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6. Jongo e educação escolar quilombola: alguns diálogos
from Jongo e educação: a construção de uma identidade quilombola a partir de saberes étnico-culturais do
6 Jongo e Educação Escolar Quilombola: alguns diálogos
Este capítulo tem com objetivo principal apontar possíveis diálogos entre o jongo e a Educação Escolar Quilombola. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (Brasil, 2012), a categoria Educação Escolar Quilombola se destina tanto à educação formal oferecida em escolas localizadas em território quilombola, como àquela ofertada em escolas que atendem alunos oriundos de territórios quilombolas. Ressaltamos que as escolas situadas nos limites do território quilombola são classificadas pela legislação citada anteriormente como escolas quilombolas. Ao longo do trabalho, abordamos as questões acerca dos processos de transmissão e apreensão do jongo, exclusivamente no âmbito extraescolar, tanto na comunidade de Bracuí, como no movimento quilombola jongueiro Sul Fluminense. A ausência da escola até aqui não é fruto do acaso. Ao reescrevermos a história do jongo do Bracuí a partir do seu reavivamento, percebemos que a escola não teve qualquer contribuição relevante na formação identitária e na valorização dos saberes tradicionais entre crianças e jovens quilombolas, jongueiros e jongueiras que, somente no interior da comunidade, fosse por meio das oficinas ou de práticas educativas informais, ou nos encontros com outros grupos jongueiros, puderam apreender e valorizar sua ancestralidade, memória, corporalidade, cultura, história, oralidade. Trouxemos uma série de fatos e narrativas que apontam para o protagonismo de Bracuí na consolidação de uma “rede de resgate” do jongo entre comunidades quilombolas vizinhas, o que foi possível mediante a emergência de uma memória corporal e, consequentemente, da ressignificação de sua performance. Foi por meio da troca e da transmissão de saberes entre as mesmas, propiciadas pelos encontros promovidos tanto pela própria “rede de resgate” protagonizada - até um certo período - por jongueiros e jongueiras, como pelo Pontão de Cultura Jongo/Caxambu, que o movimento quilombola jongueiro se fortalece, formando jovens lideranças políticas para persistirem na luta em nome dos direitos constitucionais de suas comunidades.
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Diante da ausência da escola no processo de construção e reafirmação identitária, os Pontos de Cultura, como já citado no capítulo 2, tornaram-se ferramentas pedagógicas indispensáveis à condução de uma educação que atendesse aos saberes, modos de vida, e culturas quilombolas, o que representou uma necessidade urgente, haja vista que eles estavam sendo submetidos a constantes processos de invisibilidade, desvalorização, preconceito e violação dos direitos muito recentemente conquistados e, mais recentemente ainda, incorporados às suas agendas políticas. Os conteúdos curriculares pouco ou nada dialogavam com a experiência vivida no cotidiano pelas crianças e jovens de Bracuí. Quando o faziam, limitavam-se às famosas datas que fazem alusão ao povo negro, como o 20 de novembro e o 13 de maio, não incorporando, de fato, os saberes tradicionais quilombolas na escola, de forma contextualizada e referenciada. Assim, merece destaque o papel dos educadores populares no âmbito de educação não formal, que realizaram um trabalho de mediação e formação por meio da pedagogização da política através da cultura jongueira. Nesse sentido, as oficinas de jongo seguiram o projeto político das comunidades, tanto no caso de Campinho como no de Bracuí. A partir delas foram construídos valores em torno do orgulho e da afirmação da identidade étnica e do sentimento de pertencimento ao grupo. Então, o movimento em torno da luta pelo território e pelas políticas públicas diferenciadas começa a ganhar contornos mais sólidos em Bracuí, o que culminou com o nascimento da associação de moradores (Arquisabra), no ano de 2005. Se as políticas culturais atenderam de forma satisfatória à necessidade urgente de uma “educação diferenciada” e específica em áreas quilombolas, impulsionando-os também a se organizarem politicamente por meio de uma associação, segundo nossos dados de campo, as recentes políticas educacionais voltadas para uma Educação Escolar Quilombola a nível nacional50 produziram efeitos muito pouco expressivos no processo de escolarização dos alunos oriundos de tais comunidades.
50 Sobre as políticas educacionais, sugerimos ao leitor retomar o segundo capítulo deste trabalho, mais especificamente, o item 2.5. Tais políticas não se restringem apenas às Diretrizes, documento mais recente, mas aos documentos anteriores que já faziam menção à Educação Escolar Quilombola, ainda que em alguns casos este termo não fosse utilizado.