Ela cultivava o gosto pela dúvida e a incerteza Ela não tinha certeza de quase nada. Sentia uma atração quase fatal por expressões que produzissem dúvidas. Ou melhor, adorava locuções verbais, orais ou escritas, que traduzissem e demonstrassem suas incertezas, incluindo aí as improbabilidades de sua vontade sem desejos. Para ela, a dúvida era o fundamento da pureza da mente e da alma. Assim, o modo subjuntivo era a configuração sintática que mais lhe fascinava. Casava bem com suas suspeitas e desconfianças, de tudo e de todos, e principalmente dela mesma. Vivia exercitando a gramática para arranjar ocorrências linguísticas em que as formas conjuntivas pudessem ser cultivadas... E, para isso, não economizava oportunidade. Lia romances, contos, crônicas e reportagens em busca de citações que contemplassem seu gosto pela imprecisão. Em qualquer ambiente ou situação, caso tivesse oportunidade e a criatividade fosse pródiga, aproveitava os três tempos gramaticais, presente, pretérito e futuro, para produzir efeitos de sentido em consonância com sua vocação para a suposição. Sempre que havia a possibilidade de praticar uma ação que pudesse ter implicações mais sólidas e duradouras em sua vida, fazia questão de usar em seu favor o benefício da dúvida e caprichava na incerteza: “Se eu realmente vier a fizer isso...”. Assim é que, com o passa dos anos, sua relação com a improbabilidade foi tornando-se incorrigível. Duvidava até dos fatos acontecidos e examinados pela história. Gostava de transformar um fato verdadeiramente ocorrido em um episódio incerto... Sabia-se lá a quem poderia interessar tornar um fato não sucedido em uma ocorrência autêntica...Quanto ao futuro, aí é que ela abusava da (im) probabilidade... Sem que nem para quê, lá estava ela alinhavando conectivos duvidosos. “Se eu fizer isso, acontecerá 46 | Sonetos da Meia Noite Contos do Meio Dia