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CAS Vitória e Cena Diversa: Experiências Culturais Surdas no Contexto Escolar
Eliane Telles de Bruim Vieira
Ao se focar as Artes Surdas (De’VIA), reforça-se o valor dessas obras pela riqueza do conteúdo que expressam, pelo primor estético, pela importância dos símbolos que trazem à tona e pelas lutas que carregam, esquivando-se de visões caritativas e tutelares e entendendo a potência dessa arte em toda a sua complexidade, para muito além do âmbito terapêutico. E, como parece claro, a qualidade da obra (sob esse ou aquele parâmetro) é avaliada de acordo com o juízo crítico de quem se firma em referências estéticas, conceituais, metafóricas, políticas, etc., e não por sua simples natureza De’VIA, tampouco por sua definição “Surda”. (NAKAGAWA, 2012, p. 71 e 73).
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Inicio este texto, citando Hugo Nakagawa (2012), em sua dissertação intitulada Culturas Surdas: o que se vê, o que se ouve?. Em seu trabalho, o autor aborda a riqueza e imensidão de possibilidades dos surdos expressarem suas experiências através de produções artísticas surdas, além de analisar a pouca visibilidade da arte surda perante uma sociedade majoritariamente ouvinte. É possível entender também que, a partir do movimento denominado De’VIA, surgido nos Estados Unidos em 1989, as representações artísticas surdas buscavam valorizar as experiências da comunidade surda sob uma perspectiva pautada numa diferença cultural e linguística. O discurso hegemônico que aponta o surdo como um sujeito com deficiência que precisa ser normalizado, corrigido dá lugar ao discurso que apresenta o surdo como um sujeito com língua e cultura diferenciada. Seguindo essa linha de pensamento, o que vale é mostrar que o sujeito surdo possui uma língua, uma forma de se expressar diferenciada de um sujeito não surdo. Neste texto, busco apresentar a parceria entre o Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez CAS Vitória,
localizado na capital do Espírito Santo, e o projeto de teatro Cena Diversa, desenvolvido com o objetivo de desenvolver a veia artística em nossos alunos surdos, no decorrer do ano letivo de 2019, numa proposta que vai além de qualquer barreira linguística imposta por norma audista, que impede muitos de conhecerem a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Antes porém de adentrar na parceria, em si, entre o CAS Vitória e o Cena Diversa, é válido mencionar que a equipe de profissionais que atuam nesta instituição de ensino sempre
tiveram a preocupação de mostrar aos alunos surdos produções culturais, e assim, através da arte, esses alunos terem acesso a uma outra forma de entender o mundo.
Em 2015, foi exibida a peça teatral Tribos, no teatro da UFES, cuja temática é voltada para a surdez. O enredo narra a história de um rapaz surdo em uma família de ouvintes e os problemas decorrentes da relação da diferença linguística. Quando a equipe do CAS soube que a peça seria acessível - com tradução simultânea para a Libras - entrou em contato com as famílias dos alunos e com a comunidade surda, fazendo a divulgação da peça. Foi um sucesso! Muitos surdos foram ao teatro, a maioria pela primeira vez, para assistir a peça. Segundo a professora Mão, “a acessibilidade em qualquer lugar é necessária, e isso é válido na cultura também. A oportunidade e acesso é para todos. É gratificante ver que outros setores estão tendo essa preocupação com o surdo, que antes era restrita apenas a área educacional”. Ainda, conforme a professora Performance, “a acessibilidade em peças teatrais possibilita ao sujeito surdo, ao cego, ao cadeirante, dentre outras pessoas com deficiência, a igualdade dos direitos e acesso ao mundo teatral, visões diferenciadas, experiências ainda não capazes de experimentar se não houvesse tal acessibilidade”. Após a exibição dessa primeira peça acessível para a Libras na capital capixaba, outras peças foram exibidas com a presença do intérprete de Libras, possibilitando a participação dos surdos nesses eventos culturais. Assim, nossos alunos, professores e comunidade surda têm tido a oportunidade de participar de várias peças teatrais exibidas no teatro da UFES, no Sesc Glória, no Palácio Cultural Sônia Cabral, além de participarmos da exposição de pintura denominada Cidades Abstratas (UFES). Agora voltando a abordagem da parceria entre o CAS Vitória e o Cena Diversa, é possível dizer que foi um movimento artístico e cultural que possibilitou aos nossos alunos surdos demonstrar, através da arte, a forma como eles entendem o mundo em que vivem. Apesar de algumas dificuldades que surgiram no decorrer do desenvolvimento do projeto, como a falta de apoio das famílias, que não enviavam seus filhos para os ensaios, o retorno dos nossos alunos foi gratificante, como podemos mostrar a partir da fala da aluna Expressão, “surdo tem capacidade de mostrar poesia e falar sobre a natureza e os animais”. Outra aluna, Movimentação, disse que “gostou muito de participar do projeto, que é muito importante para o surdo, apesar de sentir vergonha, preciso de mais treinos para me acostumar”. Após cinco meses de ensaios, a culminância do projeto foi linda e nossos alunos foram muito aplaudidos. A data escolhida para a apresentação de nossos alunos, em parceria com o Cena Diversa, foi na abertura da 11ª Semana do Surdo, evento organizado anualmente
pelos profissionais do CAS Vitória para comemorar o Dia do Surdo, que contou com a participação das famílias, comunidade surda, além de docentes e discentes surdos e ouvintes de outras instituições de ensino. Assim, é possível concluir que, independente do grau de instrução, o sujeito surdo consegue expressar suas experiências através da arte, para isso é necessário ter acesso a produções artísticas.
Referências bibliográficas
NAKAGAWA, Hugo Eiji Ibanhes. Culturas surdas: o que se vê, o que se ouve. Dissertação de mestrado do curso de letras da faculdade de Lisboa. Lisboa, 2012.