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Grafiteiras ocupam seus espaços em Aracaju

Por Náthaly Reis

Apesar de ser considerado um movimento que aborda diversas opressões e mazelas sociais, quando ouvimos falar sobre o grafite imaginamos artistas homens fazendo seus trabalhos. Isso porque é difícil a ascensão das mulheres em muitos espaços artísticos.

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Mesmo assim, elas usam o grafite para expressar sua voz, manifestar questões e problemáticas de relevância sobre as suas lutas, mostrando que as ruas também são delas, deixando suas marcas nas paredes como forma de resistência.

Em uma pesquisa realizada pela reportagem, que entrevistou 40 pessoas, com o objetivo principal de levantar dados sobre a quantidade de grafiteiros em Sergipe, mais da metade afirmou conhecer pessoas que trabalham com esse estilo de arte urbana. Levando em consideração os dados dessa pesquisa, existem aproximadamente 110 grafiteiros no estado, destes 33 são mulheres. Ou seja, a partir desses dados, podemos concluir que, supostamente, no estado, a cada dez grafiteiros, três são mulheres.

Juliana Vila Nova, nome artístico Buga, artista plástica e mestranda no curso de artes visuais da Universidade Federal de Sergipe, conta que se interessou pelo grafite em 2012, por influência de alguns amigos. A artista contou que à época, pouquíssimas mulheres trabalhavam no ramo, alegando ainda dificuldade de aceitação em alguns crews (equipe composta por grafiteiros que se reúnem para grafitar em lugares específicos ao mesmo tempo) que já existiam no estado. Por conta disso, ela e outras amigas criaram o Arteiras Crew.

O GRAFITE NO BRASIL

De acordo com Buga, em sua monografia, o grafite é uma arte urbana e segue a mesma perspectiva da arte rupestre, que vem da pré-história, possível de ser identificada nas pedras e paredes das cavernas daquele período. As ilustrações de figuras foram usadas como meios de expressão e de diálogo entre quem desenhava e quem via as imagens. Os grafiteiros seguem a mesma lógica, expressam narrativas de suas comunidades e abordam em seus trabalhos questões sociais, como a desigualdade de gênero e social, pobreza e racismo, como forma de ativismo, assim como foi dito na letra da música “Um Bom Lugar” do saudoso rapper Sabotage: “Um grafite na parede já defende algum direito”.

No Brasil, a história do grafite começa em meados da década de 70, na cidade de São Paulo, em meio a uma época conturbada, onde a população era silenciada pela censura da ditadura militar que estava em vigor. Um dos primeiros trabalhos feitos em local público foi a obra “Boca com alfinete”(1973), do artista naturalizado na Etiópia e radicado no Brasil, Alex Vallauri. A obra tinha um evidente teor político, seus traços eram uma mistura de Pop Art (movimento artístico que surgiu na década de 50 no Reino Unido) com a Xilogravura. O fundo azul repleto de pequenos alfinetes destacava uma boca vermelha, grampeada, referenciando o silenciamento da nação que estava sendo promovido pelo Estado. Nessa época, a arte surge de forma transgressora, sem pedir licença, tomando as paredes das grandes cidades com os desconfortos que assolavam a geração. Já em Aracaju, o grafite chegou por volta dos anos 2000. Hoje, quem vive na cidade, pode ver obras de artistas sergipanos em vários bairros da capital e entender que aquilo é arte.

SER MULHER GRAFITEIRA

A artista Vitória Ana de Araujo Ribeiro, nome artístico “Tocha”, tem 23 anos,e afirma que utiliza o grafite como um meio de expressar uma parte dela, assim como faz no crochê, nas pinturas em tela e nas esculturas de gesso. Tocha enfatiza que o que a inspira a grafitar é a sua essência e o que ela enxerga em seu cotidiano. “Tudo que acontece no modo externo ultrapassa as barreiras do meu corpo e saem através das artes”. Tocha conta que criou o crew “intocados” em 2016 e desde então realiza produções culturais de arte urbana nas comunidades aracajuanas.

Em uma sociedade que foi construída tendo como um dos pilares principais o machismo, as mulheres sempre vão encontrar dificuldades e terão que correr dez vezes mais para poder alcançar a mesma ascensão de um homem, em qualquer âmbito profissional que elas escolham seguir. No grafite, por se tratar também de mais um recorte da nossa sociedade patriarcal, as dificuldades não são muito diferentes. “ A gente não pode sair à noite porque é perigoso, a gente não pode usar tal roupa. Isso é uma forma de negar a nossa existência. Como é que a gente não pode pintar? Como é que tem um monte de homem fazendo grafite e eu não posso pintar? Eu sen - do artista?!” questionou Buga. Mariana Teles Feitosa, de 32 anos, nome artístico “livreamar”, entrou no mundo do grafite em 2016. Fascinada pelo mundo artístico desde a infância, para ela, a arte parte da motivação de expor através das obras, suas vivências na intenção de acolher mulheres que tenham as mesmas problemáticas. “As cidades são construídas criando espaços hostis e locais ociosos, a dinâmica urbana não quer que a gente esteja na rua. Então enquanto mulher isso é mais difícil, minha principal dificuldade sempre foi o medo de estar nas ruas”, explica Mariana. A artista plástica conta que sempre quis enfrentar esse sistema de opressão e expor nas ruas as dificuldades que a rondavam.

Grafite X Picha O

Por ter ligação com a contracultura e o hip hop, o grafite e a pichação acabaram sendo, por muito tempo, marginalizados. Apesar de haver muitos grafiteiros brasileiros mundialmente famosos pelas suas obras, é comum que o grafite seja enxergado como vandalismo.

O que difere as duas práticas são as formas de pintura, o grafite utiliza de elementos bem elaborados e desenhos coloridos, já a pichação (ou pixo) é feita com uma tinta só e contém símbolos ou dizeres. Ao longo dos anos, as pessoas foram modificando seus olhares em relação ao grafite, por ser atrelado às cores, possui um valor estético e é considerado uma expressão de arte contemporânea. Ao contrário disso, o pixo é entendido como vandalismo, degradação da paisagem urbana e uma expressão sem valor artístico ou crime.

“É possível notar também a diferença social, considerando que para fazer um grafite precisa ter em média quatro ou cinco cores de tinta, porém uma lata de tinta apropriada não custa menos de 25 reais, então quem consegue comprar cinco latas é uma pessoa que tem uma renda mais razoável”, destacou Buga. Ela ainda ressaltou que a discriminação da pichação acontece também por elas serem feitas por pessoas que vêm de uma classe social menos abastada, o que faz com que a sociedade as enxerguem como vândalos.

Tudo o que a gente faz é política, pelo fato de eu ter um spray e poder colocar minha arte em um local público, eu já estarei intervindo em um todo.

Juliana Vila Nova grafiteira.

Segundo o artigo 65 da Lei 9.605/98, a pichação é crime ambiental e de vandalismo, a punição pode variar de 6 meses a 1 ano de detenção e multa. A legislação brasileira prevê esse crime no código penal, podendo ser cometido tanto em patrimônio público ou particular. Por outro lado, no parágrafo §2 do mesmo artigo , o grafite é permitido quando seu objetivo é valorizar um patrimônio. Nesse caso, a prática precisa ser aprovada pelo proprietário, no caso de um bem privado, ou pelo órgão responsável, se for um bem público.

Apesar de ser uma forma legítima de arte e estar em todos os espaços da cidade, o grafite ainda é bastante desvalorizado quando comparado com outras expressões artísticas na capital sergipana. Existem artistas, por exemplo, que nunca foram beneficiados com nenhum dos programas organizados e disponibilizados pelas instituições culturais de Aracaju, além de alguns desconhecerem a existência de programas de apoio a essa arte. A falta de visibilidade faz com que esses artistas busquem cada vez mais a coletividade criando seus próprios espaços.

De acordo com o presidente da Fundação Cultural de Aracaju (Funcaju), Luciano Correia, o órgão municipal tem em primeiro plano o Projeto Colora, por trás do projeto tem uma política de valorização dessa linguagem, desde o fomento aos artistas até a circulação de sua produção. “Os critérios de escolha dos artistas contemplados são por editais, através de princípios de transparência”, explicou ele. “Não sei se conseguimos abranger a totalidade, mas estamos trabalhando com o maior número possível e criando mecanismos de apoio e divulgação desses artistas”, afirmou o presidente da Funcaju, apesar de alguns artistas afirmarem nunca terem usufruído desses programas.