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Transtornos alimentares, além da estética, são um importante alerta para a saúde pública

Por Rebeca Knapp

A tríade beleza-saúde-juventude, sempre associada ao corpo magro, movimenta mulheres, principalmente as mais jovens, ao redor do mundo para a armadilha da cultura da dieta. Elas restringem cada vez mais sua alimentação em busca do controle do peso e os prejuízos vão além do físico. Os anos passam, novas tendências surgem, mas a pressão pelo “corpo perfeito” é sempre a mesma. Na internet, é possível observar esse movimento com o retorno da moda dos anos 2000, marcada por divas pop magérrimas e a tão temida calça cintura baixa. Esse cenário vem despertando gatilhos em diversas jovens que são consideradas fora do padrão alto e magro. Porém, essa questão não se restringe somente a essa estética, tendo em vista que ela é apenas um estímulo para algo imposto na sociedade há décadas, como por exemplo, nos anos 2010, em que a rede social Tumblr difundia e romantizava corpos anoréxicos.

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Os transtornos alimentares são um alerta para todos, mas em especial ao público adolescente. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, esses distúrbios afetam cerca de 10% da população jovem.

A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por essas doenças, sendo a maioria composta por mulheres. Só no Brasil, são 10 milhões de pessoas, o que corresponde a 5% da população, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Sergipe, não há registros sobre o assunto.

Entre os distúrbios alimentares, os mais comuns são a anorexia nervosa, onde há a restrição de ingestão calórica; a bulimia nervosa, que apresenta episódios de compulsão alimentar, seguidos por meios de compensação; e por fim, o mais frequente, o transtorno de compulsão alimentar, quando o indivíduo tem um descontrole em relação às quantidades que ingere, seguido por sensação de culpa. As consequências para esses quadros são diversas, mas vale citar algumas, como depressão, anemia, dificuldade na memória e desregulação da saciedade.

Além dos transtornos que geram compulsões ou privações, existem aqueles que não são identificados, conhecidos como “comer transtornado”. Nestes casos, as pessoas possuem relações conturbadas com a comida, como a compulsão por comer apenas alimentos saudáveis, contar calorias ou vício em atividades físicas.

Gabriela Rollemberg, psiquiatra formada pela Universidade Federal de Sergipe, com especialização em transtornos alimentares, afirma que durante a pandemia da Covid-19 houve uma alta nos casos de transtornos alimentares, o que levantou um alerta entre os profissionais da área. Segundo ela, esses distúrbios podem vir de formas genéticas, de convívio ou comportamentais, geradas por dietas restritivas, que durante o período pandêmico entraram na rotina de muitas mulheres. “Nem todo mundo que faz uma dieta restritiva irá desenvolver algum transtorno alimentar, porém todo transtorno alimentar vem de uma dieta restritiva”. A estudante Bianca*, de 16 anos, pode afirmar com propriedade as consequências negativas provocadas pelas restrições alimentares. Aos 13 anos, sofreu várias crises de ansiedade após a morte de uma amiga próxima. A dor da perda e as seguidas crises a fizeram acreditar que na sua vida só conseguiria ter controle de uma coisa: sua aparência. Depois de ouvir sobre uma dieta da moda, resolveu aderir. Para se manter na dieta, deixou de jantar com sua família e de sair com suas amigas, para não precisar comer. “Durante a pandemia, aproveitei que meus pais estavam trabalhando fora o dia todo e mentia para eles sobre ter me alimentado”, desabafa.

A jovem vivia estressada, não queria ficar perto de ninguém, sua cabeça só girava em torno de comida, queria comer, mas sentia raiva por acreditar que não podia. Para saciar seus desejos, passou a cozinhar tudo aquilo que tinha vontade, só para ter a sensação de satisfeita. “Foi o momento que eu mais cozinhei na minha vida, por incrível que pareça”, relata Bianca. Ela fazia diversas receitas para a família e amigos, mas não chegava nem a experimentar. Cansada da fome, da auto cobrança e da insatisfação com seu novo estilo de vida, a jovem resolveu pedir ajuda para a sua mãe, que a levou para fazer tratamento. A responsável nem imaginava o que se passava, pois acreditava que o emagrecimento da filha ocorria devido a fase de crescimento.

A universitária Mariana*, de 21 anos, também pode relatar os impactos das restrições alimentares. Antes, ela era uma pessoa que não dava muita atenção para a alimentação e nem ficava toda hora observando seu corpo. No entanto, isso mudou após ouvir alguns comentários de familiares. “Fico meses sem ver a minha família, pois moro longe. Mas quando os via eu não escutava um ‘que saudades!’ e sim ‘você engordou’. Não acho que faziam por mal, porém me machucava”, diz. A jovem afirma que passou a fazer exercícios em casa, comer alimentos saudáveis e a cortar tudo aquilo que não era. Quando sentia vontade de algum doce, ela buscava uma receita “fitness”, mas nunca ficava satisfeita.

Com pressa por resultados, pesquisou outras formas para emagrecer e passou a comer cada vez menos.

Essa decisão não foi sustentável, pois a partir desta restrição, ela desenvolveu bulimia. Comia compulsoriamente, mas quando a culpa batia, deixava de se alimentar. Em ocasiões festivas, cozinhava demais, às vezes para umas dez pessoas, mesmo quando só estavam presentes as três com quem ela morava. Ainda assim, nunca havia desperdício, Mariana conta que comia tudo, pois acreditava que no dia seguinte não poderia mais comer. Estava sempre se despedindo da comida, o que a fez emagrecer muito. Essas privações a deixaram abaixo do peso ideal para a sua altura, de 1,67 metros.“Era um ciclo sem fim. Eu comia um bolo inteiro em um dia e nas próximas semanas eu vivia a base de água”.

Quando visitava os parentes, após ter emagrecido, as reações eram as mais variadas, recebia elogios e críticas, alguns a comparavam com uma modelo, outros diziam que ela parecia doente. A auto estima de Mariana estava abalada, nem magra se sentia bonita. Nessa época, com seus 18 anos, era confundida por muitos com uma garota de 12. Ela percebeu que tinha algo errado, mas não parou por aí. Ela passou a contar as calorias de tudo que ingeria, controlando sua alimentação nos mínimos detalhes acreditando que conseguiria assim um equilíbrio.

Se em algum momento ultrapassasse a quantia ideal, ela compensava nas calorias do dia seguinte, retomando seu estado de fome constante. Somente após a intervenção de seus pais, que notaram sua mudança de comportamento, Mariana passou a fazer tratamento e conseguiu chegar em um peso saudável. “Ouvi da minha psiquiatra que se eu continuasse com essa vida, o próximo passo seria a morte. Não vou te dizer que estou curada, porém entre diversos tropeços, eu estou conseguindo seguir em frente”, desabafa.

O tratamento para esses transtornos alimentares ocorre a partir do acompanhamento de três profissionais: psiquiatra, psicólogo e nutricionista comportamental. Segundo Gabriela Rollemberg, o paciente vai mudando sua forma de se relacionar com a comida e com o próprio corpo, para interromper os comportamentos compensatórios ou compulsórios, associados aos distúrbios. Porém, por serem doenças crônicas, sempre correm o risco de voltar, mas o paciente pode entrar em remissão, ou seja, a redução ou ausência dos sintomas. Por conta disso, o acompanhamento profissional é essencial.

O Que Diz A Psicologia

Ana Luiza Sobral, mestre em psicologia formada pela UFS, diz que do ponto de vista psicológico, esses transtornos são trabalhados como uma descarga emocional. “Você está sempre procurando o alimento como uma fonte de prazer, como se fosse uma droga”, expli- ca. Quando ocorre o contrário, ou seja, quando os pacientes não demonstram nenhum interesse em comer, o trabalho é feito em conjunto com a família, que realiza um acompanhamento diário, e em alguns casos cabe a internação. No entanto, esses distúrbios podem ser prevenidos. A psicóloga afirma que a psicoterapia pode trabalhar nesse quesito, ajudando o paciente a ter uma relação saudável com a comida, sem focar na questão estética e sim na qualidade do que come. “Não estamos preocupados se a pessoa vai ganhar ou perder peso, e sim na saúde dela”, diz Ana Luiza. Ela também destaca a importância dessa abordagem durante a adolescência, “é um período excelente para começar a trabalhar essas questões do corpo, principalmente nas escolas, com rodas de conversa e conscientização”, finaliza. *Os nomes utilizados são fictícios

Atenção as redes sociais

As redes sociais impulsionam a distorção da auto-imagem, principalmente na adolescência, quando há a formação da identidade. Isso ocorre por se tratarem de locais onde ocorre a exposição excessiva de corpos “perfeitos” , que geram uma comparação.

O documentário “Miss Representation” (2011) aborda como as mídias em geral, que desde sempre são chefiadas por homens e suas perspectivas de maioria sexistas, influenciam diretamente na forma em como a mulher se vê e é vista na sociedade, levando em consideração que o que é apresentado não é o corpo feminino real e sim a sua idealização pela ótica masculina. Essa questão é semelhante nas redes.

“Nós somos influenciados sem nem perceber, começamos a achar coisas erradas na gente, que na verdade nem são erradas. Quando paramos para observar nossas referências começamos a notar tais influências”, afirma a psiquiatra Gabriela Rollemberg, que destaca também a necessidade de filtrar os corpos que você segue nas redes sociais. “Se são perfis de pessoas muitos magras que te fazem se sentir frustrada, querendo ter um corpo igual, procure por alguém que tenha um corpo mais parecido com o seu, ou até pessoas que são diferentes, para você treinar o seu olhar a ver beleza em outros tipos de corpos”.