122
da sociedade em geral - enquanto quilombolas, que se encontra a mais recente ressignificação do jongo, que intitulamos como sendo o jongo de apresentação. Desse modo, no que tange à dicotomia tradição e modernidade, o jongo em Bracuí apresenta uma trajetória que pode ser traduzida por três processos de ressignificação, experimentados em três momentos diferentes, que acompanhou objetivos sociais específicos em cada um deles, desde o seu reavivamento, pautado na “tradição inventada”, aos quais nominamos numa ordem cronológica de: 1) jongo renascido, sobre o qual já discorremos no capítulo 3, e teve como protagonismo o Délcio e os velhos jongueiros; 2) jongo de formação, representado pelo projeto “Pelos Caminhos do Jongo”; 3) jongo de apresentação. Mas, antes de adentrarmos estas duas últimas categorias analíticas, cabe trazermos um pouco da memória construída em torno daquilo que pode ser considerado, na
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913511/CA
comunidade, de jongo tradicional, para que seja possível, a partir dessa explanação inicial, compreendermos melhor cada um dos processos vinculados à “inventividade da tradição”. A seguir, damos voz aos velhos jongueiros de Bracuí para a descrição desta memória. 4.1 “Se você é bom, decifra o que eu quero te dizer” “Se você é bom, decifra o que eu quero te dizer” foi a reposta de um jovem quilombola, de 22 anos, quando perguntado sobre o que seria um ponto de demanda ou desafio39. Em Bracuí eles utilizam demanda e desafio com o mesmo significado para a classificação de um ponto de jongo de caráter enigmático ou mágico. Outras pessoas, como no caso da Marilda, consideram pontos de demanda e pontos de feitiço como sendo a mesma coisa. Estamos falando aqui da memória de um jongo que existia antes do seu renascimento na comunidade, representada pela experiência dos velhos jongueiros ainda vivos e/ou pelo discurso construído em torno dele, a partir de sua reinvenção. É o que estamos
39
Um exemplo de um ponto de desafio que pudemos registrar, cantado pelo Seu Guache (Jorge Martins, 56 anos) durante uma conversa informal conosco: “400 bois andando, marchando por um sertão, eles indo eles voltando, quantos rastros tem no chão”. A resposta para esse ponto seria a seguinte: “Comecei a fazer minha conta no barracão do Zé da Cunha, depois da conta somada, dá 3.600 unhas”. Outro exemplo de ponto de feitiço foi cantado pela Marilda, numa entrevista concedida a nós: “Passei na ponte, a ponte tremeu, se essa água tem veneno, baiano que bebeu morreu”.