Surdos, Cegos e Cadeirantes na Cena Diversa do Teatro Capixaba

Page 74

Memorial da Criação de Pele Rejane Arruda

I. Relações como pilar da criação

São três cadeirantes no espetáculo Pele. Scarlet Lemes foi indicação do projeto Praia Legal, Fernando Tulher e Maurício Vieira vieram do time de rugby em cadeira de rodas do IREFES (Instituto Reabilitacional e Esportivo para Deficientes Físicos do Espírito Santo). Durante o tempo que levou até começarmos, enquanto eu procurava um local com acessibilidade para os ensaios, observava, no facebook de Fernando, as fotos com a namorada. Me veio a ideia de convidar não-cadeirantes, pensando na interação entre corpos (e cadeira-corpos). No primeiro encontro, percebi que a união entre andantes e cadeirantes era profícua. O grupo teve empatia e conquistou forte integração. Acabou sendo o elenco mais animado que já vi, com uma atividade intensa no whatsApp, saídas para beber e se divertir. Uma das figuras-chave nesta integração foi justamente Fernando, posição inusitada sobre o ser “aleijado”: é assim que ele gosta que se refiram a ele (e não “deficiente”). Com Fernando está Maurício e os outros atletas do time de rugby: não ser visto como coitado. “Aleijado tem mais é que se fuder!” Trata-los com “zoeira” é um sinal de aceitação. Foi nesta prática que fomos iniciados: eu, Ana Paula Castro, Nayma Amaral, Daniel Monjardim e Yasmin Toretta. Certo dia, comentavam algo sobre o caráter masculino (não lembro o quê), me flagro falando: “Homem né Fernando, não aleijado!”. Todos riram. O viés da “zoeira” virou lei e brincando durante três meses, no dia-a-dia determinado pela presença das cadeiras e de sujeitos que não caminham, nos encontramos. A tônica sensual impregnando bastidores, espetáculo e processo de criação. Piadas sobre sexo, revelações, tematizações e brincadeiras. “Sobe sim!” (“E como sobe, como é?”). O tema da paixão entrou. Debate a microfone aberto. Através da química que une um elenco (cada elenco é único e cada química é única), neste caso, tivemos disponibilidade para as relações pessoais e de bastidor, afeto, “diversao e arte”. Que mudou a vida, não só dos três cadeirantes, como dos quatro andantes do elenco e a minha. O olhar se altera, as questões se ampliam e vem a enorme gratidão por poder viver na diferença, amar a diferença, descobrir a magia da diferença. Quando o outro gera empatia e 73


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Surdos, Cegos e Cadeirantes na Cena Diversa do Teatro Capixaba by rejane7karruda - Issuu