de caráter, Clarindo fazia questão de não fazer referência a essa malfazeja fraqueza da moral ou da personalidade alheia. Se o indivíduo possuísse qualidades, quer fosse uma, apenas uma, Clarindo praticava o ato de generosidade que com ele mais combinava: tratava de elogiar o dito-cujo antes que alguém disparasse uma maledicência contra o referido e ele ingressasse em dificuldade para derramar seus elogios ao fulano em destaque. Caso ocorresse de Clarindo descobrir haver algum parente, amigo, vizinho ou conhecido, e às vezes até desconhecido, que não merecia receber um louvor, de imediato, tratava de identificar um comportamento, uma ação ou uma característica para comentar, de forma pródiga, essa qualidade. Combinava palavras para obter substantivos adjetivados e construir predicados que contivessem advérbios de intensidade que possibilitassem conferir alguma qualidade ao infeliz desafortunado de particularidades louváveis. Antes que eu seja criticado por você, leitor, por identificar em Clarindo um defeito que você pode computar como qualidade, esclareço: esse atributo de Clarindo causava muitos transtornos, aborrecimentos e decepções, pois trazia implicações, às vezes 48 | Sonetos da Meia Noite Contos do Meio Dia


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