Jornal Contexto 62

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Cannabis medicinal vira pauta em Sergipe

Lei que institui o uso de derivados da maconha traz esperança para quem precisa dela para viver.

P. 12 e 13 | Saúde

Cor da pele define quem será abordado

P. 14 e 15 | Segurança

Brasil é o país mais ansioso do mundo

P. 10 e 11 | Saúde

Boates de Aracaju operam sem fiscalização

P. 16 | Segurança

O encantador de aves de rapina sergipano P. 22 e 23 |

São Cristóvão | SE | 2022.2
Cultura
Jornal-Laboratório do curso de jornalismo da UFS 20 anos Maio 2023 | Ano 20 | Ed. 62°

Quem somos?

Universidade Federal de Sergipe

Centro de Educação e Ciências Humanas Departamento de Comunicação Social

Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - Sergipe Telefone: (79) 3194-6600

Reitor: Prof. Dr. Valter Joviniano de Santana Filho

Vice-reitor: Prof. Dr. Rosalvo Ferreira Santos

Chefe do CECH: Profª. Drª. Silvana Aparecida Bretas

Chefe do DCOS: Profª. Drª. Messiluce da Rocha Hansen

Coordenadora do curso: Profª. Drª. Messiluce da Rocha Hansen

Professores orientadores

Texto: Demétrio Soster - 0005057/RS

Visual: Michele Tavares - 0001195/SE

Fotografia: Greice Schneider

Editor - chefe: Demétrio Soster

Editora do Jornal: Iana Marcelly

Editora do Caderno “Bonde Zero”: Sofia Amaral

Subeditoras do Jornal: Abigail Vieira; Marcela Sousa; Maria Fernanda Monteiro

Subeditora do Caderno “Bonde Zero”: Janaína Cavalcante

Editoras Gráficas do Jornal: Ana Carolina Izidoro; Heidy Souza; Mylena Duarte

Editora Gráfica do Caderno “Bonde Zero”: Milânia Ribeiro

Editores de Fotografia do Jornal: Fernanda Spínola: Nathaly Reis; Sofia Gunes; Vinícius Aciole

Editora de Fotografia do Caderno “Bonde Zero”: Lílian Dias

Equipe de repórteres:

Ana Carolina Izidoro; Ana Carolina Mundim; Beatriz Passos; Caio Queiroz; Fernanda Spínola; Gabrielle Oliveira; Giulia Meneses Dias; Heidy Souza; Janaína Cavalcante; Júlia Cavalcante; Laura Marcelino; Lílian Dias; Marcela Sousa;

O Jornal Contexto está de volta!

Maria Eduarda Macedo; Mavi Pereira; Milânia Ribeiro

Mônica Freitas; Mylena Duarte; Nathaly Reis; Olívia Mota; Rebeca Knapp; Sofia Gunes; Sofia Amaral; Thaisy Santa Rosa; Vinícius Aciole; Wendal Carmo

Equipe de fotográfos:

Ana Beatriz Andrade; Ana Carolina Izidoro; Artur Vieira; Bárbara Janaína Ramos; Beatriz Lima; Beatriz Passos; Caio Queiroz; Clara Oliveira; Fernanda Spínola; Gabriel Nascimento; Giulia Meneses Dias; Julia Maise; Lílian Dias; Lorrany Amazona; Magno Montte; Maria Eduarda Macedo; Mavi Pereira; Milânia Ribeiro; Murilo Nascimento; Nathaly Reis; Paula Maryana; Paulo Victor; Rebeca Knapp; Ronicleiton Paixão; Sofia Amaral; Tatiane Macena; Thaisy Santa Rosa; Vivian de Oliveira

Capa: Fernanda Spínola e Iana Marcelly

Ilustrações: Gabriel Santos Oliveira; Olívia Mota.

Colaboradores: Erick Ohana; Sofia Almeida.

Logos e Selo:

Design em curso - escritório modelo da UFS

Professores orientadores: Isadora Dickie; Haro Schulenburg; Rodrigo Santos

Profissional egresso: Lúcio Gregório

Alunos: Alice Assunção; Gabriel Seixas; Guilherme Rosa; José Emílio; Lêniton Sousa.

Caro leitor, se você é daqueles que achou que o curso de jornalismo não tinha jornal, aqui estamos nós para provar o contrário! Brincadeiras à parte, é verdade que o jornal ficou parado por longos quatro anos, talvez por isso você não se lembra dele. Mas olha só, estamos de volta! Sejam bem-vindos à edição de número 62 do Jornal Contexto! Essa edição é mais que especial, pois além do nosso retorno, o curso de jornalismo está completando 30 anos. Como uma forma de comemoração, nomeamos o novo caderno de “Bonde Zero”, em homenagem ao primeiro jornal laboratorial do curso, publicado e impresso de 1993 até 2003. O nosso caderno possui a temática de “Desigualdade”, e você o encontrará encartado no final do corpo do jornal. E claro, também renovamos a nossa queridíssima logo do “Jornal Contexto”. Além de ser uma forma de comemorar os 20 anos de existência do jornal, também é uma tentativa de padronizar as logos. Por isso, para nos ajudar com essa tarefa a equipe do escritório modelo “Design em curso” da UFS, projeto de extensão do curso de Design Gráfico, produziu uma logo inspirada nas anteriores e que trouxesse um ar dos jornais tradicionais acompanhada de uma certa modernidade. Sendo assim, cá estamos com essa maravilhosa logo que esperamos que seja usada por anos e anos, até quem sabe os 30 anos do jornal. Para completar, essa edição também contou com uma integração de três disciplinas, duas com os alunos (em sua maioria) do quarto período, Jornalismo Impresso e Planejamento Visual, e uma com os alunos do segundo período, Fotojornalismo. As duas primeiras matérias tiveram participação mais ativa no corpo do jornal e no caderno. A edição conta com 26 reportagens , sendo três reportagens especiais, uma entrevista ping-pong e quatro textos opinativos. Diferente do caderno, o jornal não possui um tema fixo, resolvemos explorar diversos assuntos que vão desde segurança e saúde a educação e cultura. Aqui você poderá ler sobre: as ciclovias de Aracaju, um sergipano que encanta aves, segurança em casas de festas, a inclusão de crianças com TEA (Transtorno do espectro autista) na escola,cinema em Sergipe e muito mais. No miolo do jornal você encontrará nossas reportagens especiais de duas páginas sobre segurança e saúde. A primeira delas tratamos sobre ansiedade e depressão, e a relação desses transtornos com o aumento do uso de medicamentos. Logo depois, abordamos a importância da liberação da cannabis, trazendo como pano de fundo a aprovação da lei que permitiu o uso do derivados da maconha para fins medicinais em Sergipe. Por fim, temos a reportagem que reflete sobre a violação dos direitos humanos nas abordagens policiais partindo de uma retrospectiva sobre o caso Genivaldo, morto durante uma abordagem brutal da Polícia Rodoviária Federal, no estado de Sergipe. Nossa convidada especial para a entrevista ping-pong é a deputada estadual Linda Brasil que falará sobre a sua trajetória até o plenário. E lá na editoria de cultura montamos uma galeria de fotos com a temática da nossa penúltima reportagem, o encantador de aves de Sergipe. Para conhecer melhor o nosso público e guiar nossas produções, realizamos, entre os dias 01 e 16 de fevereiro de 2023, uma pesquisa para definir o perfil do nosso leitor. Ela foi respondida por 230 participantes, dos quais 34,3% já conheciam o jornal, mas apenas metade deles já leram alguma matéria produzida no mesmo. O nosso desafio ao produzir o Jornal Contexto fica bem claro: Como tornar leitor o público de dentro e fora da UFS? Sabendo que o público do Jornal Contexto, ao longo dos seus 20 anos de produção, mudou bastante, a nossa edição encarou o compromisso de mudar junto com ele. No início, somente jovens universitários e moradores do Rosa Elze, bairro localizado em frente a Universidade, tinham acesso ao jornal impresso durante a distribuição. Atualmente, mais de 70% das pessoas que participaram do estudo não conseguem produtos impressos e 78,3% preferem ler jornais no meio digital. A partir daí começamos nossos trabalhos, produzindo e editando pautas, apurando muito e, por fim, escrevemos nossos textos, buscando fazer um jornalismo de qualidade, baseado na transparência e credibilidade.

Aproveite a leitura! por Editora e subeditoras do Jornal Contexto.

Maio, 2023, São Cristóvão - SE 02 EDITORIAL
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Uma vez preso, sempre preso

Numa tarde de segunda-feira, quando retornava para casa, avistei uma jovem entrando no terminal de ônibus, ela vestia blusa de manga curta e short jeans deixando a mostra que utilizava uma tornozeleira eletrônica. A moça, que não aparentava ter mais de 25 anos de idade, foi imediatamente alvejada por olhares. Alguns eram de curiosidade ou até surpresa, mas a maioria era de desconfiança e aversão. Essa situação discriminatória não é estranha, ela acontece rotineiramente na vida de pessoas que pagaram judicialmente por seus delitos e retornaram para o convívio social. Pois, a sentença proferida pela justiça não é suficiente para a sociedade, e mesmo que tenha pago pelo seu crime, uma vez que você for preso estará condenado perpetuamente.

O Brasil possui atualmente 837.443 pessoas presas, segundo os dados do Sisdepen (Secretária Nacional de Políticas Penais). Sendo que 73,5% vivem nos presídios, e desses residentes 95,6% são homens e 4,39% são mulheres. Essas pessoas enfrentam um sistema prisional caótico, com prisões superlotadas que não conseguem oferecer o básico para uma vivência digna durante o cumprimento de suas penas. Isso é reflexo de uma justiça que é essencialmente punitivista e não reeducadora, que não possui ações efetivas para a reinserção de ex-detentos na sociedade.

No país, que tem a terceira maior população carcerária do mundo, a ressocialização de presos não é debatida pela sociedade, além de não ter sua colaboração. As pessoas que passaram pela prisão são rotuladas e discriminadas habitualmente, o que acaba dificultando, por exemplo, sua busca por emprego e convivência social.

Essa estigmatização colabora para o retorno delas à criminalidade. Além de afetar a sobrevivência dos indivíduos, ela também mexe em questões relacionais, restringindo seus vínculos afetivos. Pois eles são tratados com desconfiança, rejeição e constantemente lembrados do que fizeram. Então sim, o retorno à criminalidade pode ser uma questão tanto financeira quanto de aceitação social. Afinal, como essas pessoas vão querer permanecer onde não são bem-vindas e frequentemente discriminadas?

A ressocialização de presos na sociedade é mais que uma questão de segurança pública, é uma questão de respeito humano. Porque alguém que está quite com a justiça não deve ser condenado a viver uma vida reprimida pelo preconceito da sociedade.

As versões de Sherlock Holmes

Por Iana Marcelly

Baseado no livro…. Adaptação da série de livros…. Você com certeza já deve ter visto frases parecidas com essas no final de alguns filmes. O fato é que adaptar histórias é algo tão antigo quanto o próprio cinema. Livros como “O mágico de Oz”, “Cinderela”, “Orgulho e Preconceito”, ganharam suas próprias adaptações ao longo da história. E é claro que o nosso icônico detetive britânico Sherlock Holmes do escritor Arthur Conan Doyle ganhou várias adaptações também. Ao longo dos anos foram várias e várias, tantas que dá até para dizer que cada geração tem seu próprio Sherlock.

Sua primeira versão, “Sherlock Holmes Perplexo” (1900), de Arthur Marvin, tem além de incríveis um minuto de duração, uma proposta um tanto cômica: o protagonista enfrenta um ladrão que aparece e some. Esse é um dos casos em que o livro não foi levado em consideração, ou seja, tudo o que temos é o personagem e sua personalidade. A produção tem mais o intuito de testar as novas técnicas de efeitos especiais do diretor. Incrivelmente, esta é a tendência da maioria dos filmes posteriores, como em “Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho” (1933). Nele, ao invés do protagonista enfrentar apenas um homicídio, fica cara a cara com uma série de assassinatos, com mensagens codificadas espalhadas. Apesar das diferenças com o livro, ainda há elementos em comum ao livro, ao contrário do filme “Sherlock Holmes” (2009), estrelado por Robert Downey Jr, em que é possível ver o detetive enfrentar um vilão que domina a magia das trevas e volta à vida. Ele também utiliza seus métodos dedutivos

A importância da voz sergipana no Ministério

Em Sergipe, o ano de 2023 começou com pé direito: pela primeira vez um político sergipano ocupa um dos ministérios, mas, diga-se de passagem, não foi qualquer um, foi a Secretaria de Governo, cargo com contato direto ao presidente. Marcio Macedo, baiano de nascença e sergipano de coração, já foi deputado federal e, há muitos anos, é um grande aliado do presidente Lula, sendo até mesmo vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT).

A indicação dele foi recebida com alegria pelos seus correligionários que, apesar de não estar ocupando um ministério rico, estão esperançosos com a possibilidade de novos investimentos no estado. Nos últimos meses, com a visita do presidente a Sergipe, foram dadas ordens de serviços importantes para o seu desenvolvimento, o que, por ele estar ao lado de Lula, acredita-se haver uma possível interferência do mesmo.

Alguns especialistas salientam que, apesar da falta de recursos, a maior proximidade com o presidente garantirá uma grande influência nos demais ministérios, fato que alegra o povo sergipano. No entanto, é necessário destacar que isso não significa certeza de investimentos, pois, apesar do vínculo político e alto cargo ocupado pelo companheiro de partido, a nomeação de uma sergipana para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) não foi concluída por uma possível interferência de Macedo.

O fenômeno “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” entrou para a história como o filme mais premiado de todos os tempos e, dentre as centenas de prêmios, garantiu a categoria mais cobiçada no maior e mais relevante prêmio de Hollywood: o de Melhor Filme no Oscar de 2023. Tudo isso foi conquistado com um elenco majoritariamente asiático, o que também fez a atriz principal Michelle Yeoh entrar para a história como a primeira e, até então, única asiática a ganhar o Oscar de Melhor Atriz. Mas o que faz esse filme ser tão especial?

A trama segue a família imigrante chinesa de Evelyn (Michelle Yeoh), Waymond Wang (Ke Huy Quan) e sua filha Joy (Stephanie Hsu). O casal é dono de uma lavanderia nos Estados Unidos e, quando eles fazem uma visita à Receita Federal para revisar os impostos do negócio, tudo na vida da família muda.

A primeira impressão que o filme causa é a confusão do porquê aquela família ser a protagonista de alguma coisa. Evelyn é uma mulher rabugenta, desagradável e tão comum que entedia o público. Na introdução do longa, o destaque vai todo para Wa-

para lutar com qualquer um que atravesse o seu caminho. Nada, além dos personagens, como Watson e o inspetor Lestrade, é fiel aos livros, o enredo todo é alterado produzindo assim um filme acelerado, cômico e com muita ação. Já a série “Sherlock”(2010) é uma das poucas mais fiéis à obra, apesar de ser contada num tempo diferente. Nosso detetive da Inglaterra do século XIX passa a habitar as ruas atuais de Londres, mas isso não muda em nada os seus hábitos excêntricos. Ele ainda continua frequentando necrotérios, fazendo experimentos, correndo perigo e adivinhando tudo de forma rápida. O primeiro episódio tem como base o mesmo livro da adaptação de 1933, em que o Dr. Watson e Holmes se encontram. Apesar da narrativa ser bem parecida com o livro, ainda assim estamos falando de uma adaptação. Não temos o mesmo vilão, nem as mesmas vítimas, porém os métodos de ação do assassino são os mesmos. Ainda existem outros e outros exemplos de filmes e séries que se passam no universo criado por Arthur Conan Doyle, com “Enola Holmes” (2020) que apresenta o personagem Sherlock Holmes como pano de fundo, já que a protagonista é a sua irmã, que também é detetive. Ou seja, se trata de uma adaptação de uma adaptação literária. Como pode-se ver não há limites para a imaginação e isso acontece com todos os tipos de adaptações, já que essa é uma tarefa que vai além da fidelidade e envolve a criatividade dos roteiristas para criar um universo novo a partir de uma base, nesse caso, os livros.

Muito se fala, nas rodas partidárias, que essa nomeação pode não impactar tanto à vida dos sergipanos, como é esperado pelos apoiadores, caso isso se concretize, será uma enorme decepção política, já que sempre houve uma negligência participativa nos atos estaduais e uma forte ligação apenas com o nacional.

O cargo ocupado por ele pode trazer uma maior visibilidade, mais obras federais e diminuir a crise do quinto estado mais pobre do Brasil. Contudo, por posições políticas polêmicas, a imagem do ministro está se desgastando. Na última eleição para o governo sergipano, o candidato do PT, Rogério Carvalho, ficou em segundo lugar, isso o fez prometer uma grande oposição a Fábio Mitidieri (PSD), o governador eleito, porém Macedo, que aceitar a posição do partido, se mostra cada vez mais próximo da equipe governamental, tendo, segundo alguns jornais, indicado o neto de Lula para ocupar um cargo técnico no governo, o que causou uma confusão nacional e obrigou o gestor estadual a se posicionar publicamente.

Os militantes do PT Sergipe se mostram preocupados com as últimas declarações do petista, que muito se assemelham aos discursos do ex-presidente, como o constante ataque à imprensa sergipana e a narrativa de superioridade durante as entrevistas. Além disso, Márcio está processando diversos jornalistas regionais por causa da veiculação de notícias que não o agradou, o que está gerando algumas críticas sobre ele na imprensa do pequeno estado. Não é de hoje que se comenta, nos bastidores, sobre uma divisão dentro da sede estadual do partido. Enquanto uns estão ao lado das comunidades e trabalhadores, outros, desviando o foco da criação da sigla, fazem acordos com empresários e adversários declarados.

ymond. Apesar de ser casado com uma mulher tão difícil, ele quebra o estereótipo do homem comumente “masculino” e forte, revelando-se como o personagem mais meigo e compreensível do longa. Também somos apresentados à filha do casal, a jovem Joy, e logo em suas primeiras cenas, entendemos o embate dela com a mãe. Joy namora uma mulher e Evelyn não apoia o relacionamento homoafetivo, o que faz a relação conturbada delas ser um dos pontos principais do filme.

Em mais alguns minutos do filme, assistimos as viagens de Evelyn e Waymond pelo multiverso e descobrimos porque eles são peças importantes nessa aventura: a filha do casal, Joy, na verdade é a grande vilã do filme e é apresentada como a pessoa que quer acabar com todos os multiversos, a perigosa Jobu Tupaki.

A performance de todos os atores principais é brilhante, com destaque a Stephanie Hsu como Joy/Jobu Tupaki: a atriz ainda está no começo da sua carreira e conduziu com maestria

a vilã principal de um filme tão grandioso como esse e nos fez chorar em cenas que destacam o relacionamento de Joy com sua mãe. O ponto alto, tanto da atriz quanto do filme, é a cena final em que Joy e Evelyn se emocionam ao discutirem a relação entre as duas e conseguimos sentir tão claramente uma ligação real entre mãe e filha: está longe de ser perfeita mas conseguimos sentir o amor incondicional que elas sentem uma pela outra.

O filme peca, no entanto, nas cenas de ação e em algumas discussões sobre o multiverso. É tudo muito caricato e, apesar de ser a intenção dos diretores, o excesso dessas cenas briga com os diálogos mais sérios do longa. O filme deveria dar mais destaque no que levou as salas de cinema às lágrimas: a relação de mãe e filha entre Evelyn e Joy.

Apesar de ser um filme com uma duração relativamente comum — 2 horas e 19 minutos —, ele traz tantos elementos e acontecimentos seguidos que a sensação do espectador é de ter assistido um filme com no mínimo 5 horas de duração. Isso não é um problema, no entanto, quando falamos de “Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”: todos os arcos são necessários e interessantes na medida certa.

03 OPINIÃO
2023|São Cristóvão - SE
Maio,
“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”: mais que um filme, uma experiência
Por Maria Fernanda Monteiro
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Linda Brasil, uma vencedora da vida nas cadeiras do parlamento sergipano

A história de vida da primeira deputada estadual trans eleita em Sergipe e as suas lutas em defesa das causas LGBTQIAP+, conheça mais sobre a mulher responsável por quebrar os paradgmas do estado.

Linda Brasil Azevedo Santos, mais conhecida como Linda Brasil, é uma política sergipana filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), no auge dos seus 50 anos, ela continua como no início da sua carreira, quebrando os estereótipos que a encaixaram e mostrando todo o seu poder.

Nascida no interior de Sergipe, especificamente em Santa Rosa de Lima, ela construiu sua vida pública na capital do estado, onde vivenciou grandes lutas durante a sua formação na Universidade Federal de Sergipe e ganhou espaço lutando contra a LGBTQIAP+fobia e outros preconceitos.

Linda foi a primeira vereadora transexual eleita por Aracaju, em 2020, além disso, arrecadou o maior número de votos da capital sergipana para o cargo. Com um mandato combativo e marcado por muitos trabalhos na defesa das suas principais pautas, a aracajuana de coração foi candidata a deputada estadual e eleita nas eleições de 2022, acumulando mais de 28 mil votos espalhados pelo estado.

Intengrando o quadro de deputados da oposição, a deputada se mostra cada vez mais atuante nas pautas que a levaram à Assembleia Legislativa de Sergipe.

No dia do seu aniversário ela marcou a história política do Estado, foi a primeira mulher trans a presidir uma sessão.

Visando ajudar milhares de pessoas, a deputada criou a associação Amosertrans e a casa de acolhimento CasAmor Neide Silva, ambos os projetos foram desenvolvidos para trazer mais qualidade de vida e oportunidades para a comunidade LGBTQIAP+ de Sergipe. Educadora por formação, a professora de Letras Português-Francês e ativista transexual ensina diariamente seus milhares de eleitores com a sua história e sonhos.

Quem é Linda Brasil?

Sou uma sobrevivente. Ariana corajosa, agitada, combativa, comprometida e otimista.

Como foi a sua infância?

Eu era uma criança alegre e que desde sempre tive o acolhimento de minha mãe, dona Carminha, que nunca me julgou por ser diferente.

Vim para Aracaju aos 11 anos, onde estudei e, infelizmente, como várias crianças LGBTs, sofri com a LGBTFOBIA+fobia no ambiente escolar, o que me fez não ser eu mesma por muito tempo.

Um sonho que já realizou e um que deseja realizar?

Ver uma mulher trans ocupando um cargo público parlamentar em Sergipe. Viver em um mundo com mais amor, fraternidade, diversidade e justiça social.

Um medo?

O estímulo do discurso de ódio.

Principal qualidade?

Sou otimista e comprometida.

Um hábito que não abre mão?

Assistir à palestra de Benjamin Teixeira de Aguiar, guia espiritual da Sociedade Maria

Cristo, todos os domingos.

O que mais gosta de fazer no tempo livre?

Estar com a minha família e passear no Centro de Aracaju.

Uma lembrança boa?

Em 2006, durante uma palestra do médium Benjamin Teixeira de Aguiar, por intermédio dele, o espírito de Eugênia-Aspásia pediu que me levantasse para que fosse aplaudida no Espaço Emes. Foi um momento muito marcante e especial na minha vida, e ocorreu muito antes de entrar na vida política.

Uma palavra?

Amor.

Uma citação?

“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.” (Paulo Freire)

Nos conte um pouco da sua história de vida?

Linda Brasil com seu tradiconal leque em dois momentos especias. Na primeira foto, ela está recebendo o diploma de deputada, na segunda, visitando a sede dos três poderes.
04 Maio, 2023|São Cristóvão - SE ENTREVISTA
Erick Ohara Assessoria Parlamentar

Sou natural de Santa Rosa de Lima, filha da Dona Carminha e Seu Apolinário, já superei em 15 anos a expectativa de vida de pessoas trans (que é de 35 anos). Sou mestra em educação, espiritualistacristã, ativista feminista e transfeminista, formada em Letras Português/Francês na UFS e, a partir do ingresso na universidade, passei a integrar movimentos feministas, se filiando ao PSOL. Em 2020, me tornei a primeira mulher trans vereadora de Aracaju (sendo a mais bem votada entre mais de 700 candidatos) e, em 2022, a primeira mulher trans a ser eleita deputada estadual de Sergipe, sendo também a mais votada da capital.

Como foi sua entrada na política?

Através de uma série de acontecimentos, mas tudo começou através do acesso à universidade, onde desenvolvi consciência política a partir da aproximação com o movimento feminista, da Marcha das Vadias e logo depois em sua filiação ao PSOL, em 2015, partido que me encontro até hoje e ao qual sempre vi referências e tive admiração pela combatividade de parlamentares.

Se imaginava nesse meio?

Jamais. Como sou de Santa Rosa de Lima, um povoado sergipano onde o coronelismo ainda reina e onde só ganhava aquele mesmo dono do partido, com as mesmas pessoas, sempre tive uma verdadeira ojeriza à política e dizia que

jamais me candidataria. Mas conhecendo a militância junto aos movimentos sociais, sobretudo o feminista, mudei a minha visão sobre a política e hoje a enxergo como uma ferramenta importante para a conquista de direitos e luta por justiça social.

Quais os maiores desafios que enfrentou para entrar nesse meio?

Não me deixar ser cooptada pelos vícios de um sistema político, o machismo velado, a transfobia estrutural e institucional.

Quais são as suas principais pautas?

Pautas progressistas de modo geral. Nossa luta é trazer uma nova perspectiva política e é justamente por isso que nos denominamos mandata, para trazer esse olhar feminista e LGBTQIAPN+. Não nos resumimos apenas às questões de gênero, mas abordamos diversas outras pautas como a luta pelos direitos humanos, educação, cultura e juventude, meio ambiente, PCD, a luta por justiça social de modo geral, que é o que nos move.

Considerando todas as suas principais pautas e lutas, a senhora está representando na Alese, e anteriormente na câmara municipal de Aracaju, pessoas que nunca tiveram espaço na política do nosso estado, qual a sensação e a importância de ocupar uma cadeira na

Assembleia Legislativa?

É de muita felicidade, mas ao mesmo tempo de grande responsabilidade em saber que estamos ocupando um espaço que sempre foi dominado por homens brancos cis-heteronormativos, e que sempre nos foi negado. Essa representatividade é muito importante não só nas Casas Legislativas, mas em toda a sociedade.

Como analisa o perfil político sergipano?

Está mudando, mas ainda é preciso conscientização, pois ainda é dominado por um sistema coronelista, feito de conchavos, onde muitas das vezes há apenas a luta do poder pelo poder e que algumas figuras legislaram a partir de seus interesses pessoais ou de agrupamentos, ao invés dos interesses da população.

Qual projeto gostaria de ver aprovado?

Todos os projetos que realmente beneficiem a população têm o apoio de nossa mandata, mas sempre fazemos um debate com a sociedade civil organizada, para votar e aprovar projetos de forma consciente.

Qual projeto da sua autoria quer aprovar o quanto antes em Sergipe?

Todos os projetos que protocolamos são importantes e defendemos que sejam aprovados. Mas já protocolamos vários deles, sobretudo alguns que atuam para garantir os direitos das mulheres. Especialmente

os que tratam sobre elaboração de plano de comunicação sobre casos de violência, licença parentalidade, segurança em transportes intermunicipais, combate ao machismo nas escolas e maternidade.

Principal referência na política?

Marielle Franco.

O que a Linda do presente gostaria de dizer para a Linda do passado?

Para prosseguir, ir em frente, mesmo com todos os desafios e obstáculos, não desistir da vida.

O que a senhora gostaria de dizer para os seus quase 30 mil eleitores?

Sabemos da responsabilidade muito grande que nos foi dada e que as pessoas podem contar com uma mandata transparente, atuante e que não será cooptada pelos vícios do sistema político.

O que não podemos finalizar essa entrevista sem saber?

Uma curiosidade que muitas pessoas ainda não sabem, é que a nossa mandata está dividida hoje em sete Grupos de Trabalho (GTs): Direitos Humanos, Cultura e Juventude, Meio ambiente, Educação, Legislativo, Jurídico e Comunicação. Nossa mandata é bem diversa e atua em diversas frentes.

05 Assessoria Parlamentar
Sofri com a LGBTQIA+fobia no ambiente escolar, o que me fez não ser eu mesma por muito tempo.
Linda Brasil, Deputada Estadual
Maio, 2023|São Cristóvão - SE ENTREVISTA

Cultura indígena da comunidade Kariri-Xokó, na Ilha de São Pedro, se reinventa para resistir

Entre escassez de alimentos e problemas de saúde, abril de 2022 foi o início do que tornou-se a época de maior desespero dos indígenas Yanomami desde a homologação de seu território, em 1922. O cenário de destruição deu-se a partir da prática do garimpo ilegal em suas terras, levando ao desmatamento e surgimento de doenças infectocontagiosas. Em uma realidade de diminuição da população indígena, o caso dos Yanomami gerou muitas preocupações , já que contribuiu efetivamente para óbitos dessa comunidade.

Os reflexos de uma legislação que pouco assegura direitos aos indígenas e uma sociedade ainda estática em pensamentos coloniais são motivo de alerta para a progressiva dissolução da cultura nativa brasileira. Abrindo um espaço importante para falar sobre a importância da resistência do povo Xokó, uma das únicas comunidades indígenas que ainda existem em Sergipe.

As pessoas que existem e resistem na comunidade Xokó, passaram por um período de reinvenção e procuram formas de manter suas tradições. De acordo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Ilha de São Pedro, no município de Porto da Folha, doada no ano de 1745, se tornou oficialmente abrigo do povo Xokó apenas no ano de 1979. Esse fato demonstra como o Estado contribuiu para a negação da existência indígena. De acordo com Diogo Monteiro,

diretor da Associação Nacional de História, seção Sergipe (ANPUH-SE), “atualmente, a lógica continua muito semelhante, negação da identidade indígena para a negação de direitos específicos”. O que torna claro uma visão, para grande parte da população, de que os indígenas não existem mais em um Brasil contemporâneo.

De acordo com o site Terras Indígenas do Brasil, existem cerca de 340 pessoas residentes na comunidade. Entretanto, Ivanilson Xokó, historiador e parte da comunidade, comenta sobre o número já passar de 400 moradores. Essas pessoas são atualmente as responsáveis pela manutenção da herança histórica nas terras da Ilha e preservam seus saberes na vida comunitária. Os Xokós residem no sertão sergipano e, apesar de conquistarem seu território após anos de luta, ainda enfrentam diversos problemas, incluindo a invisibilidade das culturas indígenas e a luta para resgate da língua materna.

PESSOAS QUE (RE)EXISTEM

Em uma distância de 220 km da capital sergipana, na Ilha de São Pedro, as histórias da comunidade Xokó são vívidas. A distância, entretanto, não é apenas territorial, os marcos históricos deixaram impressões mais profundas. A realidade em que vivem as comunidades indígenas contemporâneas é vista como uma forma atrasada de se viver. Isso se deve especialmente pelos olhos coloniais, ainda presentes no imaginário popular. O afastamento cultural da sociedade acerca do assunto reforça essa percepção, já que “o afastamento geral do universo indígenaacompanhado do alheamento em relação ao destino dos povos originários - consolida todas as visões coloniais sobre eles”, comenta o antropólogo Ugo Andrade.

O cenário atual dos povos indígenas vem sendo marcado pela violência cultural e religiosa, além de reforçar o isolamento dessas comunidades. Ugo afirma que, apesar de todas as pessoas se considerarem descendentes desses povos, o impacto desse conhecimento não afeta efetivamente as suas vidas. “Esse fato pouco influencia nossas posições a respeito dos povos indígenas contemporâneos”, completa o professor. Essa realidade contribui na formação de um imaginário coletivo do que é o índigena, fomentado exclusivamente em achismos. Assim, a problemática é que grande parte das pessoas que buscam conhecimento estão à procura do “exótico”, por isso cultivam preconceitos e rótulos.

A invisibilidade dos povos indígenas é uma das principais razões pelas quais as comunidades originárias sofrem conse-

quências intensas até hoje. A legislação brasileira nunca foi um instrumento de defesa aos povos, e sim um meio de controle, já que, ainda no Século 19, o Governo negou a existência de indígenas e os enquadrou como mestiços e “brasileiros como todos”. Esse fato histórico foi utilizado para que pudessem “negar direitos específicos, sobretudo os relacionados à posse da terra”, comenta Diogo.

A CULTURA EM PALAVRAS Qualquer identidade cultural é acompanhada de tradições, comportamentos e histórias. A linguagem é um sistema que está enraizado e ajuda a moldar as sociedades, o que explica diferentes idiomas e expressões idiomáticas em regiões distintas. Entretanto, com uma história que começa a partir de imposições culturais, comportamentais e linguísticas, esse cenário é conturbado desde as raízes do colonialismo brasileiro. Assim, como observado na história indígena, os Xokós enfrentam também uma luta pela sua língua nativa, a dzubukuá. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2 milhões de indígenas habitavam o Brasil no século 16, já em 1988 esse número diminuiu drasticamente para 302.888 indígenas. Esse dado demonstra a diminuição populacional com o passar dos anos e, atrelado a isso, das quase mil línguas que eram encontradas, atualmente restam cerca de 160. A imposição da língua portuguesa no início da história da colonização brasileira, apesar de unificar o país em uma identidade linguística, foi o fator histórico responsável pelo abandono forçado das

línguas nativas. Falar do direito à língua nativa está diretamente ligado ao contexto de resistência dos Xokós e, na dissertação da advogada Liliane Silva, é possível ver como o abandono aos direitos indígenas é forte na legislação brasileira, que foi e é feita sob o ponto de vista dos colonizadores.

As palavras de Liliane expressam a natureza que constrói as bases do direito, “em um contexto histórico, a constituição é usada como instrumento de hierarquização da língua”. O direito à língua materna, apesar de constar na carta magna, é utilizado, de maneira implícita, para comprovar a necessidade do conhecimento da língua portuguesa acima do próprio dialeto indígena.

Entre idas e vindas da advogada à comunidade Xokó, os relatos do resgate à língua que vinha se perdendo tornaramse cada vez mais frequentes. “Não é só utilizar uma língua indígena, é a nossa língua”, falou Ivanilson. Ele comenta ainda sobre a progressiva volta à utilização da dzubukuá em seus cânticos, o Toré. A língua é uma das mais utilizadas formas de resistir e existir em sociedade, sendo instrumento de identificação e conexão desde o início da humanidade.

A ideia e desejo da comunidade é construir uma coexistência linguística, sem destruir o português, “a destruição é papel do colonizador”, finaliza Liliane. Para manutenção da língua dzubukuá, os Xokós a utilizam para seus cânticos em rituais e Ivanilson ainda relata sobre a tentativa do ensino na escola indígena da Ilha de São Pedro. Com a utilização e prática constante, ele acredita que a comunidade pode voltar a falar e se expressar em sua língua materna.

Pintura facial é uma forma por meio da qual a comunidade reforça seus laços culturais e mantém viva uma tradição ancestral entre Xokós Ronicleiton Paixão Ronicleiton Paixão Hoje a comunidade respira melhor por usar da cultura como resistência e reforçar sua identidade Fonte: Pib Socioambiental - | Instituto Socioambiental
06 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CIDADANIA
Arte: Ana Carolina Mundim

Do preconceito ao respeito, a CasAmor e a sua história de luta pela comunidade LGBTQIAPN+

O Brasil é, sim, o país que mais matou pessoas LGBTQIAPN + nos últimos 14 anos. Isso é resultado do alto índice de LGBTfobia ainda existente em seu território, principalmente no nordeste, que fechou o ano anterior na posição de região mais perigosa. Possuindo o maior número de casos de violência para a comunidade: das 242 mortes por homicídios e 14 por suicídios, 111 ocorreram em seu território, seguido pelo Sudeste com 63 mortes, e as regiões Norte, Centro-Oeste e Sul totalizam 82 vítimas. De acordo com o levantamento realizado anualmente pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), entidade não governamental fundada em 1980, sendo ela a mais antiga associação que trabalha pelo direito dos homossexuais no Brasil, cerca de 256 LGBTQIAPN + tiveram sua voz silenciada e sua vida ceifada pelo preconceito ainda existente sobre a população em 2022, o que totalizaram uma morte a cada 34 horas. E mesmo com todos esses dados, para muitos esse recorte ainda não se aplica ao que realmente acontece com a comunidade nas ruas, como por exemplo, o constrangimento de se defender até mesmo em situações de LGBTfobia nas delegacias e hospitais.

Vindo na contramão desses dados, a Casa 1, outra organização de apoio a comunidade LGBT, desta vez sediada em São Paulo, realizou uma publicação em abril de 2020 e constatou que o Brasil possuía um total de 23 organizações de ajuda à comunidade espalhadas pelo país. Em Sergipe, uma das organizações de apoio é a Casa Amor Neide Silva ou “CasAmor”, idealizada em 2017 por Linda Brasil, ativista transfeminista dos direitos humanos e da comunidade LGBTQIAPN + em Sergipe. Linda foi eleita a primeira Deputada Estadual trans de Sergipe em 2022.

Linda conta que a organização surgiu inspirada na Casa Nem, do Rio de Janeiro, e na Casa 1, organizações essas que são de apoio à comunidade LGBTQIAPN +, nelas é oferecido moradia, cursos e oficinas. A CasAmor era um sonho presente em Linda, ela desejava disponibilizar a essas pessoas da comunidade um local de acolhimento, apoio e até mesmo que eles se sentissem em casa.

Em Aracaju, nessa mesma época foi aberto um edital da Justiça Criminal para que fossem realizadas ações LGBTs no sistema prisional do estado, sendo assim, com o apoio de um amigo, decidiram concorrer a esse edital para arrecadar recursos que contribuiria para a fundação de um espaço que acolhesse os egressos do sistema prisional. Infelizmente, o projeto apresentado não foi aprovado. Porém, com a divulgação que ela já havia realizado em suas redes sociais, houve muita repercussão e surgiram pessoas querendo apoiar o projeto voluntariamente, disponibilizando apoio psicológico, jurídico e de assistência social às pessoas que procuravam a organização, mesmo sem nenhum retorno financeiro. E assim surgiu o principal ideal da CasAmor, acolher as pessoas que estivessem em vulnerabilidade por meio

familiar ou socioeconômico. A organização pretendia disponibilizar moradia aos acolhidos, contudo é necessário dispor de algumas licenças burocráticas para que possa ser liberado, por isso os atendidos que necessitam deste serviço são realocados para organizações que possuem essa regulamentação.

A entidade que fica localizada no Bairro Inácio Barbosa, em Aracaju (SE), ainda não possui recursos suficientes para seu auto sustento, sobrevivendo então de doações de pessoas e algumas empresas privadas do estado.

Ela relata que os desafios de ser uma voluntária se dão não só pelo preconceito ainda existente nas pessoas, mas também pelas barreiras financeiras enfrentadas para manter a CasAmor funcionando. O principal foco é realizar a entrega das cestas básicas aos assistidos, o que para ela é algo muito importante pois, “a alimentação é o primordial, já que com fome você não faz nada”.

Thaynan define a Casa Amor como família e diz que a sensação de poder ajudar ao próximo é de auto realização ao saber que um assistido passou a ter autonomia financeira através dos cursos disponibilizados pela entidade. É até mesmo conseguir ajudar na relação familiar dos assistidos, também é algo gratificante, já que na maioria das vezes a má-relação do acolhido com sua família é a principal razão da sua procura pela organização.

Como já falado, um dos objetivos da organização é promover uma certa autonomia financeira, uma vez que é muito difícil conseguir um trabalho formal sendo LGBTQIAPN +. Por esse motivo que antes da pandemia aconteciam cursos e oficinas disponibilizados por profissionais voluntários, principalmente na área de artesanato, que visam a empregabilidade autónoma dos mesmos.

fazem. Deixando a todos o real significado de amar ao próximo”.

Para Uryel de Souza, a CasAmor significa família, e um lugar pelo qual se sente acolhido e que ajudou bastante na sua trajetória através dos auxílios que recebia da organização. “Hoje sou muito grato por poder fazer parte e ver o crescimento lindo do trabalho de cada um, a palavra é gratidão a cada um dos envolvidos”, acrescenta.

A CasAmor conta com o apoio de psicólogos, que disponibilizam seu tempo para ajudar os acolhidos com suas questões pessoais e familiares. Além disso, a organização possibilita que os assistidos tenham acesso de forma gratuita e mais fácil à retificação de nome e gênero, ação judicial requerida no cartório de registro civil de origem por qualquer pessoa acima de 18 anos que não se identifica com o nome dado pelos pais. A organização também ajuda pessoas da comunidade que estão em processo criminal.

Até o momento, as ações realizadas pela organização não retornaram de forma regular como antes da pandemia. A questão estrutural é uma das dificuldades que a CasAmor vem sofrendo nos últimos anos, como a necessidade de pinturas na parede, troca de pisos, dentre outros. Os obstáculos na locomoção dos assistidos também é um dos fatores que acaba dificultando a realização das atividades, uma vez que o deslocamento até lá pode não ser viável por questões financeiras.

No entanto, esses empecilhos não impedem que a CasAmor continue com o seu trabalho em ajudar a todos da comunidade. Toda ajuda que recebem de doadores é entregue aos assistidos e nas penitenciárias que possuem a ala LGBT+ em Sergipe. A CasAmor aceita doações de produtos de higiene, absorventes e roupas, além de pessoas que queiram disponibilizar algum serviço social de de forma voluntária, como cursos, oficinas, ajuda psicológica ou jurídica.

A casa possui um total de oito voluntários, dentre eles, Thaynan Alves de Oliveira, mulher bissexual. Ela conta que descobriu sobre a organização no dia do velório de Laysa Fortuna, uma jovem transexual que foi morta após ser esfaqueada no Centro de Aracaju em 2018. Ali ela afirma que pode ver o lado mais cruel da LGBTfobia, já que na maioria das vezes o contato preconceituoso está na própria família. Foi então que ao conversar com Linda Brasil ela lhe apresentou o projeto da Casa Amor, que pouco tempo depois ela procurou e se tornou voluntária.

Amor é como Carolina Cruz define a CasAmor, ela é uma das mais de 40 pessoas assistidas pela organização atualmente. Carolina procurou a entidade buscando ser acolhida e para que pudesse se auto conhecer sem medo. Segundo ela, a organização realizou mudanças em sua vida a partir dos cursos disponibilizados que ajudaram a compreender o mercado de trabalho e a melhorar sua renda. Das pessoas que a acolheram, e foram importantes para que ela construísse uma nova vida, mas também a ajuda dada através das cestas básicas. Para ela, o legado que a CasAmor deixa à sociedade é “que acolher é a disponibilidade de tempo, de carinho e amor que

LGBT+ é uma abreviação de LGBTT2QQIAAP Barbára Janaína Ramos Fernanda Spínola Segundo o GGB, a região nordeste obteve o maior índice de mortes LGBTQIAPN+ em 2022
07 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CIDADANIA
Arte: Heidy Souza

Aumenta o número de ciclistas em Aracaju, mas os problemas crescem na mesma proporção

para a UFS por aquele trecho e fico me arriscando no meio dos carros, porque não tem uma ciclovia nessa rota”, diz.

Apesar da SMTT assegurar que realiza constantemente a manutenção das ciclovias da cidade, a infraestrutura da malha cicloviária continua sendo um obstáculo para quem pedala na capital sergipana. Ítalo Melo, que começou a andar de bicicleta em 2020, conta que além de possuir muitos buracos, algumas ciclovias tem baixa sinalização, o que pode danificar a bicicleta e causar acidentes.

os carros devem manter uma distância mínima de 1,5 metro para ultrapassar bicicletas, muitas vezes os condutores não respeitam essa lei. Essa infração aumenta o risco de acidentes em trechos sem ciclovias, onde os ciclistas precisam dividir as ruas com mais 341 mil automóveis que, segundo o Detran/ SE, circulam na cidade atualmente.

O interesse pela bicicleta cresceu no Brasil durante a pandemia e vem se difundindo cada dia mais. Em Aracaju não foi diferente. Apesar de não existir um número exato de ciclistas na capital, uma vez que qualquer pessoa que tem condições de pedalar é considerado ciclista, a pesquisadora Sayuri Dantas, colaboradora da ONG Ciclo Urbano, observou em suas pedaladas diárias, um aumento perceptível de ciclistas nas pistas.

Pedalar tornou-se um hábito, especialmente para as pessoas que usam a bike como principal meio de transporte, seja para levar os filhos à escola ou até mesmo, transportar materiais de trabalho, fugindo do trânsito e da lentidão do transporte público, que vem se tornando cada vez mais caótico em Aracaju. Apesar de ser um meio de transporte eficiente, os ciclistas da capital ainda encontram alguns obstáculos, como problemas na infraestrutura das ciclovias e desrespeitos por parte dos motoristas.

Dono de uma loja de bicicletas, Ademario Gonçalves conta que as vendas no seu negócio aumentaram durante a pandemia. “As academias estavam fechadas e demoraram um tempo para voltar depois da flexibilização, sem poder utilizar esse espaço as pessoas optaram por andar de bicicleta, já que era algo ao ar livre”, disse. Após a pandemia, as pessoas não abandonaram o hábito de pedalar, pelo contrário, passaram a utilizar cada vez mais a bicicleta como meio de transporte regular. Em 2022 a loja de Ademario vendeu mais de 400 bicicletas, o que explica a percepção de que há mais ciclistas circulando.

Em 2008, Aracaju foi considerada a capital da qualidade de vida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). As ciclovias, que eram referência na região, foram um dos fatores que levaram a cidade a conquistar esse título e até mesmo serviu de modelo para outras capitais. Em 2011 a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) divulgou que as ciclovias da capital possuíam 55,9 km de extensão, sendo na época a maior malha cicloviária do Nordeste.

Doze anos se passaram e a malha cicloviária quase dobrou, totalizando aproximadamente 100 km atuais. Apesar disso, a quantidade de ciclovias continua sendo insuficiente para suprir as

demandas da população. O número de habitantes, carros e bicicletas aumentou nesses últimos anos, mas as ciclovias não acompanharam esse crescimento de forma significativa e acabaram ficando para trás junto com o título de cidade com a maior malha cicloviária do Nordeste, que agora, segundo o levantamento feito pela Aliança Bike, pertence a Fortaleza no Ceará.

Aracaju, apesar de ser uma cidade plana, contribuindo para o uso da bicicleta, ainda encontra desafios para implantar uma estrutura eficiente que favoreça a prática do ciclismo. Mesmo apresentando um crescimento considerável e possuindo ciclovias (pista de uso exclusivo para a bicicleta, isolada do tráfego comum) e ciclofaixas (parte da pista, calçada ou canteiro destinada à circulação da bicicleta, delimitada apenas por pintura), a cidade perde a oportunidade de tornar o ciclismo um marco da capital.

OBSTÁCULOS NA PISTA

A ONG Ciclo Urbano atua em Aracaju desde 2007 promovendo “bicicletadas” - passeios de bicicleta em grupo que fazem ações em prol do ciclismo - e confeccionando placas de sinalização para ciclovias, além de realizar pesquisas sobre o ciclismo em Aracaju. A colaboradora da ONG, Sayuri Dantas, observa que as ciclovias da cidade além de não atenderem a quantidade de ciclistas, também se mostram ineficientes na logística. “As ciclovias aqui em Aracaju são colocadas como vias expressas, fazendo a conexão de extremos [...] a gente tem a ciclovia da Beira mar, mas chega no centro não tem mais. No bairro Jardins, Grageru, Luzia e Siqueira Campos, esses bairros que ficam no centro do mapa não tem ciclovias”.

Sayuri percebe a necessidade da construção de ciclovias ligando locais estratégicos, possibilitando a locomoção do público que usa bicicleta para ir ao trabalho, escola e outros locais no dia a dia de forma segura através das ciclovias.

Os estudantes são uma parcela da população que utilizam a bicicleta como meio de transporte, principalmente para ir e voltar da Universidade sem gastar com transporte público. Luan Raick, estudante de Turismo da UFS, sente falta de uma ciclovia na Barão de Maruim junto com a Desembargador Maynard.“Eu venho

O clima é outro ponto diretamente ligado à utilização da bicicleta como meio de transporte. Para Aracaju, que passa o verão com a temperatura média de 30°, a arborização é uma das possíveis soluções para amenizar o calor intenso. As árvores, que promovem sombra e melhoram a ventilação, fazem falta nas ciclovias. “A árvore é um elemento de conforto para a mobilidade, [...] o fator climático pesa muito para quem usa bicicleta aqui, as pessoas querem chegar bem e arrumadas a seus destinos, não completamente suadas, então o calor atrapalha essa mobilidade por meio da bicicleta”, ressaltou Sayuri.

A pesquisadora defende a necessidade da arborização das ciclovias de forma estratégica e não decorativa, como aconteceu na ciclovia do contorno na Avenida Tancredo Neves. “Eles colocaram palmeiras, uma árvore cara e que não faz sombra, não adianta nada para quem anda de bicicleta. [...]. Tem que ser pensadas árvores próprias para mobilidade urbana, que façam sombra, de porte alto”. Ela também destaca que as palmeiras podem ser até um obstáculo para os ciclistas, por causa das folhas que eventualmente caem no chão.

“Nas cidades com árvores as pessoas pedalam mais”, diz.

QUEM ESTÁ SEGURO?

A ONG Ciclo Urbano, que realiza pesquisas com ciclistas regularmente, percebeu que apesar das dificuldades com a estrutura das ciclovias, o maior motivo de insegurança dos ciclistas é a falta de respeito dos motoristas. Apesar do art. 201 do Código de Trânsito instituir que

Mesmo onde existem ciclofaixas, que ficam localizadas nas margens das vias, as mesmas não são respeitadas e são utilizadas como acostamento para os condutores, que invadem o local destinado aos ciclistas, para estacionar ou até mesmo fugir do trânsito.

O medo de acidentes não é em vão, segundo dados da SMTT, de 2020 para 2021 o número de acidentes com feridos cresceu 100%, passando de 20 para 40. Visando oferecer segurança aos ciclistas, a SMTT disse que além de destinar um espaço próprio à circulação dos ciclistas, “realiza campanhas educativas e de conscientização com todos que fazem o trânsito, dentre eles os ciclistas, orientando a todos que façam uso dos equipamentos de proteção individual, respeitem a sinalização e a legislação de trânsito.”

Mesmo com todos desafios, muitas pessoas pedalam diariamente em Aracaju. Sayuri Dantas salienta que, apesar dos benefícios para a saúde e para o meio ambiente serem destacados quando se fala em ciclismo, esse não é o principal motivo de quem adota o uso da bicicleta.

A pesquisadora comenta que o real motivo por trás dessa escolha é o fator financeiro. “Quando a gente faz a entrevista, as pessoas dizem que andam de bicicleta porque não gostam de ônibus, mas quando a gente vai conversar com essas pessoas a gente acaba percebendo que a questão econômica tem um peso muito grande nessa decisão de pedalar”, diz.

A bicicleta além de ajudar a desafogar o trânsito, promover uma melhora ao meio ambiente e a saúde de quem pedala, também é uma alternativa para que as pessoas de baixa renda consigam se locomover por toda a cidade sem gastos. Mas para que isso ocorra, precisam existir ciclovias que ofereçam segurança e conforto para os ciclistas.

Ciclovia da Avenida Rotary, próxima à orla do bairro Atalaia é rota para quem trabalha com a bicicleta Artur Vieira Arte: Ciclo Mapa
08 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CIDADANIA
Mapa colaborativo das ciclovias e ciclofaixas em Aracaju-SE. Clique no QR Code para ver mais.

Transtornos alimentares, além da estética, são um importante alerta para a saúde pública

A tríade beleza-saúde-juventude, sempre associada ao corpo magro, movimenta mulheres, principalmente as mais jovens, ao redor do mundo para a armadilha da cultura da dieta. Elas restringem cada vez mais sua alimentação em busca do controle do peso e os prejuízos vão além do físico. Os anos passam, novas tendências surgem, mas a pressão pelo “corpo perfeito” é sempre a mesma. Na internet, é possível observar esse movimento com o retorno da moda dos anos 2000, marcada por divas pop magérrimas e a tão temida calça cintura baixa. Esse cenário vem despertando gatilhos em diversas jovens que são consideradas fora do padrão alto e magro. Porém, essa questão não se restringe somente a essa estética, tendo em vista que ela é apenas um estímulo para algo imposto na sociedade há décadas, como por exemplo, nos anos 2010, em que a rede social Tumblr difundia e romantizava corpos anoréxicos.

Os transtornos alimentares são um alerta para todos, mas em especial ao público adolescente. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, esses distúrbios afetam cerca de 10% da população jovem.

A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por essas doenças, sendo a maioria composta por mulheres. Só no Brasil, são 10 milhões de pessoas, o que corresponde a 5% da população, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Sergipe, não há registros sobre o assunto.

Entre os distúrbios alimentares, os mais comuns são a anorexia nervosa, onde há a restrição de ingestão calórica; a bulimia nervosa, que apresenta episódios de compulsão alimentar, seguidos por meios de compensação; e por fim, o mais frequente, o transtorno de compulsão alimentar, quando o indivíduo tem um descontrole em relação às quantidades que ingere, seguido por sensação de culpa. As consequências para esses quadros são diversas, mas vale citar algumas, como depressão, anemia, dificuldade na memória e desregulação da saciedade.

Além dos transtornos que geram compulsões ou privações, existem aqueles que não são identificados, conhecidos como “comer transtornado”. Nestes casos, as pessoas possuem relações conturbadas com a comida, como a compulsão por comer apenas alimentos saudáveis, contar calorias ou vício em atividades físicas.

Gabriela Rollemberg, psiquiatra formada pela Universidade Federal de Sergipe, com especialização em transtornos alimentares, afirma que durante a pandemia da Covid-19 houve uma alta nos casos de transtornos alimentares, o que levantou um alerta entre os profissionais da área. Segundo ela, esses distúrbios podem vir de formas genéticas, de convívio ou comportamentais, geradas por dietas restritivas, que durante o período pandêmico entraram na rotina de muitas mulheres. “Nem todo mundo que faz uma dieta restritiva irá desenvolver algum transtorno alimentar, porém todo transtorno alimentar vem de uma dieta restritiva”. A estudante Bianca*, de 16 anos, pode afirmar com propriedade as consequências negativas provocadas pelas restrições alimentares. Aos 13 anos, sofreu

várias crises de ansiedade após a morte de uma amiga próxima. A dor da perda e as seguidas crises a fizeram acreditar que na sua vida só conseguiria ter controle de uma coisa: sua aparência. Depois de ouvir sobre uma dieta da moda, resolveu aderir. Para se manter na dieta, deixou de jantar com sua família e de sair com suas amigas, para não precisar comer. “Durante a pandemia, aproveitei que meus pais estavam trabalhando fora o dia todo e mentia para eles sobre ter me alimentado”, desabafa.

A jovem vivia estressada, não queria ficar perto de ninguém, sua cabeça só girava em torno de comida, queria comer, mas sentia raiva por acreditar que não podia. Para saciar seus desejos, passou a cozinhar tudo aquilo que tinha vontade, só para ter a sensação de satisfeita. “Foi o momento que eu mais cozinhei na minha vida, por incrível que pareça”, relata Bianca. Ela fazia diversas receitas para a família e amigos, mas não chegava nem a experimentar. Cansada da fome, da auto cobrança e da insatisfação com seu novo estilo de vida, a jovem resolveu pedir ajuda para a sua mãe, que a levou para fazer tratamento. A responsável nem imaginava o que se passava, pois acreditava que o emagrecimento da filha ocorria devido a fase de crescimento.

A universitária Mariana*, de 21 anos, também pode relatar os impactos das restrições alimentares. Antes, ela era uma pessoa que não dava muita atenção para a alimentação e nem ficava toda hora observando seu corpo. No entanto, isso mudou após ouvir alguns comentários de familiares. “Fico meses sem ver a minha família, pois moro longe. Mas quando os via eu não escutava um ‘que saudades!’ e sim ‘você engordou’. Não acho que faziam por mal, porém me machucava”, diz. A jovem afirma que passou a fazer exercícios em casa, comer alimentos saudáveis e a cortar tudo aquilo que não era. Quando sentia vontade de algum doce, ela buscava uma receita “fitness”, mas nunca ficava satisfeita.

Com pressa por resultados, pesquisou outras formas para emagrecer e passou a comer cada vez menos.

Essa decisão não foi sustentável, pois a partir desta restrição, ela desenvolveu bulimia. Comia compulsoriamente, mas quando a culpa batia, deixava de se alimentar. Em ocasiões festivas, cozinhava demais, às vezes para umas dez pessoas, mesmo quando só estavam presentes as três com quem ela morava. Ainda assim, nunca havia desperdício, Mariana

conta que comia tudo, pois acreditava que no dia seguinte não poderia mais comer. Estava sempre se despedindo da comida, o que a fez emagrecer muito. Essas privações a deixaram abaixo do peso ideal para a sua altura, de 1,67 metros.“Era um ciclo sem fim. Eu comia um bolo inteiro em um dia e nas próximas semanas eu vivia a base de água”.

Quando visitava os parentes, após ter emagrecido, as reações eram as mais variadas, recebia elogios e críticas, alguns a comparavam com uma modelo, outros diziam que ela parecia doente. A auto estima de Mariana estava abalada, nem magra se sentia bonita. Nessa época, com seus 18 anos, era confundida por muitos com uma garota de 12. Ela percebeu que tinha algo errado, mas não parou por aí. Ela passou a contar as calorias de tudo que ingeria, controlando sua alimentação nos mínimos detalhes acreditando que conseguiria assim um equilíbrio.

Se em algum momento ultrapassasse a quantia ideal, ela compensava nas calorias do dia seguinte, retomando seu estado de fome constante. Somente após a intervenção de seus pais, que notaram sua mudança de comportamento, Mariana passou a fazer tratamento e conseguiu chegar em um peso saudável. “Ouvi da minha psiquiatra que se eu continuasse com essa vida, o próximo passo seria a morte. Não vou te dizer que estou curada, porém entre diversos tropeços, eu estou conseguindo seguir em frente”, desabafa.

O tratamento para esses transtornos alimentares ocorre a partir do acompanhamento de três profissionais: psiquiatra, psicólogo e nutricionista comportamental. Segundo Gabriela Rollemberg, o paciente vai mudando sua forma de se relacionar com a comida e com o próprio corpo, para interromper os comportamentos compensatórios ou compulsórios, associados aos distúrbios. Porém, por serem doenças crônicas, sempre correm o risco de voltar, mas o paciente pode entrar em remissão, ou seja, a redução ou ausência dos sintomas. Por conta disso, o acompanhamento profissional é essencial.

O QUE DIZ A PSICOLOGIA

Ana Luiza Sobral, mestre em psicologia formada pela UFS, diz que do ponto de vista psicológico, esses transtornos são trabalhados como uma descarga emocional. “Você está sempre procurando o alimento como uma fonte de prazer, como se fosse uma droga”, expli-

ca. Quando ocorre o contrário, ou seja, quando os pacientes não demonstram nenhum interesse em comer, o trabalho é feito em conjunto com a família, que realiza um acompanhamento diário, e em alguns casos cabe a internação. No entanto, esses distúrbios podem ser prevenidos. A psicóloga afirma que a psicoterapia pode trabalhar nesse quesito, ajudando o paciente a ter uma relação saudável com a comida, sem focar na questão estética e sim na qualidade do que come. “Não estamos preocupados se a pessoa vai ganhar ou perder peso, e sim na saúde dela”, diz Ana Luiza. Ela também destaca a importância dessa abordagem durante a adolescência, “é um período excelente para começar a trabalhar essas questões do corpo, principalmente nas escolas, com rodas de conversa e conscientização”, finaliza. *Os nomes utilizados são fictícios

Atenção as redes sociais

As redes sociais impulsionam a distorção da auto-imagem, principalmente na adolescência, quando há a formação da identidade. Isso ocorre por se tratarem de locais onde ocorre a exposição excessiva de corpos “perfeitos” , que geram uma comparação.

O documentário “Miss Representation” (2011) aborda como as mídias em geral, que desde sempre são chefiadas por homens e suas perspectivas de maioria sexistas, influenciam diretamente na forma em como a mulher se vê e é vista na sociedade, levando em consideração que o que é apresentado não é o corpo feminino real e sim a sua idealização pela ótica masculina. Essa questão é semelhante nas redes.

“Nós somos influenciados sem nem perceber, começamos a achar coisas erradas na gente, que na verdade nem são erradas. Quando paramos para observar nossas referências começamos a notar tais influências”, afirma a psiquiatra Gabriela Rollemberg, que destaca também a necessidade de filtrar os corpos que você segue nas redes sociais. “Se são perfis de pessoas muitos magras que te fazem se sentir frustrada, querendo ter um corpo igual, procure por alguém que tenha um corpo mais parecido com o seu, ou até pessoas que são diferentes, para você treinar o seu olhar a ver beleza em outros tipos de corpos”.

Para encaixar no tamanho “ideal”, mulheres se submetem à dietas retritivas, que causam fome e podem gerar transtornos alimentares
09 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SAÚDE
Rebeca Knapp
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Brasil é o país mais ansioso do mundo e o mais depressivo da América Latina, indicam pesquisas

São 970 milhões de pessoas acometidas por transtornos mentais e as mulheres são maioria nesses números, com isso, a procura por ansiolíticos e antidepressivos dobrou no país nos últimos anos.

Por Mylena Duarte

OBrasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o mais depressivo da América Latina, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde. Dados da OMS indicam que cerca de 970 milhões de pessoas no mundo vivem com algum transtorno mental, sendo ansiedade e depressão os mais comuns , e as mulheres aparecem como maioria nesses dados. A Pesquisa Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde em 2021, indica que a taxa de depressão entre mulheres em Aracaju é de 14,36%, enquanto entre os homens é de 6,56%. Além disso, muitas pessoas sofrem com a falta de acesso a atendimento de saúde profissional qualificada e com os estigmas e preconceitos da sociedade em relação a esses transtornos.

A procura por medicamentos para tratamento de ansiedade, depressão e insônia também é alta. O Conselho Federal de Farmácia aponta que as vendas cresceram 58% no país, entre 2017 e 2021, muito disso como consequência da dificuldades trazidas pela pandemia de Covid-19, como isolamento social e desemprego. Em 2020, Sergipe chegou a ocupar o 3° lugar de estados do país com o maior índice de desocupação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ana*, que tem 21 anos, faz parte dessas 970 milhões de pessoas que convivem com os sintomas de transtornos mentaisb diariamente. Desde a infância lidava com crises de pânico e ansiedade, por isso, para ela era normal passar mal um dia antes da apresentação de um trabalho escolar, por exemplo, ou ter crises com outras situações cotidianas.

“Só quando fiz 17 anos que eu vi que algo estava errado, sabe? Lembro que todas as vezes que fiz o Enem, tomei calmante pra não ter crise na hora da prova. Infelizmente quando eu fiz no meu 3º ano, acabei não conseguindo fazer a inscrição no Sisu por causa das crises. Enfim, só aos 20 que eu decidi procurar ajuda após uma tentativa de suicídio. Minha família me levou ao psiquiatra e depois comecei o acompanhamento com ele e a psicóloga”, conta ela.

Pedro*, de 21 anos, sempre sofreu com os transtornos, assim como Ana*, mas se deu conta do diagnóstico apenas em 2020. Após o término de um relacionamento, as crises de pânico e ansiedade se intensificaram, houve uma tentativa de suícidio e ele percebeu que precisava da ajuda de um profissional. “Foi algo que sempre me acompanhou, mas eu não fazia ideia”, conta.

ANSIEDADE E DEPRESSÃO

Segundo Fellipe Campos, psiquiatra e professor de Psiquiatria e Saúde Mental do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, existem muitas razões que podem levar alguém a desenvolver um quadro de ansiedade, como fatores genéticos e externos a exemplo de: demandas individuais, acadêmicas, financeiras, dificuldades de ambientes como estresse relacionado ao trabalho, estudo e violência urbana,

além de questões individuais e familiares.

A OMS aponta como alguns dos sintomas mais comuns de depressão a tristeza, perda de interesse e prazer, sentimento de culpa ou baixa auto-estima, distúrbios do sono ou apetite, sensação de cansaço e perda de concentração.

Já os sintomas de ansiedade são caracterizados pelo medo e preocupação excessivos e persistentes em situações cotidianas, que podem ser acompanhados ou não de aumento da frequência cardíaca, fadiga, suor excessivo, inquietação, entre outros.

Campos esclarece que os altos índices desses transtornos no Brasil podem ser consequência tanto do aumento de casos em si, quanto do aumento da capacidade de diagnóstico, uma vez que os os quadros estão sendo melhor avaliados por profissionais de saúde, e pelo aumento da busca de avaliação de saúde mental.

E enfatiza que os dados atuais refletem a realidade de que brasileiros

mais estão expostos a fatores externos que favorecem o aumento dos números, “Querendo ou não o Brasil é um país com um nível de estresse de trabalho, estresse individual, familiar, o estresses sociais… é um país muito plural em termos de estressores ambientais que infelizmente aumentam o risco no Brasil especificamente” disse ele.

Ele explica ainda que os dois transtornos são diferentes, mas possuem algumas semelhanças na parte genética e fisiopatológica, tanto que um pode se dar como consequência do outro. Uma pessoa com quadro depressivo pode apresentar crises de ansiedade, assim como um quadro de ansiedade pode piorar progressivamente e, se não for tratado adequadamente, pode levar a um desfecho desfavorável de depressão.

MULHERES MAIS DEPRESSIVAS?

Apesar dos dados sobre esses quadros serem alarmantes em todo o mundo, as mulheres aparecem como maioria nos

indicadores mundiais da OMS. Campos nos dá algumas perspectivas para compreender melhor as causas disso.

A primeira se refere a uma questão social, uma vez que as mulheres, historicamente, têm um comportamento mais reprimido e são mais “cobradas” do que os homens. Adriana Carvalho, doutora em Farmacologia, docente do Departamento de Farmácia da UFS e terapeuta holística, fala que durante a pandemia recebeu muitas mulheres nas sessões de terapia holística que relataram terem tido a sua carga horária triplicada, uma vez que, culturalmente, são as responsáveis por todo o trabalho da casa, filhos, alimentação e ainda precisavam conciliar com as suas vidas profissionais e todos os medos que existiam no período pandêmico. Essa união de fatores as deixou sobrecarregadas e mais suscetíveis a quadros de depressão e ansiedade. Além disso, Campos indica que as mulheres são vítimas de violência com danos mais

O excesso de atividades no dia a dia pode ser um dos fatores que gera ansiedade e se soma aoa fatores culturais, socias e biológicos.
Maio, 2023|São Cristóvão - SE 10 SAÚDE
Mylena Duarte Arte: Mylena Duarte

irreversíveis e mais difíceis de reparo tanto na questão emocional, quanto física, quanto socioeconômica e isso pode ser um fator causador.

A segunda está relacionada à parte biológica, em que pode haver alguma vulnerabilidade no desenvolvimento sexual da mulher, ocasionada pelo despertar dos hormônios femininos. Essa flutuação hormonal natural das mulheres seria um fator de risco que as torna mais suscetíveis a desenvolverem um quadro de depressão e/ou ansiedade.

O psiquiatra destaca que na área de psiquiatria infantil a prevalência desses transtornos é semelhante entre meninos e meninas, no entanto, ao entrarem na adolescência, as meninas começam a ficar mais deprimidas, fato que se estende até a vida adulta. Ele salienta ainda a possibilidade de haver algum fator protetor no hormônio masculino.

Thainá Souza, é fisioterapeuta, mestranda do Departamento de Fisiologia da UFS e pesquisadora da saúde da mulher, ela explica que a flutuação hormonal é natural do ciclo menstrual feminino e podem alterar as emoções no decorrer do ciclo, a mulher pode ficar mais irritada e mais emotiva, dependendo da fase, no entanto, “não se pode afirmar que os hormônios são causadores dessas doenças, mas eles podem estar envolvidos em um contexto que envolve também outros fatores”, disse.

Além disso, a diminuição na produção desses hormonios no período da menopausa também pode se somar aos fatores externos e interferir em algumas questões emocionais mas, essas mudanças por si só não são causadoras de depressão ou ansiedade. A terceira perspectiva parte da ideia de que a mulher busca mais o cuidado clínico do que os homens. O psiquiatra afirma que isso está relacionado às pressões culturais, em que os homens tendem a cuidar menos da saúde física e mental, pois precisam demonstrar a chamada “força masculina”. Campos alerta ainda que “a importância de se autoavaliar, se cuidar e buscar ajuda tem que ser estimulada em ambos os casos, tanto para homens quanto para mulheres”.

OS MEDICAMENTOS AJUDAM?

A farmacêutica Adriana Carvalho explica que os psicofármacos são um grupo de substâncias que tem uma ação química no cérebro e agem no Sistema Nervoso Central (SNC), sendo úteis no tratamento de alguns transtornos, como ansiedade e depressão. Ela esclarece ainda que a resposta dessas substâncias pode variar de acordo com a pessoa e com a dosagem utilizada, e alerta para a necessidade de acompanhamento profissional para evitar superdosagem e reações adversas (como alteração de memória, dependência, sonolência e até alucinações). Carvalho acrescenta que o uso dessa classe de medicamentos não fica restrito a esses transtornos, também sendo utilizadas, por exemplo, para tratar dores causadas por fibromialgia.

Atualmente, a principal classe da primeira linha para tratamento dos dois transtornos são os inibidores da recaptação de serotonina, que impedem que a serotonina que circula no cérebro seja armazenada de volta sem ser reutilizada, o que deixa a substância mais tempo disponível para ser utilizada no cérebro, explica Campos.

A serotonina é um dos neurotransmissores responsáveis por funções como a regulação do humor, sono, apetite, dentre outras, dessa forma, a falta dela pode ser uma das causas de quadros depressivos e de ansiedade, mas não é a única. O psiquiatra explica que os motivos estão relacionados a desregulações de vários outros neurotransmissores e não somente à falta de um.

Ele esclarece ainda que, antigamen-

te, os benzodiazepínicos - uma classe de medicamentos que agem principalmente na redução da ansiedade, agressão, na sedação e indução ao sono, e como anticonvulsivante - eram o “carro-chefe” para os tratamentos dos transtornos, mas, por carregarem um grande risco de dependência química se forem utilizados de modo abusivo, hoje são usados apenas como um “S.O.S.”, em casos de fortes crises. “Por isso a prescrição desse tipo de medicamento é mais complexa e necessita de mais cautela, esse é o lado ruim desse tipo de medicamento. Mas eles são eficazes para um suporte emergencial”, afirmou o psiquiatra.

Apesar dos riscos, muitas pessoas ainda fazem o uso indevido desses medicamentos: aumentam a dosagem, pegam o remédio com algum amigo ou familiar, vão em mais de um médico para ter mais de uma receita, dentre outros.

Ana conta que aos 15 anos começou a tomar fitoterápicos – medicamentos à base de plantas que possuem alguma ação terapêutica, neste caso, no tratamento da ansiedade. “Eles não faziam muito efeito. Chegava a tomar 4 por dia para tentar controlar a ansiedade. Aí uma amiga disse que tomava um benzodiazepínico e eu pedia emprestado para ela quando os mais leves não resolviam”, conta Ana*.

Campos alerta que o uso contínuo desses medicamentos sem orientação médica pode causar menos eficácia e mais abstinência. A busca constante do aumento de dose e o uso irregular e desenfreado dos remédios, depois de um tempo, elevam os riscos de quedas, desmaio, bagunça no quadro do sono e pode até levar a um aumento nos quadros de depressão e ansiedade, por não existir um controle adequado na administração desses remédios.

Pedro* diz que seu primeiro contato com remédios foi por meio de uma vizinha que fazia uso de benzodiazepínicos e tentava ajudá-lo durante as crises. Mas mesmo com o acompanhamento profissional, ele conta que já tomou de maneira descontrolada diversas vezes e já teve sintomas de abstinência por usar de maneira irregular. “Eu criei dependência dos remédios, então se eu ficasse dois dias sem tomar meu corpo começava a suar frio, me dava vertigem, vontade de vomitar. [...] Já tomei fora do horário, já aumentei a dosagem por conta própria e eu ‘apagava’, era terrível!”, conta ele. Carvalho explica que “o medicamento funciona como um ‘empurrão’, é como se

você estivesse no fundo do poço [quadro de depressão ou ansiedade] e alguém te jogasse uma corda [o medicamento], mas você precisa subir essa corda para sair dali e a psicoterapia te ajuda a sair ensinando a lidar com o que você está sentindo.”

Ela reforça ainda que, na maioria das vezes, o medicamento “sozinho” não resolve toda a situação, pois é preciso entender a “raiz do problema”, por isso o acompanhamento com um psicólogo ou psiquiatra é tão importante.

E AS REDES SOCIAIS?

O psiquiatra Felipe Campos explica que nunca se deve transformar algo imaterial, como as redes sociais, em um causador material de um desconforto mental, do contrário, podemos ficar fadados a sempre culpabilizar a tecnologia pelos transtornos.

As redes sociais podem ser benéficas em diversos aspectos para a sociedade atual, tanto para se comunicar com amigos e familiares, quanto para encontrar profissionais que possam ajudar com diversas questões rotineiras e de saúde, Campos conta que muitos dos seus pacientes tiveram o seu primeiro contato com ele através do Instagram.

Por outro lado, ele indica que essas redes parecem potencializadoras de uma necessidade que já existe na sociedade há muito tempo, que é o anseio de mostrar para os outros um nível de qualidade de vida que muitas vezes é irreal, desproporcional e exagerado e esse hábito pode gerar um instinto mais comparativo.

Esse instinto comparativo tem sido cada vez mais comum nas redes e na maioria das vezes não é uma comparação construtiva, de inspiração, mas sim uma geradora de autodepreciação ou de frustração de expectativas por não se encaixar em determinado padrão estético ou social. “Isso pode ser um potencializador de ansiedade em quem já está ansioso, já está preocupado, já se sente mal consigo mesmo e se compara com um padrão muito acima do que a pessoa pode ter em termos de vida familiar, conjugal, parental, financeira, social, acadêmica”, diz Campos.

“ Não se pode afirmar que os hormônios são causadores dessas doenças, mas eles podem estar envolvidos em um contexto que envolve também outros fatores.
Thainá Souza, Fisioterapeuta e pesquisadora da saúde da mulher.
Maio, 2023|São Cristóvão - SE 11 SAÚDE
*A reportagem optou por resguardar o verdadeiro nome de Ana e Pedro para preservar a privacidade das fontes. Ana Beatriz Andrade

Contra falta de informação e preconceito, Cannabis medicinal vira pauta em Sergipe

Aprovação de lei estadual que institui um incentivo ao uso de derivados da maconha para fins terapêuticos no estado traz esperança a quem precisa da planta para viver.

Odebate em torno da Cannabis repetidas vezes é motivo de discussão nos setores político e científico do Brasil. O tema enfrenta desde sempre o tabu associado à falta de conhecimento e ao preconceito com uma planta milenar, considerada uma farmácia natural. Mas esse olhar de desconfiança começa a mudar quando o estado de São Paulo, considerado a maior potência econômica do país pelo IBGE, aprova uma lei que regulamenta o uso e a distribuição de medicamentos à base de Cannabis no SUS. Agora, a abordagem sobre a maconha ganha cada vez mais projeção nacional e chega nas demais regiões do país, inclusive no Nordeste.

No dia 28 de dezembro de 2022 foi protocolado na Assembleia Legislativa de Sergipe (ALESE), o projeto de lei nº 331/2022 que institui a política estadual de Cannabis para fins terapêuticos no estado. O projeto de lei (PL), de autoria do deputado estadual Luciano Pimentel (Progressistas), visa dar apoio técnicoinstitucional para pacientes, seus responsáveis e associações de pacientes, como também promover o incentivo à pesquisa científica nas universidades do estado. Além disso, o PL prevê a capacitação de profissionais para prescrição, atendimento e distribuição na Rede Estadual de saúde, incluindo o SUS, dos produtos à base de Cannabis.

Com a passagem do ano e como manda a legislação, o processo sofreu desarquivamento. E somente dois meses e meio depois, em 15 de março de 2023, o PL foi aprovado por unanimidade na assembleia, tendo passado tanto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quanto pela Comissão de Saúde. O texto foi sancionado pelo governador do estado, Fábio Mitidieri (PSD), no último dia 11 de abril.

O deputado Luciano Pimentel diz que a ideia para elaboração dessa pauta política surgiu da demanda popular cada vez maior em busca desse medicamento.

“Recebemos pedidos de pais e mães de pessoas com autismo e outras enfermidades, que precisam usar o óleo da Cannabis para melhoria da sua saúde e assim verificamos a possibilidade de fazer esse projeto”, declarou. O parlamentar ainda destacou que o alto custo para aquisição do medicamento foi outro ponto fundamental para que esse projeto fosse à votação . “Um deputado aqui da casa importava o óleo por 600 dólares. Nos dias de hoje, ele consegue comprar em Recife por 200, 300 reais”.

Maria Carla conta que, no início do tratamento de seu filho João Pedro, de 13 anos, comprava o óleo, que surgiu como uma alternativa para tentar diminuir as convulsões provocadas pela epilepsia, por cerca de 1.800 reais. “ João tinha 2 anos quando nós descobrimos a epilepsia. Desde os 6, ele vinha sentindo fortes convulsões e por isso tinha que viver à base de medicações que acabavam por não resolver o problema. No início de 2020, fui indicada por um médico, a procurar um neurocirurgião que informou a necessidade de uma cirurgia

de emergência no crânio do meu filho”, disse.

A dona de casa fala que com a chegada da pandemia na mesma época, o procedimento cirúrgico teve de ser adiado, e foi nesse momento que a Cannabis entrou na vida de Maria Carla e João Pedro, “quando soube da necessidade em adiar a cirurgia, sugeri ao neuro um medicamento à base de Cannabis que havia visto em um programa de TV. No início ele não tinha gostado da ideia, mas resolvemos testar, já que não tínhamos outra opção”, afirmou.

Apesar do óleo ter apresentado resultados positivos para João Pedro, o garoto não conseguia se manter bem fisicamente sem as antigas medicações, que também aumentaram de preço e, consequentemente, não puderam mais ser compradas por Carla. Para arrecadar fundos, ela divulgou nas redes sociais uma “vaquinha”, junto a um vídeo do filho tendo convulsões em decorrência da epilepsia. As imagens chegaram até a associação SALVAR, uma organização sem fins lucrativos, que tem como objetivo oferecer acompanhamento a famílias de pacientes que necessitem da Cannabis medicinal e também incentivar a realização de estudos e pesquisas na área. A partir daí, a instituição prometeu a Carla que arcaria com os custos da compra do óleo de canabidiol para João Pedro.

A SALVAR foi idealizada em 2019 pelo empresário e presidente da empresa, Paulo Reis, e dispõe de diversos profissionais especializados, como o diretor jurídico da instituição, Paulo Thiessen, além de médicos, psicólogos, fisioterapeutas, odontólogos e enfermeiros, que acompanham os associados em todas as fases para conseguir o acesso ao medicamento. Atualmente mais de 200 pessoas fazem parte da única instituição que des-

Meu filho estava há mais de seis anos sem ir pra escola. Eu e ele vivíamos em estado vegetativo porque sempre que a gente saía, João tinha convulsão. Hoje conseguimos ter uma vida muito melhor.

Maria Carla, dona de casa.

Arquivo pessoal Cultivo de Cannabis, gerenciado no interior do estado por Jeferson Reis, após a liberação da produção da planta pela em Sergipe pela Justiça Federal Deputado Luciano Pimentel, autor do PL que trata da cannabis medicinal em Sergipe. Clara Oliveira
12 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SAÚDE

tina capital para ajudar pessoas que precisam da Cannabis medicinal em Sergipe.

No dia 15 de março, a associação recebeu uma autorização legal do juiz da segunda vara judiciária do estado, Ronivon de Aragão, para cultivar, armazenar, pesquisar, produzir, manipular e transportar a Cannabis sativa para fins medicinais. A decisão é válida não somente para o óleo da planta, como também para suas flores que podem ser usadas como comestíveis e extratos da maconha.

O empresário Paulo Reis conta que a ideia de criar a associação surgiu da procura por ajuda a um amigo próximo que estava com câncer já em estado de metástase – estágio no qual a doença atinge outras partes do organismo. Durante esse período, Paulo tentou entrar em contato com a ABRACE (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), que também auxilia pessoas necessitadas do medicamento à base da Cannabis, mas que não obteve sucesso, “na época eles estavam com uma lista de espera muito grande. Foi quando eu resolvi importar a semente, cultivei, extrai e fiz o medicamento para ele”, disse o empresário.

Maria Carla e João Pedro tiveram a oportunidade de mudança em suas vidas graças à Cannabis medicinal. Mas nem sempre é assim. A palavra “maconha” assusta aos que a associam com algo ruim, periférico, marginalizado, quando na verdade a planta pode ser a salvação não só de uma pessoa, mas sim de famílias. É preciso coragem para trazer esse intenso debate à tona, pois só a informação pode derrotar o preconceito.

A CANNABIS E O NOSSO CORPO

O uso da Cannabis de forma recreativa é usualmente feito por meio da queima da folha in natura, podendo provocar a descarboxilação da substância. Esse processo, responsável pela quebra de um grupo molecular do carbono, é o que proporciona o efeito psicoativo da planta. A maconha possui mais de 500 substâncias químicas e 100 canabinoides, substâncias capazes de ativar os receptores canabinóides CB1 e CB2, que já estão naturalmente presentes em nosso corpo e que quando combinados com

componentes internos formam o sistema endocanabinoide. Esse sistema é responsável pela percepção da dor, por comandar as funções cognitivas (ligadas ao conhecimento) e motoras, pela regulação do apetite e também está relacionado ao controle do estresse.

Os compostos químicos que compõem a maior parte da cannabis são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), cujo mecanismo de ação se concentra no nosso Sistema Nervoso Central (SNC). O THC é um psicoativo com propriedades euforizantes, enquanto o CBD é um calmante com propriedades anticonvulsivantes. O THC ainda apresenta efeito analgésico e contra náuseas, ao mesmo tempo que o CBD também pode atuar como antipsicótico e anti-inflamatório.

A Cannabis é usada de maneira medicinal para tratamento comprovado de mais de 20 doenças, como epilepsia, ansiedade, depressão, doença de Parkinson, esclerose múltipla e cefaléia.

Porém, pesquisas também mostrara resultados positivos da utilização do óleo por pacientes portadores de outras patologias, a exemplo do câncer, onde ele pode agir como um aliado contra os efeitos da quimioterapia, e do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Um estudo realizado em 2019 por pesquisadores de Israel, mostrou que aproximadamente 80% dos pacientes com TEA que participaram da pesquisa, apresentaram melhoria em diversos sintomas. É importante ressaltar que o óleo da Cannabis reage de maneira singular de acordo com cada distúrbio ou problema de saúde apresentado, e que cabe ao profissional da área reconhecer a necessidade ou não da utilização do medicamento.

O QUE DIZ A LEI

No Brasil, uma das legislações mais conhecidas que trata do uso da Cannabis é a Lei de Drogas nº 11.343/2006, que proíbe o plantio, a colheita e a exploração, mas permite a manipulação e cultivo dessas substâncias para fins medicinais e científicos, desde que mediante licença prévia. A importação de produtos a base de Cannabis se iniciou em 2015 com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 17/2015 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que é o órgão responsável pelo controle sanitário de produtos e serviços, e também da entrada de medicamentos no país. A RDC retira o canabidiol da lista de substâncias ilícitas e permite o seu uso de forma excepcional e controlada.

Em 2016, a agência reguladora autorizou a prescrição e a manipulação de medicamentos à base de Cannabis sativa, e no ano seguinte incluiu o fármaco como planta medicinal na lista de Denominações Comuns Brasileiras (DCB), que cuida do registro de remédios e medicações. Vale destacar que em 2020, com a RDC nº 335/2020, a Resolução de 2015 foi revogada. A decisão promoveu maior facilidade na importação dos produtos,

uma vez que por meio dessa medida não se tornou mais necessária a apresentação de laudo médico e também foi ampliado o prazo de cadastro do usuário do medicamento para dois anos.

Já no ano de 2017, a ANVISA aprovou o primeiro registro de um medicamento à base de Cannabis sativa no país, o Mevatyl, que é indicado para tratamento da esclerose múltipla. Hoje, o Brasil possui mais de 20 medicamentos à base de Cannabis autorizados para fabricação no país. Para conseguir a compra de algum deles em farmácias, o paciente deve estar munido apenas de prescrição médica comprovando a necessidade do produto. Já para importação, além da prescrição, é necessária também uma autorização da ANVISA, que tem um prazo de análise e resposta de até três dias.

UM POUCO DE HISTÓRIA

O preconceito em relação ao uso da Cannabis no Brasil tem raízes desde o período colonial com a chegada da planta por meio dos escravos africanos, em 1549, que foram forçados a virem ao país para serem comercializados. O cânhamo, como também é conhecida a popular maconha, se popularizou na época não só pela “onda boa” que ela provoca, mas principalmente pelo seu interessante potencial terapêutico.

A coroa portuguesa chegou inclusive a incentivar o seu comércio entre os mais ricos, que usavam-na como um calmante natural e, até mesmo, para tratamento contra asma. Contraditoriamente, apesar de cada vez mais explorada, a planta trazida pelos escravos passou a ser demonizada quando associada a essa “classe social”, denominação usada no período, que era vista como desprezível pela grande maioria da elite portuguesa e mestiça.

Clara Oliveira Paulo Reis (à esquerda), presidente da SALVAR, e Paulo Thiessen (à direita), vice-presidente.
13 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SAÚDE

Cor da pele e condição social, muitas vezes, determinam qual será a próxima vítima fatal

Quase um ano depois, a família de Geni valdo Santos, morto pela PRF em Umbaúba, ainda luta por justiça; levantamento aponta que jovens negros são a maioria dos mortos durante abordagens policiais

Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro de 38 anos, acordou naquele 25 de maio para cumprir uma rotina com a qual já havia se habituado: antes de tomar café, vestiu uma camiseta vermelha-bordô e uma bermuda jeans na cor azul. Da janela da casa onde morava, observou que as nuvens escuras a cobrir o céu como um crepe indicavam para um dia de chuva. De lá, foi à cozinha, cumprimentou a esposa, Maria Fabiana, e seu filho Enzo. Antes de sair, ainda olhou os bolsos para certificar-se que não estava esquecendo a cartela de Quetiapina 25mg, medicação prescrita pelos médicos desde que Genivaldo foi diagnosticado com esquizofrenia, aos 18 anos. Nas primeiras horas da manhã, levou o filho à escola e depois o visitou no recreio. Prometeu à esposa que o buscaria na unidade de ensino, mas antes passaria na casa da irmã, localizada em uma das vias que dá acesso ao centro de Umbaúba, cidade de 22 mil habitantes distante cerca de 100 km de Aracaju (SE).

Damarise dos Santos estava deitada no sofá marrom da sala quando ouviu os passos de Genivaldo entrando em casa. Temendo ser algum desconhecido, levantou-se e, ao ver o irmão, disse que tinha algo a incomodando, como se estivesse a pressentir o ‘abalo sísmico’ que ocorreria na vida da sua família horas depois. Genivaldo, então, respondeu: “Levante a cabeça, vai dar tudo certo”. Ao lado da irmã, ele ainda comeu uma maçã, pacientemente, e depois pediu emprestado uma Honda Biz 125 vermelha estacionada em frente ao imóvel, com o argumento de que logo a devolveria a motocicleta. Assim como o filho, Marise também ficou esperando em vão.

No caminho de volta, três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que faziam uma patrulha nas redondezas, abordaram Genivaldo às margens da BR101, uma rodovia importante no escoamento da produção de estados do Nordeste para o resto do país. No boletim de ocorrência, os policiais Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia dizem que o sergipano foi parado por não usar capacete. Relatam, ainda, que ele havia se recusado a levantar a camisa e colocar as mãos na cabeça - o que, segundo o documento, teria aumentado “o nível de suspeita da equipe”. As imagens feitas por moradores que presenciaram a abordagem, contudo, depõem contra a versão dos PRFs.

As gravações que circularam nas redes sociais dizem o contrário. Quem assistiu às imagens pela televisão pôde ter certeza que não houve reação à abordagem e, mesmo assim, ele foi derrubado ao chão, teve as mãos algemadas e os pés amarrados com fitas. Também foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes. Depois de imobilizado por dois agentes que colocaram os joelhos sobre seu tórax, Genivaldo ainda foi introduzido no porta-malas da viatura da PRF e obrigado a inalar gás lacrimogêneo, em uma prática semelhante aos campos de concentração

da Alemanha Nazista - à época, negros, homossexuais, comunistas e pessoas com deficiência eram encaminhados a chuveiros que, ao invés de água, despejavam gases tóxicos da tubulação, levando-as à morte por asfixia.

Em outros momentos do vídeo é possível ver fumaça escapando da viatura enquanto Genivaldo grita e tenta se desprender do compartimento. Nem mesmo os gritos de “vai matar o cara” e as câmeras dos celulares que filmavam aquela sessão de tortura foram capazes de impedir a ação dos militares. Tudo registrado, à luz do dia, diante de olhares perplexos que questionavam suas próprias humanidades.

Os avisos de que o procedimento poderia ser fatal, vale dizer, eram recebidos com deboche pelos policiais, como relembra a irmã de Genivaldo. “Um dos agentes dizia: ‘ele está melhor do que nós, lá dentro é tudo ventilado’. E meu irmão lá dentro, com a cabeça baixa, todo pálido”.

No boletim de ocorrência, os três agentes chegaram a admitir o uso de gás, mas disseram que o óbito não teve relação com a abordagem e o atribuíram a um possível mal súbito. “Por todas as circunstâncias, diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimamente o uso di ferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”, afirmou a equipe.

De acordo com o laudo pericial do Instituto Médico Legal (IML), a principal causa da morte foi asfixia mecânica. O órgão, no entanto, não soube definir qual a substância que provocou a insuficiência respiratória. “Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia. A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões”, disse o instituto.

A ROTINA DO MEDO

A ação dos policiais testemunhada pelos moradores de Umbaúba nem sempre é regra. Geralmente, as abordagens são feitas quando não há quem possa depor contra a conduta dos homens da lei que, em tese, têm o dever de garantir a segurança no local. A reportagem colheu relatos de moradores que, sob reserva, descrevem um cenário de medo e terror em relação à atuação das forças policiais em Sergipe. Dois dias antes da abordagem e na mesma cidade, os agentes da PRF Paulo Rodolpho e William Noia já haviam ‘tocado terror’ com dois jovens de 21 e 16 anos por estarem sem capacetes. Eles relatam que mesmo algemados foram alvos de xingamentos, chutes e tapas nos rostos dos policiais. Dizem, ainda, que os agentes “o agrediram com chutes na cabeça, no abdômen e no tronco em si” mesmo estando imobilizados.

Em meio ao desespero, o mais velho implorou para continuar vivo: “’Não me mate não, me leve preso”. Um dos policiais, segundo consta do boletim de ocorrência registrado em 27 de maio, disse que o levaria “pra mata”, sem detalhar o que isso significaria. Depois da

14 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SEGURANÇA
Arte: Gabriel Santos Oliveira

ação, o rapaz foi introduzido no camburão e levado ao posto vda PRF mais próximo, em Cristinápolis, a 16 km dali. O jovem que estava na garupa vestia a farda da escola e, segundo conta no depoimento à Polícia, foi liberado após dizer que era menor de idade. “Após ter sido agredido, foi levado para o camburão da PRF e lá informou que era menor; que assim que os policiais tomaram conhecimento desse fato, o adolescente foi liberado; que um dos policiais lhe disse: ‘Suma da minha vista’”.

Quase um ano depois, a frase “Justiça por Genivaldo” estampada em cartazes dá o tom da luta por Justiça – um sentimento ainda abstrato para quem acompanha de perto a peregrinação de familiares pela condenação dos policiais. O juiz Rafael Soares de Souza, da 7ª Vara da Justiça Federal em Sergipe, decidiu que Kleber Nascimento, Paulo Rodolpho e William Noia vão a júri popular, mas ainda não definiu a data do julgamento (ambos aguardam o Tribunal do Júri no Presídio Militar de Sergipe onde estão presos desde outubro de 2022). Eles responderão pelos crimes de tortura-castigo e homicídio triplamente qualificado que, somadas as penas, podem chegar a quase 40 anos de detenção. O Ministério Público Federal também havia denunciado os policiais por abuso de autoridade, mas o magistrado descartou a possibilidade de enquadrá-los no delito.

PELE-ALVO

Os dois casos são apenas uma ilustração da conjuntura de proporções gigantescas e até imensuráveis vsobre a violência policial. As reclamações sobre o comportamento das forças policiais nos quatro cantos de Sergipe são recorrentes e dão rosto a uma realidade expressa em números: 9 em cada 100 mil habitantes são alvos da letalidade da polícia no estado, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados no ano passado. O estado só fica atrás do Amapá, que possui a polícia mais violenta do Brasil – lá, o patamar chega a ser quase sete vezes maior que a média nacional. A taxa de mortes por letalidade policial dos últimos dez anos atinge a casa dos 43 mil e representam mais de 12% em relação ao total de mortes violentas do país. A ‘pele-alvo’ é a negra, segundo o levantamento. Cerca de 74% das mortes ocasionadas pela intervenção policial tem um padrão específico: são, em sua maioria, adolescentes periféricos cujas idades variam entre 18 e 29 anos. O número é 5,8% maior que o registrado em 2021 – isso porque, ao passo que o percentual de vítimas brancas caiu, o de pessoas negras aumentou significativamente. A disparidade no tratamento dispensado pelas polícias a negros e brancos chegou ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Recentemente, Volker Turk, que representa a entidade, emitiu fortes críticas ao governo brasileiro e disse que o Brasil está entre os 40 países mais críticos quando o assunto é violações aos Direitos Humanos. “No Brasil, o total de mortes em encontros com a polícia caiu em 2021 pela primeira vez em 9 anos, com uma queda de 31% para os brancos, de acordo com uma fonte - mas um aumento de quase 6% no número de mortes de afrodescendentes”, afirmou.

Esses dados, contudo, podem esconder um cenário ainda mais preocupante porque há risco de subnotificação pela ausência dos indicativos de raça, cor e etnia no preenchimento dos boletins de ocorrência, segundo os pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com Vera Lúcia Vieira, do

Observatório da Violência Policial da PUC-SP, a estrutura que sustenta os padrões e métodos de abordagem das polícias no Brasil é fincada no racismo – na maioria das vezes, os agentes tendem a considerar “suspeitos” homens negros e a prisão se dá pela cor, pela roupa ou pela forma como essas pessoas andam. “É uma coisa absurda. Os casos, que não são isolados, são de adolescentes presos por usar um tênis de marca. Um tênis que é caro para aquela aparência que ele tem. Nós temos inúmeros casos desse tipo. Mas o buraco é mais embaixo: as autoridades, quando assumem esses cargos de formular políticas públicas, elas perpetuam esse imagético de pensar a periferia e territórios vulnerabilizados como potenciais celeiros de criminosos”, destaca.

As abordagens policiais racistas passaram a ser alvo de julgamento no Supremo Tribunal Federal no início de março. O debate chegou à mais alta Corte de Justiça após a Defensoria Pública de São Paulo pedir o trancamento de uma ação penal contra um homem condenado por tráfico de drogas pelo porte de 1,5 grama de cocaína.

Trata-se de Francisco Cicero dos Santos Júnior. Ele caminhava em uma calçada no dia 30 de maio de 2020, às 11 horas da manhã, em Bauru, cidade do interior paulista. Uma viatura da polícia de SP, que passava pelo local a caminho de uma ocorrência, avistou Santos Júnior e os policiais desconfiaram que seria um vendedor de drogas – ele tentou fugir, mas foi alçado ao chão pelos agentes, que encontraram o entorpecente em um dos seus bolsos.

No auto da prisão em flagrante, os PMs relataram tê-lo abordado apenas por ser negro, “que tinham visto um indivíduo “negro” em uma cena que parecia de venda de droga”. Nunca o STF havia se debruçado sobre o que, no juridiquês, é chamado de “perfilamento racial”. Ou seja, o peso da cor da pele por trás da conduta policial - conduta que torna “suspeitos” 56% dos brasileiros, a proporção de cidadãos autodeclarados pretos e pardos.

UM ÁLIBI NO PLANALTO

A forma de atuação das forças policiais varia conforme a localização geográfica e classe social dos ‘suspeitos’. Desde 2019, com a ascensão do desconhecido Jair Bolsonaro (PL) ao poder, as polícias passaram por um processo definido por especialistas como “bolsonarização”. Excapitão reformado do Exército, ele prometeu ‘metralhar’ adversários políticos e defendeu abertamente o armamento da população como uma política de segurança pública. Uma vez no poder, coube a Bolsonaro propor a isenção de oficiais e militares que cometerem excessos durante operações de garantia da lei e da ordem, as GLOs. “Quem estiver portando uma arma de forma ostensiva, vai levar tiro. Porque essa bandidagem só enten-

de uma linguagem, linguagem que seja uma resposta mais forte por parte da sociedade”, defendeu o então presidente.

A disposição da Polícia Rodoviária Federal em subir o morro do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, ao lado do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia) para “atirar na cabecinha” dos suspeitos de chefiar uma organização criminosa naquela favela, por exemplo, não foi vista em outubro passado, quando meia-dúzia de fanáticos bloqueavam trechos das rodovias em protesto à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – em sua maioria brancos de classe média. Ou melhor: o estado de vigilância da corporação não foi colocado em prática durante as motociatas em que Bolsonaro não utilizava capacete – motivo pelo qual os agentes da PRF abordaram Genivaldo. O alinhamento político ao governo de plantão, explica o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, retrocede o padrão histórico de atuação da PRF.

“Esse alinhamento político remunerou a Polícia Rodoviária Federal com uma série de benesses. Eles receberam um número maior de autorização para concursos e cargos, anúncios de aumento de salários superiores a outras forças. A gente viu um alinhamento da instituição trocando pautas mais caras, trocando um trabalho da sua missão institucional, para fazer um alinhamento com o [então] presidente”, diz ao Contexto. E completa: “A imagem que isso passou para a população foi péssima. Principalmente porque vimos que, em alguns casos, a PRF aparecia fazendo escolta da motociata do presidente, um presidente branco, que foi para as motociatas sem capacete”.

Se ainda havia dúvidas, o processo de captura política da PRF ficou mais evidente durante o segundo turno das eleições quando, a despeito de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, a corporação realizou blitzes em rodovias do Nordeste com o objetivo de impedir o tráfego de eleitores na região em que o candidato adversário de Bolsonaro liderava as pesquisas de intenção de votos. As ações, vale dizer, trouxeram uma série de implicações ao ex-diretor Silvinei Vasques, investigado por improbidade administrativa pela Polícia Federal.

EXISTE SAÍDA?

Ao assumir o governo, o presidente Lula prometeu realizar um processo de ‘desbolsonarização’ das forças policiais. Indicado para o comando da PRF, Antônio Fernando Oliveira afirmou, ao assumir o cargo, que a instituição foi “maculada” pela última gestão e disse ser preciso resgatar a sua essência. “Nos últimos anos tivemos atos isolados, alguns que eu considero abomináveis, [que] lançaram sobre a PRF o véu da desconfiança”, destacou.

A nova direção da PRF tem indicado um maior compromisso com os direitos

humanos. Após o caso Genivaldo, a corporação atendeu a uma recomendação da Procuradoria da República em Sergipe e iniciou os estudos para a instalação de câmeras corporais nos uniformes de agentes. A decisão consta de um ofício assinado no dia 15 de março pelo diretorgeral substituto do órgão, Antônio Jorge Azevedo. A proposta, que busca reduzir a letalidade policial e proteger os agentes das forças sob o controle do governo federal, está sendo construída pela Secretaria de Acesso à Justiça e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. No documento enviado ao MPF, a PRF diz ter instituído um grupo de trabalho formado por representantes de todas as diretorias da corporação para discutir o tema no prazo de 60 dias. Ao final dos trabalhos, a comissão apresentará um relatório em que apontará se há ou não viabilidade na adoção do equipamento.

“Reprisamos os esforços desta nova gestão da Polícia Rodoviária Federal, em articulação conjunta de todas as Diretorias competentes e, em especial, com a participação da Divisão de Direitos Humanos, a realização de estudos e levantamentos técnicos preliminares sobre o uso de câmeras operacionais portáteis, reforçando que a referida demanda já está no Plano de Ação da atual gestão da PRF”, diz um trecho do ofício.

Para pôr fim a essa matança, no entanto, será necessário muito mais que medidas pontuais como as empreendidas pelo Ministério da Justiça. É preciso que o sistema de justiça compreenda e mude as técnicas sofisticadas da violência policial, como perseguir jovens negros e criminalizar territórios periféricos. Porque a polícia é apenas o núcleo duro do racismo que mata corpos específicos com tiro de revólver.

Damarise Santos, irmã de Genivaldo.

15 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SEGURANÇA
Um dos agentes dizia: ‘ele está melhor do que nós, lá dentro é ventilado’. E meu irmão lá dentro, com a cabeça baixa, todo pálido.
Arte: Maria Fernanda Monteiro

Dez anos após o incêndio da Kiss, boates de Aracaju operam com problemas de fiscalização

placas de saída de emergência e dos banheiros”, relembra.

Assim como Jennifer, Davi Dias também esteve em uma situação de insegurança dentro de uma casa noturna conhecida em um bairro universitário da capital. Davi, que é músico e se apresentou no local, relatou que no dia 14 de janeiro de 2023 aconteceu um episódio perigoso envolvendo fogos. O músico conta que viu a passagem de som da banda que iria se apresentar após a sua, e ficou surpreso ao perceber que seriam usados fogos em um momento do show. Ele acrescentou que no momento em que os fogos foram soltos, o público que estava perto do palco se assustou e se afastou da área.

Jovens de Santa Maria, cidade do interior do Rio Grande do Sul, localizada a aproximadamente 290 km de Porto Alegre, se preparavam para mais uma festa em uma casa noturna no dia 26 de janeiro de 2013. Eles se arrumavam despreocupados, afinal, era dia de festa na Kiss, o local mais popular entre os universitários da cidade e das universidades próximas na época. Em meio a tanta euforia, quem poderia imaginar que aquele momento se tornaria uma tragédia em questão de minutos, por conta da omissão dos donos da boate e de órgãos públicos?

Na manhã seguinte, Santa Maria estaria enterrando 242 jovens vítimas do segundo maior incêndio do Brasil em número de fatalidades. Em Aracaju, há 3.600 quilômetros de distância, ninguém imagina que 9 das 20 casas noturnas da cidade possuem irregularidades semelhantes à Kiss e continuam funcionando, mesmo com seus dados expostos na Secretaria Municipal da Fazenda.

Quando falamos em irregularidades presentes em casas noturnas, o alvará de funcionamento é o primeiro documento a ser exigido para que esses locais possam funcionar. Essa licença foi muito discutida no julgamento da Kiss, pois a boate estava com a documentação vencida, mas ainda exercendo suas atividades.

Devido à desatualização do alvará de funcionamento, as irregularidades nas casas de show sergipanas estão cada vez mais presentes. Saídas de emergência e sinalização comprometidas, uso de materiais inadequados que podem provocar inflamação nas espumas e plásticos no interior das boates, e o uso de tintas que possam propagar chamas são alguns dos fatores que comprometem o funcionamento desses locais. Por isso, o Tenente do Corpo de Bombeiros Militar, Roberto Mesquita, explica que o risco de incêndio em boates é considerado médio, e é recomendado aos donos desses estabelecimentos que seus funcionários tenham o curso de incêndio disponibilizado pelo corpo de bombeiros militar.

Mesquita afirma que o curso tem o objetivo de ensinar como fazer os primeiros atendimentos em caso de pânico, como utilizar o extintor e orientar as pessoas para as saídas de emergência.

“É necessário regular o fluxo de entrada para saber se o local atingiu a sua totalidade máxima”, acrescenta.

O Tenente também informa sobre a realização das vistorias nesses locais, “as fiscalizações podem ser feitas de maneira periódica, por denúncia ou mediante a requisição da vistoria pelos proprietários”, explica. Já no Atestado de Vistoria do Corpo de Bombeiros, a principal observação, além da documentação legal, é se a casa noturna teve mudanças desde seu projeto inicial. Por exemplo, quando um local começa a ter um aumento de público e não possui capacidade para todas aquelas pessoas, os donos precisam fazer mudanças para que a estrutura possa comportar esse novo público. Objetos como mesa, cadeiras e grades presentes no local também são analisados pelo Corpo de bombeiros para que não haja dificuldade nas saídas em casos de emergência.

Por fim, ele complementa que todo estabelecimento que possui o atestado tem um prazo de validade de 12 meses e, após isso, é necessário entrar em contato com o corpo de bombeiros para solicitar uma nova vistoria.

Em Aracaju, das vinte casas noturnas existentes, nove que apresentaram irregularidades foram visitadas pela reportagem e foi constatado que há pelo menos um problema estrutural, fora a documentação legal. De acordo com os dados da Secretaria Municipal Da Fazenda, das nove casas de show ,três têm alvará perto do vencimento e as outras seis não possuem a emissão da licença, ou seja, não há como saber se o documento está regular ou não.

Em entrevistas com frequentadores das nove casas noturnas, a fala mais comum foi “geralmente eu não reparo muito nessas coisas, porque quando eu vou para esses lugares é para curtir”. Porém, as produções realizadas em torno do incêndio na boate Kiss, fizeram com que Jennifer Kamilly dos Santos, de 19 anos, começasse a questionar a sua segurança na sua primeira calourada. “ Depois de um tempo lá dentro da boate, eu comecei a me sentir muito insegura, porque era um lugar abafado e tinha muita coisa sem sinalização. Não lembro de ver as

Após o ocorrido e com a repercussão dos dez anos da tragédia de Santa Maria, as pessoas que estavam no local foram às redes sociais questionar sobre o uso de fogos dentro de um estabelecimento fechado. Com a pressão do público que estava presente, a banda teve a apresentação, que estava marcada para o final de semana seguinte, cancelada devido a repercussão do ocorrido.

A casa de show emitiu uma nota sobre o cancelamento da apresentação seguinte, mas em nenhum momento citou de forma direta o ocorrido sobre os fogos, apenas colocou que eles trabalham para que os erros do passado não sejam cometidos. Nos comentários da nota publicada, uma usuária que estava presente no dia da apresentação disse que, se as pessoas soubessem o real motivo pelo cancelamento do evento não estariam dando parabéns pelo pronunciamento.

Em 2013, após o incêndio em Santa Maria, o Ministério Público criou uma campanha de incentivo em muitos estados do Brasil para a verificação das estruturas em casas de show. Mas, anos depois, estabelecimentos parecidos com a Kiss continuam funcionando e recebendo jovens em festas, sem condições de segurança.

Em Aracaju, não foram encontrados sindicatos voltados exclusivamente às casas noturnas. Por isso, a reportagem buscou os órgãos da prefeitura respon sáveis, para esclarecerem a frequência da liberação do alvará de funcionamento e se as vistorias nesses locais são feitas de maneira regular, porém quando procurados não quiseram se pronunciar.

Ilustração de Heidy Souza

Fonte: Conube

Como Denunciar

Para denunciar estabelecimentos noturnos que possuem irregularidades como questões estruturais, superlotação, falta de sinalização de entrada, saída e extintores de incêndio, disque 180 para o Corpo de Bombeiros Militar.

Para denunciar a falta de documentação legal, além de brigas e incidentes nesses locais, disque 190 para a Polícia Militar.

Paula Maryana Pereira Boates em Aracaju priorizam público nos shows, mas não investem em segurança
Quando eu perguntei sobre os fogos, me disseram que não tinha pólvora e que eram apropriados para casas de show.
Davi Dias, Músico de casas de show.
16 Maio, 2023|São Cristóvão - SE SEGURANÇA +

Dividir casa, a solução que pode virar problema

Morar junto é uma ótima opção para quem tem um relacionamento sério, mas também é uma alternativa para aquelas pessoas que precisam se mudar da sua cidade natal para estudar ou trabalhar, e querem dividir os custos, subsidiando os gastos. Historicamente, a divisão de moradia entre universitários tornouse comum a partir do século XIV, com as repúblicas estudantis, organizações geralmente sem fins lucrativos, que foram criadas com o intuito de acomodar estudantes do ensino superior durante suas formações e que existem até hoje. Bastante comum no Brasil, a moradia compartilhada tem como principais vantagens a diminuição dos custos e a oportunidade de fazer novas amizades.

Porém, a ideia de compartilhar um teto com um desconhecido pode assustar, tendo em vista os possíveis casos de furto de pertences pessoais, irresponsabilidade ou, até mesmo, de violência. O último caso, apesar de não ser convencional, pode acontecer e ter resultados fatais, como por exemplo, no episódio de 17 de dezembro de 2022, na cidade de Aracaju.

Nesse dia, a população foi surpreendida pela notícia do esquartejamento de um estudante universitário, cujo culpado foi o seu amigo de infância. Henrique José de Andrade Matos, de 23 anos, foi assassinado e teve seu corpo desmem- brado por Ícaro Ribeiro da Silva, de 22, seu amigo de longa data. Em depoimen- to para a Polícia Civil, Ícaro relatou que tudo começou com uma discussão que perdeu o controle e o final, infelizmente, foi o mais drástico possível.

Os estudantes moravam no condomínio Del Rey, localizado no bairro Farolândia, perto da faculdade que frequentavam , a Universidade Tiradentes (Unit). Ícaro, na tentativa de esconder o corpo, colocou-o em sacos de lixo e jogou na parte de trás do prédio. Esse caso, apesar de atípico, reforça como uma boa relação de confiança é um dos primeiros pilares para se observar antes de começar a compartilhar a vida com outra(s) pessoa(s), até mesmo quando se trata de uma amizade de longa data. Por vezes, mesmo que não ocorra agressão física ou verbal, algumas atitudes, como invasão de privacidade, furto de pertences pessoais e falta de compatibilidade entre os moradores, podem servir de alertas que são suficientes para construir uma insegurança na relação.

TODO PROBLEMA É POSSÍVEL

Maria Heloísa, de 20 anos, cursa Direito na Universidade Tiradentes (Unit) e morava no condomínio Del Rey, no andar abaixo de onde ocorreu o homicídio de Henrique. Durante todo o ano de 2022, ela dividiu apartamento com um colega de curso que conheceu no início do semestre e acabou sendo a única opção encontrada, já que Heloísa precisou com urgência se mudar de Itabaiana, no interior de Sergipe, para Aracaju.

Visto que o critério de seleção foi realizado superficialmente, é provável pensar que o problema tenha sido com o colega, mas a relação de ambos era tranquila e ela até afirma que por estudarem muito, tinha dias que eles mal se viam. O problema para a estudante veio em dezembro de 2022, quando recebeu várias mensagens dos seus amigos perguntando se ela estava bem, pois saiu a notícia de que seu vizinho tinha esquartejado uma pessoa.

Ela comenta que desde sempre foi uma pessoa ansiosa e que, apesar da preocupação com sua segurança e a distância da família, o colega nunca foi uma ameaça. Contudo, o caso de violência ocorreu tão próximo a ela que a deixou preocupada , e o medo e insegurança se

instalaram novamente. A estudante diz que isso mexeu muito com o seu psicológico, e que só conseguiu voltar ao apartamento para buscar os seus últimos pertences, já para se mudar. “Onde ele deixou o corpo dava para ver da minha janela, se isso tudo tivesse acontecido e eu ainda estivesse no processo de procurar apartamento, eu desistiria, porque eu não iria conseguir de jeito nenhum”, relembra.

Essa insegurança gerou traumas em Heloísa, e atualmente, a estudante tem dado preferência a morar sozinha, além de ter ampliado o seu nível de segurança: “na minha casa tem três trancas hoje em dia, além de um portãozinho por fora, e todos os dias eu tranco cada uma”.

São muitos fatores que englobam os desconfortos da moradia compartilhada, e eles não são necessariamente tão drásticos e fora do comum como o anterior. É o exemplo de Davi Dias, de 22 anos, morador de Aracaju mas aluno de Percussão da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Davi dividia apartamento, em Salvador, com mais três colegas que conheceu em eventos de música. Além da vida corrida que levava, pois ficava quatro dias na capital baiana e três em Aracaju, o estudante precisava lidar com as inconsequências e irresponsabilidades dos parceiros de apartamento.

Davi afirma que não foi tão criterioso na hora de selecionar os parceiros, e comenta que durante os dois anos que passou com eles, todos os afazeres da casa iam para as suas costas, “muitas vezes eu perdia mais tempo em casa arrumando as coisas do que dentro da própria universidade, que era exatamente o meu intuito.” Ele diz que os colegas faziam muitas festas sem avisar e que isso atrapalhava sua rotina, porque quando ele chegava da faculdade, a casa estava cheia de pessoas que ele nem conhecia, inclusive dentro do seu quarto.

O estudante acrescenta que, no início de 2022, chegou até a evitar viajar para Salvador e preferia faltar à aula para não precisar ter mais contato com os colegas. Ele relata, ainda, que o que lhe permitiu aguentar essa rotina, mesmo com muita dificuldade, foi a terapia.

“Quando vi, eu já estava ficando doente,foi quando comecei um acompanhamento psicológico. Eu fiquei desesperado, mas isso me ajudou bastante a continuar”.

Porém, a luz no fim do túnel veio no final do ano, quando Davi lembrou de uma tia que morava em Salvador, a qual ele não via há mais de 10 anos. Ele conta que já tinha passado pela sua cabeça recorrer a ela, mas que estava esperando o semestre acabar para fazer isso de forma mais organizada. No entanto, confessa: “eu não aguentei, antes mesmo de terminar eu fui para a casa da minha tia [...] Quando eu fui para lá, eu respirei fundo, aliviado”.

Atualmente, Davi continua oscilando entre as duas cidades , mas agora, o lugar que fica quando está na Bahia é a casa da tia. Ele afirma que os custos aumentaram um pouco, porque a casa dela é mais distante da UFBA, mas que, por seu conforto e saúde mental, o esforço vale a pena.

A psicóloga Carolaine Nascimento, em um breve contato com as histórias de Heloísa e Davi, explicou que o medo e receio sucessivos aos acontecimentos, mesmo que com situações diferentes, podem ter gerado um estresse pós traumático. “O estresse é uma resposta do nosso organismo a determinadas situações que o indivíduo interpreta como ameaça”, podendo ser desenvolvido não só por quem passou pelo trauma, mas também quem teve proximidade com o evento traumático, “ainda mais em situações graves e de violência”. Dessa forma, é possível compreender o porquê dos estudantes desenvolverem maiores inseguranças ou recorrerem à ajuda psicológica.

Além de Maria Heloísa e Davi, Gabriella Sobrinho também viveu um pesadelo durante os 3 meses em que passou dividindo moradia em duas casas diferentes. A estudante de 21 anos atualmente está morando em sua cidade natal, Salvador, mas durante o final de 2021 e o início de 2022, enquanto cursava Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe, precisou dividir casa com outras pessoas durante parte desse período. Ela conta que os maiores problemas foram na segunda casa, na qual morava ela, um amigo e uma outra menina.

A estudante relata que, inicialmente, a relação entre ela e a outra garota sempre foi muito conflitante, devido a noções divergentes com relação à limpeza da casa e separação das tarefas. “Os utensílios não eram lavados imediatamente após o uso, sendo acumulados por dias na pia ou sobre o armário pois a moradora não se incomodava de sujar todos os copos e pratos”, além disso, a garota chegou a consumir alimentos que eram de Gabriella. Contudo, apesar dessas irregularidades, o que mais assustou a estudante foi a invasão da sua privacidade.

De acordo com Gabriella, ela recebia fotos do outro morador, seu amigo, mostrando a garota entrando no seu quarto sem permissão. Como o quarto da estudante era o único com televisão, sempre que a garota queria assistir, ela aproveitava que Gabriella não estava em casa para entrar no seu quarto e usar a TV, e em outros momentos, a estudante afirma que já reparou a garota observando se ela estava dormindo, apenas para usufruir do quarto.“Meu amigo me perguntou como eu não sabia que ela vivia no meu quarto, já que ela sempre postava foto assistindo à televisão, que era minha. Eu não usava muito o celular e acredito que ela tenha me silenciado de propósito, para eu não ver”. Além disso, por conta desse último relato sobre a garota ficar a observando, a estudante conta que até plotou o vidro da janela, mas que mesmo assim a insegurança e o medo lhe tiraram o sono e atrapalharam a sua vida acadêmica. Por conta disso, mesmo antes de trancar a faculdade, ela já tinha voltado para perto da família.

O último estudante é Eric Almeida, de 27 anos, fotógrafo natural da Chapada Diamantina, que desde 2015 passou a morar em Aracaju devido aos estudos. Ele dividiu casa com o filho de um excolega da sua mãe durante um ano, mas a experiência não foi muito positiva, ele percebeu que o outro morador só acei-

tou a sua presença pelo fato da amizade entre a mãe do Eric e o pai dele. O fotógrafo comenta que o menino não fazia questão de compartilhar nada com ele e seus posicionamentos políticos eram contrários, o que criou uma “frieza” e “polaridade” na relação deles.

Nada de drástico chegou a acontecer com Eric, mas ele afirma que era desgastante morar com alguém que não gostava da presença dele: “dividir moradia é igual a um casamento, tem que ter pelo menos uma simpatização, um consenso sobre as preferências, e ele simplesmente não dividia nada comigo, às vezes eu precisava de uma ajuda por não conhecer nada da cidade, e eu nem podia contar com ele.”

RECOMENDAÇÕES E CRITÉRIOS

A reportagem tentou entrar em contato com a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (SSP/SE), porém não obteve sucesso, ainda assim, um ex-servidor público que trabalhou lá, João Victor Soares, durante o ano em que passou no emprego, se deparou com, pelo menos, três casos de violência e roubo entre pessoas que dividiam apartamento, incluindo o caso de esquartejamento abordado no início da reportagem. Em vista disso, o profissional orienta que procurem os antecedentes da pessoa(s) que irão dividir moradia, optem por conhecidos e acima de tudo “informem aos parentes e amigos sobre a pessoa, de onde ela era. É importante também que tenham, pelo menos, uma pessoa de confiança para qualquer emergência, pode até ser um professor.”

Além disso, a psicóloga Carolaine Nascimento adverte que o acompanhamento psicológico durante esse processo é crucial, para que a saúde mental dos estudantes permaneça equilibrada. Entretanto, nos casos de trauma, ela comenta que a prática mais comum nos consultórios é a terapia de exposição, na qual, de forma individual e gradativa, o paciente é exposto ao que lhe amedronta , e vai se restabelecendo, diminuindo os impactos causados pela situação traumática.

Também, quando questionados sobre o que mais pesa ao ir morar sozinho, os estudantes citaram a saudade da família e dificuldades de logística. Davi até relembra: “houve dias que eu precisei deixar de jantar para guardar a comida pro lanche.” Em síntese, todos afirmam que é necessário que haja um cuidado na hora de escolher quem estará ao seu lado nessa jornada, tendo conhecimento de que apesar de ser um grande desafio se mudar para uma cidade distante, a divisão de moradia é uma alternativa que alguns deles precisam optar até o fim da formação, e, mesmo que não seja uma garantia evitar certas zonas de perigo, é possível que alguns critérios sejam restabelecidos na hora de selecionar o(s) morador(es), como dito pelo servidor.

17 SEGURANÇA Maio, 2023, São Cristóvão - SE
A quantidade e o perfil de habitantes das moradias compartilhadas são variáveis Maria Eduarda Macedo
Eu já estava ficando doente, Davi Dias, estudante de Percussão

Restaurante universitário ainda não sabe quanto alimento é desperdiçado todas as semanas

Dia após dia, semana após semana, durante todo o semestre letivo, o Restaurante da Universidade Federal de Sergipe (Resun) vive uma luta diária contra o desperdício de alimentos. E com um agravante: a nova empresa responsável pela alimentação ainda não se tem quantificado o volume atual de desperdício. No entanto, dados de uma pesquisa realizada em 2017 pela Equipe de Nutrição do Resun e divulgada no site da Universidade Federal de Sergipe (UFS), apontam que algo em torno de 175 kg de comida eram desperdiçados diariamente no refeitório. Toda essa alimentação equivale a pelo menos 1516 refeições em apenas uma semana de funcionamento no restaurante universitário.

A atual empresa responsável pelo preparo e distribuição dos alimentos no Campus disse que ainda não tem um levantamento significativo sobre os números do desperdício referente ao mês de janeiro a março de 2023. A empresa em questão afirmou que o número de refeições ao longo da semana são variáveis, a depender do dia, período acadêmico, feriados e períodos chuvosos, fatores estes que contribuem em certa medida para o aumento de sobras no restaurante. Ou seja, mesmo que os volumes não estejam quantificados, comida ainda vai para o lixo sem necessidade.

O desperdício no restaurante universitário da UFS não se dá por questões de higiene, descarte inadequado e muito menos pelo baixo controle na produção dos alimentos feito pela empresa do Resun. O problema existe porque os usuários montam o seu prato e sem pensar na quantidade ideal, provocam sobras desnecessárias. De acordo com a empresa terceirizada, cerca de 5100 refeições ao dia são realizadas no refeitório da UFS (3100 no almoço e 2000 no jantar).

O que causa mais impacto nessa história é a falta de conscientização sobre a importância de reduzir o desperdício. O desafio de diminuir tal prejuízo envolve não só a economia, implica também na perda de outros recursos indispensáveis para o meio ambiente.

Para a bióloga Christiane Donato, o desperdício, na hora das refeições, ocorre, entre outros fatores, por causa de hábitos errados como o consumo excessivo. Paradoxalmente, a boa qualidade da alimentação e os baixos custos contribuem decisivamente para isso. Com um valor simbólico de apenas R$ 1,00, a universidade concede ao aluno o direito a uma refeição completa, seja almoço ou jantar. E mesmo com esse proveito, muitos discentes relutam com o tamanho da própria fome: o que parecia ser uma simples escolha acaba virando uma prática incontrolável. Dá para acreditar que a comida desperdiçada em quatro dias, consirendado os dados de 2017, daria para alimentar quase 300 pessoas somente no almoço?

POR QUE ISSO ACONTECE?

O desperdício se dá principalmente pela falta de informação e pelo mau hábito de consumo dos usuários do Resun. Um desses hábitos é a preferência por comidas de boa aparência, que faz o usuário deixar ou não de colocar um certo alimento no prato ou, até mesmo, colocá-lo e depois deixar de lado.

Há, ainda, o fator do padrão de qualidade avaliado pelos usuários do Resun. “Todo mundo, além do sabor da comi-

da se incomoda também com a beleza do prato, né? Se a alface da salada está bem verdinha, a carne, se o feijão é novo e tá com a cara boa”, diz a estudante de Educação física Silvia Roberta. O maior problema é que, quando esses alimentos são destinados ao lixo, todo um trabalho também é desperdiçado junto com ele, a energia, a água, o dinheiro e os recursos naturais também são jogados fora.

Agora pense no processo: das plantações à colheita, da seleção dos alimentos ao preparo e do seu prato para o lixo. E não para por aí, de acordo com o biólogo e professor Rodolfo Sampaio, o desperdício contribui principamente para a emissão de gases do efeito estufa, uma vez que o metano e o CO2 são liberados durante o preparo dos alimentos, além das emissões relacionadas ao transporte e produção dos mesmos.

E

PARA ONDE VAI TUDO?

Para entender melhor o processo do descarte dos alimentos é preciso antes saber alguns termos básicos usados na alimentação. Barbara Rocha explica que existem três tipos de nomenclaturas usadas para identificar a qualidade dos resíduos: as sobras limpas são os alimentos que ainda estão dentro das caldeiras e panelas; sobras sujas são os alimento exposto ao público, aqueles que estão nas bandejas do self service; e por fim, os resíduos, que são os alimentos descartados pelo usuário do restaurante.

Infelizmente, reutilizar essas sobras não é bem uma opção. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) de nº27 do regulamento da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), a comida que foi disponibilizada em expositores pode ser doada em até um dia. Mas, de acordo com a Lei n° 8.137, de 1990, o restaurante que oferecer o alimento tem a inteira responsabilidade sobre ele, ou seja, se o resun doar suas sobras limpas e alguém por ventura vier a passar mal, o restaurante universitário será responsabilizado por tal atitude.

Thiago de Souza, nutricionista da empresa terceirizada e responsável pelo controle de acesso do Resun São Cristóvão explica que a equipe da produção dos alimentos é orientada a revisar sempre a ordem de produção do dia anterior para que não haja sobras desnecessárias, mantendo assim o controle de estoque.

“No caso de reaproveitamento de sobras limpas, apenas as de proteínas são

reaproveitadas no mesmo dia. Para isso ocorrer, é necessário atender alguns critérios, como a temperatura de armazenamento e autorização da fiscalização.” Afirmou o nutricionista Thiago.

É HORA DE MUDAR

Para tentar diminuir esse desperdício, é necessário cuidado e atenção redobrada na hora de escolher cada item do seu prato. Os nutricionistas reforçam que os alunos devem escolher apenas o essencial de acordo com o apetite, para que não haja perdas desnecessárias. Em 2018, os alunos do curso de nutrição da UFS criaram a campanha “Prato Limpo”, que tinha o objetivo de tentar diminuir a perda de alimentos no Resun e conscientizar os alunos sobre o desperdício desenfreado através de cartazes espalhados pelo refeitório da UFS. Mas, infelizmente o projeto não foi a frente e mais uma vez, voltamos à estaca zero.

Em 2021, após o hiato da pandemia do Covid-19, o Resun retornou suas atividades de uma forma diferente. Para evitar a contaminação entre os alunos e funcionários, o restaurante além de criar um serviço de agendamento de horário para o almoço e jantar, passou também a ofertar as refeições em marmitas de isopor, o que acabou aumentando ainda mais a produção de lixo orgânico e descartáveis. Hoje, com quase tudo voltando ao normal, novas medidas foram tomadas pelo restaurante da UFS, como a substituição dos copos descartáveis por copos de alumínio, uma prática que ajuda a diminuir o descarte de plástico prejudicial ao meio ambiente, por exemplo.

Uma mudança simples, mas que já é comemorada por alunos da instituição. “Era muito triste ver todo esse cenário aqui no Resun, além da comida jogada fora ainda tinha os milhares copos de plástico na lixeira. Ainda bem que a UFS adotou os copos de alumínio”, disse o estudante de história Rodrigo Correia.

Na tentativa de que o desperdício gerado seja o menor possível, o Resun fez alguns ajustes para melhorar a aceitação dos alimentos, como a aplicação de questionários de satisfação para que os usuários opinem sobre as preparações que foram distribuídas. Sem falar no controle das quantidades de alimentos distribuídos no refeitório, que é um constitui um fator importante para não ocorrer o desperdício de alimentos. Assim, esses ajustes podem ser realizados

para melhorar a aceitação e, consequentemente, a redução do desperdício. Em todo os dias, a esperança é de que surjam também novos projetos que reduzam os impactos gerados pelo consumo desenfreado dos alimentos, e de que os maiores causadores deste ato, tomem consciência e boas maneiras na hora de comer. Afinal, qual o tamanho da sua fome?

Jogar comida servida a mais é prática recorrente entre usuários Laura Marcelino e Magno Monte Arte: Laura Marcelino
18 Maio, 2023|São Cristóvão - SE MEIO AMBIENTE
Dados. de 2017, indicavam altos índices de desperdício no Resun

Luta da criança autista começa desde o berço

A trajetória do autismo é repleta de histórias em que existirão narrativas felizes e de superação, mas também de dores e medos assombrados pelo desconhecimento e preconceito tanto dos familiares, quanto da sociedade. Por isso, em 2008, a Organização das Nações Unidas (ONU), definiu o dia 2 de abril e a campanha “Abril Azul“ para a conscientização do autismo, a fim de aumentar a visibilidade do transtorno e diminuir o preconceito em torno dele.

No ambiente escolar, a inclusão é um ponto muito importante na vida dessas pessoas. Isso porque é preciso pesquisar e conversar com as instituições para identificar se o que é oferecido coincide com o que é assegurado por lei. A lei federal 12.764/12, estabelece a proteção do direito do cidadão com espectro autista foi complementada pelo Decreto 8.368 em 2014. Ele garante ao aluno um acompanhante especializado para atender as necessidades educacionais da criança na escola, caso exista a dificuldade em realizar as atividades escolares.

Como foi o caso de Raphael, diagnosticado com autismo aos sete anos. Mas que com apenas 12 anos iniciou o acompanhamento no colégio com o neuropsicopedagogo Diego Lima. O jovem conta que a sua trajetória com Diego começou no sexto ano do ensino fundamental e foi até o ensino superior. Hoje, trabalham juntos na clínica Humanizar em Aracaju, local dedicado ao tratamento e apoio às crianças do Estado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A mãe de Raphael, Ivani Andrade, diz que houve dificuldades, mas que sempre esteve em busca do melhor para ele. Ao ser questionada sobre as inseguranças das famílias que descobrem o diagnóstico, Ivani fala “eu entendo o desespero”. Segundo ela, cada criança tem um comportamento e muitas mães não encontram apoio na família, nem condições financeiras para começar o tratamento. “Ter um filho autista requer gastos no processo. O Estado não supre todas as despesas, nem dá uma rede de apoio para essas mães”, completou.

Níveis do TEA

Em conversa com o neuropsicopedagogo, Diego Lima explica que os três níveis do TEA são divididos, respectivamente, em leve, moderado e severo.

Nível 1

Neste nível o indivíduo precisa de pouco suporte. Normalmente está associado às pessoas que não possuem comorbidades que intensifiquem sintomas como deficiência intelectual, atrasos de aprendizage e atrasos de fala.

Nível 2

Aqui já se encontra as comorbidades apresentadas no nível anterior. A ajuda é moderada e pode ser vista na organização de rotina, uso de comunicação e acompanhamento pedagógico.

Nível 3

Há presença de comorbidades de forma mais intensificada. Ausiência de fala ou de fala funcional. Necessário auxílio na maior parte das tarefas básicas.

+INFORMAÇÃO, -PRECONCEITO

Lima fala que os níveis de auxílio são definidos pelo suporte que a pessoa com autismo precisará em sua vida laboral, escolar e rotineira. No primeiro, são indivíduos com dificuldades de comunicação, déficits em habilidades sociais e hiperfocos. No segundo, são pessoas que têm independência nas atividades costumeiras, porém precisam de ajuda na maior parte do tempo. “No terceiro nível, há um grande déficit de habilidades básicas que compromete a aprendizagem, socialização, desenvolvimento motor, necessitando de acompanhamento o tempo todo”, concluiu.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o TEA é um distúrbio causado pelas perturbações do desenvolvimento neurológico que compromete a socialização, comunicação e o comportamento do indivíduo. Ele se divide em quatro tipos que podem, ou não, se desenvolver juntos: Transtorno Autista; Transtorno Desintegrativo da Infância; Transtorno Generalizado do Desenvolvimento Não-Especificado; e a Síndrome de Asperger.

É crucial diagnosticar o transtorno autista nos primeiros anos de vida, permitindo melhor desenvolvimento das habilidades básicas e sociais. Para isso, o acompanhamento clínico e psicopedagogo é indispensável. O tratamento, longo e caro, envolve diversos profissionais especializados, como fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional, dificultando o acesso para pessoas com baixa renda. A área tem impasses para receber investimento e direcionamento adequado pelo governo para um tratamento eficiente e acessível.

Lima diz que os valores para cobrir todos os custos de um tratamento eficiente chegam a mais de 25 mil reais por mês. “O tratamento para o autismo é contínuo, por isso o encarecimento. haverão avanços, mas também existirão momentos estáticos. Alguns centros de terapia transdisciplinar aceitam planos de saúde, mas nem todos conseguem essa alternativa”, acrescentou.

É muito importante falar que pesquisas científicas e quantitativas são fundamentais em razão do investimento e conhecimento do espectro. Porém, essas pesquisas realizadas são escassas e complicam o tratamento multidisciplinar disponibilizado pelo Estado.

Os problemas de escassez de conteúdo não se resumem apenas em pesquisas quando é visto o que acontece no Siste- ma Único de Saúde (SUS). De acordo com as orientações do SUS, os serviços não são planejados com base em transtornos específicos. Ou seja, não há serviços exatos disponíveis para o tratamento do TEA nas unidades de saúde pública.

EDUCAÇÃO BÁSICA

Embora as redes particulares sejam conhecidas por receberem mais recursos financeiros e refletirem socialmente uma maior preparação para receber alunos que possuem algum tipo de deficiência, tal prática é limitada. O gerenciamento de verba direcionado para esses fins é extremamente desorganizado e mal trabalhado nas escolas. Crianças com deficiência são generalizadas e, mesmo precisando de atendimentos individuais, são esquecidas.

Segundo o G1, em 2023, os pais de crianças autistas denunciaram a dificuldade em encontrar acesso às escolas municipais e estaduais em Sergipe. O veículo informa que duas mães de crianças autistas precisaram entrar com uma

ação jurídica para matricular os filhos nas escolas municipal em Aracaju e a estadual em Nossa Senhora do Socorro. Algo que vai totalmente de encontro com a lei, já que o artigo 7º da Lei n. 12.764, conhecida como Lei Berenice Piana, fala que nenhuma instituição pode negar matrícula a quem está no espectro.

É fato que isso acontece, mas algumas redes de educação infantil tentam acolher crianças com deficiência, sem a necessidade de ser recorrido à lei. Na escola Cirandar em Aracaju (Sergipe), a coordenadora, Milena dos Santos, diz que a estratégia de inclusão do colégio é “trazer a criança o mais perto possível de outras crianças, para que a convivência seja natural. Nós tentamos mostrar que não existem diferenças entre elas”.

Kervani Santos, mãe da Aylin, relata que não teve problemas com matrícula e que a escola não trata a pequena de quatro anos de forma diferente, mas já ocorreram casos que chamaram a sua atenção. “Uma vez ela deu língua para uma das professoras. Falaram que ela podia, pois era especial. Isso não é correto” diz Kervani. Nesse caso, nota-se como a sociedade ainda tem dificuldades em lidar com a inclusão de crianças com o espectro, dado que que apesar de não ser proposital, há uma segregação. Ela surge nos pequenos detalhes, em algumas falas ou determinadas atitudes.

Nas redes estaduais, a coordenadora Lilian Alves do Serviço de Educação Inclusiva (SENIC) da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (SEDUC), afirma que na secretaria há um painel de dados que é possível verificar quantas crianças com TEA estão matriculadas nas instituições públicas de Sergipe. Assim, existe um maior direcionamento na hora de destinar a verba para essas crianças no ambiente escolar.

Em relação ao acompanhamento pedagógico, Lilian explica que o Estado tenta dar suporte às escolas, porém, as solicitações de acompanhamento podem demorar. “Algumas vezes o acompanhante não aparece e é dado como desistente. Esse processo de desistência e substituição é longo, podendo durar meses”, contou.

De acordo com o Centro de Contro-

le de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos, estima-se que dois milhões de brasileiros são autistas. Como no Brasil não há dados que comprovem a estimativa, não tem como identificar qual o valor é necessário para que órgãos públicos ajudem no tratamento.

Devagar, o Brasil caminha para uma realidade inclusiva, que tratará o assunto com mais relevância. No entanto, até que essa ideia de integração das pessoas autistas sem nenhum estereótipo entre em vigor, muitas lutas serão travadas. Para o pedagogo Jerdson Oliveira, é preciso promover projetos que implementem efetivamente as leis de inclusão da pessoa com deficiência.

Apesar da questão afetar milhões de pessoas, o transtorno não tem um exame laboratorial que identifique-o. Por isso, o diagnóstico acontece através da observação de sinais. Estes são notados desde a infância, como dificuldade em interagir socialmente, compreender situações ou emoções de outras pessoas, dificuldade na comunicação tanto em manter um diálogo, como em iniciá-lo. Além das alterações comportamentais que vão de pequenas manias a ações que o indivíduo não controla. “Todas essas questões não invalidam a vida de quem tem o espectro autista, no entanto, devem ser tratadas para que o mesmo tenha uma boa qualidade de vida”, explica Oliveira.

Os sinais do Transtorno do Espectro Austista aparecem nos primeiros meses de vida Fernanda Spínola Fernanda Spínola A leitura é um dos métodos de terapia e aprendizagem utilizados pela Humanizar
“ 19
É primordial projetos que apoiem as famílias logo após o diagnóstico, além de auxiliar com orientações e atendimentos. O que raramente vemos hoje. Jerdeson Oliveira pedagogo.
Maio, 2023|São Cristóvão - SE EDUCAÇÃO +

Carências do Hospital Veterinário afetam alunos da UFS e a comunidade que o rodeia

O Hospital Veterinário da Universidade Federal de Sergipe não consegue exercer plenamente suas funções. Estudantes denunciam a falta de insumos, de equipamentos e relatam que, neste momento, o hospital não possui condições de oferecer um atendimento de qualidade aos seus pacientes. Quando foi inaugurado, em junho de 2015, a expectativa era que o hospital beneficiasse tanto os alunos do curso de Medicina Veterinária quanto a própria comunidade, que teria acesso a atendimentos mais baratos. Entretanto, sua funcionalidade depende de uma série de prazos que não podem ser definidos. Em janeiro deste ano, os universitários, junto à equipe de professores, vieram a público para denunciar a falta de materiais e medicamentos, que prejudica a realização de consultas e aulas práticas de disciplinas como Anatomia e Cirurgia de pequenos e grandes animais. E, ainda que haja um bom diálogo entre discentes, docentes e a UFS, esses problemas assombram o Hospital Veterinário desde sua inauguração.

Diversos fatores afetam, desde a construção, o pleno funcionamento do hospital. Conforme relata o presidente do Centro Acadêmico de Medicina Veterinária (CAMEV), Richard Teixeira, em 2015, a empresa responsável pela licitação entrou em falência, quando apenas metade da obra estava pronta. O Departamento de Medicina Veterinária (DMV), em consenso com a universidade, optou por inaugurar o hospital do jeito que estava e ir ajustando aos poucos, ao invés de ter que enfrentar um novo processo licitatório.

O diretor do Hospital Veterinário, Gabriel Lee, no cargo desde novembro de 2022, afirma que não tem como falar sobre o que as direções anteriores fizeram em relação às carências do hospital. “Sabemos que, desde 2016, as universidades vêm sofrendo com cortes de verbas impostos pelo Governo Federal”, esclarece ele. E isso vem atrapalhando a realização de melhorias. Tanto o diretor quanto Richard afirmam que, no momento, a falta de materiais é o que mais afeta as atividades do hospital.

Richard explica que o pedido desses insumos é feito por meio de uma lista feita por alunos, professores e técnicos do hospital, contendo a descrição de cada produto, o preço e possíveis fornecedores, que é enviada para a reitoria. O coordenador do Departamento de Medicina Veterinária, Edísio Azevedo, conta que, em agosto de 2022, uma lista começou a ser feita e foi concluída em dezembro. “Só foi possível a aquisição de 117 de uma lista de aproximadamente 660 itens”, aponta o coordenador.

Edísio acrescenta que os materiais para aulas práticas têm sido obtidos, em caráter emergencial, a partir de doações realizadas pelo Hospital Universitário de Lagarto e pelo Departamento de Odontologia do campus de São Cristóvão. Porém, de acordo com os estudantes, por meio do Instagram, alguns dos materiais doados pelo departamento, como serin-

gas e aventais descartáveis, chegaram vencidos. Eles contam que estes foram devolvidos e trocados por outros que estavam dentro do prazo de validade.

O diretor Gabriel Lee conta que os itens que não foram contemplados na lista anterior estão sendo licitados atualmente, e que os que chegaram são insuficientes para desenvolver plenamente as atividades do HVU. Segundo o diretor, no final do mês de março, chegaram alguns anestésicos, que ele acredita que darão para concluir, pelo menos, as aulas deste semestre.

ATENDIMENTO À POPULAÇÃO

De acordo com a estudante de Veterinária, e vice-presidente do CAMEV, Eduarda Costa, devido ao funcionamento comprometido, a atuação do hospital estaria resumida apenas à parte clínica, com os atendimentos sendo feitos por agendamento e com a duração máxima de uma hora. Além disso, os veterinários estariam realizando apenas a anamnese, que é a conversa entre médico e paciente, no caso o tutor, para buscar o diagnóstico. Pacientes que necessitem de qualquer outro procedimento, como exames e cirurgia, estariam sendo encaminhados para outro profissional.

A comerciante Lidiane Alves, moradora do bairro Rosa Elze, em São Cristóvão, conta que levou um de seus gatos para se consultar no hospital, após o animal apresentar vômitos constantes. Ela relata que foi dado um possível diagnóstico de problemas renais e que recebeu um encaminhamento para outro médico para realizar exames e fazer o possível tratamento. “Tive que ir para outro hospital. Chegando lá me passaram uma lista de exames e remédios para comprar. Tive que gastar dinheiro porque não eram remédios baratos, além de gastar com a minha locomoção”, conta a comerciante.

Lidiane ressalta ainda que, quando o Hospital Veterinário foi inaugurado, ela e seus vizinhos comemoraram, pois significava que seus animais teriam um acesso à saúde mais barato e um hospital perto de onde vivem. “É uma pena, porque a gente que tem mais de um bichinho em casa e que não pode pagar consulta particular, esse hospital é muito necessário”, afirma ela.

Para incrementar a rotina do hospital, o diretor do órgão informou que a direção está empenhada em fazer convênios com prefeituras para receber mais recursos de insumos. “Acredito que, até o meio do ano, o convênio com a Prefeitura de Aracaju já esteja em funcionamento”, acrescenta ele, que também está à espera da chegada de materiais para a realização de cirurgias.

A ANGÚSTIA DOS GRADUANDOS

Além de comprometer o atendimento ao público, os problemas do Hospital Veterinário afetam também aqueles que estão mais próximos dele. Os estudantes entrevistados para a realização dessa reportagem relatam que vêm sendo afetados desde o primeiro período da graduação e que isso tem lhes causado muita frustração.

Os futuros veterinários acrescentam que estão fazendo o que eles chamam de “gambiarra”, para tentar suprir a falta da prática e a dificuldade para conseguir um estágio fora, já que os alunos não estagiam no próprio Hospital Veterinário. Nós nos sentimos incompletos ao observar em outras universidades o tanto que investem para que o aluno saia sabendo de fato o que aprendeu no seu hospital, na sua própria universidade”, conta Eduarda.

Sobre essa questão, o coordenador do Departamento de Medicina Veterinária informa que “a chefia do DMV tem feito esforços, contatos e parcerias para viabilizar o maior número possível de campos de estágios para os estudantes de graduação.”

O coordenador Edísio Azevedo afirma que há um bom diálogo entre os alunos e o departamento e que, junto aos docentes, buscam resolver a situação do hospital. “Há de se reconhecer a justeza das reivindicações dos estudantes, de professores e de técnicos-administrativosquanto à necessidade de funcionamento pleno do HVU.”, esclarece ele. Edísio acrescenta que tem obtido apoio de diferentes setores para incrementar as atividades do hospital e do curso, e inclusive buscado apoio de emendas parlamentares para aquisição de materiais. Sobre o diálogo com a reitoria, o discente Richard Teixeira revelou que, no segundo semestre do ano passado, alunos, professores e técnicos-administra-

tivos tiveram uma reunião com a reitoria. Segundo ele, o reitor teria ficado surpreso com a situação do hospital e encarregado o vice-reitor de lidar diretamente com o assunto.

Richard ainda cita que foi criado um comitê de crise, integrado por oito discentes do 6º período, logo após a manifestação dos alunos em janeiro. Esse comitê foi criado a pedido do próprio vice-reitor, que queria ter contato direto com os alunos, com o intuito de resolver as demandas do hospital. De acordo com a ata da última reunião do comitê, realizada no dia 31 de março, foram discutidas questões como a falta de insumos, as demandas de professores, alunos e da universidade. Também foi sugerido um plano de divulgação do hospital, assim como a realização de reuniões do comitê de maneira regular.

Ainda que grandes mudanças não tenham ocorrido, o diretor Gabriel Lee reforça que a chegada de mais anestésicos e de outros materiais utilizados em cirurgias, como cateter e fios de sutura, seria o primeiro passo para o hospital voltar a funcionar. Entretanto, ele ressalta que, por depender de um processo licitatório, não é possível definir quando os insumos chegarão. “Queremos acreditar que, se tudo correr bem,até o final de 2023 teremos uma situação confortável”, finaliza o diretor.

Cartaz criado pelos estudantes de Medicina Veterinária e divulgado em toda a universidade, em protesto contra o descaso com o Hospital Veterinário. Ana Carolina Izidoro
Queremos acreditar que, se tudo correr bem, até o final de 2023 teremos uma situação confortável.
20 Maio, 2023|São Cristóvão - SE EDUCAÇÃO
Gabriel Lee, diretor do Hospital Veterinário.

Salas de cinema do futuro ainda enfrentam problemas do passado

Dia 12 de janeiro de 2023 lançava no Brasil o drama americano “The Fabelmans”, que conta uma história inspirada na vida do diretor e roteirista do filme, o ganhador de três Oscars, Steven Spielberg. No longa, o menino Sammy Fabelman se apaixona pelo cinema após os seus pais o levarem para assistir “The Greatest Show on Earth”, no estado do Arizona pós Segunda Guerra Mundial. Esse breve contato com a sala de cinema fez com que esse garoto começasse com uma simples câmera, a roteirizar e documentar tudo ao seu redor, e o mais importante, criou um dos maiores diretores e roteirista desse século. Mesmo retratando uma história de 1952, a importância do contato com obras ci

nematográficas para formar seja grandes profissionais da área ou simplesmente humanos com uma ampla visão de mundo ainda é muito presente.

Mas até em Sergipe? Será que o menor estado do país, em pleno 2023, consegue oferecer a toda sua população a possibi

lidade de desfrutar desses locais?

A grande Aracaju possui três grandes redes de cinemas, a Cinemark presente nos Shoppings Jardins e Riomar, ambos localizados em bairros nobres da cidade, a CenterPlex, no Parque Shopping, localizado no Bairro Industrial, e a Cinesercla, no Shopping Prêmio, situado no conjunto Marcos Freire 1. Além das salas de cinemas localizadas nos grandes centros comerciais, algumas localizadas nos cinemas independentes, como o Cine Vitória, no centro da capital, e o Espaço Alquimia Cultural, no bairro Salgado Filho.

Apesar de haver uma quantidade significativa das salas de cinema, o acesso ao cinema para todos é um problema no estado. Não apenas para as pessoas que não podem arcar com os custos exigidos por esses estabelecimentos, mas a falta de acessibilidade também se destaca como um dos pontos principais que precariza a democratização desses locais. Muitas vezes, para as pessoas com deficiência, o preço do ingresso ou dos alimentos não é algo que impossibilita a sua ida ao cinema, mas sim, a não garantia dos seus direitos quando os formatos de acessibilidade não são aplicados em todas as salas de cinema.

CINEMA EM TODO LUGAR

O estudante Jonathan Luan, de 17 anos, morador do bairro Soledade, destaca que, devido às poucas vezes que foi incentivado a frequentar esses espaços ao longo de sua vida, nunca foi ao cinema. “A correria da vida acabou me deixando sem tempo para ir ao cinema. No geral eu entendo a sua importância e capacidade de fazer os espectadores se emocionarem, mas principalmente agora que tenho os streamings tipo a Netflix, não sinto a necessidade de sair de casa para vê-los”, diz o jovem.

Atualmente, é perceptível que a produção audiovisual se encontra, em grande parte, na era dos streamings. Plataformas como a Netflix, Prime Vídeo, Apple Tv, entre muitas outras, seguem definindo a forma de produção e de distribuição desses conteúdos, quase sempre valorizando a praticidade desses produtos.

Segundo uma pesquisa feita em 2018 pela empresa Alexandria Big Data exclu-

sivamente para a revista EXAME, 64,7% dos assinantes deixaram de ir ao cinema para ver os filmes em casa. Das 1596 pessoas entrevistadas, 30,7% dizem que a principal razão que os faz optar pelos streamings são os altos custos que englobam uma ida ao cinema.

NADA DE NOVO NO CINEMA

Em uma quarta-feira, dia 19 de Janeiro de 1899, segundo informações do antigo jornal O País, ocorria a primeira exibição cinematográfica em Aracaju, no Theatro São José. A exibição se resumiu na apresentação de quadros e imagens, como o “Quadro religioso da crucificação do Nazareno Jesus”, exibidos com um algum tipo de movimento não especificado pelos estudiosos. Desde então, as obras cinematográficas se tornaram uma realidade na vida dos sergipanos, que desde aquela época foram descritos pelo jornal como um povo “ávido por distrações”.

O simples ato de sentar em frente à grande tela com um balde de pipoca traz uma sensação como nenhuma outra. Mas porquê esta experiência ainda não atinge todas as pessoas, mesmo 124 anos após a sua chegada?

Milânia Ribeiro, de 21 anos, morou no município de Salgado, localizado no sul do estado, mas precisou se mudar para o bairro Parque dos Faróis, no município de Nossa Senhora do Socorro, para conseguir estudar. Ela conta que nos anos em que morava no interior, por ser uma área rural, era pouco incentivada a ir ao cinema, principalmente com o transporte até a capital, que somado ao valor do ingresso e outros custos adicionais, tornava a ao cinema inviável.

“Como os meus pais não são alfabetizados, eles sempre me motivaram a estudar, mas não ocupar esses espaços culturais porque em parte é longe da realidade deles.Longe de casa, as contas duplicaram. O valor do ingresso sempre foi um fator que contribuiu para que eu não fosse, principalmente agora que minha mãe tem que arcar sozinha com as contas, para que eu e minha irmã possamos estudar”, disse Milânia.

Luciana Silva, mestre em comunicação e técnica em audiovisual, explica que a quantidade de pessoas que nunca foram ao cinema, em especial os jovens, é algo preocupante. “O cinema de shopping é caro, principalmente para quem mora no interior do estado. Com o valor do ingresso, do transporte, ida e volta, eles também são menores, então o pai tem que ir junto. Isso tudo com a renda familiar de muitos, é impossível”, diz.

Apesar de pouco falado, a valorização do cinema nacional é necessária para incluir principalmente desse público. Fazê-los se interessar pelo o que é produzido no Brasil, é um jeito de dar uma maior relevância para essa forma de contar histórias. Para os jovens sergipanos, é uma forma de encorajá-los a contar as suas histórias e se tornarem produtores audiovisuais de Sergipe.

Luciana, reforça que a solução para a questão da desvalorização do cinema nacional, é pensar na formação do público. Para ela, os festivais de grande circulação e sessões de cinema nas escolas acompanhados de debates sobre esses filmes, são algumas das ações necessárias para possibilitar o acesso democrático às obras cinematográficas.

ACESSIBILIDADE IMPOSSÍVEL?

É impossível falar de democratização do cinema sem mencionar a falta de acessibilidade das pessoas com deficiência (PCD) nesses locais. Em um país que preza pela diversidade e pluralidade do seu povo, é triste ver que a maioria dos filmes brasileiros não aderem aos recursos audiodescritivos, diferente das produções estrangeiras que, em sua grande maioria, possuem recursos de acessibilidade.

O primeiro parlamentar cego na história da Câmara de Vereadores de Sergipe, Lucas, se destacou pela sua luta e projetos de inclusão dos Pcds nos espaços sociais e locais. O mais recente foi a “Galera do Click”, um grupo de fotógrafos, que dessa vez não focaram nas pessoas com deficiência e sim com Síndrome de Down, que expuseram as suas fotografias em um stand no Shopping

Riomar, no dia 21 de março deste ano. Já no cinema, Lucas admite que com o passar dos anos houve um avanço significativo, como a Lei Federal nº 12.933/2013, também conhecida como a Lei da Meia-Entrada. Que garante aos idosos, estudantes e pessoas com deficiência, um desconto de 50% no preço dos ingressos de espaços culturais como o cinema, teatro e estádios de futebol. No entanto, suas experiências pessoais o fizeram perceber que ainda há muito pelo que lutar, e entende perfeitamente como a falta dos equipamentos necessários afeta a experiência nas telonas. “Hoje até que a coisa avançou um pouquinho nesse aspecto. Uma pessoa pode acompanhar tanto a audiodescrição quanto as legendas, mas não é algo muito explorado e também não é algo muito divulgado. Ocorreram mais de uma vez do equipamento está quebrado ou com algumas falhas, a transcrição estar meio “gaga”, enfim, a falta de manutenção mesmo”.

Além da gratuidade para pessoas portadoras de deficiência, os cinemas devem oferecer o aparelho de audiodescrição, que se resume a um telefone celular com um aplicativo de descrição de imagem, acompanhado de um fone de ouvido.

Por outro lado, Aribé tem uma visão diferente acerca da gratuidade oferecida às pessoas com deficiência. Ele põe a oferta desse serviço como privilégio, que em sua visão não é a principal medida a ser tomada.

“Não é uma democratização como deveria ser. Entendo que precisamos de uma mudança nas políticas para que todas as pessoas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. As pessoas deficientes têm gratuidade, isso é um privilégio, em detrimento de outros que têm maiores dificuldades financeiras e sociais, tudo isso é muito negligenciado, a discussão é muito além disso tudo”

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Segundo o Mídia Dados, as classes D e E representam apenas 7% do público do cinema
Entendo que precisamos de uma mudança nas políticas para que todas as pessoas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.
Lucas Aribé, jornalista e ex-vereador
Giulia Meneses
O jovem se reconhece pouco na tela, é difícil se identificar com algo tão excludente, e quando a gente não se vê em uma estética ‘hollywoodiana” possui esse certo estranhamento.
Luciana Silva, técnica em áudiovisual.
Maio, 2023|São Cristóvão - SE 21 CULTURA
Júlia Maise Souto

Sergipano vive em harmonia com mais de 300 aves de rapina e desenvolve o dom de encantá-las

Por Beatriz Passos

Aos pés da serra de Itabaiana, agreste sergipano, um homem vive em plena harmonia com mais de 300 aves de rapina. Ele é José Percílio e sua casa é o famoso Parque dos Falcões. O lugar destinado à conservação dessas espécies é resultado da dedicação de Percílio, que além de ser apaixonado por esses pássaros, também tem o dom de se comunicar com eles. E é por esse motivo que todos o conhecem como “o encantador de falcões”.

A paixão de José Percílio por pássaros vem desde criança. Ele conta que, ao contrário dos seus irmãos que pediam brinquedos, ele queria mesmo era “coisa viva” e seu sonho era ter um falcão. Foi então que aos 7 anos, Percílio ganhou o seu primeiro carcará - uma ave de rapina que pode chegar até 60 cm de comprimento - como presente de um amigo da escola. A ave chegou ainda dentro de um ovo, foi chocada por uma galinha, recebeu o nome de Tito e está com ele até hoje. “Entre erros e acertos, ele foi o meu primeiro amigo e até dormia no quarto comigo”, conta o encantador. “Depois disso, eu jurei proteger as aves de rapina.”

Filho da enfermeira e sua maior apoiadora, Maria Alves, Percílio aprendeu com ela técnicas de enfermagem e as usou para tratar aves machucadas e até fazer cirurgias. “Todo mundo que encontrava uma ave machucada levava para mim”, afirma. E foi assim que Percílio deixou o quintal de casa cheio de pássaros.

Observando essas espécies, ele desenvolveu, sozinho, técnicas para cuidar e compreendê-las melhor. Um dos métodos que o encantador de falcões usa é o que ele chama de “toque físico e mental” ou “toque de energia”, onde a mente do pássaro é controlada, deixando-o imobilizado. “Qualquer ave agressiva que me trazem, eu faço dormir”, é o que diz Percílio ao explicar que isso faz parte de um trabalho baseado na linguagem e no comportamento animal.

O MUNDO O DESCOBRE

Em 1997, a mídia o descobriu e Percílio foi bombardeado por entrevistas. Veículos renomados como a National Geographic e o Discovery Channel o procuravam em busca de mostrar para o mundo um homem que falava com os pássaros.

No ano de 2000, após tanta repercussão, o encantador decidiu se isolar e comprou um sítio abandonado aos pés da Serra de Itabaiana. Lá, ele construiu toda a estrutura para os pássaros e até encontrou uma fonte de água no local. Depois de muito trabalho e ajuda de amigos, ele se mudou com suas aves, que não eram poucas, para o lugar que hoje é conhecido como Parque dos Falcões.

Neste período, Percílio encontrou Ricardo Correa, um ex-militar apaixonado pelas aves de rapina. Ricardo estava trabalhando quando encontrou no lixo uma folha de jornal na qual contava a história do “homem que fala com pássaros”, ele logo se interessou e foi em busca de conhecê-lo. Desde que se encontraram, os dois, ambos autodidatas no assunto, se uniram neste sonho e estão juntos até os dias atuais. Ricardo é responsável, na maior parte do tempo, por guiar visitas ao parque com estudantes, profissionais e turistas.

José Percílio se tornou uma referência no manejo das aves de rapina. Ele dá cursos para várias pessoas sobre como cuidar destes animais e recebe alunos até da Arábia Saudita. Já participou de programas famosos como o “Programa do Jô” da TV Globo, o “Programa do Gugu” e o “Câmera Record”, ambos da Record TV. Suas aves participam de filmes, comerciais e espetáculos, como a encenação da Paixão de Cristo.

Para o encantador de falcões, suas aves são a sua vida, “eu vivo para elas”, diz, e acrescenta: “O maior tempo que eu passei longe delas foi quando tive que doar um rim para o meu irmão e fiquei três meses em São Paulo”.

O PARQUE DOS FALCÕES

O Parque dos Falcões está localizado no Povoado Gandu II, na cidade de Itabaiana, a aproximadamente 56 km da capital sergipana. O espaço é o único centro de criação, reabilitação e reprodução de aves de rapina da América do Sul, onde são abrigadas mais de 300 espécies presas, semi-presas e soltas, de 30 tipos diferentes. O parque é um dos poucos espaços no Brasil com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a realização destas atividades, além de ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial de Sergipe.

O local também se tornou um importante ponto turístico, onde as pessoas podem aprender e ter contato direto com aves de rapina. Ricardo Correa explica que “nós temos o trabalho fundamental de reabilitar as aves e o segundo é a educação ambiental, conscientizar as pessoas sobre a vida dos animais na natureza”.

Espécies silvestres do estado e de outros cantos do país que sofrem acidentes ou maus tratos são levadas até o lugar por meio do Ibama, da polícia ambiental e da Adema (Administração Estadual do Meio Ambiente) para serem reabilitadas e devolvidas à natureza. Segundo o analista ambiental do Ibama, André Beal, “o Parque dos Falcões sempre colaborou muito com a sua própria expertise no trabalho de reabilitação das aves de rapina e por isso é referência mundial”.

O parque conta com a ajuda de voluntários, como é o caso do estudante de medicina veterinária, Victor Queiroz. “O parque é o ambiente ideal para mim, porque tenho o foco de me tornar veterinário de animais silvestres, nenhum outro lugar da região pode me ajudar nisso e lá eu ajudo o Percílio em cirurgias e no manejo com as aves” declara Victor.

A guia de turismo Raíssa Sousa frisa a importância da localização do parque:

“É incrível termos uma reserva como essa no agreste sergipano, porque mostra que Sergipe tem muitos lugares para visitar além do litoral”. Ela também conta que “na visita ao santuário aprendi muitas coisas incríveis sobre as aves de rapina que nunca esquecerei”.

Rodrigo Silva, funcionário público e visitante assíduo, a princípio queria conhecer Percílio, mas, ao chegar no parque, ficou encantado pelo trabalho. “O fato de você poder levar uma criança no parque e ela poder tocar numa coruja, como a “rasga mortalha” que muita gente tem medo, porque acreditam que se ela estiver em cima de uma casa, alguém ali vai morrer. Isso desmistifica muita coisa, evitando que as pessoas matem esse animal por conta de uma crença”, explica Rodrigo.

AVES DE RAPINA

As aves de rapina no Brasil estão divididas entre gaviões, falcões, corujas e urubus. Possuem garras fortes e uma grande aptidão para a caça. No Parque dos Falcões existem muitas delas mas algumas ganham destaque pela sua força, como o Gavião Real, que é o mais forte do mundo e o maior das Américas; pela sua raridade devido à ameaça de extinção, como é o caso da Coruja Murucututu, do Gavião Pombo Pequeno, do Gavião-caranguejeiro e do Urubu Rei ou por ter alguma peculiaridade resultante de mutações genéticas, a exemplo do segundo Urubu leucístico do Brasil, conhecido por urubu albino.

Os representantes do santuário deixam claro que eles não são adeptos da falcoaria, uma prática milenar, em que as aves de rapina são treinadas para caçar. “Nós só treinamos animais para caçar, aqueles que vão fazer controle biológico e não deixamos nenhuma ave passar fome, porque quem pratica falcoaria de forma errada deixa o animal mal alimentado”, destaca Ricardo.

José Percílio, conhecido como “o encantador de falcões”, posa para foto com um gavião-de-rabo-branco no famoso Parque dos Falcões, localizado em Itabaiana, agreste sergipano.
22 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CULTURA
Beatriz Passos

Coruja Suindara. Imagem

Gavião-real, a maior ave de rapina do Brasil e a mais forte do planeta. Imagem 3: Coruja Murucututu, ameaçada de extinsão no Brasil. Imagem 4: Gavião-caranguejeiro. Imagem 5: Ricardo Correa e uma coruja murucututu. Imagem 6: José Percílio fazendo carinho no seu primeiro falcão, Tito.

Beatriz Passos e Paulo Victor Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3 Imagem 4 Imagem
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23 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CULTURA
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Grafiteiras ocupam seus espaços em Aracaju

Por Náthaly Reis

Apesar de ser considerado um movimento que aborda diversas opressões e mazelas sociais, quando ouvimos falar sobre o grafite imaginamos artistas homens fazendo seus trabalhos. Isso porque é difícil a ascensão das mulheres em muitos espaços artísticos.

Mesmo assim, elas usam o grafite para expressar sua voz, manifestar questões e problemáticas de relevância sobre as suas lutas, mostrando que as ruas também são delas, deixando suas marcas nas paredes como forma de resistência.

Em uma pesquisa realizada pela reportagem, que entrevistou 40 pessoas, com o objetivo principal de levantar dados sobre a quantidade de grafiteiros em Sergipe, mais da metade afirmou conhecer pessoas que trabalham com esse estilo de arte urbana. Levando em consideração os dados dessa pesquisa, existem aproximadamente 110 grafiteiros no estado, destes 33 são mulheres. Ou seja, a partir desses dados, podemos concluir que, supostamente, no estado, a cada dez grafiteiros, três são mulheres.

Juliana Vila Nova, nome artístico Buga, artista plástica e mestranda no curso de artes visuais da Universidade Federal de Sergipe, conta que se interessou pelo grafite em 2012, por influência de alguns amigos. A artista contou que à época, pouquíssimas mulheres trabalhavam no ramo, alegando ainda dificuldade de aceitação em alguns crews (equipe composta por grafiteiros que se reúnem para grafitar em lugares específicos ao mesmo tempo) que já existiam no estado. Por conta disso, ela e outras amigas criaram o Arteiras Crew.

O GRAFITE NO BRASIL

De acordo com Buga, em sua monografia, o grafite é uma arte urbana e segue a mesma perspectiva da arte rupestre, que vem da pré-história, possível de ser identificada nas pedras e paredes das cavernas daquele período. As ilustrações de figuras foram usadas como meios de expressão e de diálogo entre quem desenhava e quem via as imagens. Os grafiteiros seguem a mesma lógica, expressam narrativas de suas comunidades e abordam em seus trabalhos questões sociais, como a desigualdade de gênero e social, pobreza e racismo, como forma de ativismo, assim como foi dito na letra da música “Um Bom Lugar” do saudoso rapper Sabotage: “Um grafite na parede já defende algum direito”.

No Brasil, a história do grafite começa em meados da década de 70, na cidade de São Paulo, em meio a uma época conturbada, onde a população era silenciada pela censura da ditadura militar que estava em vigor. Um dos primeiros trabalhos feitos em local público foi a obra “Boca com alfinete”(1973), do artista naturalizado na Etiópia e radicado no Brasil, Alex Vallauri. A obra tinha um evidente teor político, seus traços eram uma mistura de Pop Art (movimento artístico que surgiu na década de 50 no Reino Unido) com a Xilogravura. O fundo azul repleto de pequenos alfinetes destacava uma boca vermelha, grampeada, referenciando o silenciamento da nação que estava sendo promovido pelo Estado. Nessa época, a arte surge de forma transgressora, sem pedir licença, tomando as paredes das grandes cidades com os desconfortos que assolavam a geração. Já em Aracaju, o grafite chegou por volta dos anos 2000. Hoje, quem vive na cidade, pode ver obras de artistas sergipanos em vários bairros da capital e entender que aquilo é arte.

SER MULHER GRAFITEIRA

A artista Vitória Ana de Araujo Ribeiro, nome artístico “Tocha”, tem 23 anos,e afirma que utiliza o grafite como um meio de expressar uma parte dela, assim como faz no crochê, nas pinturas em tela e nas esculturas de gesso. Tocha enfatiza que o que a inspira a grafitar é a sua essência e o que ela enxerga em seu cotidiano. “Tudo que acontece no modo externo ultrapassa as barreiras do meu corpo e saem através das artes”. Tocha conta que criou o crew “intocados” em 2016 e desde então realiza produções culturais de arte urbana nas comunidades aracajuanas.

Em uma sociedade que foi construída tendo como um dos pilares principais o machismo, as mulheres sempre vão encontrar dificuldades e terão que correr dez vezes mais para poder alcançar a mesma ascensão de um homem, em qualquer âmbito profissional que elas escolham seguir. No grafite, por se tratar também de mais um recorte da nossa sociedade patriarcal, as dificuldades não são muito diferentes. “ A gente não pode sair à noite porque é perigoso, a gente não pode usar tal roupa. Isso é uma forma de negar a nossa existência. Como é que a gente não pode pintar? Como é que tem um monte de homem fazendo grafite e eu não posso pintar? Eu sen -

do artista?!” questionou Buga. Mariana Teles Feitosa, de 32 anos, nome artístico “livreamar”, entrou no mundo do grafite em 2016. Fascinada pelo mundo artístico desde a infância, para ela, a arte parte da motivação de expor através das obras, suas vivências na intenção de acolher mulheres que tenham as mesmas problemáticas. “As cidades são construídas criando espaços hostis e locais ociosos, a dinâmica urbana não quer que a gente esteja na rua. Então enquanto mulher isso é mais difícil, minha principal dificuldade sempre foi o medo de estar nas ruas”, explica Mariana. A artista plástica conta que sempre quis enfrentar esse sistema de opressão e expor nas ruas as dificuldades que a rondavam.

GRAFITE X PICHAÇÃO

Por ter ligação com a contracultura e o hip hop, o grafite e a pichação acabaram sendo, por muito tempo, marginalizados. Apesar de haver muitos grafiteiros brasileiros mundialmente famosos pelas suas obras, é comum que o grafite seja enxergado como vandalismo.

O que difere as duas práticas são as formas de pintura, o grafite utiliza de elementos bem elaborados e desenhos coloridos, já a pichação (ou pixo) é feita com uma tinta só e contém símbolos ou dizeres. Ao longo dos anos, as pessoas foram modificando seus olhares em relação ao grafite, por ser atrelado às cores, possui um valor estético e é considerado uma expressão de arte contemporânea. Ao contrário disso, o pixo é entendido como vandalismo, degradação da paisagem urbana e uma expressão sem valor artístico ou crime.

“É possível notar também a diferença social, considerando que para fazer um grafite precisa ter em média quatro ou cinco cores de tinta, porém uma lata de tinta apropriada não custa menos de 25 reais, então quem consegue comprar

Tudo o que a gente faz é política, pelo fato de eu ter um spray e poder colocar minha arte em um local público, eu já estarei intervindo em um todo.

Juliana Vila Nova grafiteira.

cinco latas é uma pessoa que tem uma renda mais razoável”, destacou Buga. Ela ainda ressaltou que a discriminação da pichação acontece também por elas serem feitas por pessoas que vêm de uma classe social menos abastada, o que faz com que a sociedade as enxerguem como vândalos.

Segundo o artigo 65 da Lei 9.605/98, a pichação é crime ambiental e de vandalismo, a punição pode variar de 6 meses a 1 ano de detenção e multa. A legislação brasileira prevê esse crime no código penal, podendo ser cometido tanto em patrimônio público ou particular. Por outro lado, no parágrafo §2 do mesmo artigo , o grafite é permitido quando seu objetivo é valorizar um patrimônio. Nesse caso, a prática precisa ser aprovada pelo proprietário, no caso de um bem privado, ou pelo órgão responsável, se for um bem público.

Apesar de ser uma forma legítima de arte e estar em todos os espaços da cidade, o grafite ainda é bastante desvalorizado quando comparado com outras expressões artísticas na capital sergipana. Existem artistas, por exemplo, que nunca foram beneficiados com nenhum dos programas organizados e disponibilizados pelas instituições culturais de Aracaju, além de alguns desconhecerem a existência de programas de apoio a essa arte. A falta de visibilidade faz com que esses artistas busquem cada vez mais a coletividade criando seus próprios espaços.

De acordo com o presidente da Fundação Cultural de Aracaju (Funcaju), Luciano Correia, o órgão municipal tem em primeiro plano o Projeto Colora, por trás do projeto tem uma política de valorização dessa linguagem, desde o fomento aos artistas até a circulação de sua produção. “Os critérios de escolha dos artistas contemplados são por editais, através de princípios de transparência”, explicou ele. “Não sei se conseguimos abranger a totalidade, mas estamos trabalhando com o maior número possível e criando mecanismos de apoio e divulgação desses artistas”, afirmou o presidente da Funcaju, apesar de alguns artistas afirmarem nunca terem usufruído desses programas.

A artista Buga utiliza as paredes da capital sergipana para expressar sua arte. Náthaly Reis O principal objetivo da artista Livre Amar é ocupar um espaço dentro do grafite ainda restrito às mulheres aracajuanas. Vivian de Oliveira
“ 24 Maio, 2023|São Cristóvão - SE CULTURA

Andar de ônibus, no estado de Sergipe, pode ser muito complicado e perigoso quando se é mulher

Somente no ano passado, foram registradas total de 211 denúncias de assédio na região; 91 delas em Aracaju

Assédio sexual é um problema que afeta milhares de mulheres em todo o mundo. Infelizmente, o Brasil não é uma exceção. Ainda que não se tenha dados exatos do tamanho do problema, sabe-se que, para as mulheres, usar o transporte público requer muito mais cuidados do que para os homens. Isso porque elas são frequentemente alvos de comportamentos masculinos inadequados, que podem se manifestar de diversas formas, desde comentários ofensivos, gestos obscenos, encostar ou esfregar o corpo em outra pessoa sem consentimento, até mesmo agressões sexuais.

Recentemente, em coletiva de imprensa, a Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal (CEACrim) da Superintendência de Polícia Civil, divulgou os dados de importunação sexual nos transportes públicos do estado no ano de 2022. Os números assustam: houve 211 denúncias em toda a região e 91 dos casos registrados ocorreram na grande Aracaju. Mostrando que, por mês, 17 mulheres conseguem denunciar os assédios que sofreram quando usavam os transportes. Esse é o caso de uma estudante de engenharia da UFS que, ao precisar utilizar um ônibus na capital sentiu um incômodo. Ao olhar para trás, percebeu que estava sendo apalpada por um homem e, em estado de choque, não conseguiu reagir ou denunciar, o que causou a sensação de “culpa” pelo ocorrido. A fonte, que preferiu não ser identificada, relatou que não se sente mais confortável em se sentar nos transportes, pois teme que o crime volte a ocorrer, fazendo com que ela precise sempre conferir quem está perto, onde pode ficar sentada ou, ao menos, qual local é menos perigoso para aguardar o ônibus.

ONDE A LEI PROTEGE?

Na legislação brasileira, com a aprovação da Lei de Importunação Sexual nº 13.718/2018, o assédio passou a ser considerado um crime. Além dela, a Lei Maria da Penha, nº 11.340/2006, também trata do assédio sexual como uma forma de violência contra a mulher, e aplica-se a todas as formas de agressão, incluindo a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Em Sergipe, os casos de assédios verbais, psicológicos e sexuais são cada vez mais denunciados. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou uma pesquisa em 2019 que

mostrou que 90,3% das mulheres em Aracaju (capital de Sergipe) já foram vítimas de assédio sexual em pontos de onibus e terminais. Uma outra pesquisa, realizada por alunos da Universidade Federal de Sergipe com 60 mulheres, mostrou que 100% das entrevistadas sentem medo, insegurança e receio ao utilizar os ônibus da capital, e que 80% delas já sofreram assédios enquanto se dirigiam para a Universidade. O choque para entender o que aconteceu, o medo de denunciar e a indignação se tornaram parte de um ciclo que só poderá ser quebrado com a aplicação correta das leis. Além de deixar as vítimas traumatizadas, também gera medo e insegurança,

fazendo com que muitas mulheres evitem usar o transporte público quando não estão acompanhadas de outras pessoas nessas ocasiões.

CENÁRIO SERGIPANO

Na capital sergipana, foi aprovada uma Lei Municipal n° 5.012 que prevê campanhas de conscientização para o combate aos atos de assédio nos transportes públicos da região metropolitana. Ela presume também que o Poder Público Municipal disponha de um canal de comunicação para o recebimento das denúncias, e que as empresas de transportes passem a cumpri-la com a disponibilidade de capacitação através de cursos

de instrução e prevenção no Sest/ Senat para motoristas e cobradores, voltados a orientá-los em como proceder em situações de casos de assédios sexuais e verbais.

Infelizmente, não é sempre que as leis são cumpridas na sua totalidade, assim como estão descritas na teoria. De acordo com relatos de passageiras, é raro o acontecimento dessas campanhas e após a ocorrência de assédio, ao tentarem informar os motoristas, perceberam que não existia um preparo para lidarem com a situação. O número de telefone que deveria ter sido disponibilizado pelo Poder Público de Aracaju também não está sendo utilizado, o mesmo que deveria acoher as denúncias e depoimentos das vítimas, acaba se tornando, na verdade, mais uma dificuldade .

Para a Procuradora da Mulher e vereadora, Emília Corrêa, uma mulher que pode estar sofrendo diversos tipos de violência, se encontra com o psicológico fragilizado. E o desenvolvimento do projeto de lei, de sua autoria, é um meio de proporcionar uma sensação de segurança e oferecer rede de apoio psicológico, jurídico e financeiro. Segundo ela, o poder de mudança está na mão do executivo pelas necessidades de analisar as superlotações dos transportes na região, promover o conhecimento para as mulheres acerca dos tipos de violências que talvez por elas sejam ainda desconhecidas e projetos que abordem o tema de maneira direta, para ajudarem cada vez mais.

PASSAGEM NÃO ME INCLUE

A universitária Maria Julia, 21 anos, contou que diariamente sente que precisa procurar lugares estratégicos onde se sentirá mais segura ou ao menos, se algo acontecer, saberão como ocorreu. Para ela, chegar em casa não significa somente um alívio, mas também a angústia de saber que talvez precisará passar por aquilo novamente na manhã seguinte.

A Delegada Daniela Garcia ressaltou que a criação da Diretoria de Proteção no Combate à Violência contra Mulheres foi um grande passo na sociedade, pois ampliou as campanhas de conscientização do crime de importunação sexual e pela busca recorrente de parcerias com empresas de transportes intermunicipais, visando maior capacitação dos profissionais para atender as vítimas de assédios nos ônibus. Para ela, casos como esses precisam ser denunciados e tratados.

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Em média, por mês, 17 mulheres denunciam casos de assédio no transporte do estado Insegurança alimentar atinge mais de 1,5 milhão de sergipanos. Pág. 32 Para mais de 50% da população, comprar um absorvente é uma realidade distante. Pág. 26 A exclusão de pessoas com espectro autista no mercado de trabalho é um desafio constante. Pág. 28 Mavi Pereira Brasil lidera ranking de países com mais mortes de pessoas trans e travestis. Pág. 31 São Cristóvão | SE | 2022.2 Caderno especial do Jornal Contexto Maio 2023 | Ano 20 | Ed. 1°

Dignidade menstrual não é uma simples questão de escolha entre pessoas mais pobres de Sergipe

Para grande parte da população o simples gesto de comprar um absorvente é uma realidade distante

Sem dúvidas, crescer dói; nascer proviniente do sexo feminino em uma sociedade que impõem problemas e obstáculos diariamente também dói, e isso é incontestável. Quando criança é tudo bem mais fácil. Frequentemente, quando meninas ou meninos ralam os joelhos, a mamãe vai estar a disposição para limpar o sangue que escorre da perna e dar um beijinho acompanhado da frase “você é forte, vai passar logo”. No entanto, quando se trata do sangue que escorre entre as pernas por questões hormonais, e a mamãe não tem dinheiro para comprar um simples pacote de absorvente, muitas perguntas surgem, entre elas: o que fazer ? Como lidar com toda pressão psicológica e dores que acompanham a primeira menarca (menstruação) e, ainda assim, ter que lidar com problemas reais de ser uma mulher ou homem que menstrua em uma sociedade machista e preconceituosa? Ser forte já não é o suficiente quando se trata de dignidade menstrual!

Falar sobre menstruação não é algo comum, os tabus enraizados dificultam o debate e prosperam para o aumento da pobreza menstrual. Quando eventualmente a sociedade se refere às pessoas que menstruam, não se trata somente de meninas, mas também meninos que não se identificam com o sexo feminino, entre 12 a 17 anos, e que sofrem mensalmente com problemas relacionados à menstruação. Apesar da desigualdade social ser um fator primordial para o crescimento da pobreza menstrual, pouco se discute sobre o que de fato é, e as consequências que o problema pode ocasionar na rotina dessas e desses jovens em todo o mundo. A pobreza menstrual não está somente relacionada à falta de recursos financeiros para a aquisição de produtos de higiene menstrual, mas também à falta de infraestrutura de saneamento básico, falta de acesso a medicamentos que aliviam a dor no período menstrual e conhecimento para lidar e prevenir doenças relacionadas ao problema.

Segundo dados levantados pelo Instituto de Pesquisa Locomotiva, em parceria com a marca de absorventes Always, entre as 1.016 mulheres entrevistadas, cerca de 52%, ou seja, 528 pessoas já passaram por situação de pobreza menstrual. Além disso, os dados ainda apontam que cerca de 35% afirmam que o valor da compra de itens relacionados ao período menstrual pesa na sua renda familiar. O absorvente é caracterizado como um item de luxo devido ao seu alto custo econômico, em outras palavras, para compreender o gasto mensal com produtos de higiene menstrual é preciso estar ciente que o fluxo menstrual varia entre quatro a oito dias, sendo necessário trocar de absorvente a cada quatro horas.

Desse modo, em uma situação de fluxo menstrual normal de seis dias são utilizados em média cerca quatro pacotes de absorventes externos contendo oito unidades cada. Esses pacotes custam, em média, entre R$ 4,00 a 7,00

dependendo da marca e da localidade, o que significa que o gasto mensal varia em torno de R$ 28,00 durante o período menstrual. Outros tipos de absorventes que circulam no mercado têm preços mais elevados, a exemplo dos absorventes internos que custam em média R$10,00 e do coletor menstrual que varia entre R$ 70,00 - R$90 reais.

A falta da manutenção de higiene menstrual básica pode acarretar diversas doenças para essas pessoas. Entre as que causam um maior número de internações hospitalares está a infeção na pelve, pelviperitonite aguda e crônica, parametrite e celulite pelvicas. Além disso, a rotina afetada pela chegada da menstruação aumenta o número de evasão escolar, o que resulta em períodos em que meninas e meninos deixam de ir para a escola pelo fato de não ter o acesso aos itens para conter o sangramento.

PROGRAMAS DE PREVENÇÃO

Campanhas e projetos que visam combater o problema estão cada vez ganhando mais força. Esse ano o Governo Federal lançou o projeto de distribuição gratuita de absorventes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nomeado de “Programa e Promoção da Dignidade Menstrual”, o projeto visa atender 8 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza em todo o território brasileiro. Com previsão de investimento inicial de 408 milhões por ano, o projeto seguirá os mesmos critérios do bolsa família e incluirá estudantes de baixa renda de escolas públicas, pessoas que cumprem medidas socioeducativas ou em situação de liberdade privada e pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema. No ano de 2020, em Sergipe, projetos já vinham sendo debatidos inter-

da assembleia legislativa para a implantação do projeto dentro do estado que até os dias atuais não foi aprovado. Para ela, a menstruação é biológica, todos os meses há uma necessidade e se existe essa necessidade é uma obrigação do Estado atendê-la, mas essa obrigação não está sendo realizada.

Embora seu projeto ainda não tenha sido aprovado, Lenice conseguiu algo que poucos diriam que era possível para uma simples estudante. Por meio dos contatos que a ONU Mulheres proporcionou, entrou em contato com a empresária Luiza Trajano, dona da rede Magazine Luiza, e conseguiu a doação única de 400 caixas absorventes que totalizaram cerca de 192 mil unidades do item para serem distribuídas em 10 escolas públicas da capital. Segundo ela, houve um grande processo para atender as escolas que apresentavam maior índice de pobreza menstrual.

namente. A estudante Lenice Ramos de Oliveira, junto com colegas do Centro de Excelência Atheneu Sergipense em Aracaju, criaram o projeto de lei “Absorvente é Direito” que visa combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. O documento foi pré-selecionado na etapa Estadual do Parlamento Jovem Brasileiro, alcançando o 2° lugar na etapa nacional.

Devido ao ONU Mulheres, um modelo de simulação da Organização das Nações Unidas do Atheneu, que visa debater pautas de cunho social, surgiu a oportunidade de participar do parlamento jovem Brasileiro. Sua PL foi escrita inicialmente direcionada à situação de mulheres em cárcere, no entanto, com a grande repercussão dentro do estado, seria mais viável para o Governo a criação de um projeto que visa-se combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. Desse modo, após a sugestão e em comum acordo com o Governo vigente da época, Lenice escreveu uma nova PL direcionada para meninas de escola pública.

Sua PL foi escrita inicialmente direcionada à situação de mulheres em cárcere, no entanto, com a grande repercussão dentro do estado, seria mais viável para o Governo a criação de um projeto que visa-se combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. Desse modo, após a sugestão e em comum acordo com o Governo vigente da época, Lenice escreveu uma nova PL direcionada para meninas de escola pública.

Por ser estudante de escola pública, atendeu o pedido e se aprofundou cada vez mais na causa. A jovem afirma que o assunto se trata de uma denúncia global que atinge não só a pauta de absorventes, mas também a pauta de dignidade íntima. A partir disso, conseguiu uma reunião com o presidente

Em 2021, a Prefeitura Municipal de Aracaju divulgou a criação do projeto Florir. Esse projeto visa a distribuição de absorventes em todas as escolas da rede de ensino municipal da capital que ofertam o Ensino Fundamental e Educação de jovens e adultos (EJA). Os absorventes são distribuídos mensalmente e, durante o período de férias, o projeto prevê a distribuição de dois pacotes por estudante. Segundo a Secretaria Municipal da Educação, o projeto atende pessoas que menstruam e que estão cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico), desde que estejam com matrículas regulares e sejam frequentes nas escolas municipais.

Acervo do colégio Atheneu

Maio, 2023, São Cristóvão -SE ACESSO 26
O auto custo dos absorvendes torna-se um problema mensalmente para as pessoas que menstruam Projetos sociais visam diminuir o problema

Disparidade entre escolas públicas e privadas evidencia desigualdade educacional em Aracaju

Instituições privadas oferecem recursos avançados, e colégios públicos lutam para suprir necessidades básicas dos estudantes

Por Caio Queiroz

A educação é um direito fundamental de todo cidadão, mas a realidade vivida por estudantes de Aracaju, capital de Sergipe, revela uma grande desigualdade no acesso à educação de qualidade. Se, por um lado, as escolas privadas possuem ar-condicionado e melhores infraestruturas, por outro, faltam investimentos e professores na rede pública de ensino. De acordo com a Secretaria da Educação de Aracaju, 15 instituições de ensino médio da rede pública apresentam problemas em suas instalações. Isso corresponde a 16% do total de escolas da cidade. Esse é um obstáculo grave que afeta a qualidade da educação oferecida nos colégios e precisa ser tratada com urgência pelas autoridades responsáveis. Os recursos financeiros das escolas também são um dos fatores que influenciam no desempenho dos alunos. Conforme o levantamento realizado pelo Censo Escolar de 2020, as escolas privadas que lecionam o Ensino Médio possuem salas de aula climatizadas, bibliotecas com vasto acervo, laboratórios bem equipados e acesso à tecnologia de ponta, enquanto as escolas públicas da rede estadual sofrem com a falta de recursos básicos, como ventiladores, carteiras e materiais didáticos. Além disso, muitas instituições públicas têm problemas estruturais, como rachaduras nas paredes e telhados quebrados. Segundo a estudante da rede pública de ensino Mariana Santos, a falta de laboratórios de ciência e informática prejudicam o aprendizado. “Vejo meus amigos que estudam em escolas privadas tendo acesso a recursos e aulas de alta qualidade. É triste perceber que a educação é tão desigual em nossa cidade”, disse.

QUALIDADE DE ENSINO

A qualidade de ensino é outra diferença gritante entre as escolas públicas e privadas. Segundo o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB) de 2019, as escolas públicas de Aracaju possuem uma média de 4,6 pontos, enquanto as escolas privadas têm uma média de 6,6 pontos. A diferença de dois pontos pode parecer pequena, mas na prática significa que os alunos das escolas privadas têm uma formação muito mais completa e melhor preparada para o futuro.

Para a professora de Inglês da rede privada de ensino Cátya Nunes, a ausência de recursos impacta diretamente na qualidade da educação oferecida. “A falta de materiais pedagógicos e livros didáticos prejudicam a qualidade de ensino, muitas vezes os professores de escolas públicas são excelentes profissionais mas não possuem recursos para desenvolver seu trabalho”, disse.

A julgar pelas evidências, nas escolas privadas, os recursos financeiros possibilitam uma série de vantagens para os alunos. Além dos investimentos na educação, elas costumam oferecer atividades extracurriculares, como

aulas de música, teatro e esportes, que contribuem para o desenvolvimento social e cognitivo dos estudantes.

A professora de Geografia da rede pública de Aracaju Daniele Mota acredita que o investimento em atividades extracurriculares é um fator importante para a formação dos alunos. “Essas atividades contribuem para a formação integral dos alunos e os preparam para o futuro”, disse.

Apesar dos avanços na educação em Aracaju nos últimos anos, a desigualdade entre escolas públicas e privadas ainda é uma realidade preocupante. A pedagoga Mary Regina ressalta que uma dessas diferenças é a sobrecarga de trabalho do professor, já que os professores da rede estadual não possuem suporte administrativo. “O professor da rede pública precisa lidar com turmas grandes e heterogêneas, o que dificulta o processo de ensino”, afirma.

TECNOLOGIA

A tecnologia também é um ponto que contribui para a desigualdade na educação em Aracaju. Enquanto as escolas privadas investem em equipamentos de última geração, como tablets, computadores e lousas digitais, muitas escolas públicas ainda enfrentam a falta de acesso à internet.

Segundo o estudante da rede privada de ensino Mateus Ribeiro, as escolas particulares possuem uma tecnologia de ponta e um ambiente de ensino que estimulam o aluno. “É difícil não perceber as diferenças na qualidade da educação que recebo e a que meus amigos recebem em escolas públicas. Espero que um dia todos tenhamos uma educação de qualidade”, conclui.

Para tentar diminuir essa desigualdade, o poder público vem implementando políticas de incentivo à educação. Um exemplo é o programa Bolsa Escola, que

oferece benefícios financeiros para que estudantes de baixa renda matriculados em escolas privadas possam arcar com os custos da mensalidade escolar.

Além disso, a Secretaria Municipal de Educação de Aracaju, por exemplo, tem investido na melhoria da infraestrutura das escolas públicas, com a construção e reformas de escolas, além da distribuição de kits escolares e uniformes.

O Secretário de Educação de Aracaju, Zezinho Sobral, destaca que a gestão municipal tem buscado investir em melhorias na qualidade do ensino público, apesar dos desafios enfrentados. “Estamos trabalhando em diversas frentes para reduzir as desigualdades na educação, desde a formação continuada dos professores até a modernização da infraestrutura das escolas”, afirma o secretário.

Segundo ele, algumas das medidas adotadas incluem a criação de grupo de estudos para professores, a ampliação do

programa de alimentação escolar e implementação de tecnologias educacionais para facilitar o aprendizado dos alunos. Para o secretário, é importante manter um diálogo constante com as comunidades escolares para entender as suas demandas e necessidades, e trabalhar em conjunto para buscar soluções para os problemas enfrentados. “Acredito que com o trabalho conjunto da gestão pública, das comunidades escolares e do setor privado, podemos oferecer uma educação de qualidade para todos os alunos de Aracaju”, conclui Zezinho Sobral. Diante dos desafios enfrentados pela educação pública em Aracaju, é fundamental que os gestores públicos se empenhem em buscar soluções para reduzir a desigualdade educacional. Afinal, o acesso à educação de qualidade é um direito fundamental de todos os cidadãos e um dos principais pilares para o desenvolvimento social e econômico de uma nação.

27 Maio, 2023, São Cristóvão -SE
Falta de materiais, professores e recursos didáticos evidenciam diferenças entre dois modelos distintos de ensino, o público e o privado Falta de material didático é uma das principais causas de desigualdade na educação Caio Queiroz
EDUCAÇÃO
Caio Queiroz

Maior parte das pessoas brasileiras com autismo se encontra excluída do mercado de trabalho

Pelo menos 1,4 milhão são afetadas por esse problema; causas estão relacionadas com a discriminação

A realidade atual no mercado de trabalho é marcada pela exclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 85% das pessoas brasileiras com esse transtorno se encontram fora do mercado de trabalho, porcentagem equivalente a aproximadamente 1,4 milhões de pessoas.

Isso porque ainda é notável a predominância da discriminação, da falta de informações sobre o transtorno, da falta de qualificação profissional e da ausência de adequação do ambiente de trabalho para as limitações dessas pessoas.

Mesmo tendo em vista que a inclusão de pessoas com TEA é garantida pela Lei Berenice Piana, Lei 12.764 de 2012, a porcentagem de pessoas com autismo fora do mercado de trabalho ainda é bastante alta. Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos, é nítido que não ocorre uma inserção como deveria ocorrer de fato. Por esse motivo, muitas dessas pessoas passam a ser autônomas ou até mesmo sustentadas pelos próprios familiares.

Este é o caso da Ana Clara de Souza, 38 anos, diagnosticada com autismo nível 2 de suporte desde seus 13 anos, que indica que a pessoa precisa de um pouco mais de atenção e suporte para realizar as atividades do dia a dia. “Completei o Ensino Médio e depois de muita dificuldade terminei o curso de Biologia em 2014, mas mesmo com minhas notas boas, nunca consegui um emprego nessa área ou em qualquer outra.”, afirma ela.

Atualmente, Ana Clara trabalha em uma loja de roupas da própria mãe, e destaca que não é uma pessoa incapacitada por ter o nível 2 do espectro, apesar de precisar de certa atenção.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo portal UOL, muitas vezes o motivo principal para não contratar essas pessoas, é que o empregador não sabe exatamente o que esperar em termos de comportamentos e resultados, justamente pelo tabu e discriminação que impuseram sobre o autismo. Sendo assim, um dos principais impasses é a discriminação, que ainda é uma realidade para muitas pessoas autistas, o que nitidamente afeta sua capacidade de conseguir e manter um emprego.

O juiz Rubens Paixão, 55 anos, afirma que passou por diversas discriminações e situações bem chatas quando foi estagiar, e até mesmo quando foi contratado para exercer sua atual profissão. “Durante um julgamento, o advogado do réu parou o julgamento para perguntar se eu, ‘o juiz’, realmente era habilitado para o cargo que eu estava a exercer, trazendo a justificativa de que com o meu autismo, eu não era capaz de entender a situação e dar uma sentença justa e apropriada.”, disse.

Ele ainda completa falando que o réu teve sua justa sentença de 15 anos de prisão e que, de quebra, o advogado dele foi processado e sentenciado a dois anos de prisão por discriminação e desacato a autoridade. Muitas vezes, as pessoas autistas são estereotipadas como incapazes de trabalhar em equipe ou de superintender uma

situação específica, pouco produtivas e comunicativas, o que pode levar à exclusão no mercado de trabalho.

Além disso, é claro que antes da inclusão nesse mercado, deve-se existir uma inserção na fase escolar, pois quando não há formação nessa fase, não se desenvolve adequadamente o que deveria se desenvolver, ou seja, sem fortalecer a sua autonomia, interação social e capacidades, a inserção no mercado de trabalho fica comprometida, justamente por eles precisarem atender à uma demanda de exigências determinadas pelas empresas que estão a cada dia mais criteriosas.

A Lei Berenice Piana, n° 12.764, de 2012, destaca que é fundamental a adequação do ambiente de trabalho de acordo com as limitações e necessidades das pessoas com o espectro autista que forem empregadas, visando também que estes funcionários sejam bem recebidos por aqueles que não possuem o espectro dentro da empresa.

É importante ressaltar que o autismo é uma condição ampla e que cada indivíduo com esse transtorno é único. Portanto, é essencial que as empresas adotem uma abordagem individualizada ao lidar com funcionários autistas e que estejam abertos e receptivos para entender suas necessidades e capacidades específicas.

FALTA ESTRUTURA FAMILIAR

A representação do autismo no mercado de trabalho pode variar dependendo da cultura e do país, aqui no Brasil ainda é bastante limitada e enfrenta diversos desafios. Um deles é a falta de uma estrutura familiar, é quase que indispensável uma boa estruturação, pois ela desenha um papel fundamental e importante no apoio a uma pessoa com o espectro no mercado de trabalho, no entanto, a falta dela é notável na sociedade. Existem algumas estratégias e práticas que podem ser adotadas pelos familiares para apoiar um autista em um emprego, como, por exemplo, ter uma comunicação clara e oferecer suporte emocional. “A comunicação deve ser adaptada às necessidades da pessoa, levando em consideração sua capacidade de processar informações e compreender a linguagem.”, relata Emanuel Rocha, psicólogo e pai de um autista.

Ele ainda conta que é importante e indispensável o suporte emocional que a família pode oferecer, reconhecendo suas conquistas e incentivando ela a persistir mesmo diante de diversas dificuldades. Outras estratégias é ter conhecimento sobre as habilidades e desafios da pessoa, de forma a poder ajudá-la a escolher um trabalho adequado às suas competências e interesses, ou um treinamento e preparação adequada, visando uma orientação sobre as tarefas a serem realizadas, as expectativas do empregador e as habilidades necessárias para desempenhar o trabalho.

PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS

O apoio à saúde é extremamente importante para uma pessoa diagnosticada com o Transtorno do Espectro Autista inserida (mas não somente) no mercado de trabalho, pelo fato de que elas podem ter dificuldades em lidar com mudanças no ambiente de trabalho, interagir com colegas e/ou clientes, seguir instruções e gerenciar suas emoções e comportamentos.

Ter um suporte de profissionais de saúde, como psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, pode ajudar uma pessoa com TEA a desenvolver habilidades sociais e emocionais necessárias para se comunicar e colaborar com seus colegas.

A terapeuta ocupacional Olivia Garcia afirma: “É normal acontecer mudanças imprevistas no ambiente de trabalho, mas é sempre bom já procurar formas de trabalhar a recepção desses possíveis acontecimentos antes que ocorram.”.

Ela cita que alguns exemplos de estratégias a serem usadas se dão por meio de uma abordagem personalizada para cada paciente, que inclui identificação de habilidades existentes, ensino de estratégias de autorregulação, prática de habilidades sociais e uso de atividades ocupacionais.

Além disso, o suporte médico pode ajudar a gerenciar questões de saúde física e mental, como por exemplo a ansiedade, o estresse e a depressão, que podem afetar o desempenho no trabalho. Em resumo, o apoio à saúde é fundamental para ajudar um adulto com TEA a ter sucesso no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que se acostuma às suas necessidades individuais e habilidades.

28 AUTISMO Maio, 2023, São Cristóvão - SE
Quando abrimos as portas do mercado de trabalho para pessoas com TEA não estamos apenas oferecendo uma oportunidade de trabalho. Estamos construindo uma sociedade mais inclusiva e humana para todos.
Rubens Paixão, Juiz.
Olívia Mota Uma mente autista é como um quebracabeça complexo e único
Fonte: Portal UOL
Olívia Mota

Cadeirantes têm seu direito de ir e vir limitados por problemas relacionados à falta de estrutura

Por: Janaína Cavalcante

Ser diferente não é ser considerado normal. Pelo menos não no Brasil. O país possui mais de 45 milhões de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência e mesmo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.136, que assegura o exercício dos direitos e liberdades fundamentais de um indivíduo, visando a inclusão social e, consequentemente, proporcionando a cidadania de cada um. Contudo, as cidades não estão prontas para integrar uma pessoa com mobilidade reduzida nos espaços urbanos. Foi o que aconteceu com Maria Gilda Antunes. Quando ingressou na Universidade Federal de Sergipe (UFS), em 2013, a atleta sergipana e da seleção brasileira de parabadminton enfrentou barreiras que até então eram invisíveis na sociedade: não existiam linhas de ônibus adaptadas em Sergipe e a Biblioteca Central da UFS (Bicen), também era um obstáculo de acesso.

A paratleta – hoje, com 48 anos, e moradora da cidade de São Cristóvão, enfrentou fortes adversários durante as competições que disputou, mas nenhum foi mais difícil quanto ser invisível dentro da própria universidade. “Eles não me reconheciam como deficiente”, disse. Maria Gilda, que faz uso da cadeira de rodas, teve que lutar pelo direito de ir e vir, quando ainda não era amparada pela lei. “Briguei muito para ser ouvida e atendida aqui dentro. Foram anos assim, mesmo após ser resguardada pela lei de acesso, o momento em que me senti socorrida de verdade foi quando a DAIN chegou para fazer frente comigo nessa luta e que me auxilia até hoje”, completou.

COMO OS ALUNOS SÃO INTEGRADOS?

Seis meses após o último corte financeiro nas instituições federais de ensino, a UFS ainda lida com o orçamento mais apertado para a manutenção de serviços essenciais para pessoas com deficiência e, mesmo com as dificuldades, busca desconstruir paradigmas e preconceitos com programas inclusivos que favoreçam a autonomia e desenvolvimento integral desses estudantes na compra de materiais acessíveis, como cadeiras de rodas motorizadas, mesas adaptadas, plataformas elevatórias, e outros apare-

lhos que promovam maior inclusão.

E nesse fluxo de integração foi como surgiu A Divisão de Ações Inclusivas (DAIN) que atua dentro da instituição desde 2014 e, de forma específica, atende os alunos com deficiência física, verificando as demandas e solicitando ajustes, compra de materiais e mobiliários acessíveis, na construção de políticas de acessibilidade que garantam o direito de todos os discentes com deficiência e melhoria nas condições dos espaços e ambientes de estudo e convivência. Neste semestre, a divisão de apoio tem 18 alunos cadeirantes cadastrados no sistema e atende de forma específica cada um deles. Esse número pode variar, mas no registro do programa atual apenas 18 discentes procuraram ajuda na DAIN.

SOCIEDADE PRECONCEITUOSA

Se na universidade existe um movimento contínuo que tenta minimizar as dificuldades de acesso, nas ruas a lei do ‘cada um por si e Deus por todos’ é o que vigora para muitos. Daiane Batista, estudante do curso de Publicidade e Propaganda e moradora da cidade de Lagarto, conta que utiliza a cadeira de rodas desde 2018, devido a uma doença neurodegenerativa chamada Ataxia de Friedreich, desenvolvida na adolescência e hoje, aos 26 anos, a jovem não gosta de sair de casa e sempre que precisa fazer isso se depara com péssimas experiências. Tentar viver nesse ambiente externo é um desafio que, na maioria das vezes, causa problemas para a estudante. Durante a entrevista, ela relatou que os órgãos públicos não pensam em solucionar problemas básicos na estrutura arquitetônica dos locais e, recentemente, teve que ser carregada no colo para conseguir ter acesso a areia da praia, e esse é apenas um dos vários problemas de mobilidade livre que a discente tem que enfrentar para viver sua rotina.

Atravessadas por histórias parecidas, Daiane e Maria Gilda compartilham das mesmas vivências quando o assunto é o descaso e o preconceito ao tentar utilizar um veículo público ou aplicativo de transporte privado. E é tentar mesmo, pois nem sempre elas conseguem fazer esse uso adequado, seja pela falta de estrutura que esses transportes for-

necem: ausência de elevador no ônibus ou simplesmente por não aceitarem ter uma cadeirante como passageira para não ‘ocupar’ o porta-malas do carro com a cadeira de rodas.

São atividades simples como tomar um banho de mar, desfrutar de passeios no shopping ou ir ao bar, situações de uma rotina banal que todo jovem adulto gosta de fazer, mas que para Daiane isso se torna um tormento, pois “as pessoas são más, a sociedade é preconceituosa e intolerante” e ficar à mercê de ajuda de terceiros ou simplesmente ter suas necessidades negligenciadas chega a ser constrangedor. Na capital sergipana, a precarização dos espaços de cultura e lazer, por exemplo, ainda são uma barreira na inclusão. A falta de comprometimento por parte dos gestores do setor empresarial e da sociedade civil inviabiliza tornar a cidade com uma mobilidade livre. No entanto, se não é possível tornar todo o ambiente com acessibilidade plena, é necessário que se faça o que a lei chama de adaptação razoável, que é quando o indivíduo tem pelo menos um acesso a todos esses espaços para assim proporcionar uma melhor qualidade de circulação para quem possui mobilidade reduzida.

Nessa perspectiva, para promover a integração social dos Portadores de Necessidades Especiais (PNEs), a Prefeitura de Aracaju, em parceria com a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), desenvolveram o “Projeto Atende” que atua desde 2006 na garantia do serviço de transporte gratuito para pessoas com dificuldades físicasmotoras e que necessitam do auxílio de um veículo para chegar até a consulta médica de rotina, por exemplo. Atualmente, o programa assiste 54 pessoas que são transportadas por vans para realizar tratamentos clínicos como hemodiálise, oncologia e também consultas. Sendo assim, essas pessoas que necessitam do transporte devem estar cadastradas na SMTT para utilizar o serviço que está disponível de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 17h30. Essa alternativa de oferecer um deslocamento gratuito em Aracaju para usuários com deficiência motora, mental, múltipla ou permanente em alto grau de dependência e que precisam de atendimento médico regularmente, se tornou uma saída para essas pessoas que têm a mobilidade reduzida e nem sempre conseguem ter suas necessidades totalmente atendidas pelas linhas de ônibus da cidade com veículos que promovem mais conforto para os assistidos e segurança por meio de travas reforçadas e cintos de três pontos no intuito de evitar acidentes durante o trajeto de locomoção.

Vale ressaltar que o veículo adaptado vai até a casa do usuário que agendou previamente esse deslocamento e o leva até o seu destino. Depois, ele é transportado de volta para sua residência. No final do ano passado, esses veículos receberam uma nova roupagem e agora contam com assentos para seis pessoas, sendo três deles destinados aos acompanhantes. As vans também são equipadas com elevadores de acessibilidade, ar-condicionado, sistema de som, suporte para água e entradas USB para carregar o celular. Todo esse esforço é para proporcionar uma melhor qualidade na experiência externa aos beneficiados pelo programa na locomoção pela capital e, consequentemente, promover condições de igualdade no exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência.

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“Nem todo local que um não cadeirante percorre, nós conseguimos circular”, – Maria Gilda, atleta da seleção brasileira de parabadminton. Janaína Cavalcante
Pessoas que usam cadeiras de rodas na UFS convivem todos os dias com limitações estruturais dentro do campus
Janaína Cavalcante

Trabalhar como ambulante na região central da capital do estado é um desafio diário

Problemas enfrentados por vendedores de rua, vão além da informalidade

Por Sofia Amaral

Renda imediata, autonomia e flexibilidade de horário são três critérios priorizados por quem busca ingressar no comércio informal. No entanto, o que é opção, ou até mesmo um sonho para alguns brasileiros, reflete a dura realidade de comerciantes como os ambulantes.

De certo, uma porcentagem significativa dos brasileiros que já vivenciam a informalidade têm experiências destoantes da romantização atual em torno da questão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada pelo IBGE em 2021, em Sergipe apenas 59,9% dos empregados possuíam carteira assinada, o que corresponde a aproximadamente 886.960 habitantes sem emprego e, possivelmente vivenciando o comércio informal.

Até então, o quadro não mudou muito. No segundo trimestre de 2022, a mesma pesquisa registrava, em números, 540 mil trabalhadores informais, o que corresponde atualmente a cerca de 24% da população sergipana. No Brasil inteiro, esse grupo se manifesta, principalmente, em ocupações autônomas, assumindo postos de ambulante, camelô, feirante, motorista de aplicativos e catador de materiais recicláveis, por exemplo.

O trabalho informal é um problema estrutural no país. Ambulantes, autônomos, irregulares, precários e temporários são algumas das diversas categorias assumidas pelos cidadãos que são colocados frente ao mercado de trabalho informal para obter alguma fonte de renda, na grande maioria das vezes, por falta de formalização e oportunidades no mercado de trabalho. Mas essa não é uma novidade, a dificuldade é enfrentada há longas décadas.

Na verdade, tirar o sustento com trabalhos árduos nas ruas e avenidas do país é um ciclo sem fim para essas pessoas. Em Aracaju, essa realidade é escancarada. Ao circular nas áreas mais movimentadas do Centro é possível encontrar trabalhadores que estão no mesmo local há anos, vendendo produtos importados da China, artesanatos, roup-

as, acessórios, alimentos produzidos por eles próprios ou até mesmo água.

Para o artesão André Luís Carvalho, ou Montanha, como é mais conhecido, trabalhar na rua é a garantia da incerteza. Vender artesanatos produzidos em fio de aço é sua única fonte de renda há cinco anos. Ao falar da sua rotina, o vendedor, que passa suas tardes na calçada da Rua Itabaianinha, um dos logradouros mais movimentados do centro comercial, afirma que, por trabalhar na rua, seus problemas vão muito além da informalidade.

Segundo ele, “nenhum dia é igual. Trabalhar na rua é difícil, não só pela falta de direitos da informalidade, mas por compartilhar um espaço público, muitas vezes sem segurança alguma”.

Além da falta de segurança, que ameaça os vendedores todos os dias, uma problemática denunciada com frequência por pessoas que trabalham na rua é a instabilidade do clima. Questões climáticas são impossíveis de controlar, mas fazem com que os ambulantes tenham perdas expressivas nas vendas.

“Muitas vezes eu venho até esse ponto, coloco minhas artes em exposição e começa a chover, então eu preciso guardar tudo e voltar para casa, sem nenhum dinheiro no bolso. Nós não temos garantia de nada”, conclui.

Apesar do grande fluxo de trabalhadores, segundo à Lei nº 1.500, de 1989, é vedada a atividade de comércio ambulante nos calçadões da Rua João Pessoa e Laranjeiras, na rua São Cristóvão, na Avenida Oceânica, na orla marítima e nas praças da Bandeira, General Valadão, Teófilo Dantas, Tobias Barreto e Camerino.

O comércio ambulante praticado por Montanha e diversos outros trabalhadores no Centro da cidade é configurado como uma atividade temporária de venda a varejo de mercadorias, realizada em logradouros públicos por pessoa física autônoma, sem vinculação com terceiros. De acordo com Dilson Macedo, coordenador da Emsurb (Empresa Municipal de Serviços Urbanos), é necessário um grande esforço da empresa para fis-

calizar as áreas proibidas por Lei, que continuam sendo alvo de venda.

Essa fiscalização é de responsabilidade da DIREPA (Diretoria de Espaços Públicos e Abastecimentos), um dos setores da Emsurb. Com o objetivo de inibir a tomada irregular dos espaços públicos pelo comércio informal e assegurar a mobilidade de trabalhadores, pedestres e residentes no centro comercial da capital, fiscais da empresa são enviados diariamente às ruas de maior movimentação.

Em suma, os agentes se fazem presentes para observar o posicionamento dos ambulantes e incentivá-los a fazer melhor ocupação das calçadas. Conforme determina a Lei, o descumprimento das normas pode cumular em multa ou apreensão de mercadorias, mas isso raramente acontece, pois a empresa reconhece a necessidade de prezar pela dignidade desses trabalhadores.

Maria Regina Santos, vendedora de salada de frutas, afirma que se depara constantemente com fiscais da Emsurb ao circular para comercializar o seu produto, principalmente no início da manhã. De acordo com a ambulante, ela também trabalha com pronta entrega na sua casa, mas o Centro é o que oferece mais lucro.

Para ela, o trabalho é árduo e a renda instável. “Eu trabalho por aqui pela manhã de segunda à sábado tem muitos anos. A gente precisa de espaços movimentados para vender mais, por isso eu ando pelo calçadão todos os dias. É desafiador vender comida na rua, às vezes sobra muito, às vezes acabo logo cedo. A renda não é fixa, mas eu sempre consigo pagar as contas”, afirma.

Na tentativa de amenizar esse quadro, a Fundat (Fundação Municipal de Formação para o Trabalho) oferece cursos de capacitação para pessoas de todas as idades, durante o ano inteiro. Afinal, promover a capacitação é a principal solução para tirar pessoas do comércio informal e promover melhoria de vida para a população.

De acordo com Gabriele Frades, coordenadora do setor de formalização do

órgão, as pessoas que buscam cursos profissionalizantes para sair da condição de informalidade ou ingressar no mercado pela primeira vez pertencem às classes C e D e são majoritariamente mulheres. Infelizmente, é raro um trabalhador de rua sair da sua condição de informalidade para procurar capacitação.

A começar, a maior parte dos trabalhadores ambulantes são homens, já que trabalhar na rua, nitidamente, envolve tantos perigos. Por outro lado, é muito improvável que o indivíduo que tira seu sustento da venda de itens nas ruas, vivendo no limite das suas despesas, tenha tempo e disposição para encarar cursos de qualificação como NR20, informática e atendimento de qualidade para concorrer a vagas formais de trabalho.

Antônio Reis, vendedor de churros, declara que não se lembra da última vez que fez uma longa pausa no trabalho. “Enquanto eu tenho saúde eu tô arrastando meu carrinho pelas ruas, é isso que garante a comida da minha mesa. Eu só paro mesmo quando estou doente ou acontece algum problema muito grave”, diz ele.

A liberdade de poder faltar um dia no trabalho por ser autônomo não passa nem perto de um conforto para os ambulantes. Isso prova que a idealização da informalidade como a melhor alternativa para alcançar sucesso financeiro está muito distante da realidade para uma parcela significativa dos trabalhadores informais de Sergipe, principalmente no que se refere aos ambulantes da capital.

Ser ambulante em Aracaju ou qualquer outro lugar do país não é uma tarefa fácil, tampouco uma escolha autêntica. Porém, é uma ocupação que continuará existindo, apesar das ações municipais e governamentais de incentivo à cursos profissionalizantes gratuitos. Portanto, investir em fiscalização para garantir o bem-estar da população na medida em que oferece um espaço público de trabalho organizado ao ambulante é o caminho mais eficiente.

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Áreas proibidas por lei são as preferidas para pessoas atuantes no mercado ambulante, pela maior acesso e circulação de pessoas
Sofia Amaral Sofia Amaral
Calçadão de Aracaju movimenta grande número de vendedores ambulantes

Brasil é considerado o país mais preconceituoso com as pessoas que são transsexuais e travestis

Ano passado, 131 assassinatos foram provocados por transfobia e 20 pessoas trans tiraram a própria vida

Em pleno século XXI, ainda existem 68 países pelo mundo que punem as pessoas apenas por serem elas mesmas. Sabemos que o Brasil é um dos países que mais matam pessoas trans e travestis no mundo inteiro, e, paradoxalmente, em um levantamento feito pelo maior site de filmes adulto, o PornHub, o Brasil também é o país que mais consome a pornografia trans. É contraditório, uma relação de amor e ódio.

Em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil. Outras 20 tiraram a própria vida por causa da discriminalização e do preconceito. Essas informações são tiradas do Dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Neste Dossiê, a população trans tem uma expectativa de vida de 35 anos.

É o caso de Paulo Vaz, que foi encontrado morto no dia 14 de março de 2022. Homem trans, policial, ativista e influenciador. A morte de Popó, como era conhecido, ocorreu após ataques transfóbicos e discursos de ódio nas redes sociais. A transfobia não acontece apenas nas redes sociais, a adolescente de 13 anos, Keron Ravach, foi morta a pauladas no Ceará.

O mesmo ocorreu com Roberta da Silva, 33 anos, que foi queimada por um adolescente no Cais de Santa Rita, na área central do Recife, perto de um terminal de ônibus. Entre outras milhares de pessoas trans e travestis que foram silenciadas cruelmente.

A violência não atinge somente as pessoas que não são conhecidas. Em entrevista, a deputada estadual Linda Brasil explicou “Eu mesma já passei por vários processos de violência, por estar vulnerável, eu já tive de fingir que estava morta por ter sido atacada por três pessoas na rua, que queriam me assassinar, com requintes de crueldade, com pedradas, pauladas. Eu me fingi de morta para poder sobreviver. E quantas outras não sobreviveram?”

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2019, a criminalização da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas pela Lei de Racismo. Com essa decisão, a Corte definiu como crime, condutas que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém.

Mas até quando pessoas trans precisarão se preocupar com sua existência? Até quando a comunidade LGBTQIAP+ vai andar com medo de sofrer uma agressão verbal ou física? Até quando os familiares vão escolher amá-las menos? Até quando vão precisar mudar quem são para agradar alguém?

SARAH ENTENDE ESSA REALIDADE

Natural do interior da Bahia, da cidade de Nova Soure, a estudante de Química - Bacharelado na Universidade Federal de Sergipe Sarah Elena, 21 anos, assumiu a sua transexualidade aos 19 anos. Ela diz que a sua família demorou um pouco para entender. “No início foi um choque grande para eles”, afirma. Ela foi a primeira mulher trans a trocar os documentos legalmente na sua cidade e sua mãe deu total apoio durante esse processo.

“Eu tentei convencer a mim mesma que era só surto, que todas as vezes que eu colocava os saltos da minha tia quando eu era criança pra mostrar que eu sabia andar, era só brincadeira. Que quando eu me imaginava sendo adulta, não era um homem. Era uma mulher!”, diz Sarah Elena.

A estudante, que trocou de nome, achava que sua personalidade combinava com Sarah Elena, pois sempre quis ter um nome composto: “Vi uma série em que uma das personagens se chamava Elena e eu gostei muito. A maioria das pessoas de Nova Soure só me chamavam pelo meu nome morto, só me tratavam como homem e usavam pronomes masculinos. Eu odiava aquela cidade, eu nunca seria Sarah, eu sempre seria quem eu fui e por isso decidi me mudar.”

Sarah Elena também sofreu bullying na escola. “Já me chamaram de traveco tentando me ofender, particularmente não me ofende, mas sei que foi com uma intenção de ofensa.”, diz a estudante.

“É muito difícil ser mulher no mundo, imagina ser uma mulher trans, você sofre em dobro. A desigualdade de gênero é uma coisa ,no mínimo, desprezível.”, conclui.

DEPUTADA SOFREU TRANSFOBIA

Linda Brasil é uma educadora, política e ativista transfeminista pelos direitos

humanos e da comunidade LGBTQIAP+ de Sergipe, fundadora da associação Amosertrans e da casa de acolhimento CasAmor Neide Silva.

A deputada estadual conta que a sua vida na política começou quando ingressou na Universidade Federal de Sergipe, há 10 anos, em 2013. No Brasil, 90% das mulheres trans e travestis são jogadas na prostituição. “Eu entrei na universidade depois de ter passado por vários processos de exclusão, de violência, depois de ter sido empurrada para a prostituição”, diz.

Na época, a UFS não tinha a opção de colocar o nome social durante a matrícula e a única possibilidade seria falar com cada professor separadamente. Um dos professores foi arrogante e não aceitou o nome social de Linda. “O professor falou o meu nome na frente da turma inteira e quando expõem o nome de registro de uma pessoa trans é como se você estivesse negando a nossa existência, negando quem nós somos, é uma violência muito grande e eu fiquei muito mal”, menciona a educadora.

Na ocasião desse acontecimento, Linda relatou nas redes sociais o que tinha ocorrido em sala e isso tomou uma repercussão enorme, recebendo uma grande rede de apoio de colegas e professores. A partir disso, ela entrou com um processo administrativo contra a instituição. Dois meses após o processo, a Universidade Federal de Sergipe regulamentou o uso do nome social. “Foi algo ruim que acabou gerando uma política dentro da universidade e a partir daí que eu me envolvi em movimentos estudantis, feministas, lgbts, transfeministas e por isso acabei me envolvendo na vida política.”

Linda Brasil fala sobre ter recebido ataques quando foi eleita, afirmando que muitos desses ataques vieram usando a justificativa cristã. “Eu sou cristã, acredito em um Jesus que é revolucionário, libertário. Em um Deus que é amor incondicional e que jamais vai nos condenar por sermos quem nós somos”, diz a Deputada.

A sociedade é ensinada que ser gay, lésbica, bisexual ou trans é errado, que essas pessoas são aberrações, que é um

pecado. As pessoas crescem com isso e conseguir superar esses traumas, conseguir se aceitar é um processo muito doloroso. “Primeiro ter a autopercepção, depois a autoaceitação e depois ter a coragem de vivenciar e mostrar quem nós somos dentro de uma sociedade muito homofóbica e transfóbica é difícil.”, explica ela. Para Linda, o que faz com que ela continue conquistando espaços importantes é saber que estudantes se interessam e procuram entender sobre a transfobia. “Eu fiz mestrado em educação para trabalhar sobre essa questão de gênero e diversidade nas escolas, que pra mim é fundamental pra gente desconstruir esses estigmas e diminuir essas violências”. É importante as pessoas denunciarem as práticas discriminatórias, isso ajuda a empoderar e provocar desconstruções na sociedade.

ONDE PEDIR AJUDA

No Brasil existem muitas instituições que ajudam na proteção, no cuidado físico e no acompanhamento psicológico de pessoas LGBTQIAP+. Em Sergipe, a CasAmor, a associação Amosertrans e a instituição ASTRA - Direitos e Cidadania LGBT criada em 2001, Aracaju tem o Departamento de Atendimentos aos Grupos Vulneráveis (DAGV), onde encontra-se a Delegacia de Atendimento aos Crimes Homofóbicos, Raciais e de Intolerância Religiosa (DACHRI).

GÊNERO Maio, 2023, São Cristóvão - SE
Eu
Olívia Mota nasci de um jeito, mas me sinto diferente
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A comunidade LGBTQIAP+ precisa defender os seus direitos, escolhas, ideologias e toda sociedade precisa respeitar, entender e ajuda-las

Aproximadamente 70% da população sergipana convive com a insegurança alimentar em algum nível

O estado que carrega com orgulho o slogan de capital da qualidade de vida é o mesmo em que 70% da população convive com a insegurança alimentar, de acordo com dados apresentados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN). Essas estatísticas representam vidas, ou seja, 1.548.307,60 pessoas que convivem diariamente com a incerteza da alimentação e a diminuição da qualidade da comida que chega à mesa.

A Insegurança alimentar (IA) acontece quando o indivíduo não possui acesso pleno e contínuo a alimentação, podendo ser classificado em três estágios: Leve, Moderado e Grave. A IA leve engloba a incerteza se a alimentação estará presente na mesa em um futuro próximo e afeta a qualidade dos alimentos consumidos, a IA moderada significa que a pessoa não possui uma quantidade de alimentos suficientes para uma nutrição adequada e IA grave chega ao estágio da fome.

O perfil da população sergipana que convive com a dificuldade de alimentação condiz, em sua maioria, com chefes de família desempregados (as), com menos de 8 anos de estudo. Em residências com crianças menores de 10 anos, essa taxa também ganha destaque 54,6% convivem com a insegurança alimentar em seu nível mais grave.

Durante a pandemia de COVID-19, a insegurança alimentar grave passou a ser conhecida por grande parte da população. Em números, esse aumento representou um salto de 9% para 12%, as pesquisas, realizadas pela PENSSAN, refletem o aumento entre 2020 e 2021. Na realidade sergipana, 663.560 pessoas estão em situação de fome.

Dentro da analise do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan) o país, durante a pandemia, apresentava o seguinte perfil com maior chance de conviver com a insegurança alimentar: desempregados ou pessoas que não possuem um trabalho formal, lares que mulheres chefiavam a familia e onde negros ou pardos são responsáveis pelas finanças. Além disso, 42,5% das residências chefiadas por pessoas com até 4 anos de estudo conviviam com a insegurança alimentar moderada ou grave.

O preço dos produtos encontrados nas prateleiras de supermercado são um forte

indicativo para a crise alimentar enfrentada. Apesar da capital sergipana possuir a cesta básica mais barata do país, os preços não cabem no bolso de todos, custando em média R$552,97, o que representa 45,91% do salário mínimo atual. Os altos preços diminuem não somente a quantidade de alimento consumido, mas também a qualidade, visto que as escolhas são limitadas e as substituições são feitas.

QUEM SÃO?

Essas estatísticas representam pessoas, como Mikaely, jovem em situação de rua, que entre um semáforo fechado e outro, garante o sustento de cada dia. Mikaely é cheia de sonhos e liberdades, carrega junto ao peito uma placa de papelão sinalizando a fome: “Me ajude, estou com fome”. Entre as ajudas, também recebe risos, mas devolve com poesia, assim ela chegou até essa reportagem: parada no sinal, cantando Cazuza e sinalizando a sobrevivência pela caridade de quem a detesta.

O alimento de cada dia está atrelado à generosidade das pessoas, caso a bondade falte, a comida também não chegará. “Passar fome não, porque sempre tem uma pessoa que chega com um lanche, chega com um biscoito, um sanduíche, com uma quentinha. Não tenho vergonha nenhuma de pedir”, comenta.

Wilma Ferreira dos Santos, residente do bairro 17 de março, mora de aluguel com o marido e três filhos. Com o marido desempregado há 7 anos e o Auxilio Brasil suspenso, a família busca se organizar para conseguir o sustento de cada dia com reciclagens e retirada de cascata.

Quando a situação fica difícil e não conseguem bicos que ajudem a comprar as proteínas, eles se deslocam, junto dos filhos mais novos, até um dos semáforos próximos ao shopping jardins para pedir ajuda das pessoas que passam por ali. “Tem mais pessoas pra julgar, as pessoas pensam que é pra usar droga, mas não é”, relata.

A filha mais velha, de 10 anos, frequenta a escola de maneira regular, a do meio, de 4 anos, está na creche, já o filho mais novo, de 1 ano, não conseguiu vaga e precisará aguardar até o próximo ano para tentar novamente.

Luciana, residente do bairro Veneza II, relata que a comunidade é composta por pessoas que convivem com a insegurança alimentar, mas aqueles que possuem maiores recursos financeiros buscam ajudar os vizinhos que passam algum tipo de necessidade, fazendo doações isoladas ou eventos que garan-

tam momentos de lazer, a exemplo do dia das crianças, em que Luciana liderou uma pequena festa com brincadeiras e comidas para as crianças do bairro.

AÇÕES DE COMBATE

A comunidade costuma receber visitas e doações de ONGs, de forma esporádica, a exemplo do Projeto Nutris Contra a Fome, formado por professores de nutrição da Universidade Federal de Sergipe, que realizam trabalhos que buscam reverter a insegurança alimentar no estado. O projeto nasceu durante a pandemia e é pioneiro em ações encabeçadas por nutricionistas em Sergipe. O coletivo realiza doações de alimentos e cozinha solidária, que oferece alimentação para a comunidade, para além disso, após as doações a comunidade continua assistida e os moradores são incentivados na construção de hortas comunitárias e associação de moradores.

A professora Marcia Candido, uma das idealizadoras do projeto, conta que a motivação para criar o movimento foi a preocupante situação do Brasil, que em 2016 voltou para o mapa da fome, o alerta começou quando os pacientes do SUS não conseguiam seguir o tratamento adequado por falta de condições financeiras.

“Me vi numa situação em que eu não tinha como fazer orientação sobre alimentação, porque eles ( pacientes do SUS) não tinham alimentos, diziam: eu não tenho condições de comprar nada para fazer os tratamentos”. , relata a nutricionista.

O projeto também se preocupa em proporcionar e instruir as comunidades a uma alimentação de qualidade, fator indispensável para a saúde física e mental, especialmente entre crianças e adolescentes. “Uma criança na primeira infância, até os sete anos de idade, vai ter um déficit totalmente comprometido para o resto da vida. Não só de cognição, mas de funcionamento de órgão, porque o coração é um órgão que é músculo, ele vai desenvolver-se com insuficiência cardíaca, por exemplo, se ele não tem a nutrição adequada”, comenta.

Além dos trabalhos realizados por meio de ongs, o governo do estado conta com projetos que buscam assegurar a não permanência da insegurança alimentar na vida da população, um desses projetos é o Restaurante Popular Padre Pedro, que serve refeições por R$1,00, o restaurante está localizado no centro de Aracaju, servindo almoço a partir das 10h e jantar a partir das 16h.

A assistente social Cenildes Pereira,

que atua no município de Lagarto, afirma que o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) oferece cesta básica, aluguel social, auxílio funeral etc., para conseguir ter acesso aos auxílios ofertados, basta buscar o CRAS para preencher o cadastro de vulnerabilidade social.

A assistente social ressaltou, também, a importância da escola na alimentação de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, que em vários casos recebem alimentação adequada apenas no lanche oferecido no intervalo das aulas. “A criança na escola se sente feliz, se sente seguro. Ele está correndo, gastando energias e se alimentando”, relata.

O período pandêmico foi difícil para essas famílias, os filhos não frequentavam o ambiente escolar e consequentemente não recebiam a merenda de cada dia. Como forma de suprir as necessidades das crianças e adolescentes em fase escolar, as escolas passaram a distribuir cestas básicas e vale-alimentação para os alunos que acompanhavam as aulas de forma regular.

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O problema afeta aproximadamente 1,5 milhão de pessoas no estado; a pandemia de Covid-19 acentuou a situação
Em 2022, o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmou que “não existe fome pra valer no Brasil”, mesmo havendo menos ou nenhuma comida no prato de 33 milhões de brasileiros. Thaisy Santa Rosa

Falta quase tudo para maior parte das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

Recentemente, Pesquisa da UNICEF apontou que 76,6% de crianças e adolescentes vivem em situação de pobreza multidimensional em Sergipe, isto é, não têm acesso à educação, informação, trabalho infantil, água, moradia, saneamento e renda. Situação vivida por Josefa Ribeiro, 54 anos, mãe de cinco filhos, lavradora, que começou a trabalhar muito cedo na roça, e junto com seu marido teve dificuldade para criar seus filhos, pois faltava dinheiro para suprir necessidades básicas diárias.

Atualmente, Josefa Ribeiro vive com apenas um salário-mínimo e conta com a ajuda do Bolsa Família, para arcar com as despesas da casa e os estudos de suas filhas. O benefício também ajuda a sua filha mais velha, que é lavradora e tem o auxílio como única renda para se sustentar e criar seu filho de 4 anos.

Em relação à educação, os dados oficiais, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, revelou que 13,9% de crianças e adolescentes são privadas do direito à alfabetização, isso significa que aproximadamente 3 milhões das crianças não sabem ler e escrever. Essa circunstância causa a exclusão social, a ausência de direitos e, futuramente, menos oportunidades no âmbito profissional.

Para tentar reverter esse quadro, as escolas públicas do setor estadual e municipal estão aplicando projetos de aprendizagem como gincanas e cantos de leitura, além da iniciativa “Busca Ativa Escolar”, que é uma ação trabalhada pelo Governo de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc) junto aos municípios, com intuito de combater a evasão escolar. Por meio do projeto, os profissionais das escolas, do conselho tutelar e os assistentes sociais vão ao endereço do aluno para saber o motivo da ausência às aulas e matricular essas crianças. Segundo o governo do estado, em 2022 foram 1.831 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos rematriculados através desta plataforma.

Para a pedagoga Maria Cristina da Cunha, diversos fatores contribuem para o atraso na aprendizagem, como a falta de acompanhamento da família, transporte e a frequência irregular nas escolas. Fatores que levam à evasão escolar, assim como o trabalho infantil, pois muitas crianças e adolescentes vulneraveis deixam de ir à escola para trabalhar nas feiras e nas ruas.

Nesse sentido, a pesquisa da UNICEF apontou que 4,6%, ou seja, 1 milhão de crianças e adolescentes de 10 a 13 anos sofrem do trabalho infantil. Para fortalecer o combate diário a esse tipo de exploração, a Secretaria de Assistência Social e

Cidadania do Estado (Seasc) iniciou Salas de Atendimentos Virtuais que são realizadas por meio de diálogo entre um técnico estadual e um representante municipal que, juntos, buscam o fortalecimento e desenvolvimento de estratégias de prevenção ao trabalho infantil, para garantir ao grupo infantojuvenil o direito de brincar, estudar e participar de vivências que são próprias da infância e contribuem decisivamente para o seu desenvolvimento, afima a Seasc.

LUTA CONTRA A POBREZA

Segundo a professora Maria da Cunha, a situação financeira das famílias interfere muito na vida escolar dos alunos e muitos pais não têm dinheiro para pagar um plano de internet, que é uma ferramenta muito usada na aprendizagem dos alunos, principalmente no período do covid 19, em que as aulas foram na modalidade remota.

Em relação à informação, os dados da UNICEF apontaram que 12,9%, isto é, 2,8 milhões de crianças e adolescentes são privados do acesso à internet e à televisão. Essa situação é vivida por Andréa Cristina, mãe de três filhos que, para suprir tal necessidade, buscou a banca escolar, alternativa que só foi possível porque o pai da criança arca com a mensalidade, já que trabalha com reciclagem e não tem uma renda fixa mensal, apenas o Bolsa Família.

Diante dos dados da Pnad Contínua, fica evidente a triste realidade enfrentada por 56,5% de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, isto significa que aproximadamente 12,4 milhões de indivíduos jovens vivem em um domicílio cuja renda familiar se encontra acima da linha de pobreza monetária, ou seja, renda de até 497 reais per capita, Andréia Cristina relatou que, por não ter renda fixa, enfrenta dificuldades para obter alimentos, mas nunca chegou a passar fome. Quando falta comida, busca ajuda no bairro onde mora ou na igreja espírita,

João de Angelos. “Ainda assim, a ausência de dinheiro para comprar alimento é muito sofrida, principalmente quando meu filho de 4 anos me pede nescau, e não tenho dinheiro para comprar”, completou Andreia Cristina.

Para Silvia Voci, Coordenadora do Observatório de Segurança Alimentar do Estado de Sergipe (OSANES/ UFS), a falta de comida na mesa de crianças e adolescentes pode causar diversos problemas de saúde e prejudicar a aprendizagem e o rendimento escolar. Essa situação pode implicar a capacidade futura de romper o ciclo intergeracional da pobreza e pode ter o desenvolvimento biopsicossocial comprometido.

Dados do último inquérito da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) destinada à vigilância da segurança alimentar e nutricional (Vigisan), revelou que a fome atinge 30% dos domicílios sergipanos, ou seja, dos 450 avaliados, 135 lares não têm o que comer. Quando somada à insegurança alimentar apenas em domicílios com crianças menores de 10 anos, a taxa sobe para 54,6%, afetando cerca de 245 domicílios e prejudicando

a qualidade de vida das crianças afetadas pela fome.

Já em relação à moradia, a pesquisa revelou que 3,7% , em outras palavras, mais de 800 mil crianças e adolescentes vivem em moradias precárias, com 4 ou mais pessoas por dormitório ou paredes inadequadas, como madeira aproveitada. Além disso, 49,1% não têm acesso ao saneamento. Inclusive, cerca de 10 milhões de jovens não têm acesso a banheiro e esgoto, enquanto 7,5% não têm acesso à água, privando aproximadamente 1,6 milhões de crianças de fazer atividades básicas diárias, como escovar os dentes e tomar banho.

Cenildes Pereira trabalha na Secretaria de Saúde de Lagarto, e relatou que na pandemia da Covid-19, saía para distribuir materiais higiênicos e encontrava famílias vulneráveis vivendo em moradias precárias sem saneamento e água. “Eu fazia vaquinha junto com a equipe da saúde, na qual tirava dinheiro do nosso bolso para ajudar aquelas famílias a comprar alimento, e pagar água, além de ajudar com cestas básicas e orientar essas pessoas a procurar o CRAS”, Continua Cenildes.

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é um órgão público presente nas cidades brasileiras, e tem como objetivo principal prestar serviços de assistência social para famílias em situação de vulnerabilidade. Através do centro, as famílias podem preencher o cadastro com os documentos necessários para aderir o cadastro único, receber o Bolsa Família e doação de cestas básicas, além de contar com a garantia no acesso aos direitos sociais, com assistencialismo.

A coordenadora do Osanes Silvia Voci, acredita que as ações do CRAS ajudam a garantir os direitos básicos, mas esses atos apenas não resolvem o problema, seria preciso ampliar o emprego, diminuir a informalidade, conter a inflação e fomentar a produção de alimentos, da agricultura familiar para abastcimento interno.

33 Maio, 2023, São Cristóvão -SE POBREZA 10
Milânia Ribeiro milhões de crianças e adolescentes não têm acesso a banheiro e saneamento básico. Tatiane Macena
Segundo pesquisa da Unicef, índices regionais chegam a 76,6%, ou seja, a imensa maioria da população
Muitas crianças e adolescentes em situação de pobreza não tem alimento em casa.

Livros, apesar necessários, estão se tornando uma realidade cada vez mais distante e cara

Centro Médico Jardins, em uma biblioteca. O objetivo do projeto é fazer com que as pessoas façam os livros circularem, levando livros e trocando por outros disponíveis na biblioteca. A iniciativa que começou como um sonho, hoje já possui mais de 5 mil seguidores nas redes sociais. A estudante de fisioterapia Leylanne Oliveira conheceu a Aracaju Biblioteca Livre através do instagram e a iniciativa acabou chamando sua atenção. Por ter momentos em que não dispunha de dinheiro para a compra de livros novos, Leylanne já optou pelo projeto e influenciou diversas amigas a conhecer e participar também. “É importante a gente ter um espaço assim, eu acredito que a leitura é uma via essencial para a educação, para a nossa sociedade e para o ser humano em si”.

A leitura sempre foi o ponto de partida para uma boa formação cultural, imaginária e do próprio pensamento crítico. Porém, cada vez mais barreiras são impostas na luta do acesso à leitura. Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2015 para 2019, houve uma queda de 4,6 milhões de leitores. Além disso, o aumento no preço do papel, consequentemente, fez com que o preço dos livros aumentasse consideravelmente. Em 2023 o preço médio do livro subiu 5,2% chegando a R$43,42, afetando ainda mais o público leitor.

A pesquisa considera como leitor toda pessoa que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Na capital sergipana, 58% dos aracajuanos são considerados leitores, esse número equivale a 358 mil pessoas que leram. Desse percentual, 74% afirmaram que gostam de ler, ou seja, mais de 264 mil da população. Dessa forma, uma série de fatores influenciam na democratização da leitura, podendo variar em questões financeiras e de incentivo.

O AVANÇO DA LEITURA

Como uma fuga dos altos preços impostos pelo mercado de livros impressos, o consumo dos livros digitais, também conhecidos como e-books, acabou crescendo. Esses e-books podem ser acessados através de dispositivos como o kindle, tablets e até mesmo pelo celular. Mas, até onde essa é uma alternativa viável para toda a população brasileira?

Para a aquisição dos livros digitais é necessário que se tenha acesso à internet para a compra, download ou até mesmo para a leitura online do material, mas, infelizmente, as condições de acesso à internet ainda são bastante desiguais no Brasil. Em um estudo realizado pelo Instituto Locomotivas e da empresa de consultoria PWC mostra que mais de 33 milhões de brasileiros não possuem acesso à internet. Além disso, outro obstáculo para o acesso aos livros digitais são os próprios dispositivos, que possuem valores elevados e que muitas vezes são tidos como objetos de luxo.

Além disso, no Brasil existem aproximadamente 100 milhões de leitores, sendo que, destes, 61,2 milhões não são estudantes. Segundo o mestre pela Universidade Federal de Sergipe na área de Estudos Literários Gustavo Aragão, “este contexto se deve, no meu ponto de vista, ao déficit educacional que nos assombra, assim como ao alto custo dos livros impressos, à deficiência que há no processo de inclusão digital que impede o acesso aos e-books e às obras disponibilizadas em plataformas digitais”.

Ainda segundo a pesquisa, entre 2015 e 2019 houve uma queda no número de leitores nas classes A e B, que têm dedicado mais tempo de seu cotidiano às redes sociais, ou seja, o hábito da leitura se concentra em classes sociais de ganho mais elevado, que têm dedicado mais tempo às redes sociais do que aos livros. Para Gustavo, “isso evidencia o fosso abissal em que se encontram as classes C, D e E quando se trata de leitura em nosso país”.

As questões de hábito e incentivo também foram debatidas com o professor e mestre. Para ele, o cultivo do hábito da leitura começa em casa, estimulado no ambiente familiar. O mesmo serve para o incentivo da leitura, que deve nascer na família, alcançar a escola, mas também ser alvo de políticas públicas que visem a promoção e a democratização do acesso à leitura e à cultura. É um dever da família, da Escola e do Estado promover uma sociedade leitora.

Mas o que se fazer em uma realidade tão desigual e desfavorável para tantas pessoas? Foi pensando justamente no acesso que projetos foram idealizados, como o LerCiclar, por exemplo, que foi criado em 2020, um pouco antes do isolamento social por conta da COVID-19.

O INCENTIVO À LEITURA Tudo começou quando os criadores do projeto, Gabriella Carvalho e o marido Jorge Peixoto, estavam pedalando do bairro Suíça até o centro da cidade quando acabaram encontrando um contêiner de lixo com vários livros. E foi a partir daí que o casal começou a pensar no descaso com um instrumento tão poderoso. ”Um livro hoje em dia é extremamente caro, o que já desfavorece muita gente que tem interesse em ler e desencoraja qualquer pessoa de ser tragado pelo desejo de ler” , diz Gabriela. O casal também pensou nas dificuldades que as pessoas estavam passando para encontrar quem aceitasse doações, e por esse motivo acabaram jogando os livros fora.

Foi assim que decidiram criar o LerCiclar, um projeto que serve como mediador e veículo para as pessoas que querem se desfazer dos livros e encontrar quem os receba. No início do projeto, acabaram encontrando diversas dificuldades em doar livros nas próprias instituições de incentivo à educação. Por conta disso, destinaram a maior parte das doações para o interior, já que lá as pessoas aceitam de braços abertos. Atualmente o projeto atua em cidades como Aracaju, Simão Dias, Paripiranga e outros.

Por mais que seja um projeto recente, Gabriela demonstra interesse em expandir a iniciativa para que possa contribuir e ajudar ainda mais pessoas. “Nós ainda não somos ONG, porque existe um processo todo até o reconhecimento e estamos ainda tramitando isso”. Mas a vontade e o desejo de tornar a leitura mais acessível à população, não é um desejo somente da Gabriela e do Jorge.

Foi em março de 2017 que Ivna Ariane deu início ao projeto Aracaju Biblioteca Livre. A psicóloga transformou a recepção do seu consultório, localizado no

Do outro lado da cidade, na zona Norte de Aracaju, existe um projeto semelhante ao que Ivna criou lá na recepção de seu consultório, porém, esse fica ao ar livre. O projeto Bugioteca fica no canteiro central da rua Geni da Silva Dias, no bairro Bugio.

O idealizador do projeto foi José Adailton Dantas, morador do bairro Bugio. A ideia surgiu quando ele estava na faculdade, mas o sonho vem desde a infância. Adailton relata que sempre teve o sonho de ter uma biblioteca pública pertinho dele, e a partir do momento que resolveu criar o projeto, recebeu todo o apoio de seus amigos.

Criada no ano de 2015, a Bugioteca recebe muitas doações de livros e possui a mesma premissa do Aracaju Biblioteca Livre, um espaço de compartilhamento e de incentivo à leitura. Adailton acredita que o projeto impacta a vida dos marcadores do bairro, incentivando a reflexão.

Graças a esses projetos sociais, Aracaju possui alternativas para tentar driblar todos esses fatores que impedem o avanço do acesso à leitura.

34 LEITURA Maio, 2023, São Cristóvão - SE
Pesquisas recentes sugerem que, de 2015 para 2019, no Brasil houve uma queda de pelo menos 4,6 milhões de leitores. Murilo Nascimento Livros devem ser tidos como direitos universais, o que, infelizmente, não ocorre em Sergipe.
Alternativa são os projetos sociais, que procuram aproximar os mais necessitados da prática de leitura
Murilo Nascimento
A família percebe esse despertar do interesse pela leitura na infância, mas depois ela acha que não é mais a mediadora.
A escola precisa suprir esse papel, e precisamos ter políticas públicas voltadas para os professores para que eles consigam ser mediadores.
Zoara Failla, coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil

Travessia & Tradição

Quem passa de carro, moto, a pé e de ônibus pela Ponte Construtor João Alves (Aracaju-Barra dos Coqueiros) consegue avistar frequentemente pequenas embarcações que fazem a travessia pelo Rio Sergipe. As embarcações tornou-se muito mais que tradição, um patrimônio do povo sergipano. Funcionam diariamente durante todos os dias da semana, em dias úteis elas atravessam as águas do Rio Sergipe das 6h da manhã até às 19h da noite. Aos sábados e domingos, percorrem num período mais curto.

Legendas: Foto 1: Tototós são considerados patrimônio cultural pelo povo sergipano. Foto 2: são 22 embarcações que vão de nomes religiosos a nomes pessoais. Foto 3: A travessia dura cinco minutos em dias normais. Foto 4: A chuva não impede que os canoeiros trabalhem. Foto 5: Antes da construção da ponte, Tototós eram o principal meio de transporte para a travessia

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Por Beatriz Lima e Magno Montte Arte: Fernanda Spínola Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3 Imagem 4

Pega de boi no mato

Coragem, cultura e tradição

Arte: Sofia Almeida

Imagem 1: Pronto e preparado para a emoção. “É o esporte que eu amo. Quando corro, a sensação é boa e quando pego o boi,

Imagem 2: O único bioma exclusivamente brasileiro, a caatinga, tem como características a presença de cactos, árvores baixas, troncos tortuosos com folhas e alguns também com espinhos.

Imagem 3: Esporte de muita coragem. A pega de boi no mato, diferente da vaquejada de arena, acontece no meio da caatinga. Com os vaqueiros vestindo seu terno de couro (gibão).

Imagem 4: A saída do curral concetra maior público, muitos vão acompanhar o início da corrida de familiares, amigos e há boi que tem torcida.

Imagem 5: O terno de couro tem um item a mais: o chapéu de couro.

Maio, 2023|São Cristóvão - SE 36 ENSAIO
a sensação é bem melhor”, Ronildo Andrade. Imagem 2 Imagem 3 Imagem 4 Imagem 5

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Travessia & Tradição

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Livros, apesar necessários, estão se tornando uma realidade cada vez mais distante e cara

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Falta quase tudo para maior parte das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

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