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Testemunhos
Ana Paula Castro, atriz e assistente de direção
Depois do processo com os cegos, eu entrei no processo com os cadeirantes, onde, atualmente, ainda estamos em processo. Outro universo! Pessoas em si são muito singulares, mas cada grupo tem uma característica específica. Por exemplo, os cegos são muito sensíveis e
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amorosos, já os cadeirantes são muito brincalhões e desprendidos. Eles me fizeram enxergar a inclusão com outros olhos, com o olhar realmente de IGUALDADE. Não com
um olhar de pena, nem de vitimismo, mas com o olhar de “se nós somos diferentes por algum motivo, é porque todos os seres humanos são, e não porque eu estou numa cadeira de rodas e você não”. Diferente do processo com os cegos, no processo com os cadeirantes eu atuo na peça, e eu não sei por qual motivo, mas a relação de todos do elenco se consolidou de uma maneira muito concreta. Passou de uma relação de pessoas trabalhando juntas pra amigos que trabalham juntos. Está sendo um processo muito unificado, sinto como se fossemos amigos de longa data. Uma intimidade e empatia imediata. Eu me sinto tão preenchida por eles, e é tão leve e gostoso estar com eles, que parece sempre uma brincadeira. No inicio do processo, tinha toda uma timidez, de ambas as partes, seres se conhecendo, inseguranças, incertezas, medo de ultrapassar, medo de ser ultrapassado. Mas o tempo foi passando e isso foi sumindo com tanta leveza, os nós foram se soltando com tanta calma que quando nós piscamos, estávamos nos sentindo livres uns com os outros. Quanta riqueza de almas temos juntos. Eu sinto que estou vivendo o meu melhor momento até hoje, trabalhar com algo que nunca me deixa pra baixo é de uma satisfação sem tamanho! Ficar doze horas trabalhando em um teatro e voltar pra casa cansada, mas plenamente realizada, é o que me faz ter certeza de que isso é o meu combustível, e de que forma saudável que ele vem ate mim!
A todos do Cena Diversa e que me afetaram/afetam diretamente: vocês não têm a menor ideia do quanto eu sou honestamente grata por vocês. O Universo que eu sou hoje teve e tem influencia de tudo o que vocês me passaram. Eu sou atravessada por vocês e vocês me fizeram renovar. Não há nada mais gostoso do que crescer pessoalmente e profissionalmente da maneira mais singela do mundo. E a Rejane: obrigada por tanto. Você é arte, é resistência, é paixão, é doação, é generosidade, é entrega, é procura, é saber, é aprender, e só me faz evoluir. Com todo amor que existe em mim.
Daniel Monjardim, ator
O meu primeiro contato com o projeto foi na estreia do espetáculo “Quando Acordar a Cidade”. Foi uma grande surpresa para mim. Como deficientes visuais poderiam se movimentar pelo palco, seguir as marcações e sustentar o espetáculo? Esses eram os meus pensamentos antes de assistir a peça. Quando eu

vi a peça pela primeira vez, fiquei impactado. Os atores sustentaram a peça inteira, seguiram as marcações e tinham uma plasticidade vocal sem igual. Algum tempo depois Rejane solicitou atores para
integrarem o elenco da nova peça do Cena Diversa, foi ai que eu entrei no projeto e me abri para novas experiências. A peça trabalhava com atores cadeirantes. Antes de entrar no projeto eu já tinha tido uma experiência com teatro e cadeirantes, no meu último estágio pela SOCA (Sociedade Cultura e Arte). Mas não tinha sido uma experiência muito boa, pois a maioria não estava interessada nas aulas de teatro e eu e os outros dois estagiários tínhamos que dividir o horário e o espaço com a professora de canto. Isso atrapalhava um pouco o rendimento. Mas a experiência serviu para me mostrar como o teatro é uma linguagem que abrange a tudo e a todos. Era o começo da minha desconstrução. Nos primeiros ensaios do espetáculo com cadeirantes fomos apresentados a dois atletas de rugby, Maurício e Fernando. No início do processo Rejane pediu para que eu,
Yasmin e Ana Paula, duas atrizes do curso de Artes Cênicas, trabalhássemos a relação corpocadeira. Nós tínhamos que formar desenhos com o nosso corpo e o corpo do cadeirante, para trabalhar a plasticidade corporal. Nessa etapa do processo eu estava meio receoso, por medo de alguma forma achar que poderia machucar, por ter essa visão de que o corpo deles é mais frágil e por receio do toque. Para mim essa relação do toque do outro é natural pois eu já venho do teatro faz um tempo e nessa área nós temos que estar abertos a proposição do outro. O toque faz parte disso. Mas como era a primeira experiência dos meninos com o teatro, eu não sabia se estavam se sentindo confortáveis.
A minha primeira cena de improvisação foi com o Fernando. Era uma cena de um assalto a uma loja. Ele demonstrou uma ótima habilidade para o improviso e uma naturalidade muito presente na fala, foi ótimo fazer essa cena com ele. Uma coisa que me tranquilizou muito nesse início foi o jeito dos meninos, eles são muito bem-humorados e parceiros, e contavam piadas o tempo inteiro. Isso fez com que os ensaios tivessem um clima mais leve e que o processo fosse mais prazeroso. Algum tempo depois mais uma integrante adentrou o grupo, a Scarlet. Eu tinha ficado uns dias sem ir aos ensaios do Cena Diversa por conta dos ensaios de “Os Primeiros Soldados”, longa-metragem do Rodrigo de Oliveira. Eu sempre tenho mania de me envolver em mil e uma coisas ao mesmo tempo e por isso acabo me embananando todo. No final tudo sempre dá certo, graças a Deus, mas eu fico destruído físico e mentalmente. Enfim, tinha chegado essa menina nova. Junto com ela, Rejane viu a necessidade de trazer mais algum ator do curso de Artes Cênicas. Pensamos em vários nomes e, por fim, chegamos em Nayma. O elenco então ficou fechado em Ana Paula, Yasmin, Fernando, Nayma, Maurício, Scarlet e
eu.
Com o elenco fechado já começamos o processo de montagem do espetáculo. Posterior a chegada de Scarlet e Nayma, nós já havíamos trabalhado em algumas coisas que viriam adentrar a dramaturgia. No meio de um dos jogos de improvisação, chegamos ao tema central da peça: um sequestro. Tendo o tema central em mãos começamos a trabalhar em cima dele. Mais tarde construímos as personagens e começamos a improvisar em cima desses elementos que surgiram. A peça foi criando corpo e Rejane foi costurando aos poucos a
trama.
Nesse meio tempo fui convidado a adentrar a equipe de produção do Cena Diversa e comecei a ajudar nos outros espetáculos. A minha primeira experiência na produção do projeto foi na apresentação do “Slam Corpo Grita”, com surdos. Ajudei na produção e no final acabei me apresentando no palco com eles. Nesse dia percebi como o ator surdo tem
uma plasticidade corporal única, isso porque libras já é uma língua corporal e isso no palco de uma forma dilatada fica extremamente poético e muito bonito. Eu trabalhei em dois espetáculos com os atores surdos. Também tive o prazer de trabalhar em duas apresentações do espetáculo com os deficientes visuais. Lá pude entender como que o processo funcionava e me apaixonei por cada um dos atores e atrizes do elenco. Hoje escrevo esse texto com orgulho de tudo que aprendi nesses meses com o Cena Diversa. Eu posso dizer que não sou o mesmo Daniel de outrora, até mesmo porque acredito que sempre estamos em um processo. Não sou o mesmo ator, não sou a mesma pessoa; o ofício do ator vai muito além do simples entreter, ser ator é ser um agente transformador, dar espaço para histórias que por muitas vezes passariam batidas pelos olhos e ouvidos de uma sociedade que finge não ver e finge não ouvir. O teatro muda vidas. Eu tive a maravilhosa oportunidade de ver isso de perto e fazer parte disso. Hoje eu bato no peito ainda mais orgulhoso do que antes para dizer que este é meu ofício. O teatro acolhe, abraça e protege. Eu sei disso porque foi assim comigo também. Então, que sejamos resistência nesses tempos obscuros em que vivemos e vinte vivas a arte de ser, de sentir, e de viver, o teatro liberta. Me despeço agora agradecendo mais do que nunca a minha orientadora, mentora, professora, diretora e amiga, Rejane Arruda, por ter me proporcionado tamanha experiência e aprendizado. Você não faz ideia do quanto marcou a minha vida tanto profissional, quanto pessoal. Eu não tenho palavras para expressar o qual grato eu sou. Também agradeço a todos os atores de todos os espetáculos que eu passei com o projeto. Pessoas únicas e maravilhosas, vocês me ensinaram muito, pessoas que eu espero levar para a minha vida toda. Quero deixar aqui um agradecimento especial para o elenco de “Pele”. Esse é o nome do nosso espetáculo e eu quero deixar aqui registrado que fui eu que sugeri esse nome hehe, mas voltando ao foco (eu sempre acabo me dispersando), quero dizer que cada um de vocês é muito especial. Nossa conexão foi incrível, amo todos vocês, estou para dizer que foi um dos melhores elencos que já integrei, vocês são únicos, cada um de sua forma. No momento em que escrevo esse relato “Pele” ainda não estreou, mas algo me diz que será muito especial, potente e único. Merda para todos nós!
Fernando Thuler, ator
Não fosse aquela mulher com o visual diferente, tão radical, hoje, eu saberia oque estaria fazendo, naquela maçante rotina, mas certamente não saberia as sensações diferentes que a vida, naquele convite tão diferente e sedutor, iria um dia

me trazer! Mal sabia eu, que estava a cair no canto da sereia. É bem mais fácil a gente se fechar, do que se abrir. É preciso sempre estar aberto a novas possibilidades. Estava eu, ouvindo no repeat, desgastadamente, a minha canção favorita e ela, me apresentou novos gêneros! Nem imagino perder as sensações que me trouxeram:
A moça do sorriso desconcertante que me fez seguro, confiante, confortável. A menina de cabelo curto e uma personalidade do tamanho do mundo. O cara amigo de todos e único com cada um. A menina brincalhona, que ri e faz graça com tudo, mas que sabe ser uma leõa quando séria. A menina que é tão inocente e ao mesmo tempo tão atirada, encantadora com seu jeito menina. E claro, me trazer pra mais próximo de um cara que sempre esteve ali, mas eu nem fazia ideia de ser tão foda. Não imaginaria eu, estar naquele momento de tensão, conhecendo alguém tão encantadora. Que, mesmo com um currículo tão extenso, cheia de glórias e motivos para nunca se achegar de um simples marinheiro, como eu, tendo a sua frente, um mar aberto de possibilidades. Não imaginei que fosse um ser tão simples. Estava eu, caindo no canto da sereia. Fosse como nos contos, o canto me levaria pro fundo do mar e me tiraria a vida. Mas essa sereia, essa sereia de dreads e lindos olhos verdes que transcendem essa alma cheia de luz, me encantou e me levou mais alto do que jamais fui e me fez mais vivo do que um dia, eu poderia estar.
Maurício Vieira, ator
Logo no início de tudo, quando a Rê foi fazer o convite a nós lá nos treinos, para participar de fazer teatro, logo pensei: teatro, como assim!? Principalmente eu, um cara na minha, quieto, tímido, como eu ia me sair nisso? Então o convite
foi feito e foi um pouco difícil de aceitar devido a

vergonha e a timidez. Então a Rê deixou seu número de contato
para que a gente criasse um grupo no whatsapp, sobre as propostas de apresentar o teatro pra gente.
Só que os amigos do time de Rugby não levaram muito a sério esse negócio de teatro, apenas eu e o Fernando tivemos o interesse em participar. E pensamos! Pô vai ser massa e a gente ainda vai divulgar o nosso esporte vai ser fodaaaa. Mas mesmo assim, com um pouco de empolgação, fiquei meio cismado de não conseguir, porque sou pouco tímido. Então vieram as mensagens por whatsapp da Ré, querendo marcar um encontro onde ela apresentaria as propostas e como era fazer teatro. E muitas das vezes eu via as mensagens e não respondia, e pensava: e agora!? Fudeu kkkkkkk. Então eu e Fernando fomos lá, nesse encontro. Nos conhecemos, trocamos umas ideias, a gente se apresentou, foi um dia meio corrido pra Rê, mas depois tivemos outros encontros e foi onde resolvi participar. No primeiro encontro depois das mini reuniões, quando vi a caixa de som e os microfones que estavam lá na quadra, pensei: Caracas o negócio e sério mesmo. Foi muito legal a primeira parte dos ensaios, onde podemos conhecer pessoas maravilhosas e simpáticas, cada aprendizado e novas descobertas. Estou impressionado como as coisas estão acontecendo. Cada descoberta que a gente tem, que as vezes ficamos de bobeira pensando: Nossa eu consigo fazer isso e aquilo!! As brincadeiras, entre nós no elenco são muito mareiras, parece que agente já se conhecer há anos kkk. Cada um do elenco com o seu jeitinho de ser, nos faz aprender cada dia de ensaio coisas novas.
E hoje agradeço a oportunidade de participar dessa tão grandioso espetáculo que nos espera nos palcos, tenho certeza que vai ser um massa, vamos pocá... Vamos ser chamado pra fazer uma série na Netflix kkkk.
Nayma Amaral, atriz
A experiência que o Cena Diversa me proporcionou é algo que transcende os palcos. Foi uma sucessão de momentos, um dominó de pessoas que fui conhecendo tão absurdamente incrivel que por alguns momentos eu achei ser mentira.

Cada um dos atores que está no elenco me marcou de uma forma que vai muito alem dos palcos. Em poucas e "rudes" palavras, eu estou presenciando um espetáculo que honra a existência humana. É um
show da vida, da diversidade e de como a singularidade de cada um agrega um brilho que se torna impossivel de não notar. Cada um tem a sua própria maneira de existir e de se mostrar ao mundo. É isso, justamente isso é o que torna a vida mais bela, e por momentos como esse que eu tenho a certeza absoluta de que é isso que eu amo. São em momentos assim que eu tenho certeza de que a vida é um espetáculo, um espetáculo que vale a pena participar.
Scarlet Lemes, atriz
Este projeto de Teatro com deficientes abriu novos leques de experiências para mim, porque eu vi e vejo e eu não preciso me esconder, fugir de medo do que as pessoas vão falar. Eu sempre quis ser atriz, mas nunca tive a oportunidade. Agora que eu tenho, então estou dando o meu melhor, estou conseguindo.

E o elenco é maravilhoso. Nenhum deles fala
“Não fou fazer”. Eles fazem comigo as cenas, cheios de amor e de carinho. Principalmente os atores que atuam comigo diretamente. Daniel, que quando descobriu que ia ser o meu par romântico na peça, buscou ter uma relação de amizade comigo bem profunda e forte para levarmos juntos para os nossos personagens.
Yasmin Toretta, atriz
Com o "Pele" me vi frágil, me vi como um neném aprendendo coisas sobre a vida, me vi como uma mulher prestes a encarar a vida. A relação que criamos é de alma e carnal ao mesmo tempo. Vivemos nessa linha tênue e isso enriquece todo

trabalho. Todos os dias eu entendo que estou onde deveria estar e que esse é o meu trabalho mais importante até agora. Me acalma saber que não estamos ali como nada, estamos ali como nós e que esse nós deu sentido a todo resto.
Ana Paula, Fernando, Daniel, Nayma, Mauricio e Scarlet, muito obrigada por me afetarem positivamente. Obrigada por partilharem as vivências e tudo que são comigo. Obrigada pela Arte natural e profunda. Obrigada por serem e estarem. Vocês não são diferentes, vocês não são especiais. Vocês SÃO, essa é a diferença! Rejane, parabéns pelo lindo trabalho. Te admiro como artista e como mulher. Você vem transformando a minha vida e grande parte do que venho me tornando devo a você. Que sejamos resistência. Com amor.