Modulações da subjetividade contemporânea Maria Carolina de Andrade Freitas
A subjetividade atualmente é tomada como algo da esfera privada, uma forma intimista de ‘natureza’ que estaria referida à interioridade como uma invariante, que não se articula às produções históricas (Machado, 1999). Devemos encarar, contudo, a problemática sob outro ponto de vista: o das produções ou dos modos de subjetivação que consistiriam em forças de transformação, ao devir, ao intempestivo como processo de dissolução de formas dadas. Pois é isto o que a história nos indica: o incessante engendramento de formas e verdades que são descontínuas e provisórias. A tecitura destes modos se estabelece a partir de um coletivo de elementos ou por materiais de expressão diversos: música, palavras, gestos, moedas, conhecimentos, técnicas, afetos, circuitos. “Vinham também esses começos de coisas indistintas: o que a gente esperou dos sonhos, os cheiros do capim e o berro dos bezerros sujos a escamas cruas...4” Assim, não há produção de subjetividade desvinculada dos textos concretos da existência em momentos datados. Somos atravessados por uma infinidade de complexos elementos ou forças/fluxos. O campo social ao qual pertencemos é modulado por uma heterogeneidade radical. Os modos de subjetivação denotam as diversas montagens territoriais possíveis de existência e expressão. Contudo, cabe ressaltar que numa época assujeitada ao capital, tal produção é marcada por sujeições econômicas, políticas e também subjetivas (Guattari, 2005).
Todos vivemos quase cotidianamente em crise, crise da economia, mas não só da economia material, senão também da economia do desejo que faz com que mal consigamos articular um certo jeito de viver e ele já caduca. (GUATTARI, 2005, p. 15)
Essa defasagem que se estabelece entre os modos de existência e nossas experiências, exige cada vez mais agilidade na montagem de territórios. Machado (1999) sugere que o que se assiste sob a forma de certa ‘ditadura da velocidade’ marca processos contínuos de aceleração que produzem e restringem todas as múltiplas coisas que somos às formas padronizadas e esgotadas em suas fontes conectivas. O cotidiano empobrecido torna-se opaco, as relações esvaziadas e cansativas, e os corpos exaustos e adoecidos. Machado (1999) aponta que o contemporâneo, sob o ideário da velocidade, fruto do processo que Guattari 4
Manoel de Barros em Aquela madrugada. In: Obras Completas (2010, p. 111).
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