Revista Mais Contexto - 8

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DEMOCRACIA EM RISCO

Extinção de conselhos populares pelo Governo Bolsonaro traz à tona a imperfeição democrática p. 10

DIVERSIDADE

Discutir gênero na escola pode diminuir a evasão de travestis e transgêneros p. 14

CABELO E IDENTIDADE

A RAIZ DO CORPO: Aceitação de cabelo afro cresce entre brasileiras e revela mudança de atitudes na rotina de beleza p.40


Aline Braga


editorial REVISTA MAIS CONTEXTO | 8ª edição | 2019 |

ORIENTAÇÃO Prof. Dr. Cristian Góes Prof. Dr. Josenildo Guerra Prof. Me. Eduardo Leite PROJETO GRÁFICO E ARTE Ayrana Lopes Bianca Machado Irllen Sousa Kemily Abreu REVISÃO DE TEXTO Gabriel Freitas João Victor Vasconcelos Joyce Félix Pedro Nascimento Romário Cidrão Yara Lima Mariane Góis REPORTAGEM Abel Serafim Anna Mayze Camila Gerônimo Francielle Nonato Isabella Vieira João Vitor Moura Katiane Peixoto Paulo Marques Pedro Ramos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Univ. Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze - São Cristóvão/SE - CEP 49100-000 Contato +55 79 3194-6600 DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (DCOS) dcos.ufs@gmail.com 3194-6919 (Secretaria) 3194-6921 (Chefia)

EM CADA VÍRGULA, * UM CONTRA-ATAQUE Tudo o que está nesta revista é um ato de resistência frente à perseguição política que as universidades federais vêm sofrendo Num momento em que pessoas ditas importantes saem por aí alardeando que estudantes de universidades federais só se juntam para fazer balbúrdia, algazarra e outros termos que não eram falados desde a década de 1990, é fundamental destacar de onde vem o produto que você agora lê. Esta revista é resultado do trabalho árduo de estudantes da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Estudantes que normalmente já enfrentariam diversos perrengues para produzir um trabalho bem feito agora são alvo de perseguição política diária. Eis, nas próximas páginas, o revide: diversas reportagens bem apuradas, bem escritas, bem editadas, bem diagramadas, bem feitas. Portanto, é de extrema importância que esta revista seja lida e compartilhada. É necessário mostrar às pessoas o que realmente é feito dentro do ambiente da universidade para que todo mundo entenda como é absurdo tentar cercear a formação destes jovens com um argumento tão pífio. Digo isso pois os estudantes responsáveis por esta revista correm o risco de não conseguirem terminar sua formação por conta de cortes (que às vezes são cortes e às vezes, contingenciamentos – depende do humor do presidente) completamente arbitrários nos orçamentos das universidades públicas do país. Essa diminuição de orçamento pode fazer com que essas instituições fiquem sem dinheiro para custear energia elétrica, água, limpeza, segurança, entre outros itens fundamentais para seu funcionamento. Porém, estes alunos não caem ou se abatem com facilidade; eles revidam. Tanto na rua, com os atos gigantescos que vimos acontecer no último mês, quanto em seu ambiente acadêmico, onde chegam diariamente com sorrisos nos rostos e prontos para aprender e produzir. E usam as armas de que dispõem para lutar contra o desmonte das universidades públicas: suas palavras. Portanto, não se engane pensando que os textos desta revista são meras reportagens. Elas vão além disso. Cada vírgula desta revista é um contra-ataque. Prof. Eduardo Leite

portalcontextoufs.wixsite.com/contexto

* O título é referência ao disco Em cada verso um contra-ataque da cantora paraense Aíla.


Sumário 6

entrevista

política - democracia

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Psicólogo explica quais são os sintomas e tratamento do Transtorno de Personalidade Evitativa

Extinção de conselhos populares pelo Governo Bolsonaro traz à tona a imperfeição democrática

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educação - inclusão

Grades na metamorfose: discutir gênero na escola pode diminuir a evasão de travestis e transgêneros

cidades

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SE: mortes em acidentes com motos é 3 vezes maior que de carros

UFS

cidades - espaço público

Além de um espaço físico: o uso das praças pelos aracajuanos como ferramenta cultural e política

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Corte na educação pelo Governo ameaça funcionamento do HU

meio ambiente

30

Proibição do uso de canudos visa diminuir uso de plástico em Aracaju


comportamento

34

Itabaianenses se unem na prática de exercícios contra o sedentarismo

CAPA

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Aceitação de cabelo afro cresce entre brasileiras e revela mudança de atitudes na rotina de beleza

@contextoufs

portal

Acesse: portalcontextoufs.wixsite.com/contexto


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texto e fotos: Mayze Barreto

entrevista

Não quero contato! Contexto entrevista o psicólogo Alexander Jabert sobre o Transtorno de Personalidade Evitativa

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Alexander Jabert, professor de psicopatologia na Universidade Federal de Sergipe

s transtornos de personalidade são caracterizados por padrões de comportamentos e pensamentos “exagerados” e difíceis de perceber. No geral, os sintomas são tratados como “normais” pelas pessoas que o vivenciam, não é diferente com o Transtorno de Personalidade Evitativa (TPE). De maneira geral, esse transtorno tem como características o isolamento, o medo e a rejeição a situações sociais. Diante do pouco conhecimento e reconhecimento do TPE, a Revista Contexto entrevistou o professor de Psicopatologia na Universidade Federal de Sergipe, Alexander Jabert. Ele é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e tem mestrado e doutorado em História da Psiquiatria e História da Loucura no Brasil. Sobre o TPE, assim como os outros transtornos de personalidade, ele não concorda com a patologização desses comportamentos tidos como “excêntricos”. Vamos à entrevista.

Revista

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Revista Mais Contexto - De acordo com o seu conhecimento em Psicopatologia, qual a sua concepção em relação ao Transtorno de Personalidade Evitativa?

transtorno de personalidade sem estar tendo prejuízo ou sofrendo. Por isso eu acho que não é um critério apropriado para patologizar.

Alexander Jabert - Eu tenho um certo problema quanto aos transtornos de personalidade porque você tem o TPE, ele tem características do que seria um transtorno de Fobia Social, no qual você tem o prejuízo social ou profissional significativo por existir a dificuldade de ser avaliado socialmente ou passar por situações sociais. Quando eu ainda estava na graduação, um aluno foi nos procurar no núcleo de atendimento de psicologia porque toda vez que ele precisava ir na universidade apresentar um trabalho ou fazer uma prova, ele chegava na porta da universidade e ia embora, ele não conseguia entrar. Então aí existe um prejuízo significativo por essa incapacidade do sujeito de conviver socialmente, porque se ele não consegue ir, ele vai acabar reprovado na faculdade. Já os transtornos de personalidade parecem serem criados no sentido de “ele não tem tanto problema assim, só é um pouco excêntrico, então vou criar uma categoria porque não é fobia social que ele tem, é mais leve”. Eu não vejo problema de uma pessoa ser tímida, ser antissocial, como não vejo problema de uma pessoa ter pequenas manias obsessivas.

RMC - Como se identifica o transtorno para, por fim, ter-se um diagnóstico?

RMC - Quais são os critérios para o diagnóstico do TPE? AJ - Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), existem 7 critérios: a pessoa evita atividades profissionais que envolvam contato interpessoal por medo de rejeição; não se envolve com pessoas, exceto se tiver certeza que será bem recebido; ela se mostra reservada nos seus relacionamentos íntimos por medo de passar vergonha; se preocupa com rejeição em situações sociais; evita situações interpessoais novas; se vê como socialmente incapaz ou inferior; reluta de forma incomum em assumir riscos pessoais ou se envolver em novas atividades. Ela é diagnosticada com o

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AJ - A pessoa precisa cumprir pelo menos 4 ou mais desses critérios definidos no DSM-5, daí você terá o diagnóstico. Porém, se a pessoa apresentar três critérios, por exemplo, ela não se envolve com pessoas se não tiver certeza que será recebida de forma positiva, é reservada com os relacionamentos por medo de passar vergonha e tem medo da rejeição em situações sociais aí ela não é diagnosticada com o transtorno, mas se for observado mais um, ela tem o diagnóstico. RMC - Pode ser identificado logo na infância? AJ Normalmente esse comportamento se inicia na infância, segundo o DSM-5. A timidez, o isolamento, medo de estranhos e novas situações… Embora a timidez na infância seja um precursor comum do TPE, na maior parte dos indivíduos, ela costuma desaparecer lentamente ao passar dos anos. No entanto, os indivíduos que desenvolvem o TPE podem ficar ainda mais tímidos e evitativos na adolescência e no início da vida adulta. O diagnóstico deve ser feito com cautela em crianças e adolescentes porque neles a timidez e evitação pode ser comum no desenvolvimento. Ou seja, tem os critérios, mas cuidado com a forma que você vai usar. RMC - Como é possível diferenciar o TPE da personalidade e da forma de viver comum da pessoa? AJ - Não tem como você fazer isso. Se no critério não fala que a pessoa precisa sofrer para ter o diagnóstico… Tem relatos de caso no DSM-5, eles são retirados de artigos científicos dos Estados Unidos, casos clínicos. Tem o caso de Matilda Herbert, uma mulher de 23 anos que foi encaminhada a

uma consulta psiquiátrica para ajudála a “deixar de ser um bicho do mato”. Ela tinha se mudado recentemente para uma nova cidade para estudar e dividia um apartamento com uma prima mais velha, psicoterapeuta, que achava que ela deveria “sair mais e aproveitar a juventude”. É outra pessoa que tá falando pra ela como ela deveria viver. Se é uma pessoa que leva um estilo de vida que ela acha apropriado e não causa nenhum tipo de prejuízo para ela, mas que outra pessoa julga como inapropriado, eu não acho apropriado chamar essa pessoa de doente. RMC - Existem poucos relatos sobre o TPE. Porque esse transtorno é pouco conhecido? AJ - Eu acredito que, como você fica nessa margem muito grande dos transtornos de personalidade, você não ter critérios muito rigorosos para o diagnóstico, isso acaba se reproduzindo na questão de você ter poucos relatos de caso. Existem vários artigos falando sobre o TPE, mas relatos de caso eu só achei um, dois… Então fica difícil você ter um número grande de casos porque as pessoas também não vão procurar tratamento por não sentirem ser um problema para elas. A pessoas podem ter estilos de vida exóticos ou esquisitos, mas se não apresenta prejuízo, ela não vão procurar tratamento. RMC - Como é feito o diagnóstico do TPE? AJ - Se a pessoa se sentir incomodada a ponto de procurar um tratamento, existem várias fontes e tipos de tratamento diferentes. Podem ser utilizados a psicoterapia, a terapia cognitivo-comportamental, Ansiolíticos e antidepressivos. A psicologia tem ferramentas diferentes para lidar com essa incapacidade que o indivíduo em questão está passando. O ponto é criar estratégias para que o problema de “tenho medo desse contato social” seja controlado ou para que a pessoa entenda o que está produzindo essa insegurança.


CARTILHA

T R A N S TO R N O D E PERSONALIDADE E V I TAT I VA Sintomas e tratamento

1

Evita atividades profissionais que envolvam contato interpessoal por medo de rejeição

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Não se envolve com pessoas, exceto se tiver certeza que será bem recebido

3

Ela se mostra reservada nos seus relacionamentos intimos por medo de passar vergonha

4 5 6 7

Se preocupa com rejeição em situações sociais

Evita situações interpessoais novas

Se vê como socialmente incacapaz ou inferior

Reluta de forma incomum em assumir riscos pessoais ou se envolver em nova atividades

T R ATA M E N T O O tratamento pode ser feito através de terapia cognitivo comportamental focada nas habilidades social, da psicoterapia de suporte e psicodinâmica, de ansiolíticos e antidepressivos. Revista

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texto: Camila Gerônimo

política

Democracia em risco? Extinção de conselhos de participação da sociedade pelo Governo Bolsonaro acende o sinal amarelo da imperfeição democrática

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Manifestação em Aracaju em 30 de maio de 2019 (Foto: Eric Almeida)

revista britânica The Economist divulgou, em janeiro de 2019, o ranking Índice de Democracia, a fim de classificar o grau de desenvolvimento da Democracia em 167 países. O Brasil ocupou a 50ª posição, atrás da Colômbia, com a pontuação de 6,97. A Noruega está na primeira posição, com 9,87, e a Coreia do Norte ficou em último, com 1,08. O baixo índice democrático no Brasil não é uma novidade. Desde 2014, o país encontra-se em queda nesse ranking, enquadrando-se na categoria de “democracia imperfeita”. Além disso, atitudes, medidas e decretos do Governo Bolsonaro, iniciado em janeiro desse ano, têm preocupado parte das organizações da sociedade civil. Os eventos indicativos de ataque as bases democráticas se avolumaram rapidamente nos primeiros meses do novo governo. A publicidade do Banco do Brasil na TV foi censurada por celebrar a diversidade. Manifestantes protestaram contra os cortes na educação pública e foram insultados pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Conselhos e colegiados de participação da sociedade foram sumariamente extintos por decreto do presidente. De fato, algumas decisões do governo, em apenas cinco meses de gestão, têm gerado susto, revolta e indignação em uma parte da população. A preocupação e o descontentamento levam a pergunta: nesse cenário, a democracia brasileira, além de imperfeita, está em risco? Uma das decisões que mais chamou atenção, do ponto de vista do exercício democrático, foi mesmo a extinção de mais de 50 colegiados. Esses conselhos, com participação direta de setores da Revista

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população, eram canais de colaboração e controle social diante das políticas públicas. Agiam também como espaços privilegiados de formulação, execução, monitoramento e avaliação das iniciativas estatais ou órgãos públicos. Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos e Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção são alguns dos colegiados que foram extintos por meio do Decreto nº 9.759/2019. Alguns políticos se opuseram às decisões do presidente. A deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG) se manifestou através de seu Facebook contra a extinção dos conselhos. “Não vai passar! Esse é um ataque frontal a um dos pilares de nossa democracia participativa e não mediremos esforços para barrar esse retrocesso”, publicou. Em seu Twitter, o senador Alessandro Vieira (PPS) opinou sobre um dos casos de censura. “A decisão de censura à Revista Crusoé agride violentamente a democracia e a liberdade de imprensa”, tweetou. Essa revista foi proibida de publicar reportagem em que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, aparecia envolvido em deleções de casos de corrupção. Segundo Marcelo Ennes, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a consequência da extinção dos conselhos participativos pelo presidente Bolsonaro é um distanciamento entre o governo e a sociedade, e mostra que o sistema político irá priorizar ações centralizadas e centralizadoras. O advogado e professor da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe, Vander Costa, apresenta uma visão semelhante a do sociólogo. “Acredito que a extinção de conselhos, de fóruns de debates, de audiências públicas, acaba fragmentando a participação popular, levando para uma decisão muito mais política do que meramente social”, avalia. Entretanto, pondera o advogado, a extinção de um determinado órgão não elimina a participação popular no governo. “Eu sou favorável ao conselho, mas a extinção de conselhos não quer dizer que a sociedade esteja à parte do controle da administração pública. [...] A extinção do conselho atrapalha um pouco essa percepção popular, mas não extingue que o povo possa participar efetivamente da construção da política de governo”, afirma Vander. Ennes entende extinção dos

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Prof. Marcelo Ennes, doutor em sociologia e membro do Dpto. de Ciências Sociais da UFS (Foto: Camila Gerônimo)

conselhos como um alerta. “Dizer que a extinção desses conselhos representa uma ameaça à democracia eu não teria segurança de fazer essa afirmação [...] O que observamos foi um fechamento de um dos canais do Executivo. Sinaliza uma concepção de Democracia menos participativa e que os cidadãos devem ficar mais atentos para ver se isso evolui para uma situação de ameaça efetiva. É um sinal amarelo que se acende”, diz Marcelo. Em relação ao ranking divulgado pela revista britânica, o sociólogo opina. “Nossa democracia não é plenamente consolidada. O fato de nós termos muitos períodos de interrupção do ciclo democrático sinaliza que os governos não têm força e consistência típicas de um governo democrático”, explica o professor. Ao contrário de Ennes, o advogado discorda do ranking. “Eu considero que nós vivemos uma democracia perfeita sim, no sentido material, no sentido jurídico da coisa. Ela vai ter discordância das partes, o que torna ela imperfeita em alguns sentidos, mas perfeita no sentido de que o povo é quem fica com a decisão final”, justifica Vander. Apesar de, na visão de Ennes, o Governo Bolsonaro indicar um desrespeito à palavra Democracia, a sociedade civil pode agir para que o sinal amarelo não vire vermelho. “A população deve cobrar dos seus representantes (...) e, sobretudo, participar ativamente da vida política,

Vander Costa, advogado e professor da Faculdade de Negócios e Administração de Sergipe (Foto: arquivo pessoal)

de preferência de maneira qualificada, sem ataques”, orienta Ennes. “Existem outras maneiras, por meio do controle popular, do ministério público, da própria sociedade se movimentar através, por exemplo, de um projeto de lei de iniciativa popular”, complementa Vander. Assim como qualquer outro,

o governo atual deve respeito à Constituição e à sociedade, senda ela formada por eleitores e não eleitores do presidente de plantão. Não há salvador da pátria, uma única pessoa que irá resolver todos os problemas, mas há métodos de melhorar a situação política do país, para que a democracia não seja posta em risco. Revista

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educação

A DI

texto: Paulo Marques

As grades na metamorfose Negar a discussão de gênero no ambiente escolar gera consequências, aponta pesquisador ma borboleta passa por diversas etapas até se tornar o que realmente é. Esse processo de metamorfose, uma ação que até pode ser análoga à de um ser humano. Para nós, um dos casulos – onde ocorre o processo de transformação no caso da borboleta – seria a escola. Seja ao ar livre ou em um ambiente de concreto e climatizado, a escola é uma instituição social a compor a sociedade contemporânea. No Brasil, de acordo com o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a finalidade do educar é “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Mas, a LDB possibilita que as pessoas percebam quem são e que se tornem “borboletas”? Em meio a aplausos fervorosos se escuta: “Uma nova Era: menino veste azul e menina veste rosa”. Esta frase foi gritada por Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Governo Bolsonaro a qual reforça, por meio desse discurso, a própria teoria de Judith Burtler, filósofa norte-americana: o gênero como uma construção social. Quando um indivíduo nasce, as instituições sociais determinam funções e destinam papéis de acordo com o seu sexo biológico. Em um texto traduzido pela Folha de São Paulo, Judith explica a sua teoria alegando que, quando uma pessoa não se reconhece dentro desses papéis estabelecidos, passa a sofrer a dor do existir. “Algumas pessoas vivem em paz com o gênero que lhes foi atribuído, mas outras sofrem quando são obrigadas a se conformar com normas sociais que anulam o senso mais profundo de quem são e quem desejam ser”, conta a filósofa.

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Grades Em 2013, a Faculdade LatinoAmericana de Ciências Sociais junto com o Ministério da Educação realizaram uma pesquisa que analisa a juventude na escola. O estudo revelou que 19,3% dos entrevistados afirmaram não querer ter como colega de classe travestis, homossexuais, transexuais e/ou transgêneros. Além disso, o país concentra 82% da evasão escolar de travestis e transgêneros, segundo dados divulgados em 2016 por João Paulo Carvalho Dias, presidente da associação dos defensores públicos de Mato Grosso. Em um país que possui os maiores índices de violência de gênero no mundo, discutir a temática nas escolas é necessário. É isso que defende o mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Anselmo Oliveira: “é preciso se discutir [gênero] sim! Senão a população continua sem educação e discriminando com preconceitos”. Na sua dissertação, que analisou o Colégio Aplicação da UFS, Anselmo evidenciou que é raro o debate de gênero nas salas de aula. “O que existem são lapsos de discussões. A literatura também mostra que não há essa discussão de forma contínua”, explica o especialista em gênero. Preocupado com a agenda conservadora do Governo Bolsonaro, Anselmo é resoluto: “estamos retroagindo. O que precisamos fazer é entrar nas escolas e discutir as diversidades, porque senão vamos continuar no mesmo processo”, defende. “Estamos aquém do que deveríamos”, diz Anselmo. Ao ser indagado sobre como o Estado deveria agir diante dos fatos, o pesquisador pontua que “deveriam ser adotadas

IDE “NãoH:deveria Homemser assim!”M C

LEGENDA

U

M: Mulher N BI: Não binário

políticas públicas de acesso e orientação”. Além disso, Anselmo conta que ficou espantado quando percebeu, através da sua pesquisa, que os livros didáticos não são preparados para lidar com a realidade e que os professores não têm conhecimento sobre o que é gênero.

“Não deveria ser assim!” Entre lousa e livros, há desejos interrompidos e/ou reprimidos. Janiele Santana, graduanda em Música pela UFS, lembra dos momentos que passou na escola. “Recebi alguns apelidos. Um deles foi Maria João”. A saxofonista adorava jogar futebol nos

HC MT


IVERSIDADE NA METAMORFOSE

ENTIDADE DE GÊNERO

CIS: Mulher cisgênero CIS: Homem cisgênero TRANS: Mulher transgênero

ORIENTAÇÃO SEXUAL: H TRANS: Homem transgênero

intervalos das aulas. Porém, sempre foi repreendida. “Sempre gostei muito de jogar bola e por sempre ter um público masculino grande, na minha escola, meu pai me reprimia. Ele falava: ‘tem muito moleque. Você não vai’ ”, conta a jovem. Janiele define a frase de Damares Alves como um retrocesso. “É como se você colocasse num padrão. A ‘nova era’ na verdade é a antiga era. Não tem a nova era em que menino veste azul e menina veste rosa. É um retrocesso muito grande”, conclui. Outra pessoa que vai de encontro ao discurso conservador que avança no país, o qual intitula a identidade de gênero como ideologia, é Gabriel Muney. Aos 15 anos, ele foi expulso

BISS: Bissexual ASSX: Assexual

de casa. O motivo principal foi ter passado batom, sombra, corretivo e outros produtos que, segundo ele, não podiam faltar na sua maquiagem para ir à escola. “O preconceito não começou no colégio; começou antes de chegar no colégio. Eu precisava ir maquiado porque não tinha mais nada para mudar, ali era eu”, relata o jovem, que hoje tem 18 anos e busca voltar para as salas de aula e ingressar no nível superior. O medo foi potencializado. “Com tantas polêmicas, nossa representação no governo e tudo que tá acontecendo; nós [LGBTQ+] sentimos cada vez mais medo. Acho que não deveria ser assim”, conta Muney.

HOSX: Homossexual HESX: Heterossexual

Ecoa-se no país um senso comum: o Brasil é diverso! Negros, pardos, brancos, indígenas e quilombolas. Cisgêneros, transgêneros e não binários. LGBTQ+. A diversidade é uma realidade. Contudo, a equidade não. A pluralidade da sociedade parece estar descolada do dia-a-dia nas salas de aula. Negar o debate de gênero em um Estado democrático de direito, é, além de reconceituar a palavra cidadão - deixando antidemocrática -, é negar a escola, tendo em vista o não cumprimento da finalidade da LBD.

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texto e fotos: Pedro Ramos

cidades

Praças:

mais que um espaço físico Sociabilidade, meio ambiente, cultura, política e as diversas possibilidades dessas áreas de respiro nas cidades

A

s praças públicas muitas vezes passam despercebidas por gente que mora perto ou longe delas. A correria do dia a dia e a série de compromissos ao qual o ser humano é exposto, fazem com que o espaço da praça seja menos frequentado. No entanto, nem sempre foi assim. A praça pública, em seus primórdios, pode ser comparada a ágora, na Grécia,um lugar para o exercício da opinião, da Democracia, apesar da restrição de quem possuía esse direito de expressão. Desde então, as praças foram popularizadas e expandidas por todo o mundo, fato que possibilitou aos usuários uma verdadeira área de respiro em meio à agitação cotidiana. O espaço das praças se constitui em um importante instrumento para as relações culturais, políticas e, especialmente, sociais ao favorecer o convívio e a socialização entre os homens e o meio ambiente. Com o objetivo de resguardar o acesso ao espaço público, no Código Civil Brasileiro, as praças são definidas como bens públicos de uso comum do povo.

Visão panorâmica da Praça General Valadão no Centro de Aracaju Revista

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Sociologia das praças

ART. 99. SÃO BENS PÚBLICOS: I - OS DE USO COMUM DO POVO, TAIS COMO RIOS, MARES, ESTRADAS, RUAS E PRAÇAS;

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Para o sociólogo Marcelo Alario Ennes, a praça ainda é um local político e cultural, tendo em vista que “muitas manifestações políticas têm as praças como referência. E também tem o caráter cultura, já que as praças são ocupadas pelo o que é chamado de cenas culturais, seja na música, seja na dança”, afirma o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Apesar das várias dinâmicas sociais contemporâneas, Marcelo Ennes acredita na permanência da importância das praças. Na sociedade moderna, além do espaço das praças, outros espaços, principalmente os virtuais têm atraído as atividades políticas e culturais. Assim, a praça, como lugar físico e fixo nas cidades, tem perdido a sua centralidade que possuía nas sociedades antigas.


Visão panorâmica da Praça Camerino no bairro Suissa

Centro cultural de Aracaju de portas abertas para a Praça General Valadão

Manifestação do mangue no centro Cultural de Aracaju Revista

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escultura em homenagem a Francisco Camerino, localizada na Praça Camerino

Inácio Barbosa - Estude as praças

Praça Gen. Valadão “Ocupe a Praça”

Técnico em edificações e estudante de Arquitetura da UFS, Josef Andrer Lima Meris de Carvalho tem como objeto de estudo as praças públicas. A pesquisa orientada pela professora Carla Fernanda Barbosa Teixeira, denominada “Relação de praças com a apropriação dos espaços e o sentimento de pertencimento” analisa a forma pela qual a sociedade interage com o ambiente das praças públicas. A pesquisa de Josef Carvalho tem como recorte geográfico as praças do Inácio Barbosa, bairro da região Sul da capital sergipana. Ele afirma que “a praça é o principal espaço de afirmação democrático de uma sociedade. É um espaço que realmente é de todos e para todos”. Dessa forma, ao analisar os fatores de atração e repulsão desse espaço, é possível entender a sociabilidade e a integração social nas praças. “Entender a arquitetura antes de tudo é entender como o ser humano se relaciona com o espaço”, afirma Josef.

Com o objetivo de reavivar a cultura das praças e ao mesmo tempo beneficiar a produção audiovisual local, surgiu o projeto “Ocupe a Praça”. O verbo no imperativo deixa claro o objetivo da iniciativa. A Fundação Cultural Cidade de Aracaju, por meio do Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira, desenvolve o projeto há três anos. Graziele Andrade Ferreira, coordenadora desse Núcleo e do “Ocupe a Praça”, conta que “o projeto cruza três públicos diferentes” em cada edição do evento ao inserir na programação mostra audiovisual independente, atrações musicais locais e o “liquidifica diálogos”, responsável por incentivar o debate entre o público. “O Ocupe a Praça se transformou em um espaço prioritário para a gente falar da gente”, explica Graziele. A coordenadora conta que a escolha da Praça General Valadão, local que acontece o projeto, não foi aleatória. A praça sedia o marco zero da cidade e nela está o Centro Cultural de Aracaju. “A partir do Ocupe a praça a gente começa a provocar...estimular a população a frequentar esse espaço cultural que é nosso”, afirma Graziele.

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Gildete Oliveira e suas duas filhas na Praça Camerino


Praça Camerino – A praça é pública A Praça Camerino, entre o Centro da cidade e o bairro São José é um local que proporciona refúgio (para pássaros e gente). Aos olhos de quem frequenta aquele espaço, é possível perceber o quanto é prazeroso ler um livro, ou até mesmo esperar o tempo passar. A professora Gildete Oliveira frequenta a Praça Camerino por ser próxima da escola das filhas. Ela diz que a praça é importante para sociedade pela possibilidade de lazer que proporciona, seja para realizar encontro com os amigos “ou até

mesmo para se encontrar consigo mesmo”. Apesar disso, Gildete destaca o quanto a falta de segurança no local dificulta essa interação. “A praça traz um pouco mais de risco por ser um lugar aberto, mas hoje a segurança no geral está precária”, diz Gildete. O hábito de frequentar esse espaço é frequentemente ensinado as filhas de Gildete. Para além do espaço de lazer, a praça se transforma em um lugar de ensinamentos. Segundo a professora, é a partir desse espaço que as crianças têm contato com a realidade social como ela é.

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texto: Abel Serafim

cidades

Morte sobre duas rodas: uma tragédia diária Em Sergipe, número de vítimas fatais em acidente com motos é três vezes maior do que com automóveis

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Uso correto dos equipamentos individuais de proteção reduz danos nos acidentes no trânsito (Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

idas e famílias destruídas. Rotinas alteradas. Sonhos suspensos. Esses são alguns exemplos dos danos em acidentes de moto. Uma tragédia cotidiana que se traduz nas estatísticas e nas histórias das vítimas. Em Sergipe, morrem três vezes mais motociclistas do que motoristas em acidentes de trânsito. No ano passado, o Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) atendeu sete vezes mais acidentados por moto do que por automóveis. As estatísticas, com seus número frios, dão a dimensão trágica para a perda de vidas todos os dias. Em 2017, foram registradas 412 mortes no trânsito em Sergipe, sendo 229 em acidentes de moto e 68 de carro. É quase uma morte em acidente de moto a cada 24 horas. No Brasil, a violência no trânsito matou mais de 35 mil pessoas em 2017. Desse número, 12.153 eram motociclistas e 8.187 motoristas. Essas são os dados mais recentes do Ministério da Saúde. Relatório da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe (PRF/SE) de 2018 indica que, em seis trechos considerados críticos, foram registrados 155 acidentes de carro e 151 de moto - a reportagem incluiu na categoria ciclomotor e motoneta, sendo classificados como acidentes com lesões graves nesses trechos: 56 decorrentes de moto e 22 de carro. “O condutor desse tipo de veículo (moto) está exposto, não está dentro de um receptáculo, como os outros veículos. Naturalmente, quando acontece o acidente, ele está muito mais exposto a ter mais lesões graves Revista

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e, até mesmo, vir a óbito no caso de uma queda”, afirma Daniel Argolo, chefe do Núcleo de Prevenção de Acidentes da PRF/SE. Uma letalidade potencial somada à imprudência tirou a vida de Danila Santos, 16 anos. Ela estava sem capacete na garupa de uma moto, quando o condutor se desequilibrou e o seu corpo foi arremessado na pista da rodovia Camila Calazans, em Estância, a 70 km de Aracaju. Danila sofreu traumatismo craniano e morreu em seguida. Hoje, sete anos após o acidente, a mãe de Danila ainda guarda as suas roupas e sapatos, uma forma que encontrou para estar perto de “uma parte sua” novamente. Em 2018, o HUSE, o maior hospital de Sergipe, realizou 5.246 atendimentos para acidentes de motos e 743 para ocorrências com carro. Apenas no primeiro quadrimestre deste ano foram atendidos 1.812 motociclistas e 293 motoristas. Robson Eufrasio, 35 anos, sofreu um acidente de moto em 2016. Desde então, foi submetido a duas cirurgias e, até hoje, volta a cada 45 dias ao Ambulatório de Retorno de Aracaju para avaliações médicas. Usa muleta e um fixador externo na altura da coxa da perna direita para colar o fêmur. Para Robson, o motociclista é mais vulnerável porque “o corpo é o parachoque do acidente quando está de moto.” Segundo ele, “basta você estar a 10 km/h, você cai e se rala.” Segundo a professora de enfermagem da Universidade Federal de Sergipe, Edilene Curvelo, lesões, escoriações, comprometimento da memória, linguagem e percepção, sintomas de depressão e ansiedade são sequelas físicas, comportamentais e cognitivas decorrentes de acidentes de moto. “O acidente de moto, embora tenha um grande número de lesões em membros superiores ou inferiores, também atinge a cabeça e pescoço, que é o trauma cranioencefálico. Essas lesões comprometem a qualidade de vida não só do condutor, mas também do passageiro”, afirma a professora. Os fatores de riscos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para acidentes de motocicletas são: o não uso de capacete e a verificação adequada da sua qualidade, visto que qualquer implicação no equipamento aumenta o risco de acidentes cranianos e morte; direção sob efeito de álcool; velocidade excessiva; uso de drogas; falta de familiaridade ou experiências com motocicletas, entre outros.

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O sub-comandante da Companhia de Polícia de Trânsito, tenente Oliveira, alerta que os equipamentos de proteção individual devem ser utilizado não só em competições, mas também em todas as ocasiões. “O equipamento mais comum que a gente vê é o capacete. E o resto do corpo? Teria que usar uma caneleira, joelheira, sapato adequado (botas).” Segundo a Seguradora Líder, em 2018, as motos representavam 27% da frota nacional, mas tiveram impactos superiores aos demais veículos: 75% das indenizações do seguro DPVAT foram direcionados para vítimas de acidentes motociclísticos no Brasil. Em Sergipe, os seguros pagos em razão desse tipo de ocorrência chegou a 82%. A causa por invalidez permanente respondeu por 74% das indenizações pagas pelo seguro. Os dados revelam

que as vítimas, em sua maioria, são jovens em idade economicamente ativa, entre 18 a 34 anos.

Capacete e redução de custos nos tratamentos médicos Segundo a OMS, os custos de tratamentos agudos foram reduzidos entre 40% e 66% em pacientes que usavam capacetes. O equipamento utilizado corretamente não só reduz os custos, mas também os riscos de morte em 40%. Os riscos de lesões graves são reduzidas em 70% com o uso desse equipamento, de acordo com o Retrato da Segurança Viária, da AmBev.

Em 60 dos 75 municípios sergipanos a frota de moto, motoneta e ciclomotor é superior a de carro, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito, em fevereiro de 2019. Um estudo da Confederação Nacional dos Municípios, de 2018, indica que o aumento da compra de moto revela, além da deficiência do transporte público, o resultado de uma política de facilidades de crédito, de prestações a preço baixo e de isenções e incentivos do Governo Federal ao setor. Também aponta para substituição, em particular nas regiões Norte e Nordeste, dos animais de tração( cavalo, jumento e burro) por motocicletas.

Motocicleta é a número um nas indenizações do DPVAT

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texto e fotos: João Vitor Moura

cidades

Incertezas no HU Corte de 30% nas verbas do Governo Bolsonaro ameaça o atendimento à população pelo Hospital Universitário. Governo nega prejuízos

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O corte nos gastos causa preocupação aos usuários do hospital

corte de 30% nos recursos da educação anunciado pelo ministro Abraham Weintraub, e associado ao baixo desempenho e a “balbúrdia”, deve afetar os serviços oferecidos à população pelo Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), localizado na zona Norte de Aracaju. Essa unidade hospitalar atende, em consultas, mais de 130 mil pacientes por ano, além de realizar mais de 472 mil exames e 5 mil cirurgias. Embora o tamanho e os valores ainda não tenham sido contabilizados, nem pelo Governo nem pelos trabalhadores do HU, o Sindicato dos Trabalhadores da UFS (Sintufs) afirma que o corte vai atingir o hospital. Segundo Ricardo Abel, representante dos empregados do HU-UFS, todos os cortes serão no recurso de custeio, o que implica na manutenção do hospital e “afetará diretamente no atendimento à população”. Todavia, segundo a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra o hospital, vinculada ao Ministério da Educação, as verbas do HU estão preservadas. A Ebserh informa que o orçamento dos hospitais universitários é composto por duas verbas principais: a contratualização com a Secretaria de Saúde dos Estados e a do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf). Essas duas fontes, segundo a estatal, não têm relação com os recursos repassados às universidades e, assim, “não foram afetadas pelo contingenciamento anunciado para o 2º semestre”. Revista

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Os hospitais universitários prestam dois tipos de serviços para a sociedade. Um na área da educação, como um amplo campo de prática para os estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação e como campo de pesquisa. O outro serviço é na área assistencial, com ofertas de serviços de média e alta complexidade para os usuários do SUS. Para a estudante do 7º período de fonoaudiologia da UFS, Maryanne Vasconcelos, o Hospital Universitário é um lugar em que o aluno atende à população.“O conhecimento adquirido no meio acadêmico é colocado em prática, em benefício da comunidade, com a supervisão dos profissionais capacitados”. O paciente, José da Guia, 58 anos, ressalta a importância do atendimento ofertado pelo HU. “Se não fosse o hospital a minha cirurgia não seria realizada”.

Serviços

O HU-UFS possui 15 Unidades de Cuidado à Saúde, e oferece a população sergipana 52 especialidades médicas. De acordo com a chefe da divisão de gestão do cuidado, Ana Paula Lemos, o HU-UFS tem 78 consultórios disponíveis para os serviços ambulatoriais e que “não há uma quantidade fixa de consultório para cada serviço, mas uma distribuição conforme demanda”.

UNIDADES DE CUIDADO

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Entrada do Hospital Universitário (Foto: assessoria de imprensa HU-UFS)

Setor de Farmácia Hospitalar

De acordo com o chefe do Setor de Farmácia Hospitalar (SFH), Fábio Ramalho, a Farmácia do HU tem um gasto anual de R$ 2 milhões, e dependendo do nível taxa de ocupação hospitalar, “por mês deve girar em torno de 150 – 200 mil reais com medicamentos”. Ramalho disse que não tem nenhuma informação ainda sobre o corte de 30% nos recursos do HU e se ele atingirá a farmácia, mas disse que se isso for confirmado ela avalia que a população atendida pelo HU pode ficar desassistida. Hoje, a farmácia disponibiliza uma lista de medicamentos que chega a 300 itens. O único serviço ofertado em Sergipe, onde os pacientes têm acesso a Unidade Dispensadora de Medicamentos para o acesso da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), é encontrado na Sala de Serviços Clínicos Farmacêuticos do HU-UFS. O PrEP disponibiliza medicamentos antirretrovirais que devem ser tomados antes da exposição sexual ao vírus HIV para a redução da chance de infecção.


Triagem Neonatal Em Sergipe, o HU acolhe o trabalho da equipe do Serviço de Referência em Triagem Neonatal, habilitado desde 2001, que faz busca ativa dos casos suspeitos, a confirmação diagnóstica, o tratamento e o acompanhamento dos pacientes. No período de janeiro a dezembro de 2018, o número total de crianças atendidas pelo serviço foi 29.695. De acordo com a chefe de Setor de Apoio Diagnóstico do HU, Flávia Costa, o hospital universitário é responsável por 85% das triagens feitas em todo o estado. Em Sergipe há 282 postos de coletas de Triagem Neonatal distribuídos nos 75 municípios. A coleta é feita e enviada através do Projeto Estadual com o envio das amostras do teste do pezinho pelos Correios para o HU, onde é feito todo o processo de análise. De acordo com a coordenadora Estadual de Atenção Ambulatorial Especializada e Triagem Neonatal, Luciana Alves, a Secretária de Estado da Saúde apenas arca com as despesas das postagens das amostras pelos Correios que custa “em torno de 7-8 mil”, mas é o Ministério da Saúde que cobre os gastos do HU nas realizações das análises de Triagem Neonatal. A farmácia do HU-UFS oferta 300 remédios para a população

Conquistas Recentemente, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia divulgou o ranking 2019 – ano calendário 2018 – dos seus Centros de Ensino e Treinamento (CETs). O CET em anestesiologia, Menino Jesus de Praga do HU ocupou a 11º colocação no Ranking Nacional. Cinco hospitais universitários da rede Ebserh estão entre os 20 primeiros. O Centro de Ensino e treinamento em anestesiologia da UFS ficou em 3º lugar quando comparamos apenas os hospitais filiais da rede Ebserh. O CET da Universidade de Brasília ocupou o 4º; o da Universidade Federal de Pernambuco o 7º; o Hospital Ophir Loyola o 17º e o da Universidade Federal de Minas Gerais o 19º.

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meio ambiente texto e fotos: Isabela Vieira

As 400 vidas do plástico Câmara de Vereadores de Aracaju deu um passo importante proibindo a utilização de canudos plásticos em restaurantes, hotéis, lanchonetes e afins

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lástico é um problema de meio ambiente, de saúde pública, de política, de economia. Cientistas afirmam que cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico são jogados nos oceanos anualmente e os reflexos dessa ação são desastrosas. Esses dados foram divulgados no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência em 2015. Estudantes calculam que produtos plásticos domésticos podem levar até 400 anos para se decompor. Apesar da resistência das pessoas e de lógicas de consumo, é preciso reduzir ao máximo a utilização de plástico. O plástico é um produto útil, durável e versátil, porém este resíduo é o principal poluidor dos mares. Maria Antunes, 51, voluntária no Projeto Tamar e fala sobre a importância do consumo consciente: “São milhares de espécies que são ameaçadas pela quantidade exagerada de plástico que se encontra no mar. É algo que foge de nossas vistas, pois realmente são proporções extremas que esse lixo toma, pondo também em risco as espécies marinhas. É preciso economizar. Quanto menos plástico, melhor”, declara.

Os plásticos tem sua devida finalidade. Não é difícil de encontrar uma garrafa plástica em algum lugar. Será que elas teriam algum outro material para substituí-las? Revista

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Não é só nos oceanos que os plásticos são jogados, inicialmente eles também são encontrados em locais irregulares e descartados de forma incorreta.

Proibido por Lei A Comissão de Meio Ambiente (CMA) - da Câmara dos Deputados de Brasília aprovou projeto que prevê a retirada gradual do plástico da composição de pratos, copos, bandejas e talheres descartáveis. A ideia é que estes itens sejam substituídos por materiais biodegradáveis. Essa atitude toma força no Brasil, as Câmaras de Vereadores de quase todas as cidades do país aprovam leis que proíbem o uso de descartáveis plásticos e também o uso de canudos plásticos. Na cidade de Aracaju não foi diferente. No dia 08/05/2019, foi aprovado o projeto de lei que proíbe

o fornecimento de canudos plásticos na cidade, a lei atinge hotéis, restaurantes, bares, padarias entre outros estabelecimentos comerciais. E estes lugares devem fornecer canudos em papel reciclável, material comestível e biodegradável. Nayane Chagas, 20, estudante, expressa um pouco a opinião dela sobre o projeto de lei: “Não vai adiantar nada extinguir apenas um canudo e fechar os olhos para tantas outras coisas que também são feitas de plástico e que também vão ser descartadas de forma indiscriminada”. E o que os donos de lanchonetes

e restaurantes aracajuanos estão achando? Elísio Soares, 48, é dono de uma pequena lanchonete móvel em um ponto turístico movimentado de Aracaju, ele se encontra pressionado pelos clientes sobre a proibição dos canudos: “Eu estou fazendo a minha parte se eu parar de distribuir os canudos. Mas e os meus clientes vão gostar? Se tiver sacola de papel e de plástico o cliente vai preferir o plástico, se for tempo de chuva, por exemplo, e ele levar em sacola de papel vai molhar e a de plástico é impermeável. Temos que trabalhar de acordo com os clientes”, desabafa.

Os canudos plásticos estão sumindo em Aracaju? Ainda é possível encontrar esses objetos em restaurantes e lanchonetes

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COMO O ARACAJUANO SE COMPORTA EM RELAÇÃO AO PLÁSTICO? Para responder essa pergunta foi feita uma pequena pesquisa de levantamento de dados em uma rede social com 200 pessoas que residem em Aracaju. Os infográficos fazem uma direta e clara comparação entre as respostas dos entrevistados. Foram feitas perguntas que remetem à práticas simples de conscientização, como a prática ou não da coleta seletiva em casa, qual o material mais sustentavel entre o plástico e o papel, a noção de que anualmente, 8 milhões de toneladas de plásticos são jogadas no ocenao e qual material é mais jogado no lixo por cada um.

Plástico tem 5 erres

Clara Angélica, 24, trabalha na Secretaria do Estado de Desenvolvimento Urbano e Sustentável dentro da gerência de educação ambiental e sustentabilidade e fala sobre a existência de vários projetos voltados ao consumo consciente com o foco na coleta seletiva dentro da lei 12.308/2010 que fala sobre a política nacional de resíduos sólidos, essa lei abrange a destinação dos resíduos, o incentivo às cooperativas e também a instituição da coleta seletiva. “Os resíduos recicláveis devem ser destinados à cooperativas ou instituições que conseguem fazer a separação correta e reciclagem dos materiais. As cooperativas tem o intuito arrecadar esses materiais (vidro, papel, plástico e metal), separálos de forma manual e tem alguns aparelhos que eles fazem a prensa do material e levam para empresas ou interessados para ser reciclado e reutilizado ou para ser colocado no descarte correto”, diz Clara Angélica. As cooperativas são iniciativas sociais que trabalham com a coleta e triagem do material reciclável (inclusive embalagem longa vida) para beneficiamento e envio aos recicladores. A maior parte do material coletado vem do trabalho dos catadores cooperados ou dos programas de coleta seletiva municipais. Na cidade de Aracaju existem duas cooperativas a COORES e CARE, elas possuem um caminhão que pode ir na casa das pessoas, estabelecimentos comerciais e até em condomínios para recolher os materiais separados. Qualquer pessoa pode entrar em contato com essas organizações para a realização desse processo.

38% / 62%

Atualmente, 8 milhões de toneladas de plástico são encontradas no oceano

Não sabiam desta informação Sabiam dessa informação

O que mais jogam do lixo: papel ou plástico?

61%/39%

Plástico Papel

31%/69%

O que acham mais sustentável: papel ou plástico?

Plástico Papel 83%/17% Pratica coleta seletiva? Sim Não Revista

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comportamento texto: Katiane Peixoto

Amarrados em nome da preguiça Quase metade da população brasileira é sedentária, mas em Itabaiana muitos se mexem contra essa constatação

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Atletas pertencentes a Associação Frangos da Serra MTB junto ao paraciclista Rayr Barreto momentos antes de participar da copa do mundo de paraciclismo de estrada, quando representou a seleção brasileira (Foto: Ademarcos Fotografia)

o longo da história, os padrões de beleza foram se modificando. Na pré-história, por exemplo, ter corpos avantajados era sinônimo de fertilidade. Com o passar do tempo, esse cenário se inverteu, principalmente para atender as demandas de saúde e longevidade. No entanto, no Brasil, o número de pessoas na margem do sobrepeso é alto. “Mais da metade da população está com sobrepeso e 20% dessas pessoas estão obesas, ou seja, com índice de massa corporal (IMC) acima de 30”, disse o professor do instituto de biologia da Universidade Estadual de Campinas, em entrevista para o jornal da instituição. O sobrepeso e a obesidade estão associados a diversos fatores, entre eles, ao sedentarismo, que se tornou a principal causa dos problemas de saúde em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sedentarismo é caracterizado pela falta de atividade física suficiente para o corpo humano, que representa 150 minutos de prática aeróbica moderada por semana. Ainda de acordo com a OMS, o sedentarismo atinge um em cada quatro adultos no Brasil e quase metade da população é sedentária, que corresponde a 47%. Esse dado posiciona o país em primeiro lugar no ranking entre as nações da América Latina como o mais sedentário do continente. Revista

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Abaixo, Sr. Antônio Côrrea participando da Corrida da Cidade de Aracaju (Foto: arquivo pessoal)

O sedentarismo está relacionado a doenças como: • Obesidade • Aumento do colesterol • Atrofia muscular • Aumento da pressão arterial • Problemas articulares • Problemas cardiovasculares (Infarto ou AVC) • Diabetes tipo 2 • Distúrbios do sono.

A OMS lançou o compromisso de reduzir em 15%, até o ano de 2030, o número de pessoas que não praticam atividade física. O intuito dessa campanha é alertar a população para os benefícios da prática e prevenir contra doenças desenvolvidas pelo sedentarismo. De acordo com o educador físico, Josimar Santos Santana, pós-graduado em treinamento esportivo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando o corpo passa a ter movimento, as respostas são imediatas. Caminhada e corrida, por exemplo, são atividades cardiopulmonares, as quais geram melhorias significativas na respiração, pressão arterial, fluxo sanguíneo e regulação da flora intestinal. “Estes são alguns benefícios

instantâneos, mas existem outros em longo prazo, como a redução dos níveis de estresse, controle da diabetes e perda de peso”, explicou Josimar.

Na contramão do sedentarismo Enquanto os níveis de sedentarismo são uma crescente em todo o mundo, a cidade de Itabaiana, situada no agreste sergipano - aproximadamente a 56 km de Aracaju - anda na contramão. Conhecida como a capital do bem estar, seja no início ou no final do dia, é possível ver um grande número de pessoas se exercitando em vias públicas. O ciclismo e a corrida são Atletas pertencentes ao PermIta-se Clube de Corrida participam dos encontros semanais que acontecem na praça Chiara Lubich, em Itabaiana (Foto: Jackson Machado)

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A direita, Ana Peixoto, em participação na corrida “desafio dos falcões”, em Itabaiana (Foto: arquivo pessoal)

praticados com frequência, seja por amadores ou profissionais. De acordo com a secretária de saúde do município, Rúbia Melo, a atividade física é uma questão de saúde pública. “A partir do momento que o cidadão sai do sedentarismo, ele adquire alguns benefícios no corpo e automaticamente reduz o número de pessoas nos postos, hospitais ou outras instituições”, afirmou a secretária. Segundo Rúbia, muitos profissionais trabalham com o intuito de influenciar os pacientes a fazer alguma atividade física como forma de tratamento alternativo para determinadas doenças. “Além do atendimento tradicional para aquela situação, indicamos ao paciente que busque um fisioterapeuta ou educador físico para um acompanhamento, juntamente com o auxílio de um nutricionista”, informou Rúbia.

Antônio Correia tem 62 anos, é atleta profissional e viaja o Brasil em competições de corrida de rua. Ele iniciou a prática quando sofreu problemas cardíacos e recebeu a orientação de fazer caminhadas. Desde então, iniciou a atividade em um percurso que somavam 5 km. No início, era somente caminhada, mas logo começou a correr e notou sua aptidão pelo esporte. “Eu estava seguindo a prescrição médica, mas busquei um profissional da área e passei a correr”, disse o atleta. A história de Antônio se assemelha com a da gerente administrativa Ana Peixoto. Após se tornar mãe, adquiriu mais de 30 quilos e não conseguia reduzir. Com o passar do tempo, passou a sofrer as consequências: falta de disposição, dores nas pernas e dificuldade respiratória. Após recomendação médica, passou

a dançar, pedalar e hoje se encontrou nas corridas. “Minha maior felicidade é cruzar a linha de chegada, pois sei que ali estou atingindo meus objetivos de uma forma que não conseguia antes”, afirmou. Hoje, com 15 quilos a menos esbanja saúde. “Conquistei de volta a minha saúde e autoestima, coisa que havia perdido há alguns anos”, festeja Ana. Com a recorrente procura pela atividade física, foram criados grupos que, unidos pelo mesmo propósito, tornaram-se clubes de referência no estado. A Associação Frangos da Serra MTB, criada em 2016, é o grupo com maior número de ciclistas do estado de Sergipe. Eles já agregam vitórias de competições em nível internacional. Já o PermIta-se Clube de Corrida, em menos de um ano, tem mais de 200 participantes e promove encontros gratuitos semanalmente na cidade. Revista

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texto e fotos: Francielle Nonato

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A raiz do corpo Consciência identitária como fio condutor para assumir e amar os cabelos

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“O crespo dos meus cabelos Que exigem de ti respeito Afirmam que crespo e liso Detém o mesmo direito Há muito, dizem de mim Que meu cabelo é ruim. Ruim mesmo é o preconceito! ...

corpo humano representa trajetória de vida, manifesta cultura e expressa história por meio das escolhas individuais. O cabelo singulariza essa materialidade, um lar e alicerce para personalidades. Desde sempre, os fios são elementos significativos para a figura humana, fundamentais para a beleza, a sedução e até mesmo para o poder e a força. Eles marcam, sobretudo, um ponto em comum na história entre as deusas na Grécia antiga, os faraós no Egito, a nobreza na Idade Média e as blogueiras e youtubers na contemporaneidade. O estilo do cabelo modificado desde a infância ou adolescência levou mulheres a compartilharem suas experiências nas mídias digitais, como por exemplo, através de blogs e vídeos no Youtube, em busca das verdadeiras raízes das suas cabeleiras. Segundo o Dossiê BrandLab, entre 2015 e 2017, as buscas pelo termo “transição capilar” cresceram em 55% no Google. Esse dado revela grande mudança de atitudes na rotina de beleza de muitas mulheres brasileiras, e até mesmo de homens. Por muito tempo, o cabelo liso artificial se configurou como um padrão estético diante dos cabelos naturais. A ditadura dos fios por meio das químicas – alisamento com guanidina, escova progressiva, relaxamento, botox e selagem – não reconhecia a essência do ondulado, cacheado e crespo. Dessa forma, assumir o cabelo como elemento identitário parecia uma tarefa difícil e distante. Os rótulos são muitos: cabelo “feio”, “indomável” e até “ruim”. A pesquisa do Google aponta que 1 em cada 3 mulheres já sofreu preconceito Revista

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por conta do cabelo, e 4 em cada 10 já sentiram vergonha por ter cabelos cacheados. Segundo a cientista social Lídia Matos, mestra em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe, as jovens, impulsionadas por movimentos feministas, redes de solidariedade e apoio mútuo, que

... Os cachos histórias contam E o crespo forte resiste No afro, tem continente Que o mundo não vê que existe ...

passam pelo processo de transição capilar, vão além do movimento estético e alcançam um caráter político. Aceitar e assumir os fios naturais desafiam a lógica padronizada de uma indústria de beleza que “teima em tratar os cabelos como se fossem iguais”, reconhece a blogueira

Sabrinah Giampá em “O Livro dos Cachos” (2016). Voltar às raízes é dar o primeiro passo à jornada em busca de si, é ser disruptivo em relação ao discurso imposto pela sociedade e resistência em meio ao preconceito e racismo vigentes.


... Cachos, crespos, afro, blacks Tem nome, crença, ideais E já que a real beleza ...

Presente! Cabelo pronto para (afro)ntar O estudo brasileiro conduzido pelo Google BrandLab também apresenta que a busca geral por “cabelos afro” cresceu expressivamente somando 309%, entre 2015 e 2016. Cada cabelo é único e tem suas peculiaridades. O cabelo afro, geralmente conhecido como crespo, é o tipo que não possui um padrão de onda definido e mais parece pequenos dreads naturais, com a textura livre e mutante. A ousadia de ser, encorajou a jornalista e militante negra Aline Braga a se libertar das químicas entre os 17 e 18 anos, para se redescobrir no emaranhado de fios que emoldura seu rosto. Já cansada do discurso de perfeição capilar e sem ideia da textura e forma das suas raízes, começou o processo de autoaceitação da maneira mais radical: raspando o cabelo, atitude conhecida como big chop, o grande corte. “É sempre aquela história de a gente vai deixar você bonita, seu cabelo bom! Sua raiz já está crescendo. A gente vai dar um jeito no seu cabelo”, lamentou Aline sobre o

tratamento nos salões de beleza não especializados em cabelos naturais que frequentava em bairro nobre de Aracaju. A infância de Aline, marcada pelo cabelo rebelde, mesmo alisado, dar vez a uma vida adulta onde emerge o orgulho do black ouriçado. A relação com o cabelo é de pertencimento e também afetiva. Segundo ela, a figura do pai, um químico e responsável pelos penteados de escola, teve significativa influência para enfrentar a mudança estética diante da realidade racista que a envolvia. Potencializar a palavra “crespo” é necessário, afinal, é preciso que ela seja dita para o fio poder viver, respirar e ser respeitado. O preconceito está ligado diretamente à questão étnica e racial, uma vez que o cabelo crespo é uma característica dos negros. Hoje, liberta e decidida, Aline se tornou referência para seu filho, nascido em berço livre e cultivador perpétuo da raiz a qual lhe gerou.

Existe padrão fora do padrão? “Sempre gostei do meus cabelos com cachos, no tempo que ninguém tinha. Todo mundo trabalhava para ter cabelo liso e isso era motivo de crítica para eu me enquadrar e eu nunca gostei. Foram surgindo produtos que preservavam os cachos, e as pessoas começaram a aceitar essa condição, mas ainda não era a condição natural dos meus cabelos”, conta a cordelista Izabel Nascimento. Discreto, arrumado, baixo, sem volume e com textura aceitável foram os limites impostos pelo preconceito reproduzidos por Izabel. A carga empoderadora do discurso de autoaceitação desabrochou múltiplas conquistas: transformação do conceito de beleza; evidência da diversidade; e representatividade na TV e na rua. Esses aspectos contribuíram para que a declamadora de versos nordestinos passasse a desbravar o vasto mundo dos penteados com flores e laços. Porém, ao entender que a transição entre duas texturas capilares vai além da Revista

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... Requer cabelos reais Então assumo os formosos Lindos, belos, volumosos Meus cabelos ancestrais.” -Izabel nascimento

questão da vaidade, apoiou-se à ação coletiva feminina para fortalecer sua transformação individual – processo de busca das raízes ancestrais e instante oportuno de firmamento dos pés no chão, embora a raiz esteja na cabeça.

Evolução conjunta De acordo com Mariana Costa, cabeleireira especialista em cabelos naturais, a demanda de cuidados dos fios naturais na cidade de Aracaju é crescente, inclusive entre o público masculino. O fotógrafo Davi Cavalcante, por exemplo, teve sua

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infância marcada pelo cabelo curto e se inspirou na sua companheira para assumir o cabelo cacheado. O processo de entendimento da essência de seus cachos, transformou-o em um homem expressivo, autoconfiante e consciente da negritude que o enraíza. Ao quebrar seu primeiro tabu, Davi revelou seu ativismo. O crescimento dos cachos possibilitou reconhecer que as pessoas tentavam lhe “esbranquiçar” de maneira constante e o fez percorrer um caminho de autoconhecimento sugestivo. Através de autorretratos, o fotógrafo passou a explorar a sua arte em busca do amor próprio. Refletir a diversidade através da

textura natural dos cabelos é superar o discurso de modismo. A busca de si converte em um encontro do eu. O processo de mudança para assumir o ondulado, o crespo ou os cachos é de dentro para fora: é da cabeça para o corpo. Movimento de evolução e florescimento da consciência identitária, até porque a raiz do cabelo é também a do corpo. Confiança no riso largo, autoestima equilibrada e timidez de escanteio, foram as consequências de cada um após unir forças para se reconhecerem a partir dos fios.


Blenda Santos Revista

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Não se aperreie, não! Em julho, a 9ª edição estará no ar: Fresquinha e cheia de conteúdo massa para você!

ENQUANTO ISSO, QUE TAL ACOMPANHAR AS NOTÍCIAS DA UFS E DE SERGIPE ?


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