Noite sem estrelas nem luar Noite de inverno, sem estrelas nem luar. Ameaçava chover. Logo uma tempestade desabaria sobre a cidade... Dentro da noite, o céu derramou-se com persistência sobre a terra molhada. A atmosfera relampejava e as nuvens trovejavam. O clima fazia-se frio. A umidade do ar e o vento à beira mar era quase congelante. Amanheceu e das árvores escorriam abundantes gotas d’água deixadas pelo temporal. O orvalho acumulado na exuberante folhagem do jardim parecia querer segredar alguma coisa para as flores, que se recusavam a desabrochar, resistindo à exibição antes do sol surgir, na certeza de que, em breve, o brilho e o fulgor solar haveriam de aquecer o vento. Brotava da terra um cheiro forte de fertilidade que anunciava a fecundidade e o florescimento da vida vegetal em toda a sua vibração e ardor germinativo. Em seu quarto, Sabrina acabara de acorda ao som dos acordes de sax que vinham da sala, onde sua mãe ouvia B.B. King. Pressentia a realização de um prazer a tempo contido. O silêncio envolvente e aconchegante que cobria o aposento trazia ao ambiente um sentimento de serenidade e quietude que parecia disfarçar e encobrir as mágoas recônditas que remontavam à infância e remoíam o seu coração. Para confirmar aquele estado de instabilidade emocional, lá fora, o sol também resistia em acontecer. Apesar de um vago sentimento de solidão, a tristeza não conseguia abafar a crescente sensação de otimismo que principiava a contagiar Sabrina, consciente que aquele nó na garganta concentrava muita amargura, principalmente após a morte de seu pai, no último verão. Percebeu que as resistências de sua mente para retomar a vida em sua plenitude, pouco a pouco, se desfaziam e cediam lugar a uma crescente expectativa de restauração que revigorava suas energias vitais. Lutero Rodrigues Bezerra de Melo | 37